quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Conservadorismo do Congresso só pode ser derrotado pela mobilização popular, afirmam deputados

Entrevista do Brasil de Fato, transcrita no Conversa Afiada.

Em entrevista, os deputados Jandira Feghali (PcdoB), Wadih Damous (PT) e Ivan Valente (PSOL) analisam o cenário político brasileiro, o processo do impeachment e as manobras de Eduardo Cunha para permanecer na Presidência da Câmara.

Por Bruno Pavan e José Coutinho Júnior (SP)
    
O cenário político brasileiro e os fatos diários do Congresso Nacional têm superado qualquer trama de novela. Impeachment, manobras políticas, aliados que se tornam inimigos, e vice-versa, estão no cotidiano do noticiário.

Para analisar a conjuntura atual, o Brasil de Fato entrevistou três deputados que fazem oposição aos retrocessos no Congresso: Ivan Valente (PSOL), Jandira Feghali (PCdoB) e Wadih Damous (PT).

Os três acreditam que a presença de Eduardo Cunha (PMDB) na Presidência da Câmara dos Deputados envergonha o país, que o processo de impeachment aberto por ele é um ato oportunista e que, para travar as pautas conservadoras no parlamento, é necessário que haja pressão de movimentos populares nas ruas.

Confira a entrevista completa:

Como vocês avaliam os processos atuais na Câmara, como o pedido de impeachment de Dilma Rousseff e as manobras de Cunha na Comissão de Ética?

Ivan Valente: As manobras do Cunha tendem a chegar num limite que causam um impacto grande na opinião pública. É uma figura que não pode permanecer a frente de uma das casas, ainda mais acusado de corrupção explícita.

Em relação ao impeachment, existe um clima de criar uma maioria na Câmara para apoiar o afastamento da presidente. O esfacelamento da base aliada do governo pode gerar uma instabilidade política muito grande, se não houver movimentações de rua fortes pela esquerda.

Jandira Feghali: O processo em curso envergonha o Parlamento, desrespeita a Constituição e golpeia o Estado Democrático de Direito. Assistimos a uma tentativa de, sem qualquer fundamento, enfiar goela abaixo o impeachment, sem o rito devido previsto pela Constituição e pela lei. É, verdadeiramente, um golpe.

Sobre o Conselho de Ética, é imoral o que está ocorrendo. Um golpe dentro do golpe. Manobra atrás de manobra para adiar, interromper ou atrapalhar os trabalhos do colegiado. É inaceitável.

Wadih Damous: Tanto em relação ao impeachment como na representação contra o presidente da Câmara no Conselho de Ética, Eduardo Cunha faz manobras, escarnece a nação, pisoteia a Constituição, desrespeita as leis e o regimento interno. O deputado não reúne mais qualquer condição moral e jurídica de permanecer a frente da Câmara.

O impeachment é um processo que integra uma tentativa de golpe de Estado, não mais nos moldes clássicos do passado, mas agora uma nova modalidade de golpe parlamentar, tendo em vista que não há qualquer motivo para o seu processamento.

O ano de 2015 foi repleto de pautas conservadoras e retiradas de direitos por parte da Câmara. Como reverter esta situação?

Ivan: A pauta conservadora na economia teve apoio do governo com o ajuste fiscal. A terceirização passou na Câmara e, no campo dos direitos civis e democráticos, tivemos uma ofensiva muito forte de setores conservadores. Essas pautas revelam a base de sustentação que dá energia a Cunha, a fidelidade que ele ainda tem na Câmara após tantas denúncias e desgastes.
Essa composição congressual é muito à direita e não houve por parte do governo o intuito de formar uma contrapressão de rua para o enfrentamento dessas bancadas.

Jandira: Quando analisamos a composição da Câmara dos Deputados, nesta nova legislatura, já esperávamos dificuldades. Uma maioria conservadora tomou o lugar de setores representativos da sociedade, que ficaram sub-representados.

Mesmo assim, não imaginávamos que a situação chegasse a tal ponto. Para combater este descompasso entre representantes e representados é preciso, em primeiro lugar, disputar posições e divulgar amplamente as arbitrariedades e os prejuízos que determinadas pautas carregam.

Muitos resultados nefastos que passaram pela Câmara conseguiram ser revertidos pelo Senado Federal, como foi quando da votação do financiamento de campanhas. O caminho é este, resistir, ganhar apoio para uma pauta mais avançada e denunciar as tentativas de retrocesso.

Damous: Isso só vai ser revertido com o tempo. Alguns projetos foram aprovados e outros não, e temos que continuar trabalhando para que eles não sejam aprovados.
Tudo isso é o legado maldito do Eduardo Cunha: pautas bombas, projetos que agridem os direitos e garantias individuais. É uma herança maldita.

O que os deputados de esquerda podem fazer frente a esse conservadorismo crescente na Câmara?

Ivan: Temos feito um enfrentamento direto no processo de cassação do Cunha. O enfraquecimento dele foi o que baixou a temperatura do impeachment. Mas a insatisfação social continua. O que nós podemos fazer é resistir, mas precisamos de apoios dos movimentos sociais e populares.

Porque no parlamento a correlação de forças é extremamente desfavorável. É só ver o que está acontecendo no Conselho de Ética da Câmara. Até os meios de comunicação conservadores têm mostrado do que o Cunha é capaz.

Jandira: Temos que trabalhar unidos no Parlamento e juntos do povo, nas ruas. Ocupar os espaços públicos com movimentos sociais, sindicatos e sociedade civil não-organizada são fundamentais para denunciar tentativas de retrocesso e conscientizar a população sobre esses riscos.

Quando há esta mobilização e a sociedade se manifesta, vemos uma possibilidade efetiva de combater os ataques aos direitos já garantidos.

Damous: Nós temos resistido e tomado uma série de atitudes, como denúncias lá na Câmara e na sociedade. Mas nós temos uma margem muito estreita porque há uma grande articulação conservadora no Brasil, começando na grande imprensa, passando pelo parlamento e pelo Eduardo Cunha.

O nosso papel é de resistência e de tentar barrar esses projetos, mas, muitas vezes, a gente não consegue por conta da ampla maioria que eles tem.

Que impactos esse tipo de atuação da Câmara tem para a sociedade e a forma como ela enxerga a política?

Ivan: Tem um desgaste global do parlamento brasileiro com a manutenção do Eduardo Cunha lá. Ele virou um vilão nacional, mas, ao mesmo tempo, ele é útil à direita por conta do impeachment. Ele se beneficiou dos vacilos do PT e do oportunismo da direita, o que deu sobrevida a ele.

Jandira: É um impacto muito negativo, porque a atitude de alguns contamina a todos. Não raro escutamos frases como "são todos ladrões", "política é coisa de gente corrupta". Isso é lamentável, porque a política é instrumento da democracia, é ferramenta da transformação social.

A imagem do golpismo escancarado, do "vale tudo", só interessa aos que não toleram o regime democrático. O Parlamento não é, nem pode ser assim. A política precisa ser valorizada, as pessoas precisam enxergar na política um caminho para a superação de problemas, dificuldades sociais, de melhoria da vida do cidadão.
Damous: Isso, sem dúvida, compromete a visão do Congresso na sociedade. Eu tenho certeza que, se formos fazer uma pesquisa de como a população avalia o parlamento, o resultado vai ser o pior possível.

Claro que há outros problemas e a política nunca foi bem avaliada no Brasil, mas o Cunha está levando isso a patamares jamais vistos. A permanência dele na Presidência da Câmara está se tornando um escândalo internacional.

Qual o papel da sociedade e movimentos populares organizados nesse cenário? O que se deve fazer fora do Congresso para enfrentar um golpe institucional e a retirada de direitos?

Ivan: O papel dos movimentos sociais progressistas de esquerda é de ir contra o ajuste fiscal, contra o Cunha, as terceirizações, as privatizações. O papel desses movimentos é vital para brecar qualquer ofensiva de direita.

E é importante que ele seja volumoso, para sensibilizar amplas camadas da sociedade. Não basta dizer que grandes entidades estão na rua, mas mostrar a real capacidade de mobilização. Isso teria um impacto importantíssimo nos rumos do Congresso e na conjuntura nacional, impedindo esse oportunismo político.

Jandira: O PCdoB defende uma ampla mobilização contra os golpes em curso. Golpe institucional, golpe contra direitos, golpe contra a tolerância e contra a cidadania. Temos que ocupar as ruas e as redes para fazer frente à militância do ódio e, pouco a pouco, fazer prevalecer a pauta voltada para o desenvolvimento econômico e social.

Damous: A sociedade civil tem que entender que ela não pode se deixar contaminar pelo veneno da grande imprensa, que acaba moldando consciências, e entender que sem democracia nós não temos o caminho correto para as mudanças. Por mais que não se goste do governo e que ache o governo ruim, o que está em jogo hoje é a legalidade.

