segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Das desigualdades à barbárie terrorista

José Carlos Peliano* na Carta Maior

postado em: 22/11/2015
O Oriente Médio passou a não fazer parte do mapa mundial de referência desde o advento do capitalismo. Livros de história, sim, aqui e ali tratavam de descrever e comentar o papel das antigas civilizações que por séculos viveram. A nova sociedade ocidental que então surgira apagara quase por completo o passado oriental.

Legados imemoriais, no entanto, da escrita árabe, da descoberta do zero, da engenharia das pirâmides egípcias, das misturas para embalsamento, entre outros importantes achados, foram fundamentais para a evolução da cultura e do conhecimento humano.

O mesmo se deu com a China e a África cujas culturas forneceram relevantes contribuições para a humanidade. O ábaco foi precursor do caminho tecnológico até o computador e a pólvora o elemento sintético primitivo das explosões não naturais, ambas as descobertas vindas da China.

Da África nasceram, por exemplo, as raízes do samba brasileiro, a religião animista vinculada à natureza, o candomblé, das comidas e especiarias da culinária e da beleza, exuberância e força da raça negra.

Síria, Líbano e Iraque, bem como todos os demais povos da região oriental do globo, igualmente participaram da criação da árvore de cultura, conhecimento e saber que o mundo moderno usufrui pelos quatro cantos do planeta.

Mas a energia, a força, o poder e o domínio da máquina, do sistema de máquinas e dos equipamentos, que os fazem funcionar e operam, vieram para ficar, dar novo impulso à imensa trupe mundial e com isso fazer esquecer por incorporar com outras roupagens o legado dos antigos povos orientais.

As tradições culturais e religiosas desses povos ainda permeiam e permanecem na grande maioria dos países, ao contrário do Ocidente cuja maioria católica e protestante, hoje acompanhada por credos evangélicos, se adaptaram e convivem com o capitalismo contemporâneo.

Essa diferenciação marcante dos desenvolvimentos tecnológicos e materiais entre Ocidente e Oriente, coadjuvada pela distância implacável das religiões de ambos os lados, as quais habitam e conformam o comportamento dos povos respectivos, dão cara e forma às desigualdades abismais existentes entre os dois lados do globo terrestre.

Não que capitais, cidades e metrópoles do Oriente não desfrutem de parte das conquistas materiais e tecnológicas do desenvolvimento capitalista, nem que outras regiões do Ocidente não comportem áreas urbanas e rurais menos desenvolvidas, estagnadas, pobres e carentes.

O que passa é que o capitalismo é, por essência, um sistema que nasce, se mantém e se expande se apropriando das diferenças e criando mais diferenças. Ele não veio para igualar, democratizar, socializar, tampouco fazer justiça. Ele faz diferença!

A justiça dele é a do lucro e, por consequência, do excedente captado em todo o tipo de produção. A existência do lucro já distingue a diferença entre os donos do capital e os trabalhadores, já aponta a diferença de cidadãos na sociedade, os que mandam e os que cumprem.

Direitos iguais apenas na retórica, enquanto sob o domínio das relações capitalistas de produção, os direitos estão sob a égide do capital. Não foi por acaso que o capitalismo se apropriou, transformou e aperfeiçoou os sistemas originários de castas e assemelhados. A pirâmide social dos povos antigos serviu de trampolim para a implantação da ordem capitalista.

Hoje em dia manda a meritocracia e com ela as classificações do trabalho em ocupações, cargos e salários. Ordenamentos estes que se prolongam na sociedade, que os legitima, em ocupações, profissões, classes sociais e preconceitos.

Os preceitos constitucionais igualmente se baseiam e se moldam nessas diferenças submetidas aos cidadãos na sociedade e a justiça prevalecente vem daí. A justiça deve ser comum para todos, embora mais comum para os sem posição social de destaque. Ao restante as regalias e exceções.

A guerra do Iraque e da Síria, de memória recente, são exemplos privilegiados dos interesses capitalistas em jogo. No Iraque tratou-se de uma questão econômica: não perder a exploração e a distribuição dos poços de petróleo a cargo de empresas americanas.

Daí a versão mentirosa da posse de armas nucleares e químicas pelo Iraque, apresentada pelo governo americano, ter justificado a derrubada do regime.

Na Síria trata-se de uma questão de poder hegemônico dos Estados Unidos, que tenta recuperar esse papel em provável coalizão internacional com França, Inglaterra e recentemente a Rússia.

Os bombardeios contra os rebeldes realizados por esses países buscam retomar o poder na região junto à presidência síria. De fato, justificam as ações bélicas para "salvar vidas e manter a paz na região".

O conflito de interesses da região do Oriente Médio, econômicos, populacionais e religiosos, há anos provocando atentados, extermínios, guerras e emigração massiva serve de palco para a ação de guerra dos países ocidentais aliados.

E é no cerne desse conflito generalizado na região oriental onde as condições mais cruéis de vida e sobrevivência de vários grupos étnicos se veem às voltas com o surgimento dos rebelião de grupos terroristas, notadamente ao norte da Síria e do Iraque, onde se distribui células do Exército Islâmico.

O acirramento dos conflitos e interesses dificulta cada vez mais uma solução acordada. O estado crescente de desigualdades gerado e mantido na região, onde violência, doenças, miséria e fome abundam, provoca na mesma intensidade o surgimento de focos intensos de terrorismo generalizado.

Os dois ataques à França neste ano por terroristas armados ligados às facções mais radicais mostram a retaliação às ações belicosas da França na região síria. Por que a França? Provavelmente por ser o país mais vulnerável dos demais da coalizão de forças. Além de acesso geográfico mais fácil e rápido e território onde vive grande contingente de pessoas de origem árabe, africana e muçulmana.

Não faz parte da ideologia do capital sentar à mesa de negociações para redução das desigualdades, pois ele vive e sobrevive delas. Não faz parte dos representantes das democracias ocidentais aceitarem acordos menos restritivos às dificuldades sociais e econômicas dos povos mais pobres que não sejam sob as regras capitalistas rígidas.

Igualmente não aceitam os povos mais pobres, sejam orientais e africanos, serem secularmente subjugados política, social e economicamente abrindo mão de suas tradições, hábitos e costumes de trabalho, convivência e vida.

A barbárie de grupos terroristas não se justifica, assim como a prepotência do capital. Este descarta e empobrece populações pelo seu modus operandi e pela produção de crises periódicas do sistema; aqueles exterminam inocentes sem piedade sob a proteção de uma 'lei primitiva e abusiva', a Sharia, onde quer que escolham focos de ataque.

Já está mais que na hora de a civilização cuidar mais de sua sobrevivência em novos termos. Do jeito que está medo, insegurança, horror, terror e morte vão continuar a caminhar juntos. O desfrute e a celebração da vida certamente não passa por aí. Onde está o Deus ou os deuses das religiões? Uma aproximação entre os chefes religiosos de todos os credos pode ajudar a encontrar uma saída.


*Colaborador da Carta Maior.



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