sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Quando o governo dos Estados Unidos cortou relações com Cuba

Nelson P. Valdés & Robert Sandels - Counterpunch no Carta Maior

postado em: 09/01/2015
Isso é vida ou morte, não cabe errar.

– Carta de José Martí à Manuel Mercado, 18 de Maio de 1895 [um dia antes da morte de Martí]

O pronunciamento do Presidente Obama no 17 de Dezembro de que os EUA resumiriam relações diplomáticas com Cuba não incluiu uma explicação do que aconteceu de errado meio século atrás...

Os revolucionários cubanos tomaram o poder em 1 de Janeiro de 1959, depondo Fulgencio Batista, um aliado próximo do governo americano. A administração republicana do Presidente Dwight Eisenhower fez numerosos esforços para parar os revolucionários mesmo antes de tomarem o poder. Uma administração conservadora confrontada com um movimento crescente de direitos civis nos EUA e uma luta anti-colonial pelo Terceiro Mundo certamente não sentiu-se confortável com Fidel Castro e seus "barbudos".

Assim que a revolução tomou o poder, o governo dos EUA deu asilo e apoio aos contrarrevolucionários Cubanos. Ataques por mar e céu eram quase um problema diário confrontando as autoridades cubanas enquanto seus inimigos contrarrevolucionários usavam o território americano abertamente. Além do mais, a redistribuição de propriedade e outras reformas sociais e econômicas assim como a postura nacionalista cubana eram considerados em Washington ameaças altamente perigosas e desestabilizadoras à dominância americana no hemisfério.

A partir de Dezembro de 1959, a CIA (Agência Central de Inteligência) trabalhou com inúmeros projetos para assassinar Fidel Castro, mesmo antes de Eisenhower aprovar uma invasão militar. Em Fevereiro de 1960, o governo dos EUA havia dado à CIA o sinal verde para organizar uma força de invasão para ser treinada na Nicarágua e na Guatemala, na época dirigida por dois ditadores brutais direitosos. Enquanto isso, contrarrevolucionários dentro da ilha receberam treinamento e recursos assim como bombas incendiárias da CIA para emplacar ataques terroristas em Havana e outras áreas urbanas enquanto barcos e aviões se engajavam em sabotagens constantes partindo de bases no sul da Flórida. As autoridades cubanas denunciaram continuamentes as incursões, as armações e a política de violência.

Em março de 1960, Eisenhower cortou a quota de açucar que tinha sido um contrato nas relações bilaterais entre os dois países desde 1934. A intenção foi clara: entregar uma bomba econômica ao setor mais importante da economia cubana, com múltiplos efeitos no comércio, nas finanças, no emprego e trocas comerciais. O cotidiano do trabalho cubano e uma porção significativa de corporações americanas e cubanas foram catastroficamente afetadas.

O governo americano estava enviando uma mensagem dramática e vigorosa aos capitalistas estrangeiros e cubanos na ilha: se quiser sobreviver, você deve jogar conosco. Em questão de dias [17 de março, 1960] foi dada permissão oficial à CIA para o que já estavam fazendo no inicio daquele ano - organizar uma força expedicionária de cubanos exilados.

Dois meses e meio depois todo o petroleo fornecido à ilha dos EUA, Venezuela e Inglaterra foi cortado com o aval do governo americano. Até mesmo companhia americanas de petróleo que queriam fazer negócio em Havana foram alertadas a não fazê-lo.

Houveram bombas econômicas massivas à sobrevivência da nação. Essas medidas políticas e econômicas foram intensificadas com o terrorismo direitoso e sabotagem, os quais aumentaram em tal extensão que se tornaram uma rotina diária para ilha. A CIA fornecia os artefatos que disseminavam ansiedade e preocupação na população cubana.

Enquanto o governo americano se engajava na guerra econômica, o governo cubano e as pessoas respondiam. O recrutamento da milícia revolucionária e o treinamento ganharam em velocidade. Em meados de agosto de 1960, Cuba nacionalizou/confiscou a maior parte das propriedades americanas na ilha. E em 19 de outubro, o governo americano estabeleceu o embargo à ilha. Ainda sim, Washington não havia cortado relações com Cuba.

Era ano eleitoral e em Novembro, Jonh Kennedy ganhou a presidência. No último debate televisionado o assunto principal discutido pelos candidatos foi a política americana direcionada para a ilha. Estranhamente, o candidato republicano, vice-presidente Richard Nixon, "defendeu" o princípio da não-intervenção nos assuntos internos de outras nações, mesmo ele e Eisenhower já tendo aprovado a invasão na ilha. O candidato democrata, por outro lado, parecia uma máquina de guerra anticomunista no debate presidencial. Ambos, claramente, apoiavam a revogação do regime revolucionário.

