sábado, 31 de janeiro de 2015

Bernardo Kucinski fala seu livro "Cartas a Lula"


Bernardo Kucinski, no Carta Maior
postado em: 30/01/2015 Sinopse: Durante o mandato presidencial de Lula, entre os anos de 2003 e 2006, Bernardo Kucinski atuou como assessor especial da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República e reúne nesse livro impressos escritos diariamente guardados em envelopes e entregues ao presidente na primeira hora do dia. As cartas narram de forma exclusiva o processo de criação do Fome Zero, os embates em torno do salário-mínimo e o estouro do escândalo do mensalão.  De forma crítica e direta, os informativos, também usados para pautar as reuniões diárias da cúpula do governo, comentam os principais temas veiculados na mídia e que seriam decisivos na vida do Brasil. Cartas a Lula revela as decisões e posições adotadas pelo presidente, e apresenta uma maneira singular de conhecer a história recente do país.


Abaixo, texto de Bernardo Kucinski sobre seu livro:

Antigamente se dizia que governar é abrir estradas. No governo Lula eu diria que governar era enfrentar crises. As crises nunca faltaram. Começaram antes mesmo da posse, com a campanha de terrorismo financeiro que levou Lula a fazer um acordão com os bancos para ter condições de governabilidade. Avalizado por Palocci e Meirelles, esse pacto não escrito, mas que incluía metas de contenção de gastos,  amarraria suas mãos e travaria o governo durante os dois primeiros anos de mandato, provocando forte tensão interna e deprimindo o presidente.

Assumido o governo deu-se de cara o caos em torno do programa Fome Zero. Caminhões e caminhões de mantimentos eram enviados ao governo por grandes empresas pressurosas em agradar e não se sabia o que fazer com aquilo tudo. Esse foi o tema principal das primeiras Cartas Criticas. Desse programa, no entanto, surgiria depois o Bolsa Família, uma revolução que instituiu o pobre como sujeito de direitos de cidadania e exigiu para o seu funcionamento a criação do primeiro cadastro nacional dos pobres, base de todas as atuais políticas publicas de cunho social.

Seguiu-se a batalha da reforma da previdência, principal projeto de reformas do governo Lula. Uma reforma necessária devido às transformações demográficas no país, mas que contrariava as bases sindicalistas do petismo. A Carta Crítica tentou desenvolver os argumentos lógicos pela reforma que foram pouco aproveitados. A muito custo, a reforma acabou emplacando e sua seqüela foi o fenômeno Psol, o surgimento de uma oposição ao PT pela esquerda, tratada numa Carta Especial.

Ao mesmo tempo, instalava-se o imbróglio das rádios comunitárias, perseguidas pelo Ministério das Comunicações no governo Lula, mais ainda que nos anteriores. Muitas eram falsamente comunitárias, outras de proselitismo religioso. Para desgosto profundo de Lula e decepção do campo popular, nada se resolveu. Foi um dos problemas que a Casa Civil, toda poderosa no governo Lula, delegava a uma comissão especial para propor soluções que nunca saiam.  

Em agosto desse primeiro ano de mandato ocorreu a tragédia de Alcântara: a explosão do foguete que matou 21 técnicos e dirigentes do nosso programa espacial. Lembro que na ocasião senti no desastre uma espécie de prenúncio do que seria o governo Lula. Felizmente meu pressentimento estava furado. Mas a tragédia nos atrasou em vinte anos nosso programa espacial. Alcântara para mim é até hoje o símbolo da nossa condição de sociedade periférica, dependente e sem um projeto nacional. A natureza nos deu ali o melhor local do planeta terra para o lançamento de foguetes e no entanto até hoje não fizemos daquilo uma indústria rentável, um polo de lançamentos a serviço de todos os países.

Nessa mesma época a Carta Crítica começa a abordar a questão dos mortos e desaparecidos durante a ditadura, a partir de extensas matérias e documentos inéditos publicados pelo Correio Braziliense sobre a guerrilha do Araguaia. Vivia-se um paradoxo. Muitos dos presos ou torturados durante a ditadura estavam agora no governo, inclusive o presidente e o ministro chefe da Casa Civil. Tinham a tarefa de governar esse país gigantesco, atender demandas sociais reprimidas e solucionar problemas complexos. A revisão dos horrores da ditadura, ao arriscar uma crise na relação com os militares não ajudaria. As cartas abordando esse tema algumas vezes até quase minha saída do governo, refletem essa contradição. Foi também meu desassossego com esse tema que me levou - entre outras razões -  a sair do governo pouco antes do final do mandato. Sentia crescente desconforto por estar no coração de um aparelho de Estado que a rigor não abjurara seus crimes, cometidos pouco tempo antes.

A análise da grande mídia, a condutora ideológica da oposição no governo Lula, ocupa lugar de destaque nas cartas. Já no primeiro semestre de governo, em junho, surgiu na mídia o escândalo do Banestado e das contas  CC5, criadas secretamente pela Circular numero 5 do Banco Central, usadas durante anos por centenas de pessoas e empresas para remeter divisas para exterior.  Foi criada uma  CPI que o governo administrou de modo hesitante, provocando muita critica da mídia.  É provável que por deter informações explosivas sobre o Banestado, José Dirceu tenha provocado a campanha que por fim o derrubaria dois anos depois. O mal estar do Banestado, como Carta Critica chamou esse episódio, acabou abafado.

Para produzir a Carta Critica não bastava saber o que se passava fora do governo, era preciso saber também o que se passava dentro. Conhecer as preocupações do presidente e suas reações às cartas. Minha equipe passou a investigar internamente o funcionamento do governo, principalmente  o que não funcionava. A imprensa pouco sabe desses assuntos. Assim nasceram, entre outras, as cartas sobre a crise da aftosa. Descobrimos um dos principais mecanismos que fazem com que o Brasil não funcione: todos os programas federais – o combate à aftosa era um deles - são implantados através de convênios com os Estados, a maioria incluindo contra-partidas. Se a Secretaria de Agricultura de um Estado não elabora um programa de combate à aftosa no seu estado e não o apresenta, não tem convênio. Não tem combate à aftosa. E muitas não o faziam. Daí os percalços que se vêem até hoje em programas como Mais Médicos, Minha Casa Minha Vida.

As dificuldades de projetos e políticas públicas decolaram, seja por ineficácia da máquina administrativa, seja pela negação das verbas pela equipe econômica, que foi objeto de muitas Cartas Criticas especiais mono temáticas. Assim produzimos a Carta Crítica especial sobre o couro Wet Blue que exportamos quase de graça para a China fabricar calçados que vão competir deslealmente com nossa indústria de calçados; sobre o ambicioso Plano Naval, criado para repor a frota sucateada pelo governo FHC; sobre as a ausências de campanhas para evitar o grande número de mortes no trânsito.  

Por iniciativa de Lula, as cartas passaram a ser entregues também a outros ministros, a começar pelo chamado núcleo duro do governo: Zé Dirceu, Palocci além de Gushiken que já recebia como meu chefe imediato. Logo foram incluídos outros ministros e auxiliares, em algumas ocasiões chegando a quinze destinatários, sempre em mãos, já impressas e em envelopes lacrados. Não circulavam pela intranet para evitar vazamentos.  Assim as cartas foram se tornando um instrumento coletivo de trabalho.  Várias vezes aborrecido com as cartas, Lula quis me demitir. No último momento recuava.

Um advogado a favor da destruição das empresas


J. Carlos de Assis* no Carta Maior

postado em: 30/01/2015
Assisti estupefato à entrevista do advogado Modesto Carvalhosa, apresentado como grande autoridade em Direito Comercial, ao programa Roda Viva, da Tevê Cultura: o tema em pauta era a punição das grandes construtoras contratadas pela Petrobras envolvidas na operação Lava Jato; o tema preferencial do entrevistado foi atacar os partidos da base aliada do Governo, e especialmente o PT. Até aí nada a objetar. Entretanto, assinale-se que nesse último caso quem fala não é o especialista em Direito de Empresas, mas um porta-voz do tucanato que destila preconceitos contra políticos e o Governo com espantosa leviandade.

Carvalhosa tem uma noção peculiar de democracia. Segundo ele, governo democrático era o de Fernando Henrique, pois Fernando Henrique exercia pessoalmente o governo que, assim, não era do PSDB. Já os governos Lula e Dilma não são democráticos porque quem governa é o PT. Isso se manifestaria sobretudo pelo aparelhamento do Estado e do Governo pelo PT e seus partidos aliados. Com isso, ficamos em dúvida sobre o papel do partido político numa democracia. Ao que o advogado quer, o partido escolhe o candidato e conduz a campanha, elege o presidente e, pronto, sai imediatamente de cena para não conspurcar o governo com sua participação direta!

Entretanto, examinemos um pouco mais de perto a questão do aparelhamento. Carvalhosa, um jurista, confunde Estado com Governo. Estado transcende ao Governo e suas instituições são mutuamente autônomas. Já Governo se confunde com Executivo, cabendo a este, uma vez eleito, escolher os seus quadros auxiliares, ministros etc. É do jogo democrático que o Governo escolha também os dirigentes de algumas instituições permanentes do Estado, pois, do contrário, cada uma dessas instituições – e não falo do Legislativo e do Judiciário – formaria uma casta na sociedade infensa ao jogo democrático.

A nomeação de ministros e dirigentes de entidades estatais pelo Governo escolhido pelo povo é uma contingência da democracia. Não cabe falar em aparelhamento. Não me consta que Fernando Henrique tenha colocado adversários políticos em postos de mando no Governo e na direção de entidades estatais. Por outro lado, também não me consta que os governos do PT – do qual não sou filiado e ao qual sempre fiz algumas restrições – tenha “aparelhado” a Polícia Federal, o Supremo Tribunal Federal, a Procuradoria Geral da República ou a direção de outras instituições que, constitucionalmente, o presidente nomeia.

Voltando a Carvalhosa, outra observação espantosa em sua entrevista foi a vinculação do escândalo na Petrobrás com o chamado “mensalão”. Que a opinião pública brasileira tenha sido empulhada pela mídia ao ponto de achar que o julgamento do “mensalão” foi justo é admissível, dada a fragilidade da sociedade diante de uma imprensa manipuladora. Mas um “jurista” dizer que o mensalão consistiu em compra de votos, inclusive de parlamentares do próprio PT, com dinheiro público é um insulto à inteligência por parte de quem teria a obrigação moral de tomar conhecimento dos autos em sua integralidade.

