segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Sobre a falsa face de democracia

Nagib Nassar no site Carta Maior


Em uma carta, Antonio Carlos Martins de Camargo, sócio da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), pediu desligamento da sociedade, alegando defesa da democracia. Ele alegou que a Presidente da sociedade não atendeu seu pedido pessoal e não protestou contra a nomeação do ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação, Aldo Rebelo.

Ele entendeu mal e praticou mal a democracia. Todos princípios democráticos  entendem que uma das suas funções é proteger direitos de liberdade de expressão para uma comunidade; o direito a proteção legal é igual para todos. No caso dele, ignorou o direito de expressão de outros sócios que divergem dele.

As democracias conduzem regularmente eleições livres e justas, abertas a todos os cidadãos. As eleições numa democracia não podem ser fachadas atrás das quais se escondem uma opinião única ou uma voz só, mas envolvem, ao contrário, verdadeiras competições entre toda comunidade. Por que ele não se candidatou para presidente ou pelo menos membro do conselho diretor, para que pudesse assim participar de uma decisão de diretoria? Por que não tentou aproximar de colegas do conselho para conversar com eles e expor seu pensamento?

A democracia sujeita os presidentes a assegurarem que todos os sócios recebam a mesma proteção legal, o mesmo tratamento e que os seus direitos sejam protegidos. Mas o  sócio em questão negou este direito aos outros  que com ele divergem na opinião no novo ministro.

Os cidadãos ou sócios  de uma sociedade numa democracia não têm apenas direitos, mas têm o dever de respeitar a opinião de outros e ceder pela decisão da maioria, que é representada pela presidente e pelo conselho diretor da SBPC. Mas o nosso  sócio, em seu pedido de desligamento, não prestou e nem respeitou e muito menos pensou nos outros.

Todas  sociedades democráticas estão empenhadas nos valores da tolerância, da cooperação e do compromisso. As democracias reconhecem que chegar a um consenso requer compromisso e que isto nem sempre é realizável, e por isso há o principio de respeitar  decisão da maioria , este maioria que o sócio nem nela pensou, somente nele próprio. 

Ele simplesmente não gostou do novo ministro da Ciência Tecnologia e Inovação (MCTI). Isso pode se dar por divergência ideológica ou por outro motivo qualquer. Ele decidiu pedir para a presidente protestar,  e, caso a presidente da SBPC não atendesse seu pedido, seria “puro oportunismo", razão que justificaria seu desligamento.

Independente de contrariedade de  todos os principio democráticos, é uma atitude e posicionamento infantil.  Isto me lembra uma criança  que chora por não ser atendida, ou por não receber um brinquedo. É como um menino voltando a uma etapa infantil da vida a fim de obter o afeto que lhe foi negado.

Se um sócio da sociedade teve seu pedido negado há instrumentos legais e democráticos para seu uso, se ele acha ter uma razão e uma lógica. Não será por choro ou por pedido de desligamento que conseguirá isso.

Ele poderia aguardar alguns poucos meses até a reunião anual da sociedade e projetar suas ideias e suas razões, mas ele sabe que não há razão nenhuma para sua reação e seu pedido de desligamento. Ele sabe bem que até lá o novo ministro será capaz de mostrar à comunidade cientifica sua competência,  auxiliado  por  um quadro de cientistas e dirigentes altamente qualificados para ajudá-lo e assessorá-lo.

Até lá a comunidade cientifica  perceberá os frutos da habilidade e experiência  do novo ministro que foi deputado, ministro e articulador por décadas. Será possível ver seu caminho e trâmite dentro dos círculos federais atraindo recursos para o ministério  e influindo na paisagem e no quadro cientifico no País.


(*) Professor Emérito da Universidade de Brasília (UnB)

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