Rede
Jubileu Sul Brasil
Avaliação
do instante político
A Rede Jubileu Sul, reunida
em São Paulo nos dias 5, 6 e 7 de novembro de 2015,
fez uma rica discussão política sobre a conjuntura em
que vivemos para contribuir com a definição dos rumos
para 2016. Vamos, aqui, fazer uma pequena síntese.
A rede construiu sua história
fazendo a unidade na diversidade. Construiu na prática
– com as campanhas sobre a Dívida, contra a Alca,
contra a privatização da Vale do Rio Doce,
participando das Assembleias Populares, dos movimentos
dos atingidos/as pela Copa, megaeventos e megaprojetos
- uma metodologia de trabalho que não podemos
menosprezar.
Sabemos que vivíamos outro
momento histórico onde as condições concretas para
esta unidade já existiam. Precisávamos de uma
metodologia que atendesse a todo o movimento da época.
Hoje, vivemos uma situação
onde não se conseguiu uma articulação unificada da
esquerda. Chegamos neste final de 2015 com três blocos
articulados pela esquerda: Espaço Unidade da Ação,
Frente Brasil Popular e a Frente Povo sem medo.
Percebe-se que o ponto comum
existente nestes três blocos é a posição quanto à
politica econômica vigente que contraria os interesses
da maioria do povo brasileiro.
Para contribuirmos com este
processo temos de ir fundo, sem medo de pôr o dedo na
ferida, procurando entender, aprofundar, explicar o
momento atual. Qual o processo histórico que levou à
crise atual? Esta é
a pergunta que nos move, nos provoca, nos inquieta.
Uma constatação é que vivemos
uma crise do capitalismo. Uma crise que tem o
componente da crise internacional levando à queda dos
preços das commodities, além de outro componente que é
o resultado do acúmulo das contradições do
neodesenvolvimentismo, modelo do capitalismo
brasileiro adotado nos últimos períodos.
É com a “Carta ao Povo
Brasileiro”, em 2002, que o Partido dos Trabalhadores
(PT) se submete aos ditames do capitalismo
internacional. E, em 2004, impulsionado pelo “ciclo
especulativo que elevou os preços das commodities e
incentivou um gigantesco afluxo de capitais para os
chamados mercados emergentes” inicia um processo de
crescimento econômico que vai até 2012, possibilitando
economia da “Bolsa de Valores e da Bolsa Família”.
Como foi mantida a Lei de Responsabilidade Fiscal, e
não tendo uma Lei de Responsabilidade Social, a Bolsa
de Valores acabou ficando com uma gigantesca fatia dos
ganhos do crescimento, enquanto o programa Bolsa
Família ficava com algumas migalhas. Isto, num
contexto brasileiro no qual a parcela pobre da
população nunca havia recebido nada, representou um
grande ganho.
Mas o crescimento baseado na
exportação de commodities exigia a intensa exploração
do que o Brasil apresentava como vantagens
comparativas internacionais: a natureza e grandes
espaços a serem ocupados. É neste processo que se
intensifica a exploração das áreas do cerrado,
ocupadas pelo agronegócio, a Amazônia pelo gado e
pelas hidrelétricas, o fundo do mar pela exploração do
pré-sal e, com esta abertura, se intensifica a
presença das mineradoras. Esta aceleração deste tipo
do uso e ocupação do solo vai exaurir o meio ambiente.
Outro elemento importante
para esta dinâmica é garantir a “paz social”
necessária para elevar a taxa de lucro das empresas.
A crise já era assim
esperada. E, entre 2012 e 2014, a euforia dos anos
anteriores vai ser substituída pela ameaça do
descontrole inflacionário, estagnação econômica,
desemprego aberto, estrangulamento cambial e
desorganização das finanças públicas. Nenhuma das
reformas fundamentais para o povo brasileiro,
bandeiras de lutas históricas: reforma agrária,
reforma tributaria, democratização da comunicação,
reforma urbana, foram feitas. E é a desilusão com o
fracasso destas reformas que traz à tona as Jornadas
de Junho de 2013, vistas por alguns como um “raio em
céu azul” mas que foram fruto das frustrações da não
realização das expectativas de mudança que tanto
tinham embalado o povo brasile iro.
O que vivemos hoje é uma
crise de grande envergadura, derivado desta fase de
crescimento: crise econômica, política, ambiental,
energética, ética. Sabemos que uma crise pode ser um
instante muito rico. Pode ser o instante de grandes
mudanças. Como o movimento diz, é o instante em que o
velho está morrendo e o novo está nascendo. Portanto,
precisamos aprofundar o debate com o povo, centrando a
discussão nas raízes da crise. Assim, fortaleceremos a
organização popular para que o novo que está surgindo
traga as mudanças necessárias para construir uma
economia que tenha em sua base uma distribuição de
renda, garantindo um desenvolvimento sustentável
social, econômico e ambiental.
Nesse sentido, a rede
Jubileu Sul Brasil, em 2016, aprofundará seu
trabalho de disputa na sociedade sobre a
centralidade do tema da dívida na vida do povo
brasileiro. A dívida como um mecanismo de
dominação e espoliação, como mecanismo de violação
permanente de direitos humanos fundamentais. Iremos
buscar uma aproximação com as frentes de esquerda
existentes orientadas a construir um diálogo no
sentido de concretizar ações comuns para o
enfrentamento da crise
atual, entendendo que a crítica ao modelo econômico
atual é um ponto que nos une.
Fazemos nossas as palavras da
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) que,
em sua carta recente, afirma: “os mais pobres não
podem ser prejudicados em nome de um crescimento
desigual que reserva benefícios a poucos e este
reserva a muitos o desemprego, o empobrecimento e a
exclusão”.
E nos fortalecendo no ânimo
do Papa Francisco, em seu documento para o II Encontro
Mundial dos Movimentos Populares, ocorrido em julho
deste ano de 2015, nossa palavra hoje é mudança.
“Queremos uma mudança, uma mudança real, uma mudança
de estruturas. Este sistema é insuportável: não o
suportam os camponeses, não os suportam os
trabalhadores, não o suportam as comunidades, não o
suportam os povos...E nem sequer o suporta a Terra”.
No momento em que acontece
esta reunião constatamos como os moldes
desenvolvimentistas e a lógica do capital trazem
consequências gravíssimas. Nos referimos ao que
aconteceu no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana
(MG), com o rompimento de duas barragens da mineradora
Samarco, cuja principal acionista é a Vale. São
famílias e vidas que se foram porque não importam para
este modelo.
Assim, seguimos com nosso
compromisso sempre ao lado dos e das excluídos/as, dos
que sofrem com as dívidas históricas, como os nossos
povos originários, como os que são atingidos por
megaprojetos, todos aqueles e aquelas que sofrem com a
financeirização da natureza, que são vítimas da
militarização. É deste lado que sempre estivemos. É do
lado destes que vamos continuar. A vida acima da
Dívida! Sempre!
São Paulo,
7 de novembro de 2015.
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