Voltemos ao tema central da entrevista: Carvalhosa quer quebrar judicialmente as empresas com contratos suspeitos com a Petrobras. As empresas, não só os diretores, tem “culpa”, por isso tem que pagar.  Esse é o foco. Seja tudo pela luta contra a corrupção: se isso significar a demissão de 500 mil empregados das empreiteiras, e outro milhão de empregados indiretos; se isso significa sucatear a tecnologia nacional; se isso significa entregar o mercado de construção e do setor petróleo às ávidas empreiteiras externas, tudo bem: É uma forma de depurar a sociedade brasileira dos seus corruptos, matando de fome algumas centenas de milhares de trabalhadores que não tem absolutamente nada a ver com a corrupção.

Contrariamente à tese de Carvalhosa, a Presidenta Dilma teve seu melhor momento nesse episódio ao estabelecer claramente uma linha política de separação entre corruptos e corruptores, que devem ser punidos, e empresas, que devem ser preservadas. Felizmente, nesse caso, o Governo não se omitiu em posicionar-se. Em relação aos corruptos e corruptores, acho que a Lava Jato nos deve maiores explicações que vão além de simples delações premiadas. É preciso ter provas, e não encharcar a imprensa de informações fragmentadas e sensacionalistas. Por exemplo, a imprensa noticiou amplamente que Cerveró recebeu uma propina de US$ 40 milhões. É muito dinheiro. Mas onde está a prova?

Enquanto gente como Carvalhosa quer quebrar as empresas de construção brasileiras, os Estados Unidos, origem dessa campanha contra a Petrobras, sabe tratar muito bem suas corporações, cuja corrupção está longe de ser comparada ao que acontece no Brasil. Por exemplo: o Citigroup e o Bank America cometeram fraudes bilionárias no mercado imobiliário; ninguém, pessoalmente, foi punido. As empresas, por sua vez, aceitaram, cada uma, pagar multa de US$ 20 bilhões para encerrar o processo – algo que apenas fez cócegas no orçamento delas. Ao lado disso, tivemos o escândalo da Libor, do Deutche Bank e do UBS (operações de câmbio), sendo que não vi nenhum luminar jurídico do primeiro mundo defender a quebra desses bancos. Sintomaticamente, também não li nada a respeito na imprensa brasileira.

Para não falar que estamos defendendo a impunidade absoluta das empresas, sugiro que, no caso de desvios e corrupção comprovados, os responsáveis pessoais sejam devidamente julgados e punidos, enquanto, para as empresas, sejam estipulados, além do ressarcimento do dano, uma multa proporcional a sua capacidade de pagamento sem prejuízo de suas operações. E, uma vez cumprida a sentença, as empresas estejam livres para contratação pelo Estado das obras em que estão operando e de novas obras, com o devido cuidado contra novos atos de corrupção, usando o que me parece ser a única sugestão válida de Carvalhosa: o instrumento do performance bond, isto é, o seguro de desempenho do contrato. Do contrário, o prejuízo para a sociedade e o Estado, em casos de corrupção, será muito maior por causa da conversão de muitas obras que estão em andamento em elefantes brancos, assim como em face do retardamento de outras obras urgentes que temos que fazer.

*Economista, doutor pela Coppe-UFRJ, professor de Economia Internacional da UEPB




sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

O TERROR, O "OCIDENTE", E A SEMEADURA DO CAOS.

Por Mauro Santayana, no "Jornal do Brasil"

"Há alguns dias, terroristas franceses, ligados, aparentemente, à Al Qaeda, atacaram a redação do jornal satírico parisiense "Charlie Hebdo", em represália pela publicação de caricaturas sobre o profeta Maomé.

Doze pessoas foram assassinadas, entre elas alguns dos mais famosos cartunistas e intelectuais do país, e dois cidadãos de origem árabe, um deles, estrangeiro, que trabalhava há pouco tempo na publicação, e um membro das forças de segurança que estava nas imediações.

Logo em seguida, houve, também, outro ataque, a um supermercado kosher na periferia de Paris, em que quatro judeus franceses e estrangeiros morreram.

Dias depois, milhões de pessoas e personalidades de vários países do mundo, se reuniram nas ruas da capital francesa, para protestar contra o atentado, e se manifestar contra o terrorismo e pela liberdade de expressão.

Na mesma primeira quinzena de janeiro, explodiram carros-bomba, e homens-bomba, também ligados a grupos radicais islâmicos, no Líbano (Beirute), na Síria (Aleppo), na Líbia (Benghazi), e no Iraque (Al-Anbar), com dezenas de mortos, em sua maioria civis.

Mas, como sempre, não seria normal esperar que algum desses fatos tivesse a mesma repercussão do atentado em Paris, capital de um país europeu, ou que a alguém ocorresse produzir cartazes e neles escrever "Je suis Ahmed", ou "Je suis Ali", ou "Je suis Malak", Malak Zahwe, a garota brasileira, paranaense, de 17 anos, que morreu na explosão de um carro-bomba, junto com mais quatro pessoas (20 ficaram feridas), no dia 2 de janeiro, em Beirute.

No entanto, os homens, mulheres e crianças, mortos, todos os dias, no Oriente Médio e no Norte da África, são tão frágeis e preciosos, em sua fugaz condição humana, quanto os que morreram na França, e vítimas dos mesmos criminosos, criados pela onda de radicalização e rápida expansão do fundamentalismo islâmico, nos últimos anos.

Raivosas, autoritárias, intempestivas, numerosas vozes se alçaram, em vários países, incluído o Brasil, para gritar - em raciocínio tão ignorante quanto irascível - que o terrorismo não tem que ser "compreendido" e, sim, "combatido".

Os filósofos e estrategistas chineses ensinam, há séculos, que sem conhecê-los, não é possível vencer os eventuais adversários, nem mudar o mundo.

Além disso, não podemos, por aqui, por mais que muitos queiram emular os países "ocidentais", em seu ardoroso "norte-americanismo" e "eurocentrismo", esquecer que existem diferenças históricas, e de política externa, entre o Brasil, os EUA, e países da OTAN como a França.

Podemos dizer que "Somos Charlie", porque defendemos a liberdade e a democracia, e não aceitamos que alguém morra por fazer uma caricatura, do mesmo jeito que não podemos aceitar que uma criança pereça bombardeada pela OTAN no Afeganistão ou na Líbia, ou porque estava de passagem, no momento em que explodiu um carro-bomba, por um posto de controle em Aleppo, na Síria.

Mas é preciso lembrar que, ao contrário da França, nunca colonizamos países árabes e africanos, não temos o costume de fazer charges sobre deuses alheios em nossos jornais, não jogamos bombas sobre países como a Líbia, não temos bases militares fora do nosso território, não colaboramos com os EUA em sua política de expansão e manutenção de uma certa "ordem" ocidental e imperial, e, talvez, por isso mesmo - graças à sábia e responsável política de Estado, que inclui o princípio constitucional de não intervenção em assuntos de outros países - não sejamos atacados por terroristas em nosso território.

As raízes dos atentados de Paris, e do mergulho do Oriente Médio na maior, e, com certeza, mais profunda tragédia de sua história, não está no Al Corão ou nas charges contra o Profeta Maomé, embora essas últimas possam ter servido de pretexto para ataques como o que ocorreu em Paris.

Elas começaram a se tornar mais fortes, nos últimos anos, quando o "ocidente", mais especificamente alguns países da Europa e os EUA, tomaram a iniciativa de apoiar e insuflar, usando também as redes sociais, o "conto do vigário" da "Primavera Árabe" em diversos países, com a intenção de derrubar regimes nacionalistas que, com todos os seus defeitos, tinham conquistado certo grau de paz, desenvolvimento e estabilidade para seus países nas últimas décadas.

Inicialmente promovida, em 2011, como "libertária", "revolucionária", a "Primavera Árabe" iria, no curto espaço de três anos, desestabilizar totalmente a região, provocar massacres, guerras civis, golpes de Estado, e alcançar, por meio da intervenção militar direta e indireta da OTAN e dos EUA em vários países, a meta de tirar do poder, a qualquer custo, regimes que lutavam para manter um mínimo de independência e soberania em suas relações com os países mais ricos.



Quando os EUA, com suas "primaveras" - que não dão flores, mas são fecundas em crimes e cadáveres - não conseguem colocar no poder um governo alinhado com seus interesses, como na Ucrânia e no Egito, jogam irmão contra irmão e equipam com armas, explosivos, munições, terroristas, bandidos e assassinos para derrubar quem estiver no comando do país.

O objetivo é destruir a unidade nacional, a identidade local, o Estado e as instituições, para que essas nações não possam, pelo menos durante longo período, voltar a organizar-se, a ponto de tentar desafiar, mesmo que em pequena escala, os interesses norte-americanos.

Foi assim que ocorreu com a intervenção dos EUA e de aliados europeus como a Itália e a França - contra a recomendação de Brasil, Rússia, Índia e China, no Conselho de Segurança da ONU - no Iraque, na Líbia e na Síria.

Durante décadas, esses países - com quem o Brasil tinha, desde os anos 1970, boas relações - viveram sob relativa estabilidade, com a economia funcionando, crianças indo para a escola, e diferentes etnias, religiões e culturas dividindo, com eventuais disputas, o mesmo território.

Estradas, rodovias, sistemas de irrigação, foram construídos - também com a ajuda de técnicos, operários e engenheiros brasileiros - com os recursos do petróleo, e países como o Iraque chegavam a importar automóveis, como no caso de milhares de Volkswagen Passat fabricados no Brasil, para vender aos seus cidadãos de forma subsidiada.

Na Líbia de Muammar Kadafi, segundo o próprio "World Factbook" da CIA, 95% da população era alfabetizada, a expectativa de vida chegava, para os homens, segundo dados da ONU, a 73 anos, e a renda per capita e o IDH estavam entre os maiores do Terceiro Mundo, mas esses dados nunca foram divulgados normalmente pela imprensa "ocidental".

Pode-se perguntar a milhares de brasileiros que estiveram no Iraque, que hoje têm entre 50 e 70 anos de idade, se, naquela época, sunitas e xiitas se matavam aos tiros pelas ruas, bombas explodiam em Basra e Bagdá todos os dias, como explodem hoje, a qualquer momento, também em Trípoli ou Damasco, ou milhares de órfãos tentavam atravessar montanhas e rios sozinhos, pisando nos restos de outras crianças, mortas em conflitos incentivados por "potências" estrangeiras, ou tentavam sobreviver caçando, a pedradas, ratos por entre escombros das casas e hospitais em que nasceram.

São, curdos, xiitas, sunitas, drusos, armênios, cristãos maronitas, inimigos?

Antes, trabalhavam nos mesmos escritórios, viviam nas mesmas ruas, seus filhos frequentavam as mesmas salas de aula, mesmo que eles não tivessem escolhido, no início, viver como vizinhos.

