Entrevista do Brasil de Fato, transcrita no Conversa Afiada.
Em entrevista, os deputados Jandira
Feghali (PcdoB), Wadih Damous (PT) e Ivan Valente (PSOL) analisam o
cenário político brasileiro, o processo do impeachment e as manobras de
Eduardo Cunha para permanecer na Presidência da Câmara.
Por Bruno Pavan e José Coutinho Júnior (SP)
O
cenário político brasileiro e os fatos diários do Congresso Nacional
têm superado qualquer trama de novela. Impeachment, manobras políticas,
aliados que se tornam inimigos, e vice-versa, estão no cotidiano do
noticiário.
Para analisar a conjuntura atual, o Brasil de Fato
entrevistou três deputados que fazem oposição aos retrocessos no
Congresso: Ivan Valente (PSOL), Jandira Feghali (PCdoB) e Wadih Damous
(PT).
Os três acreditam que a presença de Eduardo Cunha (PMDB) na
Presidência da Câmara dos Deputados envergonha o país, que o processo
de impeachment aberto por ele é um ato oportunista e que, para travar as
pautas conservadoras no parlamento, é necessário que haja pressão de
movimentos populares nas ruas.
Confira a entrevista completa:
Como
vocês avaliam os processos atuais na Câmara, como o pedido de
impeachment de Dilma Rousseff e as manobras de Cunha na Comissão de
Ética?
Ivan Valente: As manobras do Cunha tendem a
chegar num limite que causam um impacto grande na opinião pública. É uma
figura que não pode permanecer a frente de uma das casas, ainda mais
acusado de corrupção explícita.
Em relação ao impeachment, existe
um clima de criar uma maioria na Câmara para apoiar o afastamento da
presidente. O esfacelamento da base aliada do governo pode gerar uma
instabilidade política muito grande, se não houver movimentações de rua
fortes pela esquerda.
Jandira Feghali: O processo em curso
envergonha o Parlamento, desrespeita a Constituição e golpeia o Estado
Democrático de Direito. Assistimos a uma tentativa de, sem qualquer
fundamento, enfiar goela abaixo o impeachment, sem o rito devido
previsto pela Constituição e pela lei. É, verdadeiramente, um golpe.
Sobre
o Conselho de Ética, é imoral o que está ocorrendo. Um golpe dentro do
golpe. Manobra atrás de manobra para adiar, interromper ou atrapalhar os
trabalhos do colegiado. É inaceitável.
Wadih Damous: Tanto em
relação ao impeachment como na representação contra o presidente da
Câmara no Conselho de Ética, Eduardo Cunha faz manobras, escarnece a
nação, pisoteia a Constituição, desrespeita as leis e o regimento
interno. O deputado não reúne mais qualquer condição moral e jurídica de
permanecer a frente da Câmara.
O impeachment é um processo que
integra uma tentativa de golpe de Estado, não mais nos moldes clássicos
do passado, mas agora uma nova modalidade de golpe parlamentar, tendo em
vista que não há qualquer motivo para o seu processamento.
O ano de 2015 foi repleto de pautas conservadoras e retiradas de direitos por parte da Câmara. Como reverter esta situação?
Ivan:
A pauta conservadora na economia teve apoio do governo com o ajuste
fiscal. A terceirização passou na Câmara e, no campo dos direitos civis e
democráticos, tivemos uma ofensiva muito forte de setores
conservadores. Essas pautas revelam a base de sustentação que dá energia
a Cunha, a fidelidade que ele ainda tem na Câmara após tantas denúncias
e desgastes.
Essa composição congressual é muito à direita e não
houve por parte do governo o intuito de formar uma contrapressão de rua
para o enfrentamento dessas bancadas.
Jandira: Quando analisamos a
composição da Câmara dos Deputados, nesta nova legislatura, já
esperávamos dificuldades. Uma maioria conservadora tomou o lugar de
setores representativos da sociedade, que ficaram sub-representados.
Mesmo
assim, não imaginávamos que a situação chegasse a tal ponto. Para
combater este descompasso entre representantes e representados é
preciso, em primeiro lugar, disputar posições e divulgar amplamente as
arbitrariedades e os prejuízos que determinadas pautas carregam.
Muitos
resultados nefastos que passaram pela Câmara conseguiram ser revertidos
pelo Senado Federal, como foi quando da votação do financiamento de
campanhas. O caminho é este, resistir, ganhar apoio para uma pauta mais
avançada e denunciar as tentativas de retrocesso.
Damous: Isso só
vai ser revertido com o tempo. Alguns projetos foram aprovados e outros
não, e temos que continuar trabalhando para que eles não sejam
aprovados.
