José Álvaro de Lima Cardoso*
No final de 2015 a Petrobrás fechou a venda de 49% das
ações da Gaspetro (responsável pela produção de gás natural) ao grupo japonês
Mitsui, por R$ 1,93 bilhão. O acordo havia sido fechado em outubro,
mas estava dependendo da aprovação do CADE (Conselho Administrativo de Defesa
Econômica). A operação possibilitou que a empresa atingisse a meta de se
desfazer de US$ 700 milhões em ativos, em 2015. O plano da empresa é se
desfazer de ativos equivalentes a US$ 15,1 bilhões até o final deste ano.
A venda
das ações da Gaspetro faz parte da implementação do gigantesco plano de
desinvestimento da Petrobrás, previsto no Plano de Negócios e Gestão (PNG
2015-2019), que prevê a venda US$ 57,7 bilhões em ativos em quatro anos. O
capital internacional está de olho nesses ativos porque petróleo é ultra estratégico
e porque é “o melhor negócio do mundo”. Conforme os petroleiros têm denunciado,
a decisão da direção da Petrobrás, visando aliviar a pressão e atender o
interesse do “mercado”, está na contramão da tendência mundial, que é de
estatização e integração da produção. A empresa anunciou recentemente, também, que
está avaliando a possibilidade de vender a Transpetro, sua subsidiária de
transportes de petróleo. A subsidiária, criada em 1998, opera uma frota de 54
navios (41 próprios e 13 alugados) e a malha brasileira de dutos e terminais.
O
adiamento de projetos, demissões e desinvestimentos nas empresas do setor vem
ocorrendo em outras partes do mundo, em decorrência da queda drástica dos
preços do petróleo, que despencaram para menos de US$ 30 dólares recentemente
(para comparação, em junho de 2014 o preço do barril tinha atingido US$
106). Algumas
estimativas avaliam que os cortes de custos possam ter alcançado US$ 380
bilhões em 2015, entre as grandes empresas do setor no mundo. No caso da venda
das ações da Gaspetro, no entanto, a alegação da Federação Única dos Petroleiros
(FUP), é que a transação foi lesiva aos interesses da Petrobrás. O preço de
venda, por exemplo, está sendo questionado. O R$ 1,93 bilhão pagos pelas ações
foi considerado extremamente baixo. Segundo a FUP, os bancos JP Morgan e Brasil
Plural, estimaram o preço de 49% da Gaspetro em 1,3 bilhão de dólares, equivalente
a algo em torno dos R$ 5,6 bilhões.
Num momento dramático como o atual, em que
xadrez internacional do petróleo ficou ainda mais complicado, é importante
focar nos melhores ativos, dispensando os menos rentáveis. Também por esse
motivo a venda de parte da Gaspetro está sendo questionada. A subsidiária obteve lucro
líquido médio de R$ 1,4 bilhão entre 2010 a 2014. Se tomarmos como referência este
desempenho, a venda de 49% do capital da empresa irá significar uma perda de R$
700 milhões anuais para a Petrobrás.
Como têm
alertado os especialistas a política atual da Arábia Saudita de eliminar a
concorrência, bombeando petróleo como nunca num momento de baixo crescimento da
economia mundial, tem prazo de validade. Com o barril nos atuais US$ 30
(sujeito a cair ainda mais), calcula-se que o governo Saudita torra dois
bilhões de dólares por semana para cobrir os prejuízos. Esta situação não pode durar
por muito tempo, apesar das reservas internacionais colossais da Arábia
Saudita, ainda acima dos US$ 700 bilhões (entre os grandes emergentes, só Índia
e Brasil não perderam reservas em 2015). Nesse sentido, pode-se afirmar que a
guerra Saudita para afundar o “shale oil” (xisto betuminoso) norte-americano,
parece ter sido, até o momento, perdida. Não por acaso, circulam rumores nos
mercados globais de energia que a Arábia Saudita poderá vender ações da Aramco,
maior companhia de petróleo do mundo, uma etapa da estratégia para levantar
recursos que compensem os prejuízos com a queda do preço do petróleo.
A Rússia, apesar de diretamente impactada pela
estratégia conduzida pela Arábia Saudita, não vai quebrar em função dos atuais
US$ 30 dólares por barril (que pode cair mais). Dentre outras razões, porque a
Rússia não é só petróleo. É grande, por exemplo, a dependência da Europa do gás
russo, que aquece metade da Europa. A interrupção do fornecimento causaria
sérios danos à vários países da região. A começar pela Alemanha, motor
econômico da Europa, e que importa da Rússia quase 40% do gás natural que
consome. O peso geopolítico dessa dependência, na relação entre a Rússia e os
demais países da Europa, é decisivo. Claro que, atualmente, as petrolíferas
russas estão trabalhando com margens mínimas, à espera de que o período de
preços baixos do petróleo passe. O que se sabe é que é que é muito caro reduzir
os volumes de produção. Além disso, a Rússia teme que, ao reduzir o volume de
produção de petróleo perca seus clientes tradicionais para a concorrência
(Arábia Saudita, Irã, etc.), o que tornaria mais difícil voltar ao mercado
europeu depois.
Os cortes de investimentos na Petrobrás
inviabilizam uma rápida e necessária retomada da produção quando a tempestade
passar. Esta deve acabar por uma simples razão: petróleo não possui substituto
em qualidade e em quantidade comparáveis, tem densidade energética superior a
todas as outras fontes disponíveis e é cada vez mais escasso e estratégico. Ao
que se sabe, a empresa paralisou obras das duas refinarias (Ceará e Maranhão) e
o braço petroquímico do Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro). Como
é conhecido, as refinarias são a oportunidade da Petrobrás atingir a
autossuficiência no refino, passo estratégico para a empresa e o Brasil.
A defesa da Petrobrás e do pré-sal passa, é
claro, por profundo conhecimento técnico sobre o assunto, o qual a Petrobrás
domina como poucas empresas no mundo. Mas isso é insuficiente. A defesa da
empresa e dos nossos recursos estratégicos pressupõe principalmente compromisso
com o Brasil e com o seu povo. O Brasil construiu, contra tudo e todos, a maior
empresa de petróleo do mundo, entre as de capital aberto. As reservas mapeadas no
pré-sal mudaram a posição do Brasil no mundo, entre os países produtores de energia.
Se confirmadas as estimativas mais otimistas, as reservas do pré-sal podem
alcançar 300 bilhões de barris. Porém, só com as reservas já comprovadas no pré-sal,
o Brasil multiplicou por quatro ou cinco vezes as reservas que acumulou em mais
de meio século de existência da Petrobrás.
Mas
para colocar essa riqueza a serviço do povo, covardia e a fraqueza não são boas
conselheiras. Especialmente quando se trata de petróleo, cuja história está
relacionada à golpes, quarteladas e revoluções. A defesa da riqueza nacional
carece de coragem e determinação. A direção da Petrobrás e o governo deveria se
mirar no exemplo dos petroleiros que, no ano passado abriram mão da reposição salarial
em sua campanha salarial, definindo como eixo central da pauta a defesa da
Petrobrás e dos interesses do Brasil.
*Economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.
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