Assim como no caso de hutus e tutsis em Ruanda, e em inúmeras ex-colônias asiáticas e africanas, as fronteiras dos países do Oriente Médio foram desenhadas, na ponta do lápis, ao sabor da vontade do Ocidente, quando da partilha do continente africano por europeus, obedecendo não apenas ao resultado de "Conferências" como a de Berlim, em 1884, mas também à máxima de que sempre se deve "dividir para comandar", mantendo, de preferência, etnias de religiões e idiomas diferentes dentro de um mesmo território ocupado pelo colonizador.

Eram Saddam Hussein e Muammar Kadafi, ditadores? É Bashar Al Assad, um déspota sanguinário?

Quando eles estavam no poder, não havia atentados terroristas em seus países.

E qual é a diferença deles e de seus regimes, para os líderes e regimes fundamentalistas islâmicos comandados por xeques e emires, na mesma região, em que as mulheres - ao contrário dos governos seculares de Saddam, Kadafi e Assad - são obrigadas a usar a burka, não podem sair de casa sem a companhia do irmão ou do marido, se arriscam a ser apedrejadas até a morte ou chicoteadas em caso de adultério, e não há eleições, a não ser o fato de que esses regimes são dóceis aliados do "ocidente" e dos EUA?

Se os líderes ocidentais viam Kadafi como inimigo, bandido, estuprador e assassino, por que ele recebeu a visita do primeiro-ministro britânico Tony Blair, em 2004; do Presidente francês Nicolas Sarkozy - a quem, ao que tudo indica, emprestou 50 milhões de euros para sua campanha de reeleição - em 2007; da Secretária de Estado dos EUA, Condoleeza Rice, em 2008; e do primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi em 2009?

Por que, apenas dois anos depois, em março de 2011 - depois de Kadafi anunciar sua intenção de nacionalizar as companhias estrangeiras de petróleo que operavam, ou estavam se preparando para entrar na Líbia (Shell, ConocoPhillips, ExxonMobil, Marathon Oil Corporation, Hess Company) -  esses mesmos países e os EUA, atacaram, com a desculpa de criar uma "Zona de Exclusão Aérea" sobre o país, com 110 mísseis de cruzeiro, apenas nas primeiras horas, Trípoli, a capital líbia, e instalações do governo, e armaram milhares de bandidos - praticamente qualquer um que declarasse ser adversário de Kadafi - para que o derrubassem, o capturassem e finalmente o espancassem, a murros e pontapés, até a morte?

Ora, são esses mesmos bandidos, que, depois de transformar, com armas e veículos fornecidos por estrangeiros, a Líbia em terra de ninguém, invadiram o Iraque e, agora, a Síria, e se uniram para formar o Estado Islâmico, que pretende erigir uma grande nação terrorista juntando o território desses três países, não por acaso os que foram mais devastados e destruídos pela política de intervenção do "ocidente" na região, nos últimos anos.

Foram os EUA e a Europa que geraram e engordaram a cobra que ameaça agora devorar a metade do Oriente Médio, e seus filhotes, que também armam rápidos botes no velho continente. Serpentes que, por incompetência e imprevisibilidade, depois da intervenção na Líbia, a OTAN e os EUA não conseguiram manter sob controle.

Os Estados Unidos podem, pelo arbítrio da força a eles concedida por suas armas e as de aliados - quando não são impedidos pelos BRICS ou pela comunidade internacional - se empenhar em destruir e inviabilizar pequenas nações - que ainda há menos de cem anos lutavam desesperadamente por sua independência - para tentar estabelecer seu controle sobre elas, seu povo e seus recursos, objetivo que, mesmo assim, nunca conseguiram alcançar militarmente.

Mas não podem cometer esses crimes e esses equívocos, diplomáticos e de inteligência, e dizer, cinicamente, que o fizeram em nome da "defesa da Liberdade e da Democracia".

Assim como não deveriam armar bandidos sanguinários e assassinos para combater governos que querem derrubar, e depois dizer que são contra o terrorismo que eles mesmos ajudaram a fomentar, quando esses mesmos terroristas, além de explodir bombas e matar pessoas em Bagdá, Damasco ou Trípoli, todos os dias, passam a fazer o mesmo nas ruas das cidades da Europa ou dos próprios Estados Unidos.

O "terrorismo" islâmico não nasceu agora.

Mas antes da balela mortífera da "Primavera Árabe", e da Guerra do Iraque, que levou à destruição do país, com a mentirosa desculpa da posse, por Saddam Hussein, de armas de destruição em massa que nunca foram encontradas - tão falsa quanto o pretexto do envolvimento de Bagdá no ataque às Torres Gêmeas, executado por cidadãos sauditas, e não líbios, sírios ou iraquianos - não havia bandos armados à solta, sequestrando, matando e explodindo bombas nesses três países.



Hoje, como resultado da desastrada e criminosa intervenção ocidental, o terror do Estado Islâmico, o ISIS, controla boa parte dos territórios e da sofrida população síria, iraquiana e líbia, e, a partir deles, está unindo suas conquistas em torno da construção de uma nação maior, mais poderosa, e extremamente mais radical do ponto de vista da violência e do fundamentalismo, do que qualquer um desses países jamais o foi no passado.



O ataque terrorista à redação e instalações do semanário francês "Charlie Hebdo", e do Mercado Kosher, em Vincennes, Paris, foram crimes brutais e estúpidos.

Mas não menos brutais, e estúpidos, do que os atentados cometidos, todos os dias, contra civis inocentes, entre muitos outros lugares, como a Síria, o Iraque, a Líbia, o Afeganistão.

Quem quiser encontrar as sementes do caos que também atingiram, em forma de balas, os corpos dos mortos do "Charlie Hebdo" poderá procurá-las no racismo de um continente que se acostumou a pensar que é o centro do mundo, e que discrimina, persegue e despreza, historicamente, o estrangeiro, seja ele árabe, africano ou latino-americano; e no fundamentalismo branco, cristão e rançoso da direita e da extrema direita norte-americanas, cujos membros acreditam piamente que o Deus vingador da Bíblia deu à "América" do Norte o "Destino Manifesto" de dirigir o mundo.

Em nome dessa ilusão, contaminada pela vaidade e a loucura, países que se opuserem a isso, e milhões de seres humanos, devem ser destruídos, mesmo que não haja nada para colocar em seu lugar, a não ser mais caos e mais violência, em uma espiral de destruição e de morte, que ameaça a sobrevivência da própria espécie e explode em ódio, estupidez e sangue, como agora, em Paris, neste começo de ano."


FONTE: escrito por Mauro Santayana, no "Jornal do Brasil". Transcrito no "Patria Latina"  ( http://www.patrialatina.com.br/editorias.php?idprog=d41d8cd98f00b204e9800998ecf8427e&cod=15009).

Miguel Rosseto fala aos blogueiros

http://www.ocafezinho.com/2015/01/29/miguel-rosseto-fala-aos-blogueiros-e-ao-brasil/

Sair da crise com forças revitalizadas

Haroldo Lima

Foi muito positivo a Petrobras ter encerrado o ano de 2014 com dois feitos retumbantes: no dia 16 de dezembro, na província do pré-sal, chegou a extrair 700 mil bep, um recorde e, cinco dias depois, em 21 de dezembro, outro recorde, o da produção diária de 2,3 milhões de bep. A grande estatal mostrava, pela ação de seus 80 mil petroleiros, que não se deixou alquebrar pela sanha das quadrilhas que a saqueavam.

O desmonte do esquema corrupto que operava na Petrobras deve ser completo, identificando responsáveis e punindo, de forma exemplar, os que agiam dentro da Petrobras e fora dela, nas 23 empresas apontadas como vinculadas ao esquema. Segundo um dos delatores, o esquema desbaratado funcionava há quinze anos, por isso que tem de ser vasculhado em profundidade.

No ambiente embaçado que nessas horas se forma, correntes procuram aproveitar a oportunidade para agitar bandeiras enfraquecedoras da Petrobras, como o fim da partilha da produção no pré-sal e, “se couber”, a própria privatização da companhia. São posições que nada têm a ver com a crise atual e tocam em pontos que devem permanecer inalterados na estatal.

Contudo, quadrilhas se estruturaram na Petrobras e seguramente criaram hábitos, costumes e conceitos a serviço do saque, que funcionaram, “dentro das normas”, anos a fio, sem despertar suspeita. É provável que tenha sido criada uma “legalidade da fraude”, nas entranhas da empresa. A governança revelou-se permeável à corrupção e por isso deve ser submetida à mais rigorosa devassa. A Petrobras, as estatais brasileiras e todo o esquema oficial que contrata o setor privado podem sair dessa crise devidamente revitalizados e mais preparados para cumprir suas atribuições. Os recordes apontados acima mostram que a Petrobras, livrando-se das quadrilhas de falsários, pode dar monumental volta por cima.

O processo de investigar crimes, punir culpados e impermeabilizar estruturas vulneráveis ao furto correspondem ao interesse nacional, pois que a Nação precisa de empresas fortes e saudáveis, públicas e privadas, para se desenvolver.

No momento, organismos jurídicos e políticos discutem procedimentos aplicáveis à situação. Dependendo do que for feito, resultados diferentes ocorreriam. Isto nos permite examinar cenários díspares que podem advir de caminhos legais em debate.

Um cenário é o das 23 grandes empresas brasileiras, citadas na fase investigatória, serem declaradas “inidôneas” e, por força de legislação existente, ficarem impossibilitadas de firmar contratos com o poder público. Aí, de uma só tacada, todas, ou quase todas as grandes empresas brasileiras de construção pesada ficariam fora das grandes obras a serem feitas no Brasil, praticamente todas contratadas pelo poder público. Em consequência, essas grandes obras brasileiras seriam “entregues” às empresas estrangeiras do ramo, enquanto as brasileiras, mesmo com o prestígio internacional que têm, caminhariam para o cadafalso. A desindustrialização precoce da economia brasileira cresceria e com ela sua desnacionalização.

Nesse cenário, a batalha contra a corrupção na Petrobras, mesmo que exitosa, teria dado um fruto desastroso – o fim da indústria nacional de construção pesada, ou sua transformação em um grupo de importância residual.

Apesar de frequentemente essas grandes empreiteiras abusarem do poder que têm no Brasil, sua liquidação seria um prejuízo para o país. Nisso ficamos de pleno acordo com a posição expressa da presidenta Dilma. Seria uma “ingênua” forma de combate à corrupção, que não levaria em conta as repercussões para a Nação. Veríamos, constrangidos, o entusiasmo das empresas estrangeiras assumindo sozinhas nossos maiores projetos. Passaríamos a impressão de termos concluído que, pelo menos na construção pesada, os empresários brasileiros são corruptos, e os estrangeiros, vestais impolutos.