As armas da ironia


Canção de Chico Buarque comenta desenraizamento dos sem-terra
ADÉLIA BEZERRA DE MENESES
 




''Do chão sabemos que se levantam as searas e as árvores, levantam-se os animais que correm os campos ou voam por cima deles, levantam-se os homens e as suas esperanças. Também do chão pode levantar-se um livro, como uma espiga de trigo ou uma flor brava. Ou uma ave. Ou uma bandeira.''
José Saramago no livro ''Levantado do Chão''

Também do chão pode levantar-se uma canção, eu diria, parodiando Saramago, uma canção que diga da falta de chão, da falta de terra para quem dela viveria, da sua carência, o oco e do desarrazoado que isso representa. É esse o assunto de ''Levantados do chão'', a mais recente canção de Chico Buarque, tematizando os ''sem-terra'', constante do CD que acompanha o livro de fotografias de Sebastião Salgado, ''Terra'', lançado pela Companhia das Letras no dia 17 de abril, às vésperas do aniversário do massacre em Eldorado dos Carajás: também do chão pode levantar-se uma bandeira.
Estruturada formalmente por interrogações reiteradas, que expressam velada indignação e recusa, a letra dessa canção coloca, em sua radicalidade, a questão do desarraigamento, do desenraizamento, do ''desassentamento'' e do seu absurdo. Há que se meditar sobre o valor afetivo de uma entonação interrogativa. Perguntar é estranhar, recusar, impugnar: questionar. É não aceitar algo como um dado de fato.
O estranhamento sustentado se decompõe em perguntas - calmas invectivas - que vão do acúmulo de advérbios interrogativos (''Como então?'', ''Como assim?'', ''Mas como?''), passando pela aposição de frases nominais interrogativas (''Desgarrados da terra?'', ''Levantados do chão?'') à seqüência final de termos isolados que, escandidos pelo sinal de interrogação, apontam para o seu avesso: ''Gomo? Sumo? Granizo? Maná?'' No entanto, se o tom é quase meditativo (''Como embaixo dos pés uma terra/ Como água escorrendo da mão''), a emoção não é menos contida, engendrando frases escandidas, curtas, numa gradação de compassada ironia.
Num único caso - ''Que esquisita lavoura!' - se sobrepõe à interrogação a exclamação, apontando para sua origem comum: ''ironia''. Com efeito, é essa a figura de estilo dominante nesta canção. E sabemos o quanto a ironia é linguagem de denúncia e de não-adesão, é linguagem de resistência. ''Ironia'': do grego ''eironein'' = ação de interrogar, fingindo ignorância, ou que diz menos do que aquilo que se pensa. Forma privilegiada do exercício da crítica social, no avesso da duplicação das ideologias dominantes, a ironia é arma de combate. Nessa ''ação de interrogar, fingindo ignorância'' se chega, inevitavelmente, ao cômico de algumas imagens, concentradas sobretudo nas duas últimas estrofes: ''boi alado'', ''levitante colono'', ''celeste curral'', ''rebanho nas nuvens'' etc.
Da mesma maneira que os ''sem-terra'' são seres humanos definidos pela negativa, nomeados por aquilo de que carecem fundamentalmente, nesta canção a terra e/ou o chão, quando comparecem, estão sempre acoplados a algo que os nega: ''desgarrados'' da terra, ''levantados'' do chão, terra ''como água escorrendo'', ''oco'' da terra, lama ''sem fundo''. O termo, presente nominalmente, é desvirtuado: o que sobressai é a privação.
Penso nos filósofos pré-socráticos, em sua classificação dos elementos primordiais do universo: terra, água, ar e fogo. Pois bem, nesse texto sobre a falta da TERRA, as demais matérias fundamentais vão, perturbadamente, assumir o seu lugar, substituindo-a. É assim que, por volta da metade da canção, as imagens falarão de ÁGUA em vez de terra (''como água escorrendo da mão'', ''como água na palma da mão''); mas, depois de uma transição em que a água se mistura à terra (''lama sem fundo''), passa-se ao ''ar''.
A partir da quarta estrofe, instaura-se esse elemento, também inicialmente misturado à terra faltante, em forma de ''pó'': ''Como em cama de pó se deitar'' (verso 14). A falta de apoio, de concretude, de solidez, de fundamento - que só a terra, a mais concreta e a única sólida dentre as matérias fundamentais, poderia propiciar - regerá a orquestração das imagens, até o fim. É importante observar que já antes o ''ar'' estava presente, por meio da alusão à queda ''no oco da terra'' (verso 8). Mas será sobretudo a partir do verso 15 que, à falta da terra, o ''ar'' se imporá como imagética fundamental (1). E aí se desdobrarão as metáforas que traduzem a carência aguda, absoluta, de qualquer fundamento sólido: ''Num balanço de rede sem rede/ Ver o mundo de pernas pro ar''.
A imagem é rica e condensada: não só porque diz da ausência de apoio, mas porque, num outro plano, alude à falta de ''fundamento ético'' para a situação, configurando um mundo ''de pernas pro ar'', mundo às avessas, dolorosamente anômalo, aético, injusto. E, a partir daí, se desatará a ironia: ''Como assim? Levitante colono?/ Pasto aéreo? Celeste curral?/ Um rebanho nas nuvens? Mas como?/ Boi alado? Alazão sideral?'' (2).
Anomalia, desacerto, desconcerto. O homem do campo não tem terra. O desajuste da sociedade se revela no nível da linguagem, contamina as palavras, leva à incongruência das imagens, que remetem ao absurdo. O desenraizamento fere fundo: ''Que esquisita lavoura! Mas como?/ Um arado no espaço? Será?/ Choverá que laranja? Que pomo?/ Gomo? Sumo? Granizo? Maná?''.
Com ''maná'' - alusão ao alimento caído dos céus, e não brotando da terra, fruto do trabalho do homem - a inversão irônica está completa.
Falei que essa canção que tematiza a terra, ou melhor, a sua falta, opera com os elementos primordiais do universo, as matérias fundamentais: a terra, presente mesmo por sua ausência; a água e o ar, que perversamente ocupam o seu lugar. E o fogo? Saindo do universo dos filósofos físicos e caindo na realidade dura e crua dos conflitos de terra, do massacre em Eldorado dos Carajás, dos conflitos no Pontal do Paranapanema, da UDR, dos grileiros e ruralistas, das ameaças que pairam sinistras, da Marcha dos Sem-Terra e do susto suspenso com que a cada dia abrimos os jornais, o fogo, num trocadilho de mau gosto, mas dolorosamente na linha dum horizonte possível e temido, bem, o FOGO é o risco.
Finalmente, algo que ficou faltando, nessa análise da letra de ''Levantados do chão''. Refiro-me às duas referências oníricas da segunda estrofe, falando de esforço baldado e impotência - e que remetem a sonhos de angústia, ou melhor, ao pesadelo no qual não se consegue avançar, ou em que se cai, num tombo abissal: ''Como em sonho correr numa estrada/ Deslizando no mesmo lugar/ Como em sonho perder a passada/ E no oco da terra tombar''.
A geração que tinha por volta de 20 anos na década de 60, quando empunhava com paixão e veemência a bandeira da ''reforma agrária'', identifica-se sobremaneira com esse pesadelo de paralisia e impotência. Será que também na geração dos nossos filhos o Brasil vai ''perder a passada''?
Notas:
1. É evidente que aludo aqui a Gaston Bachelard e a seus estudos sobre a imaginação poética, regida pelos quatro elementos fundamentais.
2. Importa observar que esse topos do ar substituindo a terra, quando se trata de propriedades rurais, tem uma tradição na literatura brasileira que remonta a Carlos Drummond de Andrade. Indagado sobre de onde vem o título ''Fazendeiro do ar'' de um de seus livros, eis a resposta que ele dá: ''Os meus antepassados, inclusive meu bisavô, meu avô e meu pai, foram todos fazendeiros em Minas: quando chegou a minha vez, a fazenda havia acabado. Assim, sem terra, considero-me fazendeiro do ar... daí o título.'' ("Fortuna crítica de Carlos Drummond de Andrade", Civilização Brasileira, 2ª ed., 1978)".

Adélia Bezerra de Meneses é professora de teoria literária e literatura comparada na USP e autora, entre outros, de ''Desenho mágico - poesia e política em Chico Buarque'' (Hucitec) e ''Do poder da palavra - ensaios de literatura e psicanálise'' (Duas Cidades).

Fonte: Adélia Bezerra de Meneses, Folha de São Paulo


Aumento real do mínimo chega a 77% desde 2002 e injeta R$ 57 bi na economia

Transcrito na RBA

 Incremento da renda promove retorno de R$ 30 bilhões em arrecadação com impostos. Segundo Dieese, cada R$ 1 de aumento do mínimo promove retorno anual de R$ 293 milhões em contribuições à Previdência

por Paulo Donizetti de Souza publicado 
CUT/SP
minimo
Política de valorização do mínimo ocupa agenda das centrais desde a década passada e vai ao menos até 2019
São Paulo – Com o reajuste de 11,67% e valor de R$ 880 a partir de 1º de janeiro, o salário mínimo nacional terá alcançado um ganho real de 77,3% acima da inflação acumulada desde 2002. Passará a ter, ainda, o maior poder de compra desde 1979. O novo vencimento do trabalhador que recebe o piso nacional equivale a 2,4 vezes o valor da cesta básica calculado pelo Dieese. Em 1995, no início do governo Fernando Henrique Cardoso, correspondia a 1,02 cesta.
Segundo o governo, o novo valor terá um impacto de R$ 4,8 bilhões no orçamento da União em 2016. Para o Dieese, no entanto, o acréscimo de renda aos 48 milhões de brasileiros que recebem salário mínimo representará uma injeção de recursos de R$ 57 bilhões na economia, com impacto de R$ 30,7 bilhões na arrecadação de impostos.
O efeito concreto dessa política de valorização é ainda mais benéfico para o bolso das pessoas e para as contas públicas do que a política de juros praticada pelo Banco Central. O coordenador de relações sindicais do Dieese, José Silvestre Prado Silveira, estima que o gasto anual com os juros pagos aos investidores de títulos públicos baseados na Taxa Selic seja de R$ 400 bilhões.
E ainda que o aumento do mínimo repercuta nos pagamentos da Previdência Social, já que são 22,5 milhões os aposentados e pensionistas que o recebem, os efeitos do aumento da renda em circulação na economia compensam. “Cada R$ 1 de acréscimo no salário mínimo tem um retorno de R$ 293 milhões ao ano somente sobre a folha de benefícios da Previdência Social”, diz Silvestre, referindo-se ao impulso dado pela renda dos trabalhadores e aposentados no consumo e, portanto, na manutenção das atividades de empresas, comércio e serviços e no respectivo nível de emprego.
Cerca de dois terços dos municípios do país tem como principal fonte de renda e de movimentação das atividades econômicas locais o salário mínimo.

