quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Darío Pignotti, enviado especial a Medellín. Transcrito da Carta Maior.

  
Uma hora antes do começo do discurso de Lula em Medellín, na noite desta terça-feira (10/11), já não havia mais lugares disponíveis no auditório da Praça Maior. As centenas de jovens universitários que não puderam ingressar acompanharam sua participação em telas gigantes instaladas em um anfiteatro, numa suave noite da cidade encravada entre serras de vegetação espessa.

Lula foi interrompido por ovações várias vezes. Por exemplo, quando denunciou a onda golpista contra governos progressistas e ao defender as negociações de paz entre as guerrilhas das FARC e o governo colombiano.

“Vejam o que está ocorrendo na América Latina, na América do Sul, estamos sentindo um certo cheiro de retrocesso, porque tem muita gente que não aceita as políticas que permitem a ascensão social, muita gente incomodada porque a filha da empregada doméstica se formou em medicina (…) essas coisas incomodam as elites da Argentina, do Uruguai, do Chile, de vários países sul-americanos. No Brasil, os aeroportos estão cheios, e há pessoas indignadas porque dizem que eles agora parecem rodoviárias”.

O ex-mandatário brasileiro deu seu discurso na abertura da Conferência anual do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO), numa cerimônia encabeçada pelo diretor-geral da entidade, o doutor Pablo Gentili.

A visita de Lula mereceu uma importante repercussão nos meios colombianos, não só por seu prestígio no país, mas também porque a conferência do CLACSO se realiza numa capital regional como Medellín, bastião político dos paramilitares, narcos (foi o feudo de Pablo Escobar) e do ultradireitista Álvaro Uribe, o ex-presidente que encabeça a campanha contra as negociações de paz entre os guerrilheiros das FARC e o governo colombiano, em Havana – conversas marcadas por avanços importantes, como o compromisso alcançado em setembro passado, por Juan Manuel Santos e pelo comandante Timochenko, para que a paz definitiva seja assinada no próximo 23 de março.

“Reafirmo meu total apoio ao processo de paz que a Colômbia vive hoje, e quero felicitar o corajoso processo de negociação que se projeta como desafio, para construir um futuro de justiça e liberdade para esse país”, destacou Lula, e lembrou que, “no mês passado, a presidenta Dilma fez uma visita (de Estado) a este país e também manifestou seu total apoio ao processo de paz”.

Suas palavras foram respaldadas por aplausos de dois ex-guerrilheiros ali presentes: o ex-presidente uruguaio José Pepe Mujica, ex-membro do Movimento de Liberação Nacional Tupamaros, e o prefeito de Bogotá, Gustavo Petros, ex-integrante da já dissolvida guerrilha M-19.

A organização de Petros deixou as armas nos Anos 80, para formar a agrupação política Aliança Democrática, que lançou, em 1990, seu primeiro candidato a presidente, seu ex-líder Carlos Pizarro Leongómez – que terminou não disputando eleições, apesar dos seus altos índices de aprovação, porque grupos ligados ao narcotráfico e aos paramilitares o assassinaram antes do dia da votação.

Essa não foi a única experiência frustrada dos guerrilheiros que passaram à vida política.

Membros das FARC optaram pela disputa eleitoral em meados dos Anos 80, quando formaram a União Patriótica, agrupação que teve dezenas de prefeitos e deputados, e alguns senadores eleitos. Porém, logo foi literalmente exterminada pelos paramilitares e narcotraficantes, que assassinaram cerca de 5 mil membros do partido, que finalmente desapareceu como força com peso na vida política nacional.

“Jovens, façam política”

Em seu discurso, Lula pediu aos jovens colombianos que não se deixem seduzir pela ladainha dos meios de comunicação que estimulam a despolitização e a ojeriza às ações coletivas, como as organizações sociais e sindicais. “Queridos rapazes e garotas, não acreditem nas bobagens que a imprensa diz sobre o nosso continente. A maior oposição aos governos progressistas hoje é a imprensa do nosso continente. Essa imprensa fomenta a despolitização, e o que vocês devem fazer é rejeitar isso, não cair na conversa da negação da política. Quando nos negamos a fazer política deixamos que outros façam, e o que vem depois é muito pior. Tenham cuidado com os que falam contra a política. Não existe nenhuma saída fora da política”.

“Quando nenhum político servir para nada, quando houver desconfiança em todos os políticos, ainda restará uma oportunidade, a oportunidade de vocês ingressarem na política, porque vocês, com 20 e 25 anos, são os que governarão amanhã. A desgraça de quem não gosta da política é que será governado por quem gosta de fazer política”.

“Mujica está com 80 anos e eu com 70, somos parte do século passado, vocês são o Século XXI. Por favor, tenham coragem, sejam perseverantes, assumam o controle dos partidos, dos movimentos sociais, voltemos à paixão dos Anos 60”.

“Se um ex-preso político como Mujica chegou à presidência, se um operário como eu chegou à presidência, se um índio como Evo chegou. Então, façam essa pergunta: por que vocês mesmos não podem chegar?”, apontou o líder brasileiro, e os jovens responderam com um sonoro “olê, olê, olê, olá, Lula, Lula…”.

No auditório, havia centenas de intelectuais latino-americanos, entre eles, alguns que foram premiados ontem por sua contribuição com o pensamento crítico, como os economistas Theotônio dos Santos, brasileiro, e Aldo Ferrer, argentino.

“Devemos ter paixão pela América do Sul, paixão pela integração, a mesma paixão que os nossos libertadores tiveram no Século XIX. A integração não é somente comercial, a integração necessita da participação da sociedade, de mais confiança uns nos outros, de combater o clima de desconfiança”, enfatizou Lula.

E mencionou os subsídios da intelectualidade de esquerda na formulação dos programas do PT, nos quatro governos do partido no Brasil.

Theotônio dos Santos

“Esta noite pudemos ver uma vez mais a admiração que os colombianos têm por Lula, por sua história de vida, por sua luta sindical, seu compromisso político com a América Latina, pelas políticas sociais de seus governos” declarou Theotônio dos Santos à Carta Maior.

“O que se viu hoje, com as pessoas que encheram este auditório de Medellín, é parecido ao que vimos há dois meses numa universidade da Argentina, onde as pessoas receberam o Lula com uma extraordinária simpatia e admiração, eu fui testemunha dessa recepção, numa universidade da Grande Buenos Aires”, lembrou.

“Em todos os lugares por onde passa, Lula é recebido como uma celebridade. Indiscutivelmente, é o maior líder da América Latina, apesar das campanhas de desprestigio contra ele nos meios privados de comunicação do Brasil”, disse o professor emérito da Universidade Federal Fluminense.

E concluiu: “creio que já quase ninguém duvida da estatura internacional e da popularidade de Lula, apesar de que essa realidade não vai agradar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso”.

Tradução: Victor Farinelli




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