O outro cenário partiria da convicção de que país algum se desenvolveu sem contar com indústrias nacionais sólidas e reafirmaria a disposição de não abrir mão do desenvolvimento como objetivo maior da nossa política. Repudiaria, como balela, a ideia de que a Petrobras foi envolvida em corrupção por ser estatal, como se, há pouco, fraudes monumentais não tivessem posto abaixo a gigante americana de energia, a Enron, que não era estatal, e que faliu em meio a escândalos, numerosos e graves, que levaram de roldão outras tantas companhias. Defenderia, finalmente, que a punição em pauta deve ser rigorosa com diretores e funcionários corruptos, da estatal e das empresas privadas onde agiam, mas não poderia sacrificar as forças produtivas empresariais, seu acúmulo, sua tecnologia e sua força de trabalho.

A devastação a que se chegaria no primeiro cenário, lembra-nos as palavras do oficial norte-americano William Haley, após a destruição da aldeia My Lai no Vietnam: “foi necessário destruí-la para salvá-la”. A situação a que se chegaria no segundo cenário recorda-nos o adágio chinês que diz ser “necessário tratar a doença para salvar o doente”.

O esquema corrupto que vai sendo desmascarado mostrou tentáculos, ainda a serem comprovados, com diretores de empresas, funcionários graduados, políticos. Delegados, promotores e juízes têm dado as cartas até aqui. Quando interesses nacionais começam a ser tocados, é hora de entrar em ação outras esferas de Poder, para encontrar as fórmulas que garantam que a impunidade não prevaleça, mas que tampouco os interesses nacionais sejam desrespeitados.

Haroldo Lima – é consultor na área de petróleo e foi diretor-geral da Agência

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Trabalhadores e patrões realizam nova negociação para definir o reajuste do Piso Salarial Estadual


Acontece nesta sexta-feira, dia 30 de janeiro, mais uma rodada de negociação para definir os valores do Piso Salarial Estadual para 2015. O encontro entre representantes dos trabalhadores e classe patronal está marcado para às 13h30min, na Fiesc (Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina), em Florianópolis. A negociação começou ano passado e a terceira rodada foi em 8 de janeiro, mas a proposta da classe patronal não foi aceita pela Comissão dos Trabalhadores, coordenada pelo diretor sindical do Dieese, Ivo Castanheira. Segundo ele, o avanço foi pequeno. Ofereceram 7% de reajuste na segunda rodada e 7,5% na terceira rodada.
Para Ivo Castanheira, que também é diretor da Fecesc (Federação dos Trabalhadores no Comércio de Santa Catarina), “o processo negocial estabelecido há cinco anos em Santa Catarina é de grande importância e nós sabemos que podemos chegar a um bom termo para os trabalhadores e também para o setor empresarial”. Ele lembrou que diversas centrais sindicais e federações de trabalhadores participam do processo, com assessoria do Dieese, assim como os representantes da indústria e federações patronais de diversos segmentos econômicos do estado participam desta experiência única no país: “Vamos realizar quantas rodadas de negociação sejam necessárias para fechar este acordo e manter esse processo histórico”, ponderou. (Com informações e foto da jornalista Sandra Werle/Fecesc).

Piso Fiesc 08.01.15.jpg

“Antes tínhamos os sem-casa, agora estamos criando os ‘sem-cidade’”

do Brasil de Fato



Reprodução
Urbanista Raquel Rolnik fala sobre a crise das cidades no Brasil e como a ideia de estruturá-la a partir do transporte público pode ser algo revolucionário
 29/01/2015
Bruno Pavan,

De São Paulo (SP)
 A urbanista e professora Raquel Rolnik, da Universidade de São Paulo (USP), é inquieta por natureza. Desde o seu modo agitado de responder as perguntas dessa entrevista até a sua inquietação com os problemas das cidades modernas, zona de conforto não é algo com que ela trabalhe.
 Apesar dos avanços da entrada de milhares de pessoas no mercado consumidor, Raquel reforça a tese de que “da porta pra fora, nada mudou”. Ela também critica a gestão do Ministério das Cidades. “Num momento em que era absolutamente necessário fazer uma revolução nas cidades [...], estamos colocando no comando da política urbana no Brasil quem historicamente se beneficiou dela como ela sempre foi.”
 Ela também considera que as prefeituras devem comprar a briga da crise da água no estado de São Paulo. “Isso não pode ser uma decisão da empresa que vende a água, isso é uma decisão política, e como decisão política ela deve ser tomada pelos cidadãos liderados pela prefeitura”, criticou.

Brasil de Fato – De 2013 pra cá, o debate em torno da importância das cidades vem sendo pautado pelos sem-teto, pelo Passe Livre e mais recentemente em torno da questão da água. Por que as cidades apareceram com tanta ênfase no debate político?
 Raquel Rolnik –  Junho de 2013, na verdade, representou uma espécie de encontro nas ruas de uma série de organizações e mobilizações que já havia acontecendo desde o começo do milênio. Em 2013, elas têm diretamente a ver com o fato de que uma política geral macroeconômica que foi conduzida pelo governo Lula foi uma política de inclusão via consumo no mercado. Isso foi importantíssimo no sentido que jamais havia sido feito antes. As cidades sempre foram pensadas para privilegiar a mobilidade de poucos. Transporte coletivo era coisa de pobre, era uma política de quinta e que servia somente como extração de renda para os concessionários. Interessava como negócio, nunca como serviço. Na hora em que é ampliado o acesso ao mercado, os automóveis e motocicletas começaram a disputar o mesmo espaço que os 30% de quem tinha carro no início dos anos 2000. Como o alto número de carros congestionou tudo, se criou a crise da mobilidade que expôs o modelo segregado e excludente de cidade. Diante disso, a tarifa e o transporte são a ponta do iceberg, que coloca nu um modelo de cidade que bloqueia o acesso à cidade. Tem muito  a ver a explosão de 2013 com essa emergência da pauta urbana. As pessoas falavam: da casa pra dentro eu comprei TV, posso viajar, eu tenho computador, eu como muito melhor do que comia, mas da casa pra fora, ou seja, do nível do público,
da dimensão pública da vida ficou tudo uma porcaria, não mudou nada! Percebeu que não se compra cidadania no feirão da Caixa ou numa concessionária de carro. O que se demanda é uma transformação na dimensão pública, e a cidade é uma expressão mais clara e evidente disso. Temos que entender isso como um ciclo político porque movimentos de moradias já existiam, o que acontece agora é uma espécie de nova geração de movimentos de moradias que têm menos compromissos políticos com a institucionalidade existente e mais capacidade de mobilização.
 Sobre essa questão das cidades serem excludentes, algumas políticas estão sendo adotadas, como a implantação do plano diretor em São Paulo. Qual a importância dele, onde você acha que ele vai evoluir e onde não vai?
O Plano Diretor não é varinha de condão. Temos um modelo predominante de planejamento de gestão da cidade histórico, guiado pelo lucro imobiliário, extração de renda, isso é um modelo hegemônico, as transformações têm que ser muito mais radicais, e não é no campo de um documento que isso acontece. O que o plano fez foi traçar limites, dentro desta ordem dominante, que se bem apropriados pelos protagonistas destas lutas podem possibilitar avanços. Um exemplo é a histórias das Zonas Especiais Intersocial (ZEIS), é muito interessante a trajetória deste instrumento. Quando eu me formei em urbanismo nos anos de 1970, se pegava os mapas das cidades e não apareciam as favelas e periferias, era como elas não existissem. O primeiro movimento a fazer com que eles existissem foi o movimento para demarcar as favelas e alojamentos irregulares, como Zonas Especiais Intersocial, permitindo que eles fossem regularizados, depois este evoluiu um pouco no entendimento que da mesma maneira que o zoneamento reservava a terras para o uso comercial, residencial ou industrial, ele deveria reservar terras para a habitação popular. Então foram criadas as ZEIS de áreas vazias e subutilizadas. E isso tem avançado, em São Paulo tem sido um instrumento importante, não é algo que revoluciona já a cidade, mas é um avanço na luta pela moradia, um instrumento político fundiário. Esse plano também deu uma guinada porque a cidade está dando uma guinada cultural também na direção da valorização do transporte público como elemento estruturador da cidade e não as vias por automóvel. Agora o plano em si mesmo não produz nada, existe uma luta permanente pra que essas coisas sejam implementadas.
 Uma das coisas que estão na pauta é cobrar mais IPTU de prédios que não cumprem a função social, qual o avanço que isso traz?
Isso é uma coisa que já está definida desde a Constituição de 1988 e que até hoje não se implementa nas cidades. O IPTU nasceu diante da demanda que estava presente na emenda popular sobre a reforma urbana para combater a especulação imobiliária e sair em defesa da função social da cidade e da propriedade. O IPTU progressivo é uma instrumentalização dessa política no sentido de que a propriedade que não tivesse cumprindo a função social que o Plano Diretor lhe atribui estará sujeita a sanções e uma delas é que se ela não for ocupada vai ter que pagar um IPTU cada vez mais alto. Depois de mais de 20 anos, parece que vão realmente colocar essa cobrança em prática. Já tem uma lei aprovada no Estatuto da Cidade em 2001, no Plano Diretor de 2002 e uma regulamentação municipal. Não tem mais justificativa para não aplicá-lo.
 Iniciativas como a faixa exclusiva de ônibus e as ciclofaixas que estão sendo implantadas em São Paulo mudam a relação das pessoas com a cidade?
 Completamente. A prioridade para o transporte coletivo é uma revolução urbanística. A cidade passa a ser muito mais suporte pra vida coletiva do que pro usufruto individual. Esse processo é lento, porque temos uma cidade pensada para o contrário disso, mas ele pode significar uma mudança muito importante.
 Em um artigo recente você diz que as prefeituras também deveriam agir na questão da água no estado. Quais as posições que elas poderiam tomar quanto a isso?
 A água se transformou em uma mercadoria que é vendida e comprada. Como toda a mercadoria ela tem como base o lucro da empresa e não o bem estar e a qualidade de vida das pessoas. O que nós estamos vivendo agora já é a escassez e nesse momento a pergunta que não quer calar é: quem vai ter acesso à água e quem não? Isso não pode ser uma decisão da empresa que vende a água, isso é uma decisão política, e como decisão política ela deve ser tomada pelos cidadãos liderados pela prefeitura. A capital e os municípios da região metropolitana vão ter que assumir uma posição em relação a isso e definir quais são as prioridades: quem define o bairro que vai ter água e o bairro que não vai ter? Quem define se os hospitais e as escolas vão ter água ou não? A discussão está posta agora e diante dela não se deve travestir essa discussão numa questão técnica que a Sabesp resolve. Evidentemente as prefeituras têm um receio de puxar pra elas o problema, mas o posicionamento é no sentido de que elas devem exigir do governo do estado e da Sabesp uma posição muito mais transparente essas decisões de quem vai ter água e quem não vai, porque no fundo se trata disso. De fato o racionamento já está acontecendo, por mais que o governador diga que não, a decisão foi tomada. Agora, quem resolveu isso? Quem discutiu isso? Quem achou que isso é o melhor? Não tem nenhuma transparência é uma coisa oculta e não pode ser tratada dessa maneira.
 No âmbito do governo federal, o ex-prefeito Gilberto Kassab foi escolhido para ser o ministro das Cidades, que gerencia programas com grandes verbas. Que sinal o governo passa com essa escolha?
 Não vejo nenhuma diferença em colocar o Kassab ou deixar o ministério sob o comando do PP. Abandonou-se o Ministério das Cidades e a pauta da reforma urbana entrou para dentro da bacia da governabilidade. Foi uma posição política tomada na eleição do Lula e nós estamos vendo as consequências que é o desastre da política habitacional e urbana no Brasil. Num momento que era absolutamente necessário fazer uma revolução nas cidades e uma mudança muito radical na política urbana, e que eu acredito que existiria apoio muito grande da população para essas mudanças, estamos colocando no comando da política urbana no Brasil quem historicamente se beneficiou dela como ela sempre foi. Só tem duas coisas só que interessam nas cidades: a terra como ativo financeiro e os ativos eleitorais. Infelizmente, nós estamos nessa sinuca de bico desde 2006, e a política urbana foi uma das sacrificadas.
 Alguns analistas, como por exemplo o Marcio Pochmann, acusa o Minha Casa Minha Vida de deixar o cidadão longe dos serviços básicos das cidades como praças e postos de saúde. Você concorda com essas críticas? Como você vê o programa?
 Ele teve o mérito de disponibilizar um grande subsídio do poder público na habitação, coisa que não havia sido feito nunca, de ter o Estado garantindo o acesso à habitação e isso foi muito importante. Entretanto, ele tem dois problemas fundamentais: o primeiro é que ele não é um programa habitacional, é uma política de casa própria individual e ela não atende a totalidade das demandas muito variadas que existem hoje no Brasil. Ele tem um modelo insustentável que atinge as famílias mais pobres que não têm a menor condição de pagar o condomínio. Outro problema é exatamente esse: como as casas são produzidas pelo mercado é ele quem define qual vai ser a localização dos empreendimentos e ela é sempre a pior possível, onde não tem cidade. Então a gente tinha os sem-casa e agora nós estamos criando os “sem-cidade”. Nós já vimos esse filme porque essa política já foi aplicada no Chile, no México e na África do Sul e as consequências foram desastrosas