Muito a evoluir

Em seu artigo 7º, a Constituição determina que entre os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, está um “salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim”.
Ao anunciar o valor de R$ 880 para o salário mínimo a partir de 1º de janeiro, o governo federal não faz mais do que a obrigação de dar um pequeno passo em direção a contemplar um direito essencial historicamente descumprido, praticamente desde que os primeiros ano em que o salário mínimo foi instituído, em 1938. Mas essa busca pela recomposição de seu poder de compra de modo a cumprir a lei nem sempre esteve presente nas políticas públicas.
A política de valorização mais efetiva do salário mínimo começou a ser discutida em 2004, por pressão das centrais sindicais. Na ocasião o governo Lula apenas começava a rever a política de ajuste fiscal liderada pelo então ministro da Fazenda Antonio Palocci. Essa política de recuperação consiste de um reajuste baseado na inflação do ano que termina e na evolução do PIB no ano anterior – e se estenderá pelo menos até 2019.
A pressão das centrais sindicais pela manutenção dessa política é permanente, mas ela não basta. O processo de recuperação pode perder força se o Brasil não voltar a crescer rapidamente, já que o aumento do PIB é que determinará o ganho real dos próximos cinco anos.
Em entrevista à Revista do Brasil, o professor Cláudio Dedecca, do Instituto de Economia da Unicamp, já alertou, porém, que o ideal seria que todos os estratos da sociedade contassem com um crescimento da renda, e não que houvesse a perda de um segmento para ganho de outro. Por isso, é preciso que o país apresente taxas de crescimento superiores às que vêm sendo observadas. “Se continuar no ritmo atual, a política adotada para o salário mínimo, por exemplo, encontrará restrições crescentes no futuro.”
No início do Plano Real, julho de 1994, o valor necessário do mínimo, calculado pelo Dieese, era nove vezes superior ao oficial (R$ 590 a R$ 64). Ao longo do governo Fernando Henrique essa diferença entre oficial e necessário oscilou de sete a oito vezes; durante a gestão do tucano um trabalhador que recebia salário mínimo chegou a precisar trabalhar 11 meses para alcançar o valor exigido pela lei. No primeiro janeiro dos brasileiros sem Fernando Henrique, em 2003, o valor nominal do salário mínimo era R$ 200, enquanto o necessário para atingir o que determina a Constituição era R$ 1.386 (quase sete vezes mais).
A partir de 2003, essa diferença passou a ser reduzida de maneira mais acentuada, chegando ao seu melhor patamar em janeiro de 2014, final do primeiro mandato de Dilma, quando o mínimo era de R$ 724 e o necessário exigido por lei, R$ 3.118,00 (3,5 vezes mais). A alta da inflação (6,22% em 2014 e estimativa de 11,5% de INPC em 2015) combinada com baixo crescimento do PIB (2,3% em 2013 e 0,1% em 2014) já promove um ligeiro recuo, e a relação mínimo oficial versus o necessário deverá estar em pouco mais de 4 vezes neste janeiro (o valor efetivo da cesta básica, base para o cálculo do mínimo necessário pelo Dieese, só será conhecido no final do mês).
Confira aqui a relação entre valor nominal e mínino necessário desde julho de 1994.
O ministro do Trabalho e Previdência Social, Miguel Rossetto, disse ontem (29) em entrevista que a política de valorização do mínimo leva o governo a caminhar “na direção correta”. “Renda nacional é responsável por grande parte da dinâmica econômica nacional. O mercado interno é que responde por grande parte do dinamismo da nossa economia. Essa política tem permitido fortalecer e ampliar o mercado interno, diminuído as desigualdades de renda e elevado a qualidade de vida da sociedade brasileira”, disse.
Rossetto tratou ainda de criar um ambiente mais otimista para o início do ano, em que o governo é pressionado por centrais sindicais, movimentos sociais, empresários e governadores a adotar rapidamente medidas de recuperação do crescimento. O ministro afirmou que a oferta de crédito deve ter novo impulso nos próximos meses. O governo espera ainda uma retomada dos investimentos privados, sobretudo com a reativação dos setores paralisados em decorrência da Operação Lava Jato, a partir dos acordos de leniência que permitirão a empresas investigadas voltar a celebrar contratos com o setor público.
Dieese

Economia e o eterno retorno do mesmo

Por Luiz Gonzaga Belluzzo, na revista CartaCapital:

Os países ditos emergentes sofrem, ainda uma vez, as angústias que antecedem a elevação da taxa de juros básica nos Estados Unidos e padecem os temores das mudanças de humor dos fluxos de capitais. No início da década dos 1990, o Fundo Monetário e o Banco Mundial garantiam que a abertura e a desregulamentação financeiras promoveriam a suavização das flutuações da renda e do consumo nos países da periferia.

Os deslocamentos da finança em livre movimentação funcionaram ao revés e invariavelmente levaram os deficitários e detentores de moedas não conversíveis a desfechos desagradáveis. No Volume II doTratado da Moeda, Keynes afirma que em um sistema monetário internacional dominado pela livre movimentação de capitais “a taxa de juro de um país é fixada por fatores externos e é improvável que o investimento doméstico alcance o nível de equilíbrio”, ou seja, um valor compatível com o melhor aproveitamento dos fatores de produção disponíveis.

Nos últimos 30 anos, as crises se multiplicaram nas chamadas economias emergentes. Do México à Argentina, passando pela Ásia e Rússia, sem esquecer o Brasil, as economias balançaram, açoitadas por desvalorizações cambiais dolorosas e crises fiscais e financeiras.

Foram persistentes as lições dos “fatos”. Nem mesmo os defensores da abertura das contas de capital resistiram à precariedade de suas sabedorias. O FMI publicou, em setembro, o Global Financial Stability. Nessa edição, o relatório trata dos riscos construídos pelo excessivo e imprudente endividamento em moeda estrangeira das empresas não financeiras nas ditas economias emergentes.

Depois de recomendar rigorosas medidas macroprudenciais destinadas a controlar o endividamento em moeda estrangeira de bancos e empresas, o relatório dispara: “As economias emergentes devem estar preparadas para graves desequilíbrios financeiros e patrimoniais das empresas, inclusive para uma sucessão de falências na posteridade da elevação das taxas de juros nas economias avançadas”. A situação agrava-se nas economias enfiadas na recessão aguda, com queda do faturamento, juros elevados, crédito em retração e, naturalmente, colapso da capacidade de pagamento dos devedores.

A finança em livre movimentação funciona na contramão das teimosas versões da macroeconomia aberta dos mercados financeiros eficientes. Em sua empáfia, os Napoleões de hospício asseguram: o que está acontecendo não pode acontecer. É ilusório supor que o regime de câmbio flutuante numa situação de estresse vai resistir à reversão do fluxo de capitais. Ainda pior é imaginar que uma ulterior elevação da Selic ou a utilização das reservas no mercado do dólar “pronto” vai aplacar os apetites por moeda forte dos mercados cambiais.

Na Conferência de Bretton Woods, ao recomendar a adoção do sistema de compensações internacionais para ajustar os déficits e superávits entre as nações, Keynes almejou eliminar o papel desestabilizador da função reserva de valor do dinheiro mundial nos desequilíbrios globais. A moeda internacional seria simplesmente veicular.

As turbulências cambiais nos países de moeda não conversível, com suas graves consequências fiscais e monetárias domésticas, exibem a assimetria fundamental do sistema monetário-financeiro global. A função de reserva de valor do dólar é um perigoso agente da “fuga para a liquidez”. Isso, como é sabido, submete as demais moedas nacionais às políticas monetárias dos Estados Unidos, tal como observamos agora às vésperas de todas as reuniões do Federal Open Market Comitee.

Mesmo em um ambiente internacional de taxas de juros negativas nos países avançados, como registra o Global Financial Stability, a trajetória da dívida pública e privada dos emergentes está submetida, em primeiríssima instância, aos prêmios de risco exigidos pelos investidores para manter em suas carteiras os ativos denominados na moeda “emergente” não conversível.

Em tais condições, as benesses da facilitação quantitativa se dissipam nos diferenciais de juros reais, sempre mais elevados nos emergentes, impondo aos orçamentos uma carga absurda de despesa com juros. No Brasil de 2014, a execução orçamentária registra 978 bilhões de reais de despesa com juros, 45,11% do gasto total.

Essa aberração impõe o “enxuga-gelo” da obtenção de superávits fiscais permanentes e subtrai capacidade de gasto em investimento e nas políticas sociais, imprescindíveis em um país de desigualdades indecentes. Mas esses “fatos” estruturais e convencionais são jogados para debaixo das tapeçarias que adornam os salões em que ecoam as vozes das versões Mickey Mouse dos sabichões e interesseiros da arbitragem lucrativa nos mercados futuros de juros e câmbio.

Desafios para 2016

DESAFIOS PARA 2016




O que acontecerá na economia global? Ora, tudo vai depender da eleição norte-americana e do comportamento da China. Alguma previsão? Bem, comecemos por aí.

Por Flavio Aguiar, de Berlim. Publicado na Carta Maior. Transcrito no blog Democracia & Política.

É muito difícil fazer previsões para 2016. Mais do que em anos anteriores. Uma razão objetiva para tanto é que, de repente, ficou clara a interligação de várias séries de acontecimentos que costumam ter tratamento isolado nas mídias producentes e nas análises produzidas.

Por exemplo: o que acontecerá na economia global? Ora, tudo vai depender da eleição norte-americana e do comportamento da China. Alguma previsão? Bem, comecemos por aí.

Estados Unidos

O ano começa com um gigantesco desafio para a atual gestão, a do presidente Obama: cumprir a promessa de fechar a prisão de Guantánamo. Se não fechar, deveria ter a honestidade de devolver o prêmio Nobel da Paz que recebeu por antecipação, uma antecipação que, de resto, não se cumpriu de fato. Mas sempre se pode alegar que um presidente apenas não faz verão num monstro do tamanho da presença mundial dos EUA. Mas Guantánamo, a prisão, é um ponto nevrálgico nessa constelação, pelo que passou a significar: admissão da tortura, da prisão “preventiva” e arbitrária, da burla de normas judiciais consuetudinárias. Pedir a devolução de Guantánamo a Cuba já seria demais, assim como das Malvinas à Argentina…

Isso remete aos desafios vindouros. Se algum dos republicanos - qualquer um deles - for eleito, o resultado será catastrófico para o mundo e para a economia global. Todos eles prometem jogar no lixo o acordo sobre o programa nuclear com o Irã, a reaproximação com Cuba e o acordo climático da COP21, sem falar no "Obamacare" e outras iniciativas internas. O que faz lembrar o dito que a eleição do presidente dos Estados Unidos é importante demais para o mundo para ficar apenas nas mãos dos norte-americanos e submetido a seu bizarro sistema eleitoral, um dos mais complicados e antidemocráticos do mundo.

O que será um governo de Hillary Clinton (já que, embora tenha minhas simpatias pelo senador Bernie Sanders, de Vermont, não acredito que ele bata Clinton na convenção democrata)? Ainda não dá para se ter ideia, mas um bom indicador vai ser a escolha de seu vice.

