O passaporte do Brasil para o desenvolvimento econômico e social
José Álvaro de Lima Cardoso*
Está tramitando no Senado, em regime de urgência, Projeto de Lei do
senador José Serra (131/2015), que muda as regras de exploração das reservas do
pré-sal no Brasil. O projeto elimina o artigo da lei que garante à Petrobrás
participação mínima de 30% do consórcio vencedor de cada bloco licitado no
pré-sal e retira da estatal a condição de operadora única nas atividades de
exploração de petróleo em águas profundas no Brasil. Um dos argumentos do
senador é que isso tiraria da empresa a responsabilidade de participar da
exploração exclusiva do pré-sal que, para o parlamentar em questão, seria um
fardo a ser carregado. Os argumentos do senador vêm sendo devidamente combatidos
pelos especialistas no setor e por interessados em defender o maior patrimônio
que o povo brasileiro ainda dispõe, o óleo e o gás existentes no pré-sal. Neste
debate vale destacar alguns aspectos:
1) A exclusividade na operação do
pré-sal e a obrigatoriedade de participação em pelo menos 30% da exploração do
pré-sal não são fardos ou sobrecarga, mas uma imensa vantagem competitiva da empresa
em relação à concorrência. Abrir mão disso seria renunciar à possibilidade de
reter no país um grande percentual da riqueza representada pelo pré-sal, que
pode chegar a 20 trilhões de reais.
2) Com a descoberta do pré-sal o Brasil passou a
ser um país com reserva estratégica: já constatou a existência de 60 bilhões,
que pode chegar a 300 barris, o que nos colocaria na condição de uma das
maiores reservas do planeta. O petróleo, por ser fonte estratégica de energia
está no centro do jogo de poder e sua história é a das quarteladas, golpes e
revoluções. Os países que privatizaram a extração e a distribuição pagaram e
pagam um alto preço por isso, incluindo alguns de nossos vizinhos, como a
Argentina.
3) A possibilidade de ser operadora única do pré-sal garante à Petrobrás
um maior controle nacional da extração de petróleo, o que é praticamente
impossível quando a extração ficar por conta das multinacionais, visto que se
trata de poços que ficam, muitas vezes, a 300 km da costa brasileira. São
comuns as fraudes nesse tipo de exploração, quando não há um controle eficaz do
processo de extração. No caso do Brasil, como existe uma lei que destina 75%
dos royalties do petróleo para a educação e 25% para a saúde, a fraude na
extração do petróleo por parte das empresas, significaria menos recursos para
estes dois setores.
4) Não há empresa no mundo com a
capacidade técnica e operacional de extração de petróleo em águas profundas e
ultra profundas que tem a Petrobrás. Isso foi reconhecido internacionalmente
mais uma vez quando, em maio último, a empresa recebeu o prêmio da Offshore Technology Conference (OTC),
considerado o Nobel da indústria petroleira no mundo.
5) Uma das garantias de sucesso na exploração do
pré-sal é o custo de extração, um dos menores do mundo: US$ 9 dólares, enquanto
a média do mercado internacional é de US$ 15. O baixo custo está relacionado, dentre
outras coisas, à escala de produção. A exploração do pré-sal já disponibiliza
800 mil barris dia, apenas 8 anos após a descoberta das jazidas, o que torna um
feito inédito da história do petróleo no mundo. O baixo custo de extração do
pré-sal possibilita que, mesmo com o preço do petróleo nos valores atuais,
quase metade do preço que estava há um ano, o petróleo extraído de águas
profundas no Brasil seja comercialmente viável. O preço do barril recentemente,
inclusive, voltou a aumentar um pouco, estando a US$ 62, patamar que viabiliza
com folga a produção no pré-sal. Ademais, a maior parte dos analistas
independentes aposta em um retorno do preço do petróleo a US$ 100 ainda antes
do final desta década. Isso explica a fixação dos investidores estrangeiros nos
negócios relacionados ao pré-sal e o interesse das multinacionais em acabar com
a exigência legal que a Petrobrás detenha no mínimo 30% de todo petróleo retirado
do pré-sal.
6)
Mesmo sofrendo um brutal ataque nos últimos dois anos (pelo menos) a Petrobrás
terminou o primeiro trimestre de 2015 apurando um lucro líquido de R$ 5,33
bilhões. O Ebtida (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização)
alcançou R$ 21,5 no primeiro trimestre , expansão de 50% em relação ao ano
anterior. Como todos os seus indicadores são positivos, a empresa tem grande
capacidade de alavancar recursos para investimentos. No mês de maio a empresa
lançou títulos no mercado com vencimento em 100 anos, visando captar US$ 2,5
bilhões. No entanto a demanda colocada pelo mercado foi muito superior, alcançando
US$ 13 bilhões, nada mal para uma empresa qualificada por alguns como “falida”.