Porque a mídia desprezou Noriel Roubini em sua visita ao Brasil?

http://bit.ly/1Es7Hoo

O ajuste que leva a mais ajuste no rumo da depressão

J. Carlos de Assis (*) no Carta Maior


Os governos mentem ou omitem por necessidade política. Quando o Banco Central eleva em meio ponto percentual a taxa básica de juros, dizendo que é para combater a inflação, é pura falsidade. A elevação dos juros é um mecanismo preventivo de crise cambial em face do altíssimo nível do déficit em conta corrente de 2014, da ordem de US$ 86 bilhões. Como esse déficit em sua maior parte só pode ser coberto com empréstimos externos, o aumento dos juros funciona como um atrator de capitais especulativos para fechar o rombo futuro.

Todos os analistas do ramo sabem disso, mas o grande público é mantido deliberadamente mal informado para que o choque de realidade não resulte em pressões políticas inaceitáveis pelos ditos ortodoxos neoliberais. Como se sabe, a macroeconomia brasileira está apoiada no tripé superávit primário, taxa de juros elevada e câmbio flutuante, ou livre. O déficit em conta corrente é produto, em grande parte, do câmbio valorizado. Para combatê-lo de forma eficaz seria necessário desvalorizar administrativamente o câmbio. Isso viola o tripé.

O déficit em conta corrente poderia inspirar também medidas heterodoxas do tipo limitação de viagens externas, controle de importações, limitação do uso de cartões de crédito no exterior etc. Isso, obviamente, é anátema para os neoliberais, principalmente por desagradar a classe média. Assim, o caminho “ortodoxo” é aumentar a taxa de juros até o nível em que os aplicadores estrangeiros acham que o Brasil e suas empresas e bancos são um bom risco. Ninguém fica incomodado, exceto os mutuários de empréstimos, mas estes não estão à altura dos interesses dos banqueiros.

O problema com a elevação dos juros é que são um tiro no pé. Com a entrada de capitais especulativos a taxa de câmbio “livre” tende a valoriza-se ainda mais, concorrendo para mais aumento do déficit em conta corrente. Pode ajudar a combater a inflação (os preços externos ficam mais baratos), mas não o crescimento, e é um círculo vicioso crescente para o qual os  remédios anunciados por Joaquim Levy e Tombini não estão claros. Se os ajustes fiscais e a alta de juros fossem medidas temporárias para resolver um problema conjuntural, viabilizando uma saída consistente a longo prazo, tudo bem. Mas trata-se de uma espiral ampliada de ajustes, levando inexoravelmente a mais ajustes e finalmente à depressão.

Anotem: este ano, se a marcha da macroeconomia for a anunciada sem outra novidades no plano estrutural, acrescentaremos um alto peso a um ciclo econômico já recessivo e terminaremos o ano com uma contração do PIB de 2 a 3%. Não é o que desejo, mas talvez seja o necessário para que o Governo implemente uma efetiva estratégia de desenvolvimento a médio e longo prazo, menos dependente dos fluidos conjunturais da macroeconomia. A ideia de que ajuste fiscal trará o aumento do investimento privado é uma sandice. Ajuste só leva a mais ajuste.

*Economista, doutor pela Coppe/UFRJ, professor de Economia Internacional da UEPB.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Um ano após inauguração, Porto de Mariel satisfaz aposta estratégica do Brasil em Cuba

Do Jornal Brasil de Fato


 
Ismael Francisco/ Cubadebate 
 
Nos últimos meses, investimento brasileiro de quase R$ 1 bi na instalação cubana se justificou com reaproximação entre governo cubano e Estados Unidos

27/01/2015
De Patrícia Dichtchekenian
Do OperaMundi

Em um ensolarado dia 27 de janeiro de 2014, a presidente do Brasil, Dilma Rousseff, e seu homólogo cubano, Raúl Castro, cortaram juntos e com a mesma tesoura a fita de inauguração do Porto de Mariel. O ato simbólico foi celebrado por uns, mas visto por outros como uma decisão adotada por questões ideológicas pelo governo brasileiro. Meses se passaram e a aposta estratégica passou a ser encarada com outros olhos após a reaproximação entre Washington e Havana.

Situado a menos de 200 quilômetros da Flórida, Mariel é atualmente o porto mais próximo do território norte-americano. Embora o local só tenha aparecido nos holofotes da imprensa internacional nos últimos anos, a cidade cubana desempenhou papel central na história moderna da ilha caribenha. Durante a crise dos mísseis de 1962, por exemplo, Mariel foi o estacionamento escolhido pelos russos para descarga de ogivas nucleares. Anos depois, em 1980, a região do porto foi foco de um êxodo de 120 mil cubanos que fugiram de balsa para os EUA, uma das principais ondas migratórias entre os dois países.

Motivos não faltam para o interesse brasileiro no local. Em primeiro lugar, Cuba é um país de 11 milhões de habitantes que importa mais de 80% dos alimentos que consome. Estimativas do Conselho Comercial Econômico Cuba-Estados Unidos também apontam que as importações de alimentos custem cerca de US$ 2 bilhões por ano ao governo de Raúl Castro.

Vale ressaltar, ainda, que as exportações brasileiras para a ilha quadruplicaram a US$ 450 milhões na última década, elevando o Brasil ao terceiro lugar na lista de parceiros da ilha, atrás apenas de Venezuela e China. Ou seja, um mercado interessante para sua vizinhança latino-americana, um potencial para exploração de empresas brasileiras que não têm – por enquanto – um rival do peso como os norte-americanos, por conta do embargo econômico imposto há mais de 50 anos por Washington.

No entanto, para Arturo López Levy, professor do Centro de Estudos Globais da Universidade de Nova York (NYU), mesmo com a expectativa de que o embargo caia nos próximos anos, isso não implicaria uma perda de influência brasileira. “Mais do que China e Rússia, o Brasil é a potência emergente que Cuba mais tem confiança”, define Levy, em entrevista a Opera Mundi por telefone.

Para o especialista, que nasceu na cidade cubana de Santa Clara, mas trabalha na academia norte-americana desde 2001, o porto de Mariel é a aposta estratégica mais importante do hemisfério neste momento. “O Brasil quer acompanhar a transição da economia de mercado cubana e o investimento em Mariel presume também a modernização do canal do Panamá e uma possível construção de um canal na Nicarágua, já que implica o aumento do fluxo de mercados no Caribe. É um local muito estratégico”, explica.

Vanguarda brasileira 

Durante os dois mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), o governo brasileiro desenvolveu uma série de estratégias na América Central para se aproveitar do momento em que a ilha caribenha abrisse a sua economia, contou a Opera Mundi Welber Barral, secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento entre 2007 e 2011, em 17 de dezembro de 2014, dia em que foi anunciada a reaproximação entre os governos norte-americano e cubano.

“O Brasil queria estar na frente e ter importante posição de vanguarda na hora que começasse uma abertura maior da economia cubana. A reaproximação dos EUA é mais um passo nesse sentido, mas deve se dar de forma paulatina”, declarou à época Barral, que também é conselheiro da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e professor no Instituto Rio Branco.
“Por volta de 2008 foram feitas várias avaliações, inclusive pelo Itamaraty, sobre uma paulatina abertura cubana”, recorda Barral. “A adesão norte-americana não esperávamos tão cedo, mas havia, sim, uma expectativa do Brasil de participar da economia cubana naquele momento”, acrescenta.

Socialismo encontra capitalismo 

Desde 2006, quando Raúl Castro assumiu a Presidência cubana de forma interina, a ilha passou a empreender uma série de reformas para flexibilizar e modernizar a economia local, chegando ao seu clímax com a inauguração de Mariel.

O porto cubano ainda apresenta outros benefícios próprios: além de ter grande profundidade e ser capaz de recepcionar navios maiores que a maioria das instalações portuárias do Caribe, Mariel foi formulado como uma zona econômica especial a apenas 45 quilômetros da capital, Havana.

Isso significa que o local tem uma legislação e regulamentação própria do investimento estrangeiro, fora da rigidez do sistema socialista cubano. “O objetivo da zona especial é o uso dessa área para desenvolver novas práticas econômicas. Servirá como um motor para dinamizar reformas econômicas cubanas”, sintetiza o professor da NYU.