China

A economia chinesa está desacelerando, o que complica ainda mais a combalida economia europeia e também a situação da América Latina, o que inclui o Brasil. Mas, em compensação, sua moeda, o renminbi, recebeu o aval do FMI para ser a quinta moeda elegível para a “cesta de reservas internacionais” a partir de 1° de agosto de 2016 (as outras moedas da “cesta” são o dólar norte-americano, a libra esterlina, o euro e o iene). Mas os efeitos desse reconhecimento já se fazem sentir desde agora, com alguns países anunciando que já estão convertendo parte de suas reservas para a moeda chinesa. Ela já engloba quase 11% das transações internacionais, e o governo britânico anunciou que as transações entre os dois países passarão a ser feitas diretamente através das respectivas moedas. Essa nova posição reforça iniciativa como a criação do banco alternativo de desenvolvimento pelos BRICS, e equilibra o esforço norte-americano para isolar a China com a criação das parcerias do Atlântico e do Pacífico.

Europa

A União Europeia enfrenta, e vai continuar enfrentando, seu maior desafio desde sua criação, graças à chamada “crise dos refugiados” e seus desdobramentos, que vêm alterando o perfil social, cultural, político (com desdobramentos econômicos) do continente. Cresce e continuará a crescer o novo cisalhamento na União, opondo, grosso modo, os países do antigo Leste e alguns do Ocidente, em torno da recepção aos refugiados. Apesar de seu sucesso na convenção da CDU, a chanceler Ângela Merkel enfrenta a maior contestação de sua liderança no plano interno em toda a sua carreira política.

Ao mesmo tempo, as tensões ideológicas se renovam e ampliam. A Polônia vai decididamente mais para a direita, enquanto a Península Ibérica vai mais para a esquerda. Em Portugal, o novo governo anuncia no mínimo uma atenuação dos “planos de austeridade”, senão sua reversão, e a Espanha deve ir pelo mesmo caminho, caso se concretize a formação de uma coalizão de esquerda para dar base ao novo governo. A grande novidade dessa situação é a formação dessas coalizões de esquerda, incluindo socialistas, comunistas e novos partidos como o "Bloco de Esquerda" (Portugal) e o "Podemos" (Espanha), além de partidos menores, como o basco e o catalão. Isso poderia apontar para uma inflexão importante em nível continental.

Outras perguntas relevantes: haverá concatenação suficiente para uma política de mais segurança no Mediterrâneo? E em relação aos refugiados que vêm da Síria pelos Balcãs? A "Frente Nacional" continuará a crescer na França e os socialistas a cair, apesar da relativa recuperação do governo de François Hollande depois dos atentados de 13 de novembro?


Síria, Iraque, Estado Islâmico e Oriente Médio

Algumas das questões europeias estão completamente imbricadas com a questão síria, do Estado Islâmico e do Oriente Médio. 2016 pode ser o ano em que haja uma reversão na guerra civil na Síria, se os esforços de concatenação internacional, que incluem - esta é uma grande novidade - o Irã e a Rússia, a partir dos encontros de Viena, conseguirem formular uma proposta de paz e implementá-la, sob a orientação da ONU. No campo militar, a crise síria marcou o retorno de uma atuação russa para além das fronteiras da antiga União Soviética, o que configurou uma nova situação internacional. Os curdos se afirmaram como a maior força terrestre de enfrentamento do Estado Islâmico, enquanto a Turquia se debate entre o tendência histórica de reprimi-los e a pressão internacional para que mude essa política. O Estado Islâmico se afirmou como a maior força do sectarismo que pretende açambarcar a interpretação do Islã, superando a Al-Qaïda e o Boko Haram africano. É provável que o E. I. tenda a manter essa proeminência com a continuidade de seus atentados internacionais no norte-africano, na Europa e no próprio Oriente Médio.

Enquanto isso, Israel, cujo isolamento internacional aumentou em 2015, tentará rompê-lo, favorecendo os republicanos nos EUA e recuperando a iniciativa em termos de Europa. Um bom termômetro do que irá acontecer nesse plano será a decisão em torno da indicação do novo embaixador do país para o Brasil, Dani Dayan, ex-líder de assentamentos nos territórios ocupados não reconhecidos pela ONU e dezenas de países.

Clima

A COP21 abriu uma nova janela de esperança para uma atuação combinada internacional - inclusive com protagonismo do Brasil - sobre as mudanças climáticas em nível mundial. Ao mesmo tempo, 2016 promete ser um dos anos mais quentes da recente história humana. Dezenas de micropaíses do Oceano Pacífico, além de milhares de zonas costeiras no mundo inteiro estão ameaçadas. A COP foi o primeiro acordo vinculante assinado - sob a égide da ONU - nesse campo, na história. Fica para este novo ano a consolidação dessa tendência ou a renúncia a ela, coisa que pode acontecer, como já se disse, se os republicanos forem eleitos nos EUA.

América Latina e do Sul

As vitórias das direitas na Argentina e na Venezuela (eleição parlamentar) puseram a América Latina, em particular a do Sul, diante de nova situação política. A situação nesses países ainda é de equilíbrio, pois Maduro continua na presidência e Macri enfrenta um parlamento hostil. Assim mesmo, vai se observar o mútuo desafio: até que ponto as conquistas sociais dos dois países serão mantidas, até que ponto a ascensão das direitas conseguirá revertê-las em nome de uma aproximação com “os mercados” e até que ponto, no caso da Argentina, irão as mudanças na política internacional. Como isso afetará o Mercosul?

De todo modo, a situação continental vai depender do que acontecer no Brasil.

Brasil

Pois é, e o Brasil? O Brasil passou a ser um “global player” relevante, como demonstrou, mais uma vez, a COP21, e como continua demonstrando o reconhecimento internacional das políticas de combate à pobreza e de diminuição do desmatamento como fator preponderante na diminuição das emissões de carbono. Apesar disso, as oposições brasileiras não conseguem reconhecer essa condição, ou não conseguem aturá-la. Também vai prosseguir a campanha sistemática de descrédito em nosso próprio pais e na mídia internacional, impulsionada pela realização das Olimpíadas no Rio de Janeiro. Apesar de superadas, voltarão todas as enfadonhas argumentações de que o país não tem condições para organizar tais eventos, que isso se dá a custo da opressão de seu povo pobre, que este é o país de eternos favelados… etc etc etc. Caso a presidenta Dilma consiga vencer o impasse do impeachment - e parece que vai conseguir - haverá novas cenas vergonhosas patrocinadas pelos camarotes dos mais ricos, e potenciadas pela acolhida da velha mídia nacional e internacional.

No plano político strictu sensu interno, o país enfrenta um duplo desafio, que, de certo modo, são faces de uma mesma moeda. De um lado, o principal partido da esquerda, o PT, passa pelo desafio de superar a visão que se arraigou, de que ele é “um partido igual aos outros”. Certa ou errada, mais certa ou mais errada, conforme as interpretações, essa percepção se disseminou em grande parte do eleitorado, reduzindo a opção pelo partido, pelo menos de momento, a seu núcleo duro. Mas apesar de seus percalços, perdas e problemas, o partido continua razoavelmente uno, continua sendo o principal partido de esquerda do continente americano como um todo, referência para "Podemos" (Espanha), "Bloco de Esquerda" (Portugal), "Syriza" (Grécia), "Linke" (Alemanha) e até para o trabalhismo de Corbyn (Inglaterra) e a atuação de Bernie Sanders (EUA), e não o contrário, como muitos eurocêntricos entre nós gostam de afirmar. Mas inegavelmente o PT enfrenta o desafio de provar que não se tornou um partido igual aos outros, apesar de tudo.

Do outro lado da moeda, o PSDB se tornou um partido pior do que os outros. Na geleia geral do Congresso Nacional e da busca da hegemonia das forças conservadoras que cresceram no país, o PSDB perdeu qualquer ligação com o seu nome de "social-democrata", fez uma transfusão direta de udenismo nas suas veias, tornando-se o principal partido golpista no Brasil ao lado da mídia reacionária. O PSDB hoje não é mais referência para ninguém no Brasil e no mundo, exceto para o antipetismo e antilulismo visceral da parcela mais reacionária do Brasil, repartida predominantemente entre velha mídia, burguesia e classes médias (poderia dizer “classes mídias”…). O “programa” do PSDB se resume, hoje, a tomar de assalto e de imediato o Palácio do Planalto, movido por um amálgama confuso de motivações: 


1. o espantalho megalomaníaco que anima um ex-presidente, em pânico diante da ideia de ter sido, na futura enciclopédia brasileira, uma mera transição entre o que ele mesmo proclamou ser a “era Vargas” e a temida “era Lula”; 
2. um candidato derrotado que, ao contrário até da Miss Colômbia, não consegue se conformar com a derrota depois de ter saboreado, embora ilusoriamente, o picolé da vitória; 
3. um senador que saiu do sarcófago para o Senado e quer porque quer retribuir o apoio que recebeu das forças mais retrógradas do financismo nacional e mundial manietando a ação do Estado brasileiro. 

No meio disso, bruxuleia a luzinha hoje fraca de um governador que poderia ser a opção em 2018, mas enterrou sua lanterna numa luta inglória contra a educação pública e os estudantes de S. Paulo. 

Para completar esse quadro melancólico, vê-se, no crepúsculo de 2015, o pulular de informações de que o partido está se desagregando, com suas lideranças saindo para o PMDB, o PV e o PMDB (partido que continua sem luz própria, a não ser que essa luz seja o fogo-fátuo chamado Cunha ou a lâmpada de 25 watts do vice-presidente), em busca de suas candidaturas próprias em 2018 - sinal de que, de fato, pelo menos de momento, a tese do impeachment está sendo reprovada.

Tudo isso mostra que o Brasil não cabe mais no tipo de politiqueta em que ainda se debate, graças a um sistema eleitoral e politico anacrônico em relação a sua estatura real, interna e externa.

Outros temas de relevância para 2016:

--A atuação do Papa Francisco I, o principal líder de esquerda num Estado europeu.
--A politica russa em relação à Turquia, à Ucrânia e ao fornecimento de gás para a Europa.
--A atuação da Arábia Saudita em relação à produção de petróleo, principal fator de rebaixamento do preço dessa commodity, o que afeta diretamente a Venezuela, e também em relação ao Iêmen e o Irã.
--A recuperação, na África, da região atingida pela epidemia do ebola.
--A tensão no Mar da China, as relações entre China e Japão.
--A dimensão que terá a disposição do governo japonês de “atuar militarmente fora de suas fronteiras”.
--O relacionamento entre Índia e Paquistão.
--O Banco dos BRICS.
--A relação da Austrália com as deliberações da COP21.
--O destino da FIFA, da UEFA, da CONMEBOL, da CBF etc….
--O degelo no Ártico.
--A pesca ilegal da merluza-negra na Antártida, que põe em perigo a espécie.

