quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Entrevista com o economista do governo do Syriza

Johanna Jaufer - ORF no site Carta Maior

   Johanna Jaufer entrevistou, para a TV pública austríaca ORF, o economista Yanis Varoufakis, que com grande probabilidade dirigirá as negociações do novo governo da esquerda radical grega Syriza com a troika.

- O senhor tem agora três semanas como político profissional...
Duas semanas.

- O senhor teve que pensar muito? Escreveu também em seu blog que as coisas te davam pânico.

Foi uma decisão grave. Primeiro, porque eu entrava na política para realizar uma tarefa que sempre pensei que deveria ocorrer, e me foi oferecida a oportunidade de por as mãos à obra. Tem a ver com as negociações entre a Grécia e a União Europeia: trata-se de um projeto e de uma perspectiva extremamente difíceis. Por outro lado, eu sou um acadêmico, um cidadão, um cidadão ativo, de modo que estou habituado a um tipo de diálogo no qual eu realmente aprendo com você e você comigo: teremos desacordos, mas através deles nossos respectivos pontos de vista se enriquecerão.

- Não é que um se imponha sobre o outro...

Exato. Mas na política é pior: cada parte trata de destruir a outra parte – diante do público –, e isso é algo que me é alheio, algo para o qual de forma alguma estou disposto a servir.

- E o que acontecerá com seu trabalho na universidade? O senhor o deixa em suspenso?

Sim, de fato. Deixei a Universidade do Texas. Mantenho minha cátedra na Universidade de Atenas – sem salário – e espero que não passe muito tempo antes de eu voltar.

- O senhor estaria disposto a permanecer em um governo por mais tempo?

Não. Não quero fazer carreira política. Idealmente, o que queria é que outro o fizesse, e que o fizesse melhor do que eu. Só que esta era a única chance para fazer algo que não se poderia fazer de outra forma. Não sou um profeta, de modo que não posso lhe dizer onde estarei em dois, três, cinco ou dez anos. Mas se me perguntar agora, o ótimo para mim seria que nosso governo tivesse êxito na negociação de um acordo com a Europa que tornasse a Grécia sustentável, e que logo outras pessoas, sabe... o poder deve ser rotativo, ninguém deveria se viciar nele.

O que foi publicado várias vezes na Alemanha e na Áustria é o assunto das reparações, porque a Alemanha escapou de pagar as reparações propriamente ditas após a II Guerra Mundial. Em sua opinião, por que isso aconteceu? Talvez porque alegaram que a Alemanha se encontrava dividida, e esperavam uma reunificação? Ou os norte-americanos alegaram que precisavam de uma Alemanha capaz de abrigar suas bases militares, o que deixava os reclamantes em suspenso? Ou foi uma combinação de ambas as coisas?

Foi uma combinação. Nos anos 40, os Aliados haviam decidido transformar de novo a Alemanha em um país camponês. Propuseram-se a desmantelar 700 fábricas industriais, e foram os norte-americanos que frearam esse plano. De modo que, sim, destruíram 700, mas logo mudaram de ideia. Mudaram por razões que têm a ver com o modo como os EUA estavam desenhando o capitalismo global: precisavam de uma moeda forte na Europa e uma moeda forte na Ásia (que acabaram sendo o marco alemão e o iene japonês), e todo o projeto da União Europeia se construiu em torno desse plano. Nós gostamos de pensar na Europa que a União Europeia foi nossa própria criação. Não foi. Foi um desenho norte-americano que logo nós adotamos e que, é claro, era congruente com o que desejávamos, com nossas aspirações. Parte desse desenho intentava estimular a economia alemã, tirá-la da depressão, tirá-la do poço em que se encontrava nos anos 40, e um componente importante de qualquer intenção de revitalizar uma economia passa por aliviar sua dívida, por uma remissão importante da dívida, por um perdão da dívida. Assim, em 1953 foi organizada a Conferência da Dívida de Londres, que resultou em uma remissão da dívida alemã em prejuízo de muitas nações, entre elas a Grécia. Mas a Grécia é um caso especial, porque a Alemanha havia contraído com ela uma dívida que não tinha com nenhuma outra nação: em 1943, a Kommandatur aqui, em Atenas, impôs ao Banco da Grécia uma acordo por meio do qual este banco imprimiria um monte de dracmas – dracmas de guerra – e o forneceria às autoridades alemãs para que estas pudessem comprar material, financiar seus esforços de guerra e acumular bens agrícolas para a Wehrmacht etc. O interessante é que as autoridades alemãs assinaram um contrato: deixaram por escrito a soma do dinheiro que pegavam emprestado. Prometeram pagar juros. Foi, portanto, um empréstimo formal. Os documentos ainda existem e se encontram em poder do Banco (Central) da Grécia. Nada parecido aconteceu com nenhum outro país. De tal forma que esta é uma dívida oficial, como um bônus, contraída com a Grécia em tempo de guerra pelo estado nazista alemão.