Grosso modo, a zona especial cubana é uma área de livre comércio que tem como objetivo atrair o investimento estrangeiro para a ilha, com instalações modernas e incentivos fiscais favoráveis ao mercado. Em comparação com o resto da ilha, as empresas terão de enfrentar menos restrições à contratação, além de encargos fiscais mais baixos.
Para o governo cubano, é uma saída também para expandir a infraestrutura da ilha, aumentar as exportações e desenvolver projetos de alta tecnologia que vão criar empregos. "A zona é destinada a criar um clima especial, onde o capital estrangeiro vai ter melhores condições do que no resto do país", explicou o ministro do Comércio e do Investimento Estrangeiro de Cuba, Rodrigo Malmierca, durante uma visita em setembro passado, a Pequim.

A posição logística privilegiada não foi alvo apenas de investimentos brasileiros (o BNDES destinou uma verba de mais de US$ 800 milhões para financiamento), mas também de chineses e de outros países asiáticos. Embora a Odebrecht seja a responsável pela construção, o porto é operado pela empresa PSA International, de Cingapura.

Este projeto foi inspirado nos moldes chineses e vietnamitas implementados décadas atrás, embora ainda não se saiba ainda quais serão as consequências a longo prazo da abertura econômica cubana, com a reaproximação diplomática norte-americana. Se Cuba tomar a mesma direção que outros “Tigres Asiáticos” tomaram no passado, tudo dependerá em grande medida do investimento internacional injetado à ilha liderada pelos irmãos Castro. O que se sabe – por ora – é que o Brasil saiu na frente.

Vou trabalhar de graça para o governo

João Franzin, no Repórter Sindical.

 
Odeio trabalhar de graça. Mas, em nome do equilíbrio fiscal necessário, darei minha contribuição ao governo da presidente Dilma, em quem votei.
Antes, porém, cabe reafirmar princípios, que, como diz Fidel, são inegociáveis. O princípio, aqui, é que não se governa cortando do fraco. O alvo deve ser o forte. O fraco, quando muito, tem os seus direitos e “os direitos – como ensinava o professor Aníbal Fernandes – são a propriedade do povo”. Dos ricos (e fortes), aí sim se pode cortar.
Penso que não se governa sem firmeza ética. Portanto, quem prega sacrifícios tem de dar exemplo. Sendo assim, proponho:
a) Corte horizontal, de 50%, em todos os cargos de livre provimento, que pagam os melhores salários e muitas vezes a quem não vai trabalhar;
b) Redução das verbas de publicidade (em 30%) e nos apoios culturais de estatais – a Petrobras, se deixar, patrocina até briga de galo;
c) Rever todos (eu disse todos) os contratos com ONGs, pois grande parte é de fachada. Não se deve dar dinheiro a essa gente.
Mas isso é insuficiente. Portanto, avanço nas minhas propostas sugerindo um Refis amplo e efetivo para as pequenas e microempresas. Assim, elas zerariam suas dívidas e o Estado arrecadaria mais.
Ainda com relação às pequenas, mandaria o Sebrae ajudar de fato (não só na propaganda) na contabilidade, gerando economia de tempo e dinheiro e, também, agilizando a gestão das micro. Seria uma espécie de PAC na gestão, na cultura empreendedora.
Quanto às grandes empresas (e grandes devedoras), sem abrir mão do Refis, valeria acionar uma operação especial da Polícia Federal, pois muitos são típicos casos de polícia.
Uma providência urgente, presidenta, é a remessa de lucros das múltis. Mandaria a Receita e a Fazenda chamar as 100 maiores e apresentaria um plano: durante um ano, nem um centavo remetido à matriz. A reserva seria aplicada aqui, no setor produtivo. Caso houver recusa, faz-se a devassa nas contas dos executivos das múltis.
Não vou, prezada, tratar aqui de coisas macro, que requerem ações de longo prazo. Mas, como cidadão, apresento esse rol de sugestões efetivas. Feito isso, com transparência e olho no olho (primeiro, dando o exemplo e cortando na carne), aí sim eu recriaria a CPMF e deixaria de lado a ideia de cortar benefícios de aposentados.
Os fracos precisam de proteção do Estado e apoio para que amanhã não venham mais precisar. Abusos (como no seguro-desemprego) devem ser combatidos. Mas esse está longe de ser o grande problema nacional.
Saúde e paz, sra. presidenta. E, agora, dê-me licença, pois preciso trabalhar para quem me paga.

João Franzin é jornalista e coordenador da Agência Sindical.
E-mail:

joaofranzin@agenciasindical.com.br

Geografia e estratégia

http://wp.me/p15fon-xZa

Entrevista com o economista do governo do Syriza

Johanna Jaufer - ORF no site Carta Maior

   Johanna Jaufer entrevistou, para a TV pública austríaca ORF, o economista Yanis Varoufakis, que com grande probabilidade dirigirá as negociações do novo governo da esquerda radical grega Syriza com a troika.

- O senhor tem agora três semanas como político profissional...
Duas semanas.

- O senhor teve que pensar muito? Escreveu também em seu blog que as coisas te davam pânico.

Foi uma decisão grave. Primeiro, porque eu entrava na política para realizar uma tarefa que sempre pensei que deveria ocorrer, e me foi oferecida a oportunidade de por as mãos à obra. Tem a ver com as negociações entre a Grécia e a União Europeia: trata-se de um projeto e de uma perspectiva extremamente difíceis. Por outro lado, eu sou um acadêmico, um cidadão, um cidadão ativo, de modo que estou habituado a um tipo de diálogo no qual eu realmente aprendo com você e você comigo: teremos desacordos, mas através deles nossos respectivos pontos de vista se enriquecerão.

- Não é que um se imponha sobre o outro...

Exato. Mas na política é pior: cada parte trata de destruir a outra parte – diante do público –, e isso é algo que me é alheio, algo para o qual de forma alguma estou disposto a servir.

- E o que acontecerá com seu trabalho na universidade? O senhor o deixa em suspenso?

Sim, de fato. Deixei a Universidade do Texas. Mantenho minha cátedra na Universidade de Atenas – sem salário – e espero que não passe muito tempo antes de eu voltar.

- O senhor estaria disposto a permanecer em um governo por mais tempo?

Não. Não quero fazer carreira política. Idealmente, o que queria é que outro o fizesse, e que o fizesse melhor do que eu. Só que esta era a única chance para fazer algo que não se poderia fazer de outra forma. Não sou um profeta, de modo que não posso lhe dizer onde estarei em dois, três, cinco ou dez anos. Mas se me perguntar agora, o ótimo para mim seria que nosso governo tivesse êxito na negociação de um acordo com a Europa que tornasse a Grécia sustentável, e que logo outras pessoas, sabe... o poder deve ser rotativo, ninguém deveria se viciar nele.

O que foi publicado várias vezes na Alemanha e na Áustria é o assunto das reparações, porque a Alemanha escapou de pagar as reparações propriamente ditas após a II Guerra Mundial. Em sua opinião, por que isso aconteceu? Talvez porque alegaram que a Alemanha se encontrava dividida, e esperavam uma reunificação? Ou os norte-americanos alegaram que precisavam de uma Alemanha capaz de abrigar suas bases militares, o que deixava os reclamantes em suspenso? Ou foi uma combinação de ambas as coisas?

Foi uma combinação. Nos anos 40, os Aliados haviam decidido transformar de novo a Alemanha em um país camponês. Propuseram-se a desmantelar 700 fábricas industriais, e foram os norte-americanos que frearam esse plano. De modo que, sim, destruíram 700, mas logo mudaram de ideia. Mudaram por razões que têm a ver com o modo como os EUA estavam desenhando o capitalismo global: precisavam de uma moeda forte na Europa e uma moeda forte na Ásia (que acabaram sendo o marco alemão e o iene japonês), e todo o projeto da União Europeia se construiu em torno desse plano. Nós gostamos de pensar na Europa que a União Europeia foi nossa própria criação. Não foi. Foi um desenho norte-americano que logo nós adotamos e que, é claro, era congruente com o que desejávamos, com nossas aspirações. Parte desse desenho intentava estimular a economia alemã, tirá-la da depressão, tirá-la do poço em que se encontrava nos anos 40, e um componente importante de qualquer intenção de revitalizar uma economia passa por aliviar sua dívida, por uma remissão importante da dívida, por um perdão da dívida. Assim, em 1953 foi organizada a Conferência da Dívida de Londres, que resultou em uma remissão da dívida alemã em prejuízo de muitas nações, entre elas a Grécia. Mas a Grécia é um caso especial, porque a Alemanha havia contraído com ela uma dívida que não tinha com nenhuma outra nação: em 1943, a Kommandatur aqui, em Atenas, impôs ao Banco da Grécia uma acordo por meio do qual este banco imprimiria um monte de dracmas – dracmas de guerra – e o forneceria às autoridades alemãs para que estas pudessem comprar material, financiar seus esforços de guerra e acumular bens agrícolas para a Wehrmacht etc. O interessante é que as autoridades alemãs assinaram um contrato: deixaram por escrito a soma do dinheiro que pegavam emprestado. Prometeram pagar juros. Foi, portanto, um empréstimo formal. Os documentos ainda existem e se encontram em poder do Banco (Central) da Grécia. Nada parecido aconteceu com nenhum outro país. De tal forma que esta é uma dívida oficial, como um bônus, contraída com a Grécia em tempo de guerra pelo estado nazista alemão.

- O senhor conseguiria dar cifras precisas?

Cifras precisas. Não há como dizer, a dificuldade está em traduzir essa moeda de guerra, que chegou muito rapidamente a ser totalmente inflacionária por conta da quantidade de dracmas impressos. As autoridades alemãs, ao aceitar esse empréstimo do Banco da Grécia e fazer compras, desvalorizaram a moeda, o que teve enormes custos sociais secundários em toda a Grécia. É muito difícil computar exatamente quanto se traduz esse empréstimo em termos atuais, como compõem os juros como convertê-los, como calcular o custo da hiperinflação causada... Meu ponto de vista é que somos sócios; deveríamos deixar de moralizar, deveríamos deixar de nos apontar o dedo. A teoria econômica bíblica – "olho por olho, dente por dente" – deixa todo mundo cego e desdentado. Deveríamos, simplesmente, nos sentar com o mesmo espírito com que os EUA se sentaram em 1953, sem fazer perguntas como: "os alemães merecem castigo?", "é culpa ou é pecado?". Já sei que em alemão os dois conceitos – "culpa" e "dívida" – se expressam com a mesma palavra (Schuld), antônima de crédito. Deveríamos nos limitar a fazer esta simples questão: como podemos voltar a tornar a economia social sustentável, de tal modo que os cortes da crise grega sejam minimizados para o alemão médio, para o austríaco médio, para o europeu médio.