E muito mais."

FONTE: escrito por Flavio Aguiar, de Berlim. Publicado no site "Carta Maior"  (http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/Desafios-para-2016/6/35247).

Apontamentos sobre as perspectivas sinistras do capitalismo tanático (sic) por estas bandas da latino-america (RJF)


Macri-Argentina e Máfia-Fascismo: Argentina oscilando entre a crise de governabilidade e a ditadura mafiosa

Jorge Beinstein

Já se destacou até o cansaço que, pela primeira vez em um século, no dia 10 de dezembro de 2015, a direita chegou ao governo sem ocultar seu rosto, sem fraude, sem golpe militar, através de eleições supostamente limpas, se trata de um grande novidade.
Mas é necessário esclarecer três coisas:
Em primeiro lugar, é evidente que não se tratou de “eleições limpas”, mas sim de um processo assimétrico, completamente distorcido por uma manipulação midiática sem precedentes na Argentina, ativada há vários anos e que finalmente derivou num operativo sofisticado e avassalador. Consumada a operação eleitoral, a presidenta que saía foi destituída poucas horas antes de entregar a faixa presidencial através de um golpe de Estado “judiciário”, demonstração de força do poder real que estabelecia, desse modo, um precedente importante, na verdade o primeiro passo do novo regime.
Isto nos leva a um segundo esclarecimento: o kirchnerismo não produziu transformações estruturais decisivas do sistema, introduziu reformas que incluíram vastos setores das classes baixas, saciou demandas populares insatisfeitas (como o julgamento de protagonistas da última ditadura militar), implantou uma política internacional que distanciou o país do submetimento integral aos Estados Unidos e outras medidas que se impuseram às estruturas e grupos de poder pré existentes. Mas não gerou uma avalanche plebeia capaz de neutralizar as bases sociais da direita, não quebrou os pilares do sistema (seus aparatos judiciais, midiáticos, financeiros, transnacionais, etc) não desarticulou a ofensiva reacionária. A alternativa transformadora radicalizada estava completamente fora do script progressista, a astúcia, o jogo hábil e seus bons resultados em curto e médio prazo maravilharam o kirchnerismo, o levou por um caminho sinuoso, acumulando contradições marchando rumo a uma derrota final. O governo que terminou nunca propôs uma transgressão dos limites do sistema, um salto por cima da institucionalidade elitista-mafiosa, das panelinhas judiciais influenciadas pelo partido midiático, pelos personagens destacados de uma lúmpen burguesia que aproveitou o restabelecimento da governabilidade pós 2001-2002 para curar suas feridas, recuperar forças e renovar seu apetite.

Como era previsível, as classes médias, grandes beneficiárias da prosperidade econômica dos anos do auge progressista, não tiveram uma reação de gratidão para com o kirchnerismo, e sim o contrário. Incentivadas pelo poder midiático, ela retomou os velhos preconceitos reacionários, sua ascensão social reproduziu formas culturais latentes provenientes do velho gorilismo, do desprezo à “negrada”, sintonizada com a onda regional e ocidental de aproximação dessas classes médias ao neofascismo. Não se tratou, portanto, de uma simples manipulação midiática, manejada por um aparato comunicacional bem organizado, mas sim do aproveitamento das irracionalidades ancoradas no mais profundo da alma do país burguês.
A terceira observação é que o fenômeno não é tão novo. É verdade que o processo de manipulação eleitoral se insere no declínio do progressismo latino-americano, o que foi realizado de forma impecável por especialistas de primeiro nível, certamente monitorados pelo aparato de inteligência dos Estados Unidos, não deveríamos esquecer que antes da chegada do peronismo, em 1945, a sociedade argentina foi moldada durante cerca de um século de república oligárquica (que não foi abolida durante o período dos governos radicais, entre 1916 e 1930), deixando rastros culturais e institucionais bem profundos, atravessando as sucessivas transformações das elites dominantes, como uma espécie de referência mítica de uma época onde supostamente os de cima mandavam através de estruturas autoritárias estáveis.
Nesse sentido, é uma curiosa casualidade, carregada de simbolismo, o fato de que foi o presidente “cautelar instantâneo”, Federico Pinedo imposto pela máfia judicial, o encarregado de entregar o bastão presidencial a Macri. Federico Pinedo: neto de Federico Pinedo, uma das figuras mais representativas da restauração oligárquica dos Anos 1930, bisneto de Federico Pinedo Rubio, intendente de Buenos Aires no final do Século XIX e depois deputado nacional durante um prolongado período, representante do velho partido conservador. Seguir a trajetória dessa família permite observar a ascensão e a consolidação do país aristocrático colonial, construído desde mediados do Século XIX. O longínquo descendente daquela oligarquia foi o encarregado de entregar os atributos do mando presidencial a Mauricio Macri, que por sua parte é herdeiro de um clã familiar mafioso de raiz ítalo-fascista, instaurado por um “governo de gerentes”. Os avatares de um golpe de Estado instantâneo, estabelecendo um vínculo histórico entre a lúmpen burguesia atual e a velha casta oligárquica.
A crise
O contexto econômico internacional consiste numa crise deflacionária motorizada pelo desinflar das grandes potências econômicas. Os Estados Unidos, a União Europeia e o Japão navegando entre o crescimento anêmico, o estancamento e a recessão, a China desacelerando seu crescimento e o Brasil em recessão determinam uma conjuntura marcada pelo esfriamento da demanda global, o que deprime os preços das matérias-primas e estanca ou diminui os mercados de produtos industriais. Em suma, um panorama mundial negativo para um país como a Argentina, que vive da exportação de matérias-primas e, em menor escala, de produtos industriais de médio e baixo nível tecnológico. Antes, para não cair na recessão por esses ciclos internacionais adversos – desde o ponto de vista teórico –, a economia Argentina precisava se apoiar cada vez mais na expansão e na proteção do seu mercado interno, seu tecido industrial, sua autonomia financeira. Porém, o governo de Macri inicia seu mandato fazendo exatamente o contrário: diminuindo o mercado interno através de uma redução drástica, em termos reais, de salários e aposentadorias, aumentando o endividamento externo, desprotegendo o grosso da estrutura industrial. É nessa direção que apontam suas primeiras decisões econômicas iniciais como a mega desvalorização do peso, a eliminação ou diminuição dos impostos às exportações, o aumento da taxa de juros, a liberalização das importações, e logo a eliminação de subsídios aos serviços públicos, com o conseguinte aumento de suas tarifas. Se trata de uma gigantesca transferência de renda em favor dos grupos econômicos mais concentrados (grandes exportadores agrários, empresas e especuladores financeiros possuidores de fundos em dólares, etc.), de um saque descomunal, que se prolongará no tempo ao ritmo dos aumentos dos preços, as depressões salariais, as desvalorizações e aumentos de tarifas. O desemprego cresce, assim como a pobreza e a indigência, a concentração de rendas avançará (já está avançando) rapidamente e o crescimento econômico nulo ou negativo será inevitável.
Segundo alguns especialistas, estaríamos embarcando num vórtice completamente irracional, marcado pelo declínio do grosso da indústria e da desintegração da sociedade, resultado da aplicação ortodoxa de receitas neoliberais “equivocadas”. Entretanto, o governo não se equivoca, atua segundo a dinâmica de uma lúmpen burguesia portadora de uma racionalidade instrumental, cujo fim não é outro senão o da acumulação rápida de riquezas, o saqueamento de tudo o que se cruzar pelo caminho. A racionalidade que brota da cabeça de certos economistas é a dos bandidos, dos donos do poder econômico, não é a do desenvolvimento econômico harmonioso e com resultados que beneficiem toda a sociedade.
Assim é como passamos de uma versão suave da política econômica anticíclica (desde o ponto de vista da tendência da economia global) a uma nova política pró-cíclica, que vem se incorporando com notável ferocidade à degeneração geral (financeira, institucional, ideológica, etc) do mundo capitalista.
O progressismo governou a Argentina entre 2003 e 2015 restabelecendo a governabilidade do sistema, tudo andou bem enquanto a besta lambia suas feridas, num contexto de relativa prosperidade, se recompondo do terremoto dos anos 2001-2002, mas desde 2008 as coisas foram mudando: o achatamento do crescimento econômico exacerbou sua vontade de abocanhar uma porção maior da torta, e nesse sentido, o dia 10 de dezembro de 2015 pode ser visto como o ponto de inflexão, como um salto qualitativo do poder draculesco das elites dominantes, inaugurando uma etapa de decadência da sociedade argentina. As forças entrópicas, devastadoras, conseguiram finalmente impor sua dinâmica.
Dois cenários
Nos encontramos diante dos primeiros passos de uma aventura autoritária de trajetória incerta. Não é fruto do acaso, e sim resultado de um prolongado processo de amadurecimento (degeneração) das elites dominantes da Argentina, transformadas em matilhas de predadores, em sintonia com o fenômeno global da financeirização e da decadência. Basta ver o próprio governo e seus apoiadores, um grupo no qual se sobressaem personagens acusados de crimes especulativos, como Alfonso Prat Gay, Carlos Melconian e Juan José Aranguren, ou “poderosos chefões” como Cristiano Rattazzi, Paolo Roca, Franco Macri (pai do presidente), ou de outros suspeitos de serem agentes da CIA, como a nova chanceler Susana Malcorra e Patricia Bullrich, para perceber que a tragédia local não é mais que um apêndice periférico de um capitalismo global embarcado numa louca corrida liderada por lobos de Wall Streeet, militares delirantes e políticos corruptos destruindo países inteiros, triturando instituições, saqueando recursos naturais e impondo um processo de destruição em escala planetária.
A lúmpen burguesia argentina, com sua articulação mafiosa na cúpula do poder (empresarial, judicial, midiático) e suas prolongações institucionais e abertamente ilegais, deixou de ser a força dominante nas sombras, que conspirava, condicionava, bloqueava e impunha, passando a assumir abertamente o governo. Isso pode ser atribuído a vários fatores, como a inexistência de um elenco de “políticos” com capacidade de decisão para implementar o mega-saque planejado, o que leva os próprios gerentes a tomar essa responsabilidade de forma direta – quer dizer, os “técnicos”, completamente alheios à conjuntura eleitoral.
O novo esquema é bastante eficaz na hora de adotar medidas contundentes contra a maioria da população, mas parece ser pouco útil na hora de amortecer o inevitável descontentamento popular (incluindo o de uma porção significativa de ingênuos eleitores de Macri). As panelinhas sindicais poderão gerar inação durante certo tempo, alguns políticos provinciais empurrarão para esse mesmo sentido, e também os meios massivos de comunicação buscarão distrair, confundir, justificar (já o estão fazendo), intensificando a campanha de idiotização, mas tudo isso é insuficiente para conter a magnitude do desastre em curso.
Por outra parte, o carácter lúmpen e instável do regime macrista, afetado por previsíveis disputas internas, golpes financeiros, turbulências exógenas de todos os tipos e próprias de um sistema global à deriva, e pressionado por uma base social cuja insatisfação crescerá até formar uma avalanche gigantesca, revelando a única alternativa possível de governabilidade mafiosa.
Se trata da formação de um sistema ditatorial com rosto civil e de configuração variável, que tem claros antecedentes internacionais recentes, é guiado pelo aparato de inteligência dos Estados Unidos e se apoia na chamada doutrina da guerra de quarta geração, cujo objetivo central é a transformação da sociedade, objeto do ataque, numa massa amorfa, degradada, acossada por erupções prolixas de violência caótica, impotente diante do roubo que está sofrendo. Iraque, Líbia e Síria aparecem como experiências extremas e longínquas, ao contrário de México e Guatemala, paradigmas latino-americanos que devem ser lembrados, embora a especificidade argentina incluirá certamente suas características originais ao novo caso. Temos que pensar numa combinação pragmática de distintas doses de repressão direta “clássica”, judicialização de opositores sindicais e políticos, bombardeio midiático (diversionista e/ou demonizador), repressão clandestina, incentivos às rivalidades sociais (quanto mais sanguinárias melhor), irrupção de grupos que aterrorizam a população (como os “maras” na América Central ou os batalhões de narcos no México), fraudes eleitorais, etc. Desse modo, a Argentina entraria com tudo num Século XXI marcado pela escalada do capitalismo taná tico.
Entretanto, essa estratégia não pode se instalar plenamente de um dia para outro, requer tempo e uma certa passividade inicial das bases populares, e encontraria sérias dificuldades numa sociedade complexa como a argentina, com um amplo leque de classes baixas e médias portadoras de culturas, capacidade de organização, de histórias que a visão superficial dos gerentes financeiros e dos especialistas em controle social não conseguem ver como ameaças visíveis (ou parecem ser resistências ou nostalgias impotentes), mas que constituem latências, bombas de tempo de enorme poder, que podem explodir em qualquer momento. Este desafio de lidar com os de baixo pode convergir com o antigo temor que os de cima têm das hordas incontroláveis de pobres, conformando grandes interrogantes gelatinosos que generalizam as incertezas das elites, deteriorando sua psicologia.
A não viabilidade desse cenário sinistro, o possível rechaço a ele, deixaria espaço aberto para o desenvolvimento de um segundo cenário: o de uma crise de governabilidade muito mais devastadora que a de 2001. Nesse caso, a fantasia elitista da recomposição ditatorial mafiosa do poder político não havia sido outra coisa senão uma ilusão burguesa acompanhada do fim da governabilidade, do começo de um período de alta turbulência, de desintegração social de duração imprevisível. O progressismo tão desprezado pelas elites havia sido um paraíso capitalista destruído por seus principais beneficiários.
Como vemos, o inferno mafioso não é inevitável, embora não devamos subestimar a capacidade operativa dos seus executores locais e seu mega padrinho imperial, pois os Estados Unidos estão decididos a reconquistar o seu quintal latino-americano.
Para que lado penderá esta história? A resistência popular terá a resposta.
Tradução: Victor Farinelli.

