domingo, 22 de novembro de 2015

Thomas Piketty: 'Endurecer a segurança não será suficiente'

Thomas Piketty, no Le Monde. Transcrito do site Carta Maior
 
  Diante do terrorismo, as políticas de segurança devem ser apenas parte da resposta. É preciso atacar o Daesh e prender seus membros. Mas também é preciso questionar sobre as condições políticas desta violência, as humilhações e injustiças que permitem que este movimento goze de grande apoio no Médio Oriente, e venha suscitando vocações sanguinárias na Europa. Em suma, o que está verdadeiramente em jogo é a adoção de um modelo de desenvolvimento social e igualitário, tanto lá quanto na Europa.

É mais do que evidente que o terrorismo se alimenta do barril de pólvora de desigualdade que se tornou o Oriente Médio – situação que contou com nossa grande contribuição. Daech, "Estado Islâmico do Iraque e do Levante", é produto direto da decomposição do regime iraquiano, e de forma mais ampla do colapso do sistema de fronteiras estabelecido na região em 1920.

Após a anexação do Kuwait pelo Iraque em 1990-1991, as potências aliadas haviam enviado suas tropas para restituir o petróleo aos emires – e às empresas ocidentais. Foi inaugurado, na ocasião, um novo ciclo de guerras tecnológicas e assimétricas - algumas centenas de mortes na coalizão pela "libertação" do Kuwait contra dezenas de milhares do lado iraquiano. Esta lógica chegou ao limite durante a segunda guerra do Iraque, entre 2003 e 2011: cerca de 500 mil mortes de iraquianos para mais de quatro mil soldados norteamericanos mortos, tudo para vingar as de três mil mortes do 11 de Setembro que, no entanto, nada tinham a ver com o Iraque. Esta realidade, ampliada pela assimetria extrema em termos de perdas humanas e pela ausência de uma solução política para o conflito Israel-Palestina, serve hoje para justificar todos os atos violentos cometidos pelos jihadistas. Esperemos que a França e Rússia, no comando da operação após o fiasco americano, causem menos danos.

Concentração dos recursos

Para além dos confrontos religiosos, é evidente que todo o sistema político e social da região é decisivamente influenciado e fragilizado pela concentração de recursos petrolíferos em pequenos territórios despopulados. Ao analisar a área que vai do Egito ao Irã, passando pela Síria, o Iraque e a península Arábica, onde vivem cerca de 300 milhões de pessoas, constata-se que as monarquias do petróleo detêm entre 60% e 70% do PIB regional, e apenas 10% da população, o que faz desta a região mais desigual do planeta.

Deve ficar claro que uma minoria de pessoas das petromonarquias se apropria de uma parcela desproporcional desta riqueza, enquanto grandes grupos (sobretudo as mulheres e os trabalhadores imigrantes) são mantidos em situação de semiescravidão. E são esses os regimes apoiados militar e politicamente pelas potências ocidentais, muito satisfeitos com as migalhas que financiam seus times de futebol, e muito contentes a cada venda de armas para estes países. Não admira que as nossas lições de democracia e justiça social não convençam a juventude do Oriente Médio.

Para ganhar credibilidade, seria necessário demonstrar para as populações que estamos mais preocupados com o desenvolvimento social e a integração política da região do que com nossos próprios interesses financeiros e nossas relações com as famílias nobres daqueles países.

Negação da democracia

Concretamente, o dinheiro do petróleo deve ir prioritariamente para o desenvolvimento regional. Em 2015, o orçamento total disponível para o governo egípcio financiar todo o sistema educativo do país de quase 90 milhões de habitantes é menos de 10 bilhões de dólares (ou € 9,4bi de euros). A algumas centenas de quilômetros dali, as receitas do petróleo chegam a 300 bilhões de dólares na Arábia Saudita, com seus 30 milhões de habitantes, e ultrapassam os 100 bilhões de dólares no Qatar, com uma população de 300 mil pessoas. Um modelo de desenvolvimento tão desigual só pode levar à catástrofe. E apoiá-lo é um ato criminoso.

Quanto aos belos discursos sobre democracia e eleições, seria preciso mantê-los mesmo quando os resultados não agradam. Em 2012, no Egito, Mohamed Morsi havia sido eleito presidente em uma eleição regular, o que não é comum na história eleitoral árabe. Já em 2013, ele foi expulso do poder pelos militares, que imediatamente executaram milhares de membros da Irmandade Muçulmana, cuja ação social muitas vezes permitiu atenuar as carências do Estado egípcio. Poucos meses depois, a França faz como se o episódio não tivesse existido, a fim de vender seus navios e pôr a mão em parte dos escassos recursos públicos do país. Esperemos que esta negação da democracia não tenha as mesmas consequências mórbidas que a interrupção do processo eleitoral na Argélia em 1992.

Resta uma questão: como alguns jovens que cresceram na França podem confundir Bagdá com os subúrbios de Paris, e tentar importar para cá os conflitos de lá? Nada pode desculpar este desvio sanguinário, machista e patético. Podemos apenas observar que o desemprego e a discriminação na contratação (particularmente grande para pessoas que atendiam a todos os quesitos em termos de qualificação, experiência, etc., como mostraram pesquisas recentes) não devem ajudar. A Europa, que antes da crise financeira conseguia acolher um fluxo migratório de um milhão de pessoas por ano, com o desemprego em baixa, deve retomar seu modelo de integração e de criação de empregos. Foi a austeridade que levou ao crescimento dos egoísmos nacionais e das tensões identitárias. É só através do desenvolvimento e da justiça social que o ódio será vencido.


Thomas Piketty é diretor de Estudos na École des Hautes Études en Sciences Sociales, École d’économie de Paris

Tradução de Clarisse Meireles

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