Juliano
Giassi Goularti
Doutorando em Desenvolvimento Econômico pelo
Instituto de Economia da UNICAMP
O título deste artigo é uma
referência a suas obras difundidas no meio acadêmico: “Brasil delivery” da economista Leda Paulani e
do cientista social José de Souza Martins “O poder do atraso”. O primeiro
trabalho retrata as contradições dos primeiros meses do governo Lula e sustenta
a tese que o Brasil atual foi entregue ao capital internacional
transformando-se numa plataforma de valorização financeira e o segundo traz uma
interpretação sociológica do clientelismo e da estrutura de poder oligárquica (rural)
numa aliança entre capital e a terra que corrompe os homens públicos e impede a
construção de uma nação. Em ambos os trabalhos, a elite nativa patrimonialista
associada menor e vagabunda à nova
dinâmica da acumulação capitalista, em seu estágio financeirizados, demonstra-se
incapaz de construir um projeto de nação soberana.
Dentro de uma associação menor e
vagabunda, torna-se evidente que a ideologia dominante da classe dominante
que governa as instituições é senão exógena e infiel a seu povo. Tampouco e tão permanente o patriarca
bonachão que perpassa pelo Nordeste (açúcar), desce a Minas Gerais (ouro),
transita pelo Norte (borracha) e concentra-se em São Paulo (café) renegou sua
missão histórica. Poderíamos dizer que G. Vargas bem que tentou despertar o
espírito animalesco do nacionalismo, porém “as forças e os interesses
contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim. A campanha
subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais ... Não querem que o povo seja independente”. A
questão, portanto, é que a dominação política patrimonial do Brasil Colonial ao
Brasil República está envolvida num extenso laço de relação clientelista do
tipo “Estado Servil” que não faz distinção entre público e privado. O que prevalece
são as relações de clientelismo político numa extensa rede de favores. Todavia,
o que temos no Brasil é uma República
inacabada.
Quando
o século XX começou, a oligarquia agrária ainda estava em ascensão. Trinta anos
depois, com a Revolução de 1930 pareceria que iria ocorrer uma inversão da
estrutura de poder do senhor rural para o industrial. A industrialização
tenderia a sacramentar a figura do senhor bonachão pondo um fim no estatuto
colonial. Particularmente, como renegar quatro séculos de acumulação primitiva
permanente e dominação rural? Toda a estrutura da nossa sociedade colonial teve
sua formação fora dos meios urbanos. Como também, no seu conjunto, toda nossa
produção sustentada pela grande propriedade, pela monocultura e pelo trabalho
escravo estava destinada ao proveito do comércio europeu. Desta forma, sob
estes dois pontos, qualquer tentativa de implantação da cultura e do sentimento
nacional em extenso território frente a cultura europeia e os comportamentos
eurocentrista do patriarca significaria romper com a tradição herdada. Não
somente penso, com acredito, que G. Vargas imprimiu forças para romper, em
parte, com essa herança. Porém, como demonstra sua carta testamento, “Se
as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo
brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida”.
Do ponto de vista da formação econômica
do Brasil, que perpassa pela acumulação
mercantil para a Metrópole ao longo dos séculos XVI ao XVIII, seguido da acumulação primitiva ao Centro nos
séculos XIX até fins do século XX e pela atual acumulação financeira no século XXI, a “rapina” internacional e a
ideologia eurocentrista de nossa elite patrimonialista estabeleceu uma relação
de submissão política, dependência econômica e imitação de estilo de vida. A modernização
e o desenvolvimento pela via nacional ensaiada por G. Vargas esbarraram no
agrarismo rustico, no estatuto colonial, no plano internacional e no pacto de
dominação interna das elites patrimoniais. Assim a modernização foi conservadora,
a revolução não foi burguesa, as forças populares foram aniquiladas, o
capitalismo nacional foi associado ao grande capital internacional de modo que a
Ordem e Progresso estampado na nossa
bandeira significassem a dominação sobre a terra, sobre a força de trabalho,
sobre os recursos públicos e sobre a acumulação. Dessa perspectiva, a nova
elite (industrial) criada no governo Vargas não se ergueram contra a estrutura
da sociedade colonial, se associaram, combinando o arcaico e o moderno.
Ao longo dos séculos, penso que dentro
do triângulo da tutela colonial, da tutela da ave de rapina e da tutela do pacto de dominação das elites é
condição sine qua non para a
situação de desequilíbrio (em seu amplo sentido) da formação da sociedade nacional.
Isso nos leva a refletir que a história do Brasil contemporâneo também é uma
história da espera do progresso. Por isso o status
quo da Ordem patrimonialista e do
Progresso conservador diante de uma
elite entreguista que não pensa com sua própria cabeça e um Estado patrimonialista
que está estruturado em relações políticas estritamente atrasadas (como o
clientelismo) conscientemente estar delivery ao poder do atraso é uma certa forma de manter
as relações de dominação e de poder. Nesse esquema em que o Estado está
dominado pelo poder do atraso, assistimos a grilagem de terras públicas, a
usurpação indevida dos recursos públicos, a institucionalização corrupta da dívida
pública, o desmatamento da Amazônia Legal e o achincalhamento de qualquer iniciativa
popular de caráter mais progressista.
No meu modo de ver, a situação atual
requer uma reflexão sociopolítica e socioeconômica de modo a buscar interpretações
sobre o porquê do poder do atraso. As relações promiscuas da elite política com
a sociedade e a pacificidade da sociedade com a promiscuidade é um ponto que requer
mais atenção. A parcimônia social em relação as posturas arcaicas do Congresso
Nacional é outra questão a ser discutida com maior atenção. Ora, o jeitinho
brasileiro é nada mais nada menos que uma forma corrupta. Por isso penso que a
explicação de nossa sociedade mal formada e de nossa República inacabada perpassa pelos traços dominantes da matriz raízes
de nossa cultura e por nossa herança rural estruturada na estabilidade do
sistema de dominação patrimonial.
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