O Globo errou “só” em 400% o custo do petróleo do “patrimônio inútil” do pré-sal

8dolares
O que este blog vem afirmando aqui, há duas semanas, desde que O Globo fez um estúpido editorial dizendo que os preços do petróleo tornavam o pré-sal um “patrimônio inútil” foi confirmado oficialmente pela Petrobras que o jornal usar argumentos que contém um erro de “apenas” 400% no custo de extração de óleo em nossas principais jazidas pretrolíficas.
O Globo diz, para justificar o fato de que, com o petróleo sendo cotado a US$ 37 o barril não seria econômico produzir no pré-sal a custos estimados entre US$ 40 e US$ 57. Aqui, com base nos dados então disponíveis, mostrou-se que o custo de extração no pré-sal era, na verdade de US$ 9 dólares o barril.
E ontem, fica-se sabendo que nem isso mais é, por conta de novas tecnologias, redução dos preços em dólar de alguns insumos da indústria petroleira – que têm preço mundial e, portanto, acabam incorporando as perdas do preço do petróleo – e sobretudo, como havia sido apontado aqui, pelo conhecimento geológico que acelera o caro processo de perfuração de centenas de poços (de extração e de injeção).
Do site da Petrobras:
(…)chegamos a um patamar em torno de US$ 8 por barril, quando a média das grandes petrolíferas mundiais é de US$ 15 por barril. Nos custos de desenvolvimento do pré-sal também tivemos avanços. Um dos fatores decisivos para a redução de custo é o tempo de perfuração de um poço no pré-sal, que no campo de Lula já atingiu tempo inferior a 30 dias. Em 2010, eram necessários mais de 120 dias para realizar o mesmo trabalho.(Nota do Tijolaço: só o custo de uma sonda de perfuração de águas ultraprofundas custa perto de US$ 50o mil por dia)
Ou seja, o “errinho” de O Globo sobre a relação preço/custo do pré-sal é de “apenas” 400% – ou de 712%, se considerado o maior custo estimado pelos “especialistas” do jornal.
Mesmo não sendo este o custo total da exploração – há royalties e impostos que, afinal, são renda pública -, se você considerar que são mais de um milhão de barris retirados a cada dia do pré-sal, é possível ver o tamanho do golpe que querem dar com esta história de desdenhar o “patrimônio inútil”.
Posto, abaixo, um vídeo da Petrobras, quando a produção ainda era um pouco menor, que ajuda a entender como e porque os custos de produção do pré-sal estão caindo com a competência técnica da Petrobras.

Três formas para convencer os pobres que aumentar o salário mínimo é ruim

http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2015/12/30/tres-formas-para-convencer-os-pobres-que-aumentar-o-salario-minimo-e-ruim/

Chico, da Mangueira, cidadão brasileiro

Léa Maria Aarão Reis*, extraído da Carta Maior.

Entre as histórias, vinhetas, músicas, e deliciosas lembranças que ele proporciona, no filme documentário de cerca de duas horas sobre sua vida e trajetória, um presente maior e “soberano” de fim de ano aos cinéfilos e não cinéfilos, uma observação de Chico Buarque resume sua maneira de ser. “Se eu precisasse me identificar, eu falaria ‘eu sou Chico, da Mangueira’, ele diz, em uma das oito entrevistas registradas no filme do seu amigo, o cineasta Miguel Faria Jr., com o título de Chico-- Artista brasileiro. Mais ainda que artista, Chico é cidadão brasileiro. Um dos cidadãos mais estimados do país, dentro e fora do bairro do Leblon, no Rio de Janeiro, onde foi abordado e insultado, na calçada, há dez dias, por meia dúzia de pilantras desocupados.

A bilheteria do filme que estreou um mês atrás e já vinha com um desempenho de sucesso embora concorrendo com um campeão de público, Guerra nas Estrelas, ganhou uma dimensão ampliada com a imediata, imensa e indignada repercussão nacional sobre o lamentável episódio em que Chico foi agredido por suas posições políticas.

Está sendo exibido em circuito nacional: Brasília, Rio, São Paulo, Curitiba, Porto Alegre, Goiânia e Belo Horizonte. Ao final das sessões, que já vinham superlotadas, o documentário continua sendo aplaudido, e a sala se emociona. Como numa espécie de desagravo simbólico a um dos seus maiores ídolos da MPB; a um dos nossos escritores vivos mais interessantes, (em especial pelo seu livro O Irmão Alemão), mas, sobretudo ao cidadão exemplar que ele sempre foi e é.

Miguelzinho, (autor de mais dois outros lindos docs musicais; Vinícius e Lamartine Babo), como Faria Jr. é conhecido desde os anos 60, assíduo do mitológico restaurante Antonio’s, no Leblon, é amigo de longa data de Chico. Daqueles de andar no calçadão em sua companhia, em paz, sem que ninguém incomode ou perturbe o mito. “São cinco décadas de amizade; e agora, para o filme, 20 horas de gravações de entrevistas sem nada de recomendações particulares ou restrições por parte dele,” diz.

Sobre uma contradição sugerida por Chico, que se diz mais da ala literária, apesar de se ver de preferência como da “turma da música”, o diretor esclarece: “Acho que ele se refere a isso, de haver muita panelinha entre os autores. O pessoal da música é mais descontraído. Não tem aquela coisa, entre aspas, de ser escritor”.

Outro lance, no filme, revelador da sua elegância – no sentido total: educação, reserva, discrição e respeito pelos outros - características que faltam aos fascistas - é a história contada por um dos seus músicos. Chico gosta, antes dos shows, de sair do seu próprio camarim para bater um papo no espaço reservado aos músicos veteranos que o acompanham de longa data. “Quando bate na porta a gente já sabe. É ele. Só o Chico faria isso: bater na porta do camarim antes de entrar.”

Um entrevistador sempre invisível conduz a estrutura narrativa do doc intercalando falas do protagonista com preciosas imagens. Sequências de fotos de álbum de família – Maria Amélia, sua mãe, com o bebê Chico no colo, na Copacabana dos anos 40. Filmetes caseiros, trechos de shows históricos, arranjos emocionantes de autoria de Luiz Claudio Ramos. Interpretações antológicas: as de Ney Matogrosso e da portuguesa Carminho são de arrebatar;  e tem Betânia ontem e hoje; Péricles, Laila Garin, Monica Salmaso,  Calcanhoto, Mart’nália, e pequenas entrevistas/flashes com amigos de toda vida.