- O senhor conseguiria dar cifras precisas?

Cifras precisas. Não há como dizer, a dificuldade está em traduzir essa moeda de guerra, que chegou muito rapidamente a ser totalmente inflacionária por conta da quantidade de dracmas impressos. As autoridades alemãs, ao aceitar esse empréstimo do Banco da Grécia e fazer compras, desvalorizaram a moeda, o que teve enormes custos sociais secundários em toda a Grécia. É muito difícil computar exatamente quanto se traduz esse empréstimo em termos atuais, como compõem os juros como convertê-los, como calcular o custo da hiperinflação causada... Meu ponto de vista é que somos sócios; deveríamos deixar de moralizar, deveríamos deixar de nos apontar o dedo. A teoria econômica bíblica – "olho por olho, dente por dente" – deixa todo mundo cego e desdentado. Deveríamos, simplesmente, nos sentar com o mesmo espírito com que os EUA se sentaram em 1953, sem fazer perguntas como: "os alemães merecem castigo?", "é culpa ou é pecado?". Já sei que em alemão os dois conceitos – "culpa" e "dívida" – se expressam com a mesma palavra (Schuld), antônima de crédito. Deveríamos nos limitar a fazer esta simples questão: como podemos voltar a tornar a economia social sustentável, de tal modo que os cortes da crise grega sejam minimizados para o alemão médio, para o austríaco médio, para o europeu médio.

- Por que muita gente da Europa setentrional não temeu que os cortes de direitos sociais do anos 90 poderiam ser um presságio do mesmo tipo de coisa que agora está acontecendo aqui (na Grécia)?

Creio que tudo seja culpa de Esopo. Sua fábula da formiga e da cigarra: a formiga trabalha duro, não desfruta da vida, guarda dinheiro (ou valor), enquanto a cigarra se limita a vagabundear ao sol, a cantar e não fazer nada, e logo vem o inverno e coloca cada um em seu lugar. É uma boa fábula: desgraçadamente, na Europa predomina a estranhíssima ideia de que todas as cigarras vivem no Sul e todas as formigas, no Norte. Quando, na realidade, o que existem são formigas e cigarras em todo lugar. O que aconteceu antes da crise – é minha revisão da fábula de Esopo – é que as cigarras do Norte e as cigarras do Sul, banqueiros do Norte e banqueiros do Sul, digamos que por acaso se aliaram para criar uma bolha, uma bolha financeira que os enriqueceu enormemente, permitindo-lhes cantar e vagabundear ao sol, enquanto que as formigas do Norte e do Sul trabalham em condições cada vez mais difíceis, inclusive nos bons tempos: conseguir que as contas batessem em 2003, em 2004, não tornou as coisas nada fáceis para as formigas do Norte e do Sul; e logo quando a bolha que as cigarras do Norte e as cigarras do Sul haviam criado estourou, as cigarras do Norte e do Sul se puseram de acordo e decidiram que a culpa era das formigas do Norte e das Formigas do Sul. A melhor forma de fazer isso era enfrentar as formigas do Norte com as formigas do Sul, contando-lhes que no Sul só viviam cigarras. Assim, a União Europeia começou a se fragmentar, e o alemão médio odeia o grego médio, o grego médio odeia o alemão médio. Não tardará para que o alemão médio odeie o alemão médio, e o grego médio odeie o grego médio.

- Isso já começou, não?

Sim, já estamos vendo. E é exatamente o que aconteceu nos anos 30, e Karl Marx estava completamente equivocado quando disse que a história se repete como farsa. Aqui a história se repete, simplesmente.

- Em relação à decisão do sr. Draghi de inundar o mercado com bilhões de euros, vi que o senhor disse que isso é como usar uma pistolinha de água em um incêndio florestal.

Eu acredito que o sr. Draghi tem boas intenções. Quer manter unida a zona do euro, e é muito competente. Faz o que pode, dadas as suas restrições. Não tenho a menor dúvida – embora ele jamais o admitirá – de que entende cabalmente que o que está fazendo é muito pouco e muito tarde: uma pistolinha de água diante de um grande incêndio florestal. Mas ele acredita que até uma pistolinha de água é melhor do que nada. Se foi declarado um incêndio, ele preferiria usar um canhão de água, e teria preferido começar a usá-lo antes, mas isso não lhe foi permitido porque na Europa temos uma Carta do BCE que ata seus pés e suas mãos e o limita a ficar em seu quadrado para lutar contra o monstro da inflação, o que é muito justo para o BCE. E assim será enquanto a Europa não compreender o que é imperiosamente necessário do ponto de vista econômico para sustentar uma união monetária, enquanto não acabe de entender por que se dá toda essa fragmentação e a crescente renacionalização de tudo, incluída agora a flexibilização quantitativa do senhor Draghi (80% das compras de bônus serão realizadas pelos Bancos Centrais nacionais, como se estes existissem separadamente do BCE). Porque essa fragmentação e essa renacionalização é exatamente o oposto ao que deveríamos estar fazendo, que é dar as mãos, consolidar. Como os EUA se formaram? Cada vez que tinham uma crise – a Guerra Civil, a Grande Depressão – avançavam em sua união, nós dizemos que estamos fazendo isso com as "uniões bancárias" com os "Mecanismos Europeus de Estabilização", mas não é verdade. Criamos uma união bancária que não é uma união bancária, é uma desunião bancária, e a chamamos, ao modo orwelliano, de "união bancária". A Europa, dessa forma, não aprendeu as lições da história, e enquanto não mudarmos de rumo, é improvável que consigamos manter o conjunto da união.