- Por que muita gente da Europa setentrional não temeu que os cortes de direitos sociais do anos 90 poderiam ser um presságio do mesmo tipo de coisa que agora está acontecendo aqui (na Grécia)?

Creio que tudo seja culpa de Esopo. Sua fábula da formiga e da cigarra: a formiga trabalha duro, não desfruta da vida, guarda dinheiro (ou valor), enquanto a cigarra se limita a vagabundear ao sol, a cantar e não fazer nada, e logo vem o inverno e coloca cada um em seu lugar. É uma boa fábula: desgraçadamente, na Europa predomina a estranhíssima ideia de que todas as cigarras vivem no Sul e todas as formigas, no Norte. Quando, na realidade, o que existem são formigas e cigarras em todo lugar. O que aconteceu antes da crise – é minha revisão da fábula de Esopo – é que as cigarras do Norte e as cigarras do Sul, banqueiros do Norte e banqueiros do Sul, digamos que por acaso se aliaram para criar uma bolha, uma bolha financeira que os enriqueceu enormemente, permitindo-lhes cantar e vagabundear ao sol, enquanto que as formigas do Norte e do Sul trabalham em condições cada vez mais difíceis, inclusive nos bons tempos: conseguir que as contas batessem em 2003, em 2004, não tornou as coisas nada fáceis para as formigas do Norte e do Sul; e logo quando a bolha que as cigarras do Norte e as cigarras do Sul haviam criado estourou, as cigarras do Norte e do Sul se puseram de acordo e decidiram que a culpa era das formigas do Norte e das Formigas do Sul. A melhor forma de fazer isso era enfrentar as formigas do Norte com as formigas do Sul, contando-lhes que no Sul só viviam cigarras. Assim, a União Europeia começou a se fragmentar, e o alemão médio odeia o grego médio, o grego médio odeia o alemão médio. Não tardará para que o alemão médio odeie o alemão médio, e o grego médio odeie o grego médio.

- Isso já começou, não?

Sim, já estamos vendo. E é exatamente o que aconteceu nos anos 30, e Karl Marx estava completamente equivocado quando disse que a história se repete como farsa. Aqui a história se repete, simplesmente.

- Em relação à decisão do sr. Draghi de inundar o mercado com bilhões de euros, vi que o senhor disse que isso é como usar uma pistolinha de água em um incêndio florestal.

Eu acredito que o sr. Draghi tem boas intenções. Quer manter unida a zona do euro, e é muito competente. Faz o que pode, dadas as suas restrições. Não tenho a menor dúvida – embora ele jamais o admitirá – de que entende cabalmente que o que está fazendo é muito pouco e muito tarde: uma pistolinha de água diante de um grande incêndio florestal. Mas ele acredita que até uma pistolinha de água é melhor do que nada. Se foi declarado um incêndio, ele preferiria usar um canhão de água, e teria preferido começar a usá-lo antes, mas isso não lhe foi permitido porque na Europa temos uma Carta do BCE que ata seus pés e suas mãos e o limita a ficar em seu quadrado para lutar contra o monstro da inflação, o que é muito justo para o BCE. E assim será enquanto a Europa não compreender o que é imperiosamente necessário do ponto de vista econômico para sustentar uma união monetária, enquanto não acabe de entender por que se dá toda essa fragmentação e a crescente renacionalização de tudo, incluída agora a flexibilização quantitativa do senhor Draghi (80% das compras de bônus serão realizadas pelos Bancos Centrais nacionais, como se estes existissem separadamente do BCE). Porque essa fragmentação e essa renacionalização é exatamente o oposto ao que deveríamos estar fazendo, que é dar as mãos, consolidar. Como os EUA se formaram? Cada vez que tinham uma crise – a Guerra Civil, a Grande Depressão – avançavam em sua união, nós dizemos que estamos fazendo isso com as "uniões bancárias" com os "Mecanismos Europeus de Estabilização", mas não é verdade. Criamos uma união bancária que não é uma união bancária, é uma desunião bancária, e a chamamos, ao modo orwelliano, de "união bancária". A Europa, dessa forma, não aprendeu as lições da história, e enquanto não mudarmos de rumo, é improvável que consigamos manter o conjunto da união.

- A respeito dos planos do Syriza para revitalizar a indústria da Grécia, Theodoros Paraskevopoulos disse que também é preciso recuperar as dimensões do setor farmacêutico, porque tem uma boa base. Como seria isso?

Eu que sei! Por alguma razão, temos boas empresas farmacêuticas que têm sólidas exportações. Precisamos ajudá-las e precisamos criar indústrias assim em outros setores também.

- Por exemplo?

Acho que temos excelentes programadores e engenheiros de software, de tal forma que deveríamos fazer algo parecido com o que Israel fez. Criar uma rede de pequenas empresas emergentes voltadas internacionalmente à exportação. Se algumas delas acabam sendo compradas pelo Google etc., não é uma coisa ruim. É o tipo de coisa que deveríamos planejar e apoiar, se pudermos.

- Em relação a atrair investidores estrangeiros à Grécia, existe alguma ideia parecida com associações público-privadas, algo em que os países da Europa setentrional conheceram muitos problemas no passado?

Eu não sou defensor das empresas público-privadas. Ali onde se ensaiaram fazer essas associações, sempre terminaram drenando recursos do Estado sem produzir qualquer valor significativo. Normalmente, foram exercícios de corte de gastos, e ao final, sem o menor efeito de desenvolvimento. Acho que devemos tender ao desenvolvimento de ativos públicos já existentes sem vendê-los – agora mesmo estamos liquidando e vendendo mal simplesmente para arrecadar fundos –, de modo que o dinheiro do setor privado, os fundos de investimento, possam vir e contribuir para o desenvolvimento de uma forma mutuamente benéfica. É um tipo de empreendimento público-privado, mas não no estilo feito pela Grã-Bretanha e outros países.

- Voltando à discussão do memorando: entre quais fatores o senhor acredita que a sr.ª Merkel está ligada?

Acho que a Alemanha se encontra dividida. Os interesses dos bancos em Frankfurt não são os mesmos que os dos bancos médios, da mesma forma que os interesses das pequenas e médias empresas na Alemanha central não são os mesmos que os da Siemens ou da Volkswagen etc. É muito diferente ter sua capacidade produtiva localizada exclusivamente na Alemanha, como as empresas pequenas e médias, ou estar embarcado em uma globalização e ter fábricas na China e no México. A sr.ª Merkel é uma política astuta e percebe – ou acredita perceber – que não existe um consenso entre esses interesses a respeito do que é preciso fazer com o euro, com o nosso Banco Central, com a periferia etc. A sr.ª Merkel simplesmente não moverá qualquer peça até que haja um consenso que garanta a sobrevivência política.

- Mas esse consenso não é possível.

Bom, veja você, por exemplo, o que aconteceu em 2012 com o anúncio unilateral por parte do sr. Draghi das Operações Monetárias sobre Títulos (OMT announcement), ou agora mesmo, com a Flexibilização Quantitativa. Verá que, quando começam a ouvir vozes que dizem: "Fiquem de olho, meus amigos, que a deflação está nos matando, temos que fazer alguma coisa", então a sr.ª Merkel pode se servir dessas vozes para dizer: "apoiarei o sr. Draghi, haja o que houver". Assim, não é um consenso-consenso, mas ela está calibrando as placas tectônicas movediças sob seus pés. E o modo como o faz é muito astuto. Eu a convidaria para pensar em seu legado para além da própria sobrevivência, e gostaria que considerasse a possibilidade de que em 10, 20 ou 100 anos, a Europa pudesse falar não apenas de um plano Marshall que salvou a Alemanha, mas também de um plano Merkel que salvou o euro.


*Yanis Varoufakis é um reconhecido economista greco-australiano de reputação científica internacional. É professor de política econômica na Universidade de Atenas e conselheiro do programa econômico do partido grego de esquerda Syriza. Atualmente, leciona nos EUA, na Universidade do Texas. Seu último livro, O Minotauro Global, para muitos críticos é a melhor explicação teórico-econômica da evolução do capitalismo nas últimas 6 décadas.

Tradução de Daniella Cambaúva

Gororoba brasileira e o ajuste à grega

Por Saul Leblon, no site Carta Maior:

A Grécia não é apenas um bloco monolítico de oprimidos, acossados pelo poder financeiro externo, sob o açoite de Frau Merkel.

Por trás das multidões desesperadas que afluíram às ruas e cercaram o parlamento nos últimos anos, tentando retomar o controle do seu destino, até o desenlace eleitoral deste domingo, existe a história pedagógica de um conflito entre a maioria da sociedade e os que detém a riqueza dentro dela.

Nisso a tragédia grega é um clássico.

Condensa o desatino de muitas nações nos dias que correm.

Seu impasse resultará insolúvel se for encarado apenas como um confronto com banqueiros obstinados em ordenhar juros de uma dívida impagável de 330 bilhões de euros.

Não que essa dimensão do enredo seja negligenciável.

Em uma população da ordem de 11 milhões de pessoas, a dívida grega equivale a uma cota da ordem de 30 mil euros por habitante.

Algo como R$ 350 mil reais por família composta de casal e dois filhos.

A chance de que haja um adulto desempregado dentro dela é alta; um em cada quatro trabalhadores está desocupado na Grécia.

A eletricidade de um milhão de lares foi cortada por falta de pagamento.

Nesse cenário de penúria, pagar a dívida equivale a condenar sucessivas gerações a um regime de servidão às ordens da banca.

A curto prazo a queda generalizada das taxas de juros no mundo - com exceções notáveis como é o caso brasileiro - deve aliviar a pressão sobre o novo governo pelo lado externo.

O programa do BCE de injeção de liquidez e o alongamento da dívida grega também ajudam.

Mas a guilhotina continua focada no pescoço do país.

Qualquer solavanco nas taxas de juros internacionais faria desabar a lâmina decapitando a sociedade e o Syriza.

A alternativa real depende de uma frente progressista que envolve avanços políticos em toda a Europa. Pode acontecer aos saltos a partir de agora.

Meta: substituir a austeridade suicida da troika por um plano Marshall de regeneração econômica da zona do euro.

É a tese de Yanis Varoufakis, economista de formação marxista, novo ministro da finança indicado pelo premiê Tsipras.

Em entrevista recente (leia nesta pág), o ministro alerta para outra agenda imediata e imperativa, que aproveite a nova correlação de forças eleitoral para romper o núcleo duro da encruzilhada grega.

Qual?

Nas palavras de Varoufakis: taxar os ricos e desmontar uma cleptocracia composta de banqueiros, meios de comunicação e seus aliados no Estado.
 