Chico e Bob Marley numa pelada, no Rio, jogando futebol. “Sabe”, conta Chico, rindo, “que num museu que reúne tudo sobre Marley perguntaram a ele quem era aquela figura ao seu lado, aqui”, e aponta uma foto dos dois, com a bola, emoldurada, na parede do seu estúdio, entre outras tantas. “O guia disse: bem, este é um cantor alemão...”

O saudoso Hugo Carvana lembra o olhar do amigo dirigido a Marieta Severo quando a viu pela primeira vez, andando, na porta do teatro. “Perguntou: ‘quem é?’ Não era o olhar do homem para uma mulher que achava gostosa; era o olhar de quem está querendo saber o motivo do atraso da moça;  ‘mas onde ela estava que só apareceu agora?’ o seu olhar indagava.”

Há imagens dele com o grupo de escritores e intelectuais frequentadores da célebre cobertura de Rubem Braga, em Ipanema. Paulinho Mendes Campos, Tom, Sabino, Millor, Otto, o fotógrafo Paulo Garcez (são de Paulinho diversas fotos usadas no filme) e Chico, bem mais moço que todos, conversando com um Manuel Bandeira idoso, numa de suas raras e últimas aparições.

E há discrição nos assuntos da vida privada, do casamento e da família. Miúcha é entrevistada e três dos seus sete netos fazem música acompanhada por ele, no seu apartamento; antes da sessão, na cozinha, o avô serve bolachas guardadas dentro do pote. Comenta-se no filme a renovação do seu público.

O casal Chico e Marieta no exílio, em Roma, ele sendo entrevistado, responde em fluente italiano. O retorno ao país e a raiva pela censura sistemática às suas composições, e sua surpresa vendo a ditadura apoiada por grande maioria da sociedade civil. “Fiquei impressionado com a quantidade de carros com os adesivos de ‘Brasil ame-o ou deixe-o’.

Outro tema sobre o qual conversa, é o da memória e das lembranças. Também da “memória falsa”, irmã da “fantasia e da imaginação.” “Por exemplo, eu lembro que vi o Zepelin passando, do colo da minha avó; tenho certeza! É uma memória falsa. Naquela época não exista mais Zepelin voando para o Rio...”

Imagens para a passagem entre sequências, são da mata e da imensidão de um mar esparramado sob o janelão da sala de Chico, ao pé do emblemático Morro dos Dois Irmãos. Outras, dele em Berlim  onde foi parar buscando rastros deixados pelo irmão, Sergio Günther, que realmente existiu, foi cantor e compositor. Chico cantarola A Banda numa versão alemã.

A impecável montagem de Diana Vasconcellos de todo este material e a bela fotografia de Lauro Escorel – todos são trabalhos das amizades de Chico. A colaboração do escritor Eric Nepomuceno e das amigas jornalistas Martha Alencar e Regina Zappa. Os figurinos de Marília Carneiro.

Poético, jornalístico e de uma delicadeza muito particular, este Chico - artista brasileiro onde o compositor fala de uma solidão que não sente: “Gosto de estar sozinho; trabalho, leio, escrevo, vejo futebol na TV.” Disfarça e desmente, para surpresa geral, a imagem de grande tímido: “Na família, quando eu era menino, me chamavam de showboy.”

O tempo que passa deixando pouco tempo para projetos. Shows, músicas novas, gravações, livros. Faz as contas de quanto tempo levará para fazer tudo isto, desiste e ri. Ele ri muito.

Chico pertence a uma espécie que,  ao contrário do que se pensou, neste ano, não se encontra em extinção. A prova são as quase 40 mil pessoas que, pela internet, estão saudando o ano novo tomando uma cervejinha com Chico. Nós nos juntamos ao brinde. Que 2016 dê passagem para Chico Buarque de Holanda, cidadão brasileiro.


*Jornalista

A aritmética peculiar da Folha

http://rogeriocerqueiraleite.com.br/2015/12/a-aritmetica-peculiar-da-folha/

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

"A partir de agora, nenhum desempregado a mais", reivindica João Pedro Stedile

Transcrito do Jornal Brasil de Fato.



Em entrevista de balanço do ano que acaba e apontando perspectivas para 2016, o dirigente do MST afirma que passamos por um "ano perdido para os trabalhadores brasileiros" e que movimentos devem exigir mudanças na política econômica: "nenhum desempregado a mais".

28/12/2015
Por Bruno Pavan,
São Paulo (SP)

 
Crédito: Rafael Stedile  
O ano que se encerra representou uma conjuntura extremamente complexa para o Brasil. Diante de tal cenário, os movimentos populares construíram novos espaços de articulação para as lutas sociais.
João Pedro Stedile, da direção nacional do Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e integrante da Frente Brasil Popular, considera que 2015 foi "um ano perdido para os trabalhadores brasileiros".
Em entrevista ao Brasil de Fato, Stedile avalia que "a novela do impeachment"deva terminar até abril de 2016 e que o próximo ano será marcado pela luta em torno da condução da política econômica do governo. "Nenhum desempregado a mais", defende João Pedro.
Confira a entrevista na íntegra:
Brasil de Fato - Que balanço os movimentos que compõe a Frente Brasil Popular estão fazendo do ano que está terminando, em termos de lutas e de enfrentamentos políticos?
João Pedro Stedile - A Frente Brasil Popular é uma frente ampla, uma aliança das mais diferentes formas de organização de nosso povo: movimentos popualres, da juventude, sindicais e partidos.  Nós sempre tomamos as deliberações por consenso, não temos instâncias de coordenação, nem porta-vozes.  Assim, não posso e nem devo falar pela Frente Brasil Popular.  Falo  pelo que  vejo nos movimentos da Via Campesina, nos movimentos populares e nas minhas andanças pelo Brasil. Em termos gerais, acho que podemos dizer que 2015 foi um ano perdido para os trabalhadores brasileiros.  Um ano no qual a mediocridade política imperou. A maioria do povo brasileiro, com seus 54 milhões de votos, reelegeu a presidenta Dilma [PT].  Porém, setores das classes dominantes e os partidos mais conservadores não se deram por vencidos e quiseram retomar o comando do Executivo no tapetão. Começaram a conspirar desde a posse.  Para isso se utilizaram dos espaços nos quais têm hegemonia - como a mídia corporativa, o poder Judiciário e o Congresso - para tentar derrubar a presidenta. O governo federal se assustou, montou um ministério medíocre, que não representa as forças que elegeram a presidenta.  E passou o ano se defendendo, gerando uma situação de disputa e de manobras apenas em torno da pequena política.
E qual o balanço das mobilizações?
Bem, aí acho que foi um ano bem disputado.  No início, em março e abril, muitos setores da esquerda institucional não queriam ir para a rua.  Fomos nós, os movimentos populares e as centrais sindicais,  que insistimos na linha de que nossa principal disputa com a direita deveria ser na rua.  A direita teve  seu auge em março, e depois foi diminuindo em agosto, e caiu no ridículo em dezembro.  E os movimentos populares fizeram o caminho inverso: fomos aumentando devargazinho, e demos o troco em dezembro, com mobilizações de massa, em muitas capitais, principalmente São Paulo.   Acho que agora conseguimos envolver não apenas os militantes, mas muita gente da base começou a se mexer e tambem foi pra rua.  Acho que, na rua , o impeachment está derrotado.  Pois a pequena burguesia reacionária que vociferava clamando pelo golpe, pela volta dos militares, não conseguiu mobilizar ninguém além deles mesmos. Além disso, a pequena burguesia na sociedade brasileira é insignificante, em termos de base social.
E na economia, qual é o balanço?
O balanço é extremamente negativo na economia.  A economia brasileira vive uma grave crise, fruto de sua dependência do capitalismo internacional e do controle hegemônico dos bancos e das empresas transnacionais.  Terminamos o ano com queda de 4% no PIB.  Cairam os investimentos produtivos, seja por parte do governo e empresas estatais, seja por parte dos empresários.   O governo cometeu vários erros que agravaram a crise.  Primeiro, trouxe um neoliberal para o Ministério da Fazenda, que certamente teria sido ministro da chapa Aécio Neves.   As medidas neoliberais de aumento da taxa de juros de 7 para 14,25%, os cortes nos gastos sociais, o tal ajuste fiscal, só produziram mais problemas para o povo e para a economia.  A inflação atingiu os 10% ao ano e o desemprego alcançou a média de 8,9% da classe trabalhadora.  O tesouro nacional  pagou 484 bilhões de reais em juros e amortização aos bancos. Usaram dinheiro público para garantir o rentismo da especulação financeira, em vez de investir na solução de problemas e no investimento produtivo.  Felizmente, o ministro caiu. Deixou, porém, um ano perdido.  É preciso mudar a política econômica, não apenas o gerente.
Como os movimentos populares analisam a tragédia ambiental que aconteceu em Mariana?
2015 ficará marcado pelo maior crime ambiental da historia do país, e quiçá um dos maiores do planeta.  E por que aconteceu?  Pela sanha das mineradoras, no caso a Vale, de ter lucro maximo.  Em outros países, o lixo das mineradores tem outro tratamento. Porém, custa mais caro. Aqui, acobertada por políticos por ela financiados e autoridades benevolentes, a Vale  prefere deixar [os rejeitos] em barragens - procedimento, segundo os especialistas, que não tem nenhuma segurança.   Já se romperam 5 barragens no país, e há outras 48 em condições semelhantes. Milhares de pessoas foram atingidas. Mataram o Rio Doce, em toda sua extensão de 700 quilomêtros. E ninguem sabe como tudo isso poderá ser recuperado.  Se tivéssemos um governo mais corajoso, era a hora de propor a reestatização da Vale, e usar todo seu lucro para reparar os danos causados.  Aliás, está parado há anos o processo que anulou o leilão da Vale  por fraude, no Tribunal Federal Regional do Pará.
Qual a avaliação da atuação do Congresso Nacional, em especial na Câmara dos Deputados, durante 2015 ?
O Congresso foi o espelho maior da mediocridade da política durante o ano. Primeiro, elegeram Eduardo Cunha [PMDB-RJ] como presidente da Câmara, ainda  que todos soubessem de suas falcatruas.  E quando ele soube que a Procuradoria da República iria pedir sua destituição e prisão, se adiantou  e propôs o impeachment da presidenta Dilma.  Mas o feitiço voltou-se contra o feiticeiro e a presidenta Dilma foi salva, pela truculência e manipulação do feiticeiro, que usou de falsos argumentos.  Tenho certeza que com o rito determinado pelo STF , certamente o governo terá  os votos necessarios na Câmara e no Senado para barrar o processo.
É necessário que o sr. Cunha seja julgado pelo STF o mais rápido possivel. Porém, além das artimanhas do Ali Babá brasileiro, o Congresso se revelou extremamente conservador em todas as matérias encaminhadas, algumas sendo aprovadas,  representando um retrocesso, uma destruição da constituinte de 88 e  uma dicotomia total com os anseios e práticas da sociedade.  Vários projetos esdrúxulos, sem sentido, estão percorrendo o Congresso,  sobretudo na Câmara.   Desde a diminuição da maioridade penal, a proibição de colocar nos rótulos que o produto é transgênico - negando informação ao consumidor, a autorização de uso para sementes estéreis; a privatização da Petrobras - projeto do senador Serra [PSDB], até medidas homofóbicas e extremamente reacionárias.  Tudo isso é fruto da falência da democracia parlamentar brasileira, causada pelo sequestro que as empresas fizeram através do finaciamento milionário das campanhas políticas.  Segundo revelou o ex-ministro Ciro Gomes , o deputado Eduardo Cunha teria distribuido 350 milhões de reais de empresas para eleger deputados cupinchas, que agora o defendem... 
 