7) Os
vários acordos bilaterais anunciados em maio entre Brasil e China incluem um financiamento de US$ 7 bilhões
para a Petrobrás, que necessita de
dinheiro barato para suportar os vultosos investimentos em expansão da produção
e beneficiamento de petróleo e seus derivados. Os bancos e os países sabem que
emprestar à Petrobrás é negociação com elevada segurançaa, na medida em que o
pré-sal possui entre 70 e 300 bilhões de barris, o que significa garantias
entre US$ 7 e 30 trilhões.
8) O
argumento de tirar a Petrobrás da exclusividade do pré-sal por uma questão de
aceleração dos investimentos não tem sustentação. Não há pressa para a exploração
do petróleo. A pressa só interessa às grandes petroleiras, que não tem nenhum
compromisso com o país e trabalham com uma perspectiva predatória na exploração
dos recursos, para maximizar o lucro. A Petrobrás, ao contrário, procura
extrair o máximo de energia que o campo oferece. Para que vamos ter pressa em
retirar uma das principais riquezas naturais, estratégicas sob todos os pontos
de vista, e fundamental para qualquer projeto nacional de desenvolvimento?
Ademais, o ritmo de aumento da produção já é muito alto. Nos últimos anos a
Petrobrás foi a única empresa do mundo que aumentou a sua produção e, no caso
dela, de forma muito rápida. Revogar o dispositivo que garante à Petrobrás a
prerrogativa de reter pelo menos 30% do pré-sal é fazer o jogo das multinacionais
do petróleo.
9) O senador José Serra trouxe também como
justificativa para o PLS 131 a possibilidade de que a Petrobrás não consiga
abastecer o mercado de petróleo em 2020, se ficar como operadora única do
pré-sal. Mas, como demonstrou o senador Roberto Requião, com os investimentos já
realizados e os em andamento, a Petrobrás deverá estar produzindo 5,2 milhões de barris diários em 2020, o que
tornará o Brasil um dos maiores exportadores mundiais de petróleo. A empresa, em tempo recorde desde a
descoberta do pré-sal em 2006, já está retirando 800 mil barris diários dessa
reserva, cuja exploração é extremamente complexa e empreendida com complexa tecnologia.
10) Os
defensores do PLS 131/2015 alegam que a empresa precisaria perder a exclusividade
na operação do pré-sal porque estaria em situação econômica precária em função
dos desvios e da má gestão. Esta
afirmação é um equívoco. Além do farto acesso ao crédito dentro e fora do país,
a empresa obteve, como vimos, R$ 5,3 bilhões de lucro líquido no primeiro
semestre e dispõe de R$ 62 bilhões de reais em caixa. Os investimentos que a
empresa já assumiu lhe garantem um crescente e robusta produção de petróleo
que, dentro de poucos anos, colocará o Brasil entre os maiores produtores do
mundo. Não faltará financiamento para
uma empresa da qualidade da Petrobrás, especialmente para financiar poços da
maior reserva descoberta no mundo neste século, o pré-sal.
11) Os defensores
do Projeto alegam que o pré-sal é grande demais para ser explorado apenas pela
Petrobrás. Mas é como argumentou o senador Roberto Requião: porque uma empresa
como a Saudi Aranco, da Arábia Saudita, consegue produzir quase 11 milhões de
barris por dia e ninguém diz que não é possível? Porque a Petrobrás, que recebe
prêmios internacionais pela sua tecnologia, não conseguiria produzir 3 ou 5
milhões de barris diariamente?
12) O centro da argumentação do autor do PLS 131/2015 é o de que a exclusividade da Petrobrás na operação do pré-sal e a porcentagem obrigatória de 30% do petróleo extraído representaria uma sobrecarga para a empresa, que acabaria por prejudica-la. O Projeto viria assim para salvar a empresa desse pesado ônus, que traz inclusive o risco de quebrá-la. Este argumento é falacioso. É muito evidente que a exclusividade e a porcentagem mínima garantidas por lei são diferenciais competitivos extremamente importantes para a empresa. Ter exclusividade não obriga a empresa a investir em projetos que não deseje ou que não sejam interessantes e rentáveis.
O mais
grave em todo esse processo de ataques à Petrobrás e nas tentativas de entregar
as riquezas do pré-sal para as multinacionais, é que colocam em jogo o
desenvolvimento econômico-social, representado pelo pré-sal. Tudo indica que a
riqueza contida no pré-sal pode ser várias vezes o PIB do Brasil, podendo
totalizar como vimos 300 bilhões de barris, o que colocará o país entre as
maiores reservas do mundo.
Economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.
Nenhum comentário:
Postar um comentário