Na Grécia, enquanto o país apodrecia a plutocracia engordava.

A exemplo do que ocorre no Brasil, e em outros pagos, trata-se de uma elite alérgica à justiça tributária, cuja bandeira inoxidável, na crise ou fora dela, é a defesa desinteressada do arrocho fiscal e monetário.

Sempre em nome dos bons fundamentos da República - aqueles que vão garantir o que lhe interessa de fato: a proteção preventiva contra a taxação da riqueza e o superávit fiscal suficiente para abastecer o ralo insaciável dos juros.

Detentores de sólida endogamia com o sistema financeiro global, os endinheirados apátridas de todas as latitudes integram uma casta rentista que Piketty desnudou como o grande parasita do nosso tempo.

Essa gigantesca lombriga alojada no metabolismo das nações age determinada a engordar ininterruptamente, às custas, acima e à frente do crescimento da produção e do bem-estar coletovo.

‘Não estamos interessados apenas em voltar a 2010’, alerta o economista Yanis Varoufakis, como a esclarecer que a crise atual já vinha sendo chocada nos ovos da ameba cosmopolia, muito antes de explodir a desordem sistêmica em 2008.

Nisso sobretudo, ele tem algo a dizer em relação ao ajuste brasileiro que parece focado na mera restauração das condições internacionais pré-crise de 2008 - o que de resto parece ilusório diante das novas e adversas condições do comércio global.

Combater o privilégio tributário da elite será uma das trincheiras mais desafiadoras do governo Syriza.

‘Não é só um problema de evasão fiscal, mas sim de que grande parte da renda dos ricos nem sequer é tributada’, pontua Varoufakis puxando o fio de um outro gargalo clássico, que condensa na tragédia grega a encruzilhada de outros governos, partidos e nações.

Sob a sanguinária ditadura dos coronéis, que dominou o país de 1967 a 1974, a elite grega já vivia um período de fastígio e evasão fiscal ímpar.

O endividamento externo que hoje passa de 170% do PIB reflete em boa parte o complacente intercurso entre a farda truculenta e plutocracia fraudulenta.

Pesquisas indicam que sob o tacão dos coronéis menos de 100 mil abnegados pagavam imposto de renda na Grécia.

Era uma espécie de Olimpo no qual os sonegadores ocupavam o altar dos deuses.

Na democracia, uma tentativa de afrontar a evasão, com o rastreamento por satélite das piscinas nas mansões, foi driblada por uma corrida às capas de grama sintética...

Nas últimas décadas, a socialdemocracia, o Pasok, não teve a coragem de retirar as capas que recobriam privilégios e caixas milionários dos ricos, dos bancos e dos meios de comunicação.

O endividamento externo persistiu como uma solução de menor resistência.

Em vez de arrecadar das amebas gordas, optou-se pelo endividamento externo desenfreado, em sintonia com a lógica neoliberal.

A farra da liquidez e do crédito deu solvência ao modelo.

Com a adesão grega à União Europeia os controles ficariam mais rígidos.

O Tratado de Maastricht determina que o país membro não pode ostentar déficit fiscal superior a 3% do PIB.

A saída encontrada pelos governantes e cleptocratas foi pagar polpudas somas a consultorias e a grandes bancos norte-americanos, como a indefectível Goldman Sachs, para maquiar a lambança sem afetá-la.

Sofisticadas operações de engenharia contábil foram oferecidas ao país para persistir no endividamento público, sem afrontar Maastricht, nem tributar a elite local.

As capas de grama sintética cederam lugar a um bem urdido manto de criatividade delinquente.

Coisa típica da grande finança.

Um dos artifícios chancelados pelo selo Goldman Sachs foi penhorar receitas futuras do Estado grego, em troca de antecipações de recursos junto aos credores.

O saque incluiu, por exemplo, anos e anos de taxas de embarque e desembarque em aeroportos nacionais penhoradas pelo Estado.

Rasparam o tacho da nação para evitar a tributação dos bolsos gordos.

Como a antecipação de receita foi devorada pelo caminho, o futuro do tráfego aéreo, desprovido de fundos para novos investimentos, terá sérios problemas no país.

A irresponsabilidade ganha cores sugestivas quando se sabe que o turismo representa mais de 14% do PIB grego.

Agia-se como agem as elites predadoras em distintas fronteiras.

Tudo se passa como se não houvesse amanhã, essa abstração para quem o tempo consiste no átimo de segundo que separa o dedo da operação digital em paraísos fiscais.

Durante anos foi assim que se deu.

O Estado se endividou sem registrar o rombo como déficit público, graças aos espertos petizes da Goldman Sachs – os mesmos que hoje dão ‘suporte’ intelectual ao jogral brasileiro que reclama ‘arrocho e fim das ‘pedaladas’ nas contas fiscais do governo Dilma.

Quando estourou a crise mundial, em 2007/8, a reversão do fluxo de crédito pôs em xeque a ciranda grega e o déficit explodiu.

Imaginou-se inicialmente que ele seria de 10,5%.

Em 2010 verificou-se que era da ordem de 15%.

Trazê-lo à soleira dos 3% a ferro e fogo, como se fez, exigiu uma rendição incondicional de sucessivos partidos e governantes, até a vitória do Syriza no último domingo.

A Grécia deixou de ser uma nação nos últimos seis anos.

Transformou-se no grande açougue-escola do neoliberalismo.

Praticou-se ali as mais variadas modalidades de cortes (leia nesta pág. ‘Na Grécia, Levy não leva’).

Poucos foram poupados dos talhos profundos para extrair libras de carne em sentido figurado e literal.

O arrocho derrubou o PIB em 25%, produziu 27% de desemprego, elevou em 40% os suicídios, cortou em 20% as aposentadorias.

Pacotes ortodoxos sucessivos transferiram à população - na forma de um esfarelamento de serviços, salários, privatizações e imposto indireto - o sacrifício de sanear décadas de ladroagem fiscal e covardia política.

Fica mais fácil entender a disposição ao risco assumida pelos eleitores no último domingo.

A principal promessa do Syriza não é apenas afrontar a troika e frau Merkel.

Mas, sim, como diz Varoufakis, resolver um passivo histórico que remonta à conciliação das elites na transição da ditadura para a democracia.

Ou seja, redistribuir a renda e sacrifícios até então determinados pela cleptocracia.

Soa inspirador?

Decididamente, o diagnóstico do ministro Varoufakis é diferente do que pensa seu congênere, Joaquim Levy, quando se trata de restaurar a saúde das contas públicas e devolver poder de investimento ao Estado.

Num tempo em que todo capital se comporta como capital estrangeiro, as operações offshores para ludibriar o fisco constituem o novo normal das elites e grandes corporações.

Ou alguém acha que o labiríntico passeio do dinheiro frio das empreiteiras no caso Petrobrás e no do metrô tucano foi montado apenas para esse fim?

Ou imagina que apenas elas estão envolvidas no submundo empresarial das triangulações em paraísos fiscais?

Ou, por distração, supõe que os bancos, justo eles, zeladores do dinheiro grosso, ficariam à margem das acrobacias da ‘elisão’ fiscal - a sonegação untada com chantilly de legalidade?

Bradesco e Itaú-Unibanco, por exemplo.

Noticiou-se agora, economizaram R$ 200 milhões em impostos em 2008 e 2009.

Bastou registrarem parte de seus lucros no elegante e generoso Grão-Ducado de Luxemburgo, um dos mais atuantes paraísos fiscais europeus.

É apenas um caso em uma amostra de somente dois bancos.

Por que o glorioso jornalismo brasileiro não dedica a esse assunto o mesmo empenho investigativo -saudável, diga-se - exibido em relação ao intercurso de corrupção e favorecimento entre políticos e grandes corporações?

Um pedaço da resposta talvez esteja no fato de que os cronistas também são personagens da trama que encobrem.

Exemplo recente?

A Receita brasileira concluiu no ano passado que a gloriosa Rede Globo montou uma "intrincada engenharia" para sonegar impostos sobre os direitos de transmissão da Copa do Mundo de 2002.

Um blog da mídia alternativa, o bravo Cafezinho, escancarou o esquema e cobrou o DARF devido, da ordem de R$ 350 milhões.

O que aconteceu até agora?

Nada.

Ou melhor: o braço mdiático da cleptocracia local multiplicou a campanha contra os ‘blogs sujos’. E reforçou a guerra aberta à regulação das comunicações no Brasil.
Longa vida ao ministro Varoufakis.

A tarefa impossível de calcular as perdas da Petrobras

Luís Nassif, no Jornal GGN



A Petrobras foi submetida a um desafio impossível: estimar as perdas com a corrupção para dar baixa no balanço.

Os vazamentos indiscriminados ventilaram a suspeita de que os desvios poderiam ter ascendido a R$ 20 bilhões. Mas a única coisa de concreto que se tem é a comissão de 3% sobre cada contrato fechado. E quem pagava era o fornecedor, não a Petrobras.

Compare-se a propina com, digamos, uma comissão de vendas.

Do ponto de vista penal, a distinção é total: propina é crime e tem que levar a cadeia quem pagou e quem recebeu.

Do ponto de vista contábil (e do ponto de vista de proporção do contrato) ambas equivalem. Ou seja, o custo de uma propina é similar ao de uma comissão por intermediação comercial.

Mas não é só isso.

A intermediação justifica-se no caso de contratos sem licitação. Aí, valem os contatos e a lábia do vendedor. No caso de contratos licitados, o custo da intermediação (ou seja, da propina) é embutido no preço do contrato. Teoricamente, então, o primeiro cálculo para estimar as perdas da. Petrobras seria o sobrepreço pago para compensar a propina. Para isso, a Lava Jato precisa ter o quadro completo de propinas pagas e repassá-lo à Petrobras.

Não apenas isso.

Há a suspeita de formação de cartel. A caça implacável da força tarefa atrás da Odebrecht tem uma explicação. Não se pode conceber um cartel sem a presença da maior empreiteira. Se nada for encontrado que incrimine a Odebrechet, ficará difícil provar a tese do cartel.

Daí o empenho dos delegados e procuradores em plantar notas na imprensa, buscando o caminho mais fácil: intimidar os executivos da empresa para que adiram à delação premiada.

Se conseguirem juntar todos os elos e provar a existência do cartel, o passo seguinte será estimar o sobrepreço que resultou do acordo. E esse sobrepreço teria que ser calculado em cada obra. Não pode ser confundido com os aditivos, já que parte deles têm justificativas técnicas.

Já se dizia que era mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico ir para a prisão. O rico já foi. Diria que é mais fácil contar as areias do castelo do que ter uma resposta precisa para as baixas contábeis da Petrobras.