  Crédito: Rafael Stedile
E qual a solução para esse mal funcionamento da democracia brasileira?
Nós dos movimentos populares temos defendido a necessidade de uma reforma política profunda, que faça diversas modificações no regime político, no sistema eleitoral, para devolver ao povo o direito de escolher sem influências da mídia ou do capital.  Há diversos projetos de lei apresentados na Câmara, por diversas entidades da Coalização Democrática...Porém, esse Congresso não quer, e nem tem moral, para cortar seus proprios dedos.  Então, só nos resta lutar por uma Assembleia Constituinte, que somente virá com o reascenso do movimento de massa. Portanto, ainda vai demorar, mas é a ínica saída política viável e necessária.
E tivemos alguma conquista na agenda da reforma agrária?  Como andam as lutas e o governo nesse setor?
Também foi um ano perdido para os sem-terra e para a agricultura familiar.  O governo escalou uma boa equipe no Ministério do Desenvolvimento Agrário e no Incra, porém entregou o Ministerio da Agricultura para o que tem de pior na política brasileira.  E com os cortes do ajuste fiscal neoliberal, atingiu em cheio a reforma agrária. As poucas conquistas que ocorreram foram fruto de muita mobilização e pressão social.  O governo não cumpriu sua promessa de acelerar o assentamento das 120 mil familias acampadas, em todo país.  Nao houve nenhum novo contrato de construção de casas no meio rural.   A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) abandonou programas muito bons do PAA (programa de alimentos) que envolviam entrega simultânea para entidades urbanas;  houve cortes de recursos para o Pronera e para a Ates (assistência técnica aos assentados).  Tudo ficou parado ou piorou. Nos governos anteriores, havíamos conquistado o plano nacional de diminuição de uso de venenos (Pronara), sete ministros assinaram, mas a ministra do veneno na agricultura vetou, e a presidenta não teve coragem de promulgar.  O programa de apoio a agricultura agroecológica (Planalpo), tem diretrizes boas, porém não tem recursos... e por aí vai. Perdemos um ano na agricultura familiar e na reforma agrária. Espero que o governo pare de se iludir com  o agronegócio, que se locupleta com o lucro das exportações de commodities pelas empresas transnacionais, mas não representa nenhum ganho para a sociedade.  E até no agronegocio os investimentos em maquinas e insumos cairam 30%.
   
   
 
Crédito: Rafael Stedile  
Quais são as perspectivas políticas  para o ano de 2016, na ótica dos movimentos populares?
Nossa expectativa é de que até abril termine a novela do impeachement.  E, a partir daí, o governo se recomponha com uma nova aliança de partidos governantes, com um novo ministério adequado à realidade da sociedade.  E que o governo volte a assumir os compromissos que fez na campanha.  Se o governo não der sinais que vai mudar, que vai assumir o que defendeu na campanha, será um governo que se autocondenará ao fracasso.  Pois não tem confiança das elites, que tentaram derrubá-lo, e ao mesmo tempo não toma medidas para a imensa base social, que é 85% da população brasileira.   Espero que o governo tenha um mínimo de visão política para escolher  o lado certo.
A CUT já se manifestou pela mudança da política econômica e fez críticas ao governo Dilma. Como você analisa esse processo?
 A CUT e outras centrais sindicais  tiveram um comportamento muito bom durante o ano de 2015, quando mobilizaram suas bases, contra o golpe, mas também em defesa dos direitos dos trabalhadores.  Também li a nota da CUT que saúda a saída de Levy, mas alerta ao governo de que é preciso mudar a política econômica.  E os sinais que o sr. Barbosa esta dando na imprensa não são bons, ao retomar a agenda neoliberal-empresarial, da reforma da previdência, para aumentar a idade mínima, a reforma tributária, para consolidar as desonerações e a reforma trabalhista  para desmanchar a CLT. A CUT já avisou que vai lutar contra. E nós tambem estaremos juntos com o movimento sindical.  Se o governo mexer na idade mínima da aposentadoria rural,  haverá uma revolta no campo, e contra o governo.  Estou apenas avisando.
Há alguma  proposta alternativa de política econômica por parte dos movimentos populares?
No ano de 2015, cerca de 150 dos nossos melhores economistas, que estão nas universidades, sindicados e institutos de pesquisa passaram meses discutindo e apresentaram um documento com medidas de curto e de médio prazo para saírmos da crise econômica.  O governo não deu bola. Foi preciso a Frente Brasil Popular exigir para que eles pudessem apresentar o documento ao governo, o que ocorreu apenas em 16 de dezembro passado. Tenho escutado muitos economistas, empresários, pesquisadores e políticos nacionalistas.   E todos têm propostas claras. O problema é que o governo é surdo e auto-suficiente. O governo precisa apresentar urgente um plano de retomada do crescimento da economia, e propôr  um pacto entre trabalhadores e empresários que cesse o aumento do desemprego.   Nenhum desempregado a mais, a partir de agora.
Tenho ouvido propostas  de que se poderia usar  100 bilhões de dólares de nossas reservas - que são de 350 bilhões - e, portanto, não afetaria o fluxo de comércio e nenhum pagamento externo.  Com esses recursos, aplicar em investimentos produtivos na economia, como na construção civil, que rapidamente ativa toda eocnomia, na infraesturtua das cidades, na agricultura familiar e na educação.   Imaginem aplicar em alguns meses  400 bilhões de reais em investimentos produtivos, certamente ativariam a economia para voltar a crescer, garantindo emprego e renda também  para os trabalhadores. 
O governo deve diminuir a taxa de juros, e parte dos recursos pagos aos bancos em juros deslocar para a Petrobras, retomar suas obras, algumas faltam apenas 10% para serem concluídas e estão paradas.  Repassar recursos também para o BNDES  financiar a indústria e as grandes obras nas cidades.   Propostas não faltam.   Falta é coragem pro governo construir uma grande coalização social de forças populares e empresariais, para mudar o rumo da sua política econômica.  Se ficar no rame-rame da burocracia e das contas públicas, será um  governo fadado ao fracasso, e não  haverá como defendê-lo. Para isso, ele precisa dar sinais logo.
Ainda que você avalie que a resolução do impeachment se dará no início do ano, como os movimentos estão se organizando para enfrentar a questão?
Durante o mês de janeiro cada movimento fará suas avaliações, balanços e tirará as lições de 2015. Depois, realizaremos nossa plenária nacional da Frente Brasil Popular, para ver o que vamos fazer em conjunto em 2016.  
Por ora, há uma vontade política  de que, nos dias ou na semana das votações decisivas do processo de impeachement, seja organizado um  acampamento em Brasília e nas assembleias legislativas nas capitais.  E tambem fazer vigílias massivas, em defesa da democracia e contra o golpe.   Eu participei de uma mobilização e assembleia popular em Porto Alegre [RS], onde aprovamos que vamos repetir o acampamento em frente ao Palácio Piratini, em memória a Leonel Brizola, que em agosto de 1961 brecou o golpe contra  Goulart, na sua campanha pela legalidade.  Agora será a vigilia pela democracia e repetiremos o acampamento em frente ao Palácio Piratini.
Tratando das expectativas e perspectivas para 2016, como as eleições municipais se inserem nesse cenário? 
A expectativa que temos é que o clima para mobilizações de massa aumentará durante o primeiro semestre de 2016: de um lado, diversos setores da classe trabalhadora  estão enfrentando mais problemas com desemprego, inflação; de outro, mais setores sociais estão percebendo que somente saíremos da crise com mobilizações populares.   O período eleitoral deve galvanizar as atenções apenas durante o calendário das campanhas.  E, mesmo assim, como há um desânimo com a política institucional, é provável que nas grandes cidades  haja uma apatia para o processo. Nas cidades do interior, o que determina as eleições municipais sempre gira em torno de pessoas e famílias.
Por último, na sua opinião, como as organizações populares e de esquerda devem se comportar no próximo ano?
Nós temos ainda muitos desafios, históricos, que precisamos enfrentar no [próximo] ano e no médio prazo.   A sociedade brasileira está enfrentando uma crise econômica, social, política e ambiental.   E essa crise somente será superada com um projeto de país, que consiga aglutinar a maior parte da sociedade para criar uma nova hegemonia em torno dele.   O capital financeiro e as corporações transnacionais querem a volta ao neoliberalismo, mas não conseguem  hegemonia social, porque os brasileiros sabem que esse projeto interessa apenas aos grandes capitalistas. A burguesia interna, produtiva, não tem um projeto.  A pequena burguesia queria o impecheament e será derrotada.  E a classe trabalhadora ainda não tem  unidade em torno de um projeto para o país.  Está ainda atônita assistindo os problemas.
Temos o desafio de articular todos os meios de comunicação alternativos populares, para fazer frente ao massacre diário da mídia burguesa.
Temos o desafio de retomar o debate sobre a necessidade de uma reforma política, que somente virá com uma Assembleia Constituinte. E temos o desafio de pressionar o governo a mudar sua política econômica, para  evitar o agravamento dos problemas da economia e da classe trabalhadora.  E se o governo não mudar até abril, dando sinais claros de que lado está,  certamente vai perder sua base social, e se transformará num governo de crise permanente até 2018.


Link: http://www.brasildefato.com.br/node/33797