sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Nada gera mais capacidade produtiva em um país do que investir em pessoas



*José Álvaro de Lima Cardoso
        Recentemente, o relator da lei orçamentária para 2016, deputado federal Ricardo Barros (PP-PR), propôs corte de R$ 10 bilhões no orçamento do programa Bolsa Família. O corte sugerido representa nada menos que 35% do orçamento do Programa para este ano (R$ 28,8 bilhões). Apesar da proposta do parlamentar ter sido imediatamente refutada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, que garantiu a preservação dos recursos do Bolsa Família para 2016, ela causou aflição e desespero em várias partes do país. Especialmente nas regiões mais pobres, onde residem os brasileiros que mais necessitam dos recursos disponibilizados pelo programa, e que conhecem de perto o horror da fome.
        A reação da população mais pobre à notícia, se justifica. Em função da adoção de uma série de políticas (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, o Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar e outras), a trajetória da distribuição da renda no Brasil vem melhorando ano a ano na última década. O Programa Bolsa Família, o preferido dos críticos mais rasteiros, tem sido uma das ações mais importantes e com o melhor custo/benefício de todas as iniciativas. Retira 55 milhões de brasileiros da fome, com um investimento que representa apenas 0,5% do PIB, insignificante no contexto do orçamento federal. Segundo a FAO (organismo da Organização das Nações Unidas –ONU, responsável pela questão alimentar), desde 1990, o percentual dos brasileiros que passam fome caiu de 14,8% para 1,7% da população, equivalente a 3,4 milhões de pessoas. Para a FAO percentual abaixo dos 5% indica que o país não tem mais fome estrutural, mas somente bolsões isolados de famintos. O sucesso da empreitada fez do Brasil, inclusive, referência no combate à fome no mundo.
        Os defensores da ortodoxia fiscal costumam apontar seus canhões para a renda dos trabalhadores, investimentos sociais, gastos da previdência. Mas de que adianta economizar R$ 10 bilhões, penalizando justamente os mais pobres, se conforme nos mostrou o eminente economista Adhemar Mineiro em palestra recente (na ALESC em 20/10), só neste ano, o orçamento prevê R$ 277,3 bilhões para pagamento de juros e encargos da dívida. Só este valor, segundo Mineiro, é superior ao que o governo federal desembolsou para o Bolsa Família, nos últimos 15 anos (R$ 221,7 bilhões). Observe-se que estes valores, em uma década e meia, foram destinados às famílias mais carentes, que mais precisam da intervenção do Estado, num país ainda extremamente injusto e concentrador de renda. Já os gastos com a dívida pública beneficiam alguns milhares de super ricos, que arrastam anualmente, sem maiores esforços e sem colocar o pé na fábrica, 6% do sétimo PIB do planeta (neste ano chegará a 9%). Praticamente não se fala sobre isso, seja pela complexidade do assunto para os não “especialistas”, seja em decorrência da influência que os rentistas têm sobre a formação da opinião pública nacional.
     Propostas dessa natureza, vindas em tempos de recessão - quando as ações de combate à pobreza se tornam ainda mais importantes - não são apenas cruéis e desumanas. São também tecnicamente ridículas e desastrosas. Além da proposta não atacar o núcleo do problema fiscal, sabe-se que não há nenhum investimento com maior retorno, e nada que gere mais capacidade produtiva, do que aquele feito em pessoas. Gastos com educação, saúde, alimentação, cultura são, na verdade, investimentos. Especialmente na era da informação e da tecnologia, em que vivemos. Através das transferências governamentais, da geração de empregos e dos aumentos reais do salário mínimo, o Brasil ampliou a base de consumo da pirâmide social, alargando o mercado consumidor interno, fundamental inclusive para atravessar, até aqui, a crise mundial iniciada em 2008.
          *Economista e supervisor técnico do Escritório Regional do DIEESE em Santa Catarina.




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