Kennedy ganhou naquele Novembro, enquanto relações diplomáticas formais continuavam entre os dois países. Os planos da invasão estavam em alta velocidade. A CIA continuou seu recrutamento e treinamento de cubanos em exílio na América Central, Flórida e Luisiânia.

Enquanto isso, dentro da ilha o número de contrarrevolucionários urbanos e rurais cresceu. A Coordenação foi guiada por ondas de rádio. Alguns cidadãos cubanos, incluindo os funcionários da embaixada americana, foram presos por conspiração com cubanos direitosos, fornecendo à eles treinamento e recursos para continuarem com a sabotagem.

Confrontado com tal violação da soberania cubana, em 3 de Janeiro de 1961, Fidel Castro disse em público que o número de funcionários na embaixada americana em Havana deveria ser o mesmo que o de funcionários diplomáticos cubanos na embaixada de Havana em Washington, Capital. Ele disse:

"A revolução teve muita paciência. O governo revolucionário permitiu a manutenção de agentes servindo ao serviço de inteligência, passando por diplomatas e funcionários da embaixada americana estavam envolvidos em conspirações e promovendo o terrorismo. Mas o governo revolucionário decidiu que dentro de 48 horas, a embaixada dos Estados Unidos não deve deter aqui nem ao menos um funcionário a mais do que o número de funcionários que temos em Washington, Capital. Temos 11. E esses senhores têm mais de 300 funcionários, dos quais 80% são espiões... Se todos desejarem partir, então, deverão partir... pela sua representação diplomática eles têm introduzido um verdadeiro exército de agentes conspiradores e promotores do terrorismo... Consequentemente, o governo revolucionário adotou esta posição. Não estamos cortando relações com eles. Mas se querem ir então ¡Farewell!"

Castro também notou que, enquanto Washington, Capital manteve uma representação diplomática em Cuba, a administração Eisenhower alertou aos governos latino-americanos o corte de relações com a ilha.

Dentro de 24 horas, a administração Eisenhower cortou relações com Cuba. A reação da ilha foi a de mobilizar a população contra uma possível intervenção militar. Isso foi apenas três semanas antes de Kennedy ser empossado. De um modo, os republicanos já haviam colocado Kenney de canto mesmo antes de exercer o cargo. A decisão de cortar relações foi intencionada para limitar as opções de Kennedy sobre as políticas cubanas. Ele não poderia restaurar relações que herdou dos planos da CIA.

Em seu discurso de despedida 2 semanas depois, o Presidente Eisenhower fez seu discurso agora famoso "complexo de indústria militar". Ele disse, "...nos conselhos do governo, precisamos nos guardar contra a aquisição de influências sem garantia, solicitadas ou não pelo complexo industrial militar. O potencial para o avanço de poder desastroso e deslocado existe e irá persistir."

Cortar relações com Cuba pode ter sido um exemplo de "influência sem garantia."

Em 20 de Janeiro, o primeiro dia da administração Kennedy, Cuba terminou com sua mobilização militar. Essa foi uma mensagem política significativa. O governo cubano assumiu que os democratas podem ser mais conciliadores. E Fidel ofereceu um ramo de oliva, ele disse:

"O que podemos dizer sobre a possibilidade de que exista paz para nosso país e para o mundo? Nós saudamos essa oportunidade e essa paz. Esperamos que dentro do governo americano triunfem aqueles que sabem a enorme responsabilidade que têm com o mundo; esperamos que tenham o comprometimento e a coragem para falar honestamente e corajosamente para o povo dos EUA; esperamos que eles entendam que tal é a tarefa que têm em sua frente. E esperamos que sucedam se tiverem tais metas em seus corações. Ficaríamos gratos se eles retificassem. Entendemos a realidade que o novo presidente tem em sua frente. Se ele escolher o caminho honesto de retificar para o bem estar do mundo e de seu próprio país; o desejamos sucesso. Esperamos pelos atos que são sempre mais eloquentes que as palavras."

Em seus primeiros dois anos, a administração Kennedy intensificou o confronto.

53 anos e 9 presidentes depois o governo americano respondeu. Agora, temos que ver os atos e o quão construtivos eles serão.

(*) Nelson P Valdés é Professor de Sociologia emérito na Universidade do Novo México e diretor do Cuba-L Direct 

(*) Robert Sandels escritor no Cuba-L e CounterPunch.



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