domingo, 22 de fevereiro de 2015

Os desafios da revolução bolivariana

Destaques,Nossa América
marcadosPor Elaine Tavares. no Portal Desacato.
No mês de janeiro a Venezuela viveu o ápice da crise do desabastecimento. Muitas filas, produtos faltando nas prateleiras e grupos golpistas atuando a todo vapor. Na mídia comercial, o ataque é sistemático. Televisão, jornal, rádio, vociferam dioturnamente contra o governo, como se o país nunca em sua vida tivesse passado por algo semelhante. Crises de desabastecimento são frequentes, inclusive nos governos anteriores, porque a Venezuela sempre foi refém do pretróleo. A diferença é que , no passado, quando vinha a escassez, os mais pobres ficavam a ver navios e tinham de se virar sozinhos. Hoje, os mais pobres são a preocupação primeira do governo. Tanto que todos os esforços foram realizados no sentido de abastecer os mercados populares. “Antes do governo bolivariano, não havia uma rede estatal de distribuição. Tudo estava na mão privada. Depois de Chávez, o estado foi criando uma rede, que ainda não é suficiente, mas já consegue dar combate em situações como a que vivemos agora”, diz o professor de economia Luis Salas, da Universidade Bolivariana. Hoje, a distribuição estatal de alimentos consegue abarcar 30% do setor e essa porcentagem cobre 70% da população. 

Ainda segundo Salas, antes de Chávez a pobreza na Venezuela chegava a 60%, o desemprego passava de 20%, e isso mudou muito nos últimos 15 anos. A elite não perdoa o governo por essa mudança na relação com as populações mais empobrecidas. “O que chamávamos antes de população flutuante – aquela que não tinha acesso á educação e muito menos aos bens mais básicos – praticamente não existe mais. Hoje, um venezuelano que more na periferia tem acesso á educação, saúde, moradia, gás e outros serviços básico. É um cidadão com direitos”. Luis lembra que antes de Chávez, a Venezuela era conhecida pelo consumismo exacerbado de sua elite, chegando a ser chamada de “venezuela saudita”. Mas, é bom que se tenha claro. Dos 15 milhões de habitantes, apenas três milhões tinham acesso a esse consumo “saudita”. Hoje, a população toma o destino nas mãos e garante direitos básicos. É uma mudança radical.

A grande questão na Venezuela é justamente esse processo de democracia popular, que tira da elite o seu poder. Incapaz de conviver com os novos tempos, esse grupo vem, nos últimos 15 anos, provocando tomentas e tempestadas, como o golpe de 2002, a sabotagem petroleira e agora a sabotagem comercial. Ainda que o governo tenha passado por 15 eleições – praticamente uma por ano – democratizando o processo decisório, que vai desde a formulação de uma nova Constituição até a decisão sobre investimentos públicos, os grupos de direita insistem em usar os termos “ditadura”, “falta de liberdade de expressão” e outras bobagens que não se sustentam quando se observa a realidade. A luta de classe se faz diuturnamente no país, com o setor privado agindo livremente e de maneira criminosa em alguns momentos. 

Um desses momentos foram as conhecidas “guarimbas”, de 2013, quando a oposição, tentando criar um clima de desestabilização incitou seus militantes a atos de violência nas ruas, que resultaram em mortes e destruição. Todo esse processo esteve sob forte investigação e uma de suas lideranças – o prefeito de Chacao – Leopoldo Lopez, foi preso. Ele acabou sendo o pivô de mais um factóide promovido pela mídia comercial, quando a oposição realizou um evento para discutir democracia e chamou os ex-presidentes Sebástian Pinera, do Chile, Andrés Pastrana, da Colômbia e Felipe Calderón, do México. Acompanhados de líderes da oposição, esses “exemplos” de democracia tentaram uma visita a Lopez na prisão e protagonizaram manchetes denunciando a inexistência de liberdade de expressão. Outra mentira gigantesca. A oposição tem toda a liberdade na Venezuela e domina grande parte da mídia e do sistema produtivo.  

Nas últimas semanas de janeiro, quando o governo deu duro combate ao processo de desabastecimento, o presidente Maduro chamou os militantes bolivarianos para um encontro em Caracas. Eles vieram e lotaram o teatro Tereza Carrenho. E o que mais cobraram do presidente foi que ele aplicasse a lei diante dos crimes de lesa pátria que estavam acontecendo. Os militantes da revolução bolivariana querem maior rigor diante dos chamados “golpistas”. Até porque eles sabem que nessa siatuação de esconder alimentos e joga-los para um mercado paralelo, são esses os que mais lucram. Isso sem contar a especulação que fazem com o dólar, capaz de alavancar fortunas nesses tempos de crise. “Há que dar mano dura”, diz Oscar Flores, um trabalhador de 65 anos, que exige mais radicalidade na ação governamental. 