- A respeito dos planos do Syriza para revitalizar a indústria da Grécia, Theodoros Paraskevopoulos disse que também é preciso recuperar as dimensões do setor farmacêutico, porque tem uma boa base. Como seria isso?

Eu que sei! Por alguma razão, temos boas empresas farmacêuticas que têm sólidas exportações. Precisamos ajudá-las e precisamos criar indústrias assim em outros setores também.

- Por exemplo?

Acho que temos excelentes programadores e engenheiros de software, de tal forma que deveríamos fazer algo parecido com o que Israel fez. Criar uma rede de pequenas empresas emergentes voltadas internacionalmente à exportação. Se algumas delas acabam sendo compradas pelo Google etc., não é uma coisa ruim. É o tipo de coisa que deveríamos planejar e apoiar, se pudermos.

- Em relação a atrair investidores estrangeiros à Grécia, existe alguma ideia parecida com associações público-privadas, algo em que os países da Europa setentrional conheceram muitos problemas no passado?

Eu não sou defensor das empresas público-privadas. Ali onde se ensaiaram fazer essas associações, sempre terminaram drenando recursos do Estado sem produzir qualquer valor significativo. Normalmente, foram exercícios de corte de gastos, e ao final, sem o menor efeito de desenvolvimento. Acho que devemos tender ao desenvolvimento de ativos públicos já existentes sem vendê-los – agora mesmo estamos liquidando e vendendo mal simplesmente para arrecadar fundos –, de modo que o dinheiro do setor privado, os fundos de investimento, possam vir e contribuir para o desenvolvimento de uma forma mutuamente benéfica. É um tipo de empreendimento público-privado, mas não no estilo feito pela Grã-Bretanha e outros países.

- Voltando à discussão do memorando: entre quais fatores o senhor acredita que a sr.ª Merkel está ligada?

Acho que a Alemanha se encontra dividida. Os interesses dos bancos em Frankfurt não são os mesmos que os dos bancos médios, da mesma forma que os interesses das pequenas e médias empresas na Alemanha central não são os mesmos que os da Siemens ou da Volkswagen etc. É muito diferente ter sua capacidade produtiva localizada exclusivamente na Alemanha, como as empresas pequenas e médias, ou estar embarcado em uma globalização e ter fábricas na China e no México. A sr.ª Merkel é uma política astuta e percebe – ou acredita perceber – que não existe um consenso entre esses interesses a respeito do que é preciso fazer com o euro, com o nosso Banco Central, com a periferia etc. A sr.ª Merkel simplesmente não moverá qualquer peça até que haja um consenso que garanta a sobrevivência política.

- Mas esse consenso não é possível.

Bom, veja você, por exemplo, o que aconteceu em 2012 com o anúncio unilateral por parte do sr. Draghi das Operações Monetárias sobre Títulos (OMT announcement), ou agora mesmo, com a Flexibilização Quantitativa. Verá que, quando começam a ouvir vozes que dizem: "Fiquem de olho, meus amigos, que a deflação está nos matando, temos que fazer alguma coisa", então a sr.ª Merkel pode se servir dessas vozes para dizer: "apoiarei o sr. Draghi, haja o que houver". Assim, não é um consenso-consenso, mas ela está calibrando as placas tectônicas movediças sob seus pés. E o modo como o faz é muito astuto. Eu a convidaria para pensar em seu legado para além da própria sobrevivência, e gostaria que considerasse a possibilidade de que em 10, 20 ou 100 anos, a Europa pudesse falar não apenas de um plano Marshall que salvou a Alemanha, mas também de um plano Merkel que salvou o euro.


*Yanis Varoufakis é um reconhecido economista greco-australiano de reputação científica internacional. É professor de política econômica na Universidade de Atenas e conselheiro do programa econômico do partido grego de esquerda Syriza. Atualmente, leciona nos EUA, na Universidade do Texas. Seu último livro, O Minotauro Global, para muitos críticos é a melhor explicação teórico-econômica da evolução do capitalismo nas últimas 6 décadas.

Tradução de Daniella Cambaúva

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