José Álvaro de Lima Cardoso*
Recentemente
uma consultoria divulgou pesquisa na qual a Petrobrás figura como a corporação
que sofreu a maior perda de valor de mercado entre as que tem ações em bolsa de
valores. O valor da empresa, entre 2008 e hoje, caiu 85%, de R$ 510 bilhões
para os atuais R$ 73,7. Em maio de 2008 a ação preferencial era comprada por R$
43,66, e hoje custa 10% daquele valor. A informação em si, impressiona e é
importante. O problema é que essas informações são apresentadas pelos
“analistas de mercado” como a se Petrobrás fosse uma ilha de crise cercada de
prosperidade por todos os lados. Não se menciona que o fenômeno é geral entre
as empresas que produzem commodities, no mundo todo.
Os preços dos produtos básicos despencaram porque o mundo ingressou num
padrão lento de crescimento e porque a China mudou seu ritmo de crescimento e
está comprando menos. E pagando menos. Durante décadas a segunda maior economia
do mundo cresceu a taxas médias acima de 10% e consumia metade das matérias
primas vendidas no mundo. Nesse período as taxas de investimentos superavam 45%
do PIB. Os desdobramentos da crise de 2008 fizeram a China reavaliar essa
política e aumentar o nível do consumo interno.
Os dados devem ser olhados com atenção. A
Vale apresenta trajetória muito semelhante: em maio de 2008 a ação da empresa
era vendida por R$ 46,87 e, em 22 de janeiro último estava sendo liquidada a
6,73%, queda de 85%, praticamente igual à queda das ações da Petrobrás. A
Gerdau Metalúrgica, privada e considerada modelo de gestão, foi a empresa que
apresentou a maior queda percentual de valor de mercado: incríveis 95,77%. Em
junho de 2008 a Gerdau Metalúrgica tinha valor de mercado de R$ 23,3 bilhões, contra
R$ 988 milhões no dia 18 de janeiro de 2016. Alguém leu críticas à má gestão,
incompetência e corrupção desta empresa? A queda do preço das ações da
Petrobrás é por má gestão e roubos; a queda da Gerdau decorre da crise
internacional? Não tem algo de errado nesse tipo de abordagem?
No caso da Petrobrás a situação é ainda mais complexa, pela centralidade
que o petróleo ainda tem na economia mundial, que é movida a óleo.
Possivelmente, a queda do preço do petróleo tenha um impacto ainda mais significativo
sobre a economia mundial e brasileira, do que a própria desaceleração da China.
Ademais, além dos problemas advindos da queda do preço do petróleo, em si, é
grande o esforço de aproveitar as denúncias da Lava Jato para afundar a
empresa, que atualmente é um grande obstáculo ao assalto das multinacionais aos
bilionários recursos do pré-sal. Como se sabe, as reservas mapeadas no pré-sal
mudaram a posição do Brasil no mundo, entre os países produtores de energia. Só
com as reservas já comprovadas no pré-sal, o Brasil multiplicou por quatro ou
cinco vezes as reservas que acumulou em mais de meio século de existência da
Petrobrás.
Incautos e outros alimentam a ilusão de que a queda do preço das ações
decorre da corrupção, ou de incapacidade de gestão da Petrobrás. O fato é que,
em todo o mundo, estão ocorrendo adiamento de projetos, demissões e
desinvestimentos nas empresas do setor em decorrência da queda drástica de
preços do petróleo. Segundo algumas estimativas, os cortes de custos entre as
grandes empresas do setor chegaram a US$ 380 bilhões em 2015. Há fortes rumores nos
mercados globais de energia que a Arábia Saudita poderá vender ações da Aramco,
maior companhia de petróleo do mundo, uma etapa da estratégia para levantar
recursos que compensem os prejuízos com a queda do preço do petróleo, causada
pela própria Arábia.
A Petrobrás apanha dia e noite, há cerca de dois anos (pelo menos). Isto
ocorre em função importância da empresa no Brasil e no mundo e porque este é o
jogo das grandes petrolíferas e de outros que querem vender a empresa. Queimar
a empresa o tempo todo, prejudicando os seus indicadores e colocando a sua
direção na defensiva, faz parte da estratégia. Esta estratégia, observe-se vem
dando resultado. A Petrobrás está descartando ativos estratégicos, rentáveis,
com grande questionamento dos petroleiros e especialistas, de forma pusilânime,
no fundo para prestar contas aos seus críticos e ao “mercado”.
A verdade é dura e complexa, mas ainda é a verdade. A Arábia Saudita
vem, mesmo com o baixo crescimento mundial, bombeando petróleo como nunca,
visando enfraquecer ou matar seus concorrentes. Petróleo em baixa atinge
diretamente a Arábia Saudita, pois o produto responde por 85% das exportações e
metade do PIB do país. Nos últimos dois anos a receita do petróleo caiu 88%,
causando um déficit orçamentário de US$ 39 bilhões, o maior da história. Para
enfrentar um problema dessa magnitude o país conta com munição de grosso
calibre: reservas internacionais de US$ de 750 bilhões de dólares e o menor
custo de produção de petróleo do mundo (estimado em cerca de US$ 5 por barril).
A estratégia da Arábia Saudita tem alvos bem definidos: quebrar a produção de
petróleo de shale oil (xisto betuminoso) nos EUA (que já vem quebrando);
atingir o Irã, seu principal inimigo; e a Rússia, potência petrolífera e grande
concorrente. Estes dois últimos também com grande dependência de petróleo.
O setor de shale oil nos EUA, apresentado há alguns anos como a
“salvação da lavoura”, enfrenta graves dificuldades. Levantamento da
CreditSights, empresa estadunidense especializada em análise de dívidas
corporativas, prevê que, entre 2015 e 2017, a taxa de falências das empresas do
setor nos EUA deve chegar a 45%. Só no ano passado foram 26 falências. Com a
queda no preço do petróleo, o crédito ficou escasso, tornando mais elevado o
custo de captação. Mas a questão de
fundo, estrutural, e que permanecerá quando essa tempestade passar é que o petróleo é uma mercadoria especial, com
alta densidade energética, que não possui substitutos que mantenham a qualidade
com a quantidade necessária.
A crise atual do setor de petróleo, que levou
o preço das ações da Petrobrás ao chão, recupera um debate importante, que é a
necessidade do governo utilizar recursos para capitalização da empresa. Vender
ativos, cortar custos e interromper investimentos, como têm alertado as
organizações dos petroleiros, é péssima alternativa neste momento em que o
preço dos ativos está quase no fundo do poço (talvez caia mais, no curto prazo).
Não estamos falando de qualquer empresa. Trata-se de viabilizar, neste momento
difícil, a maior produtora de
petróleo do mundo, entre as companhias petrolíferas de capital aberto, que responde
por 10% de todo o investimento em formação bruta de capital do país.
Mais do que isso, é a empresa que irá
garantir e zelar pela exploração do pré-sal, nosso passaporte para o
desenvolvimento, uma das poucos reservas que consegue ser competitiva mesmo com
os aviltados preços atuais por ter um dos menores custos de produção do mundo
(US$ 8). Além disso, a Petrobrás tem papel fundamental na recuperação da
indústria, sem a qual podemos arquivar as esperanças de ser uma grande nação
desenvolvida. Capitalizar a Petrobrás é principalmente defender o futuro do
nosso Brasil enquanto nação desenvolvida. O momento exige governos fortes e
determinados.
*Economista
e supervisor técnico do Dieese em Santa Catarina.
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