A prisão do prefeito de Caracas na semana passada obedece a esse rigor na aplicação da lei. Antônio Ledezma foi um dos envolvidos na crise das “guarimbas”, incentivando a violência e incitando ao golpe contra e eleição de Maduro. E, segundo investigação do Serviço Bolivariano de Inteligência, ele agora também estaria envolvido na mais nova frustrada tentativa de golpe desarmada pelo governo. No último dia 11 ele assinou, junto com Leopoldo Lopez e Maria Corina Machado, um documento no qual chama a população para realizar um processo de transição que vise “recuperar a democracia, a liberdade e desmontar a crise”. Esse documento serviria como argumento para o ataque que seria realizado por parte do efetivo militar – armado para bombardear alguns alvos em Caracas. Assim, em vez de responder aos apelos de negociação que Maduro vem fazendo aos empresários, para que deixem de penalizar a população com a sabotagem comercial e invistam na produção, a oposição insiste na construção de um golpe para derrubar a revolução bolivariana. E Maduro atua com a radicalidade exigida pela maioria da população. 

Em toda a mídia internacional, as críticas ao governo Maduro crescem vertiginosamente, sempre coladas aos argumentos golpistas. De que a Venezuela tem um governo autoritário, antidemocrático, que não há liberdade. Praticamente nenhum veículo de comunicação é capaz de reportar as críticas verdadeiramente pertinentes. É fato que o governo de Nicolás Maduro tem cometido muitos erros, como por exemplo manter-se cativo de empresários que seguem boicotando a Venezuela. Ao não conseguir manter sob controle do governo o sistema de distribuição e o sistema financeiro, acaba ficando refém de uma gente que não está interessada no futuro da venezuela ou dos venezuelanos. São empresários que só pensam na possibilidade de gerar mais e mais lucro. Se para isso precisar destruir o país, tudo bem. Os Estados Unidos interferem, financiando grupos que provocam desestabilização, mas a elite local tem uma parcela grande de responsabilidade na crise.

Maduro também tem sido ineficaz no combate à corrupção que acaba se instalando dentro do próprio governo. Essa é a cobrança mais forte do núcleo de militantes bolivarianos. “Bolivarianos” de última hora que hoje ocupam cargos nos escalões menores, são responsáveis por muitas das mazelas da população, não só desviando verbas, mas emperrando a máquina e os serviços públicos. Esse é um ponto nodal que precisa de efetivo combate e ao qual o governo não está conseguindo responder. 

E é nesse cenário que se desenrola a batalha por uma Venezuela verdadeiramente soberana e livre das amarras da elite golpista e dos interesses  geopolíticos. A prisão de Ledezma é o cumprimento da decisão da militância bolivariana que quer a “mão dura” diante do golpismo e das tentativas de derrubada da proposta bolivariana de democracia participativa.
Quem é Antonio Ledezma
1- Antonio Ledezma é um advogado que começou sua carreira política ao ingressar no partido Ação Democrática (AD) em 1973, umas das organizações políticas denunciadas constantemente por Hugo Chávez Frías de ter silenciado o povo da Venezuela com o chamado Pacto de Ponto Fixo.

2- Entre 1958 e 1998, o Ação Democrática e Copei se alternaram no poder, o que acabou gerando mais pobreza e descontentamento social na Venezuela. Ledezma foi secretário general de AD.

3- O político detido pelo Sebin (Serviço Bolivariano de Inteligência), nasceu no dia primeiro de maio de 1955 na cidade de San Juan de los Morros, capital del estado Guárico (centro-llano).

4- Estudou no liceu local Juan Germán Roscio e foi dirigente estudantil e juvenil da AD.

5- Entre 1979 y 1984 foi deputado regional do estado Guárico (centro-llano) no extinto Congresso Nacional. 

6- Em fevereiro de 1989 Ledezma foi nomeado governador do então Distrito Federal pelo  ex presidente Carlos Andrés Pérez.

7- Sob suas ordens, a Policia Metropolitana atuou sistematicamente na repressão a estudantes, desempregados, crianças de rua e aposentados que lutavam por pensões.

8- É considerado o mentor intelectual dos assassinatos cometidos durante o massacre conhecido como “El Caracazo”, em 1989. Partiu dele a ordem para que a Polícia Metropolitana disparasse contra milhares de venezuelanos que saíram às ruas para protestar contra o custo de vida que estava muito alto. 

9 – Conhecido como “o vampiro”, Ledezma é também acusado pelo assassinato da jornalista Verónica Tessari, atingida por uma bomba dentro da Universidade Central Venezuelana em 1993, do lutador social Sergio Rodríguez (1991) e da estudante Belinda Álvarez (1993), ambos mortos em confrontos com a polícia de Caracas.
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