Tudo isso é o legado maldito do Eduardo Cunha: pautas
bombas, projetos que agridem os direitos e garantias individuais. É uma
herança maldita.
O que os deputados de esquerda podem fazer frente a esse conservadorismo crescente na Câmara?
Ivan:
Temos feito um enfrentamento direto no processo de cassação do Cunha. O
enfraquecimento dele foi o que baixou a temperatura do impeachment. Mas
a insatisfação social continua. O que nós podemos fazer é resistir, mas
precisamos de apoios dos movimentos sociais e populares.
Porque
no parlamento a correlação de forças é extremamente desfavorável. É só
ver o que está acontecendo no Conselho de Ética da Câmara. Até os meios
de comunicação conservadores têm mostrado do que o Cunha é capaz.
Jandira:
Temos que trabalhar unidos no Parlamento e juntos do povo, nas ruas.
Ocupar os espaços públicos com movimentos sociais, sindicatos e
sociedade civil não-organizada são fundamentais para denunciar
tentativas de retrocesso e conscientizar a população sobre esses riscos.
Quando
há esta mobilização e a sociedade se manifesta, vemos uma possibilidade
efetiva de combater os ataques aos direitos já garantidos.
Damous:
Nós temos resistido e tomado uma série de atitudes, como denúncias lá
na Câmara e na sociedade. Mas nós temos uma margem muito estreita porque
há uma grande articulação conservadora no Brasil, começando na grande
imprensa, passando pelo parlamento e pelo Eduardo Cunha.
O nosso
papel é de resistência e de tentar barrar esses projetos, mas, muitas
vezes, a gente não consegue por conta da ampla maioria que eles tem.
Que impactos esse tipo de atuação da Câmara tem para a sociedade e a forma como ela enxerga a política?
Ivan:
Tem um desgaste global do parlamento brasileiro com a manutenção do
Eduardo Cunha lá. Ele virou um vilão nacional, mas, ao mesmo tempo, ele é
útil à direita por conta do impeachment. Ele se beneficiou dos vacilos
do PT e do oportunismo da direita, o que deu sobrevida a ele.
Jandira:
É um impacto muito negativo, porque a atitude de alguns contamina a
todos. Não raro escutamos frases como "são todos ladrões", "política é
coisa de gente corrupta". Isso é lamentável, porque a política é
instrumento da democracia, é ferramenta da transformação social.
A
imagem do golpismo escancarado, do "vale tudo", só interessa aos que
não toleram o regime democrático. O Parlamento não é, nem pode ser
assim. A política precisa ser valorizada, as pessoas precisam enxergar
na política um caminho para a superação de problemas, dificuldades
sociais, de melhoria da vida do cidadão.
Damous: Isso, sem dúvida,
compromete a visão do Congresso na sociedade. Eu tenho certeza que, se
formos fazer uma pesquisa de como a população avalia o parlamento, o
resultado vai ser o pior possível.
Claro que há outros problemas e
a política nunca foi bem avaliada no Brasil, mas o Cunha está levando
isso a patamares jamais vistos. A permanência dele na Presidência da
Câmara está se tornando um escândalo internacional.
Qual o
papel da sociedade e movimentos populares organizados nesse cenário? O
que se deve fazer fora do Congresso para enfrentar um golpe
institucional e a retirada de direitos?
Ivan: O papel
dos movimentos sociais progressistas de esquerda é de ir contra o ajuste
fiscal, contra o Cunha, as terceirizações, as privatizações. O papel
desses movimentos é vital para brecar qualquer ofensiva de direita.
E
é importante que ele seja volumoso, para sensibilizar amplas camadas da
sociedade. Não basta dizer que grandes entidades estão na rua, mas
mostrar a real capacidade de mobilização. Isso teria um impacto
importantíssimo nos rumos do Congresso e na conjuntura nacional,
impedindo esse oportunismo político.
Jandira: O PCdoB defende uma
ampla mobilização contra os golpes em curso. Golpe institucional, golpe
contra direitos, golpe contra a tolerância e contra a cidadania. Temos
que ocupar as ruas e as redes para fazer frente à militância do ódio e,
pouco a pouco, fazer prevalecer a pauta voltada para o desenvolvimento
econômico e social.
Damous: A sociedade civil tem que entender
que ela não pode se deixar contaminar pelo veneno da grande imprensa,
que acaba moldando consciências, e entender que sem democracia nós não
temos o caminho correto para as mudanças. Por mais que não se goste do
governo e que ache o governo ruim, o que está em jogo hoje é a
legalidade.
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