sábado, 17 de outubro de 2015

Se a dívida pública é tão legítima, por que não discutir o assunto profundamente?



                                                                                 *José Álvaro de Lima Cardoso.
            Recentemente, o economista Adriano Benayon, profundo conhecedor do assunto, em oportuno artigo (Cair na real – LRF e juros 03.10.2015), verificou que, de janeiro de 1995 até agosto de 2015, a dívida pública interna passou de R$ 135,9 bilhões (contando com as dívidas de estados e municípios) para R$ 3,83 trilhões. Ou seja, a dívida interna foi multiplicada por 28 no período, com crescimento médio anual de 18,65%, decorrente da capitalização dos juros e da correção monetária. Segundo o autor, desde a Constituição de 1988 os gastos com a dívida pública, atualizados monetariamente, superam os R$ 20 trilhões.
        Em função dessa evolução exponencial, fica quase impossível definir o que é legítimo e o que é fruto de desvios, malversação e gestão equivocada da dívida. Segundo a ex-auditora fiscal da Receita Federal, Maria Lúcia Fattorelli, especialista no tema, a auditoria da dívida externa do Equador, da qual participou, concluiu pela ilegalidade dos títulos existentes. O governo não sabia nem ao menos com quem negociar a dívida, que aumentava automaticamente, como se fosse determinação divina (no Brasil também é um pouco assim). Segundo Fattorelli, quando o governo resolveu encarar o problema, e suas consequências, a verdade dos fatos começou a aparecer: o executivo equatoriano propôs pagar 30% do valor de face dos títulos e (pasmem) 95% dos detentores dos títulos aceitaram a negociação. Ao final do processo o Equador havia conseguido liquidar 70% de sua dívida externa em títulos.
        A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da dívida pública do Brasil, da Câmara Federal, concluída em maio de 2010, apontou vários indícios de irregularidades. A começar pela prática de manter as taxas de juros entre as maiores do planeta (em muito períodos, a maior), que levou ao crescimento exponencial da dívida, inclusive nos estados e municípios. A CPI constatou generalizada falta de controle e registro do processo de endividamento, o que inviabiliza a transparência e fiscalização. Além disso, o relatório da CPI, apontou inúmeras ilegalidades na formação e gestão da dívida. Uma das mais importantes é a prática do anatocismo, transformação de juros em capital, sobre o qual passaram a incidir novos juros. Esta é uma prática ilegal, reconhecida pela Súmula 121 do Supremo Tribunal Federal. Há também, segundo o relatório da Comissão, a inexistência de contratos e documentos acerca das dívidas, tanto interna quanto a externa.
        Para se ter ideia da gravidade, em relação ao descumprimento de atribuições legais e constitucionais pelos órgãos de controle do endividamento público federal, a CPI verificou que algumas importantes negociações da dívida externa com bancos privados internacionais não foram sequer auditadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU), como prevê a legislação. Este mesmo TCU que, recentemente, se mostrou tão preocupado com as contas públicas, ao emitir parecer contrário à aprovação das contas de 2014 do Governo Federal, alegando a existência das chamadas “pedaladas fiscais” (atraso do repasse de dinheiro para bancos (públicos e privados) e autarquias, como o INSS, por parte do Tesouro Nacional).  
        Os danos à sociedade e ao patrimônio público, decorrentes da política de gestão da dívida, foram largamente documentados pelo relatório da CPI, porém não houve consequências práticas no enfrentamento dos problemas. O relatório final não recomendou a auditoria da dívida (que seria o encaminhamento principal) ou mesmo o acionamento do Ministério Público para investigações sobre as ilegalidades verificadas ao longo dos trabalhos da Comissão. Como estamos tratando de um “sistema da dívida”, com aspectos econômicos e financeiros, mas também políticos, ideológicos e culturais, a sociedade praticamente nem ficou sabendo da CPI. Uma auditoria teria a condição de realizar um diagnóstico profundo da formação e composição da dívida, estabelecendo o que é e o que não é legítimo. Se a dívida é legítima como afirmam alguns, qual seria o problema de auditá-la?
       Sempre que esse debate ressurge, a ideia de realizar uma auditoria é imediatamente desqualificada como tentativa de “calote”, visando gerar na sociedade uma aversão à essa alternativa. Isto aconteceu em vários países - inclusive recentemente, no processo grego - porque os credores da dívida são uma minoria muito poderosa, que dispõe de muito dinheiro e, portanto, com muita influência na sociedade, nos meios de comunicação e nas instituições. É certo que a conquista do desenvolvimento e da soberania no Brasil passa pelo enfrentamento corajoso da questão da dívida pública. Mas, em função do “sistema da dívida”, dificilmente, esta será uma iniciativa dos governos; quando vier – se vier - será através da mobilização da sociedade organizada.
                                                      *Economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.


                                                         

2 comentários:

  1. ...Meu Deus do ceu, como algumas pessoas que se denominam intelectuais podem afirmar categoricamente que esta divida brasileira e legitima...!!!
    ... Os indicios de ilegalidade saltam aos olhos...A comecar pelos dados do proprio Tesouro Nacional, que fatia praticamente pela metade toda a arrecadacao brasileira para pagar esta maldita divida que e ILEGAL, IMORAL...

    ResponderExcluir
  2. ...Meu Deus do ceu, como algumas pessoas que se denominam intelectuais podem afirmar categoricamente que esta divida brasileira e legitima...!!!
    ... Os indicios de ilegalidade saltam aos olhos...A comecar pelos dados do proprio Tesouro Nacional, que fatia praticamente pela metade toda a arrecadacao brasileira para pagar esta maldita divida que e ILEGAL, IMORAL...

    ResponderExcluir