quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Crise na Petrobrás: hora de governar


José Álvaro de Lima Cardoso*

Recentemente uma consultoria divulgou pesquisa na qual a Petrobrás figura como a corporação que sofreu a maior perda de valor de mercado entre as que tem ações em bolsa de valores. O valor da empresa, entre 2008 e hoje, caiu 85%, de R$ 510 bilhões para os atuais R$ 73,7. Em maio de 2008 a ação preferencial era comprada por R$ 43,66, e hoje custa 10% daquele valor. A informação em si, impressiona e é importante. O problema é que essas informações são apresentadas pelos “analistas de mercado” como a se Petrobrás fosse uma ilha de crise cercada de prosperidade por todos os lados. Não se menciona que o fenômeno é geral entre as empresas que produzem commodities, no mundo todo.
          Os preços dos produtos básicos despencaram porque o mundo ingressou num padrão lento de crescimento e porque a China mudou seu ritmo de crescimento e está comprando menos. E pagando menos. Durante décadas a segunda maior economia do mundo cresceu a taxas médias acima de 10% e consumia metade das matérias primas vendidas no mundo. Nesse período as taxas de investimentos superavam 45% do PIB. Os desdobramentos da crise de 2008 fizeram a China reavaliar essa política e aumentar o nível do consumo interno.
        Os dados devem ser olhados com atenção. A Vale apresenta trajetória muito semelhante: em maio de 2008 a ação da empresa era vendida por R$ 46,87 e, em 22 de janeiro último estava sendo liquidada a 6,73%, queda de 85%, praticamente igual à queda das ações da Petrobrás. A Gerdau Metalúrgica, privada e considerada modelo de gestão, foi a empresa que apresentou a maior queda percentual de valor de mercado: incríveis 95,77%. Em junho de 2008 a Gerdau Metalúrgica tinha valor de mercado de R$ 23,3 bilhões, contra R$ 988 milhões no dia 18 de janeiro de 2016. Alguém leu críticas à má gestão, incompetência e corrupção desta empresa? A queda do preço das ações da Petrobrás é por má gestão e roubos; a queda da Gerdau decorre da crise internacional? Não tem algo de errado nesse tipo de abordagem?
        No caso da Petrobrás a situação é ainda mais complexa, pela centralidade que o petróleo ainda tem na economia mundial, que é movida a óleo. Possivelmente, a queda do preço do petróleo tenha um impacto ainda mais significativo sobre a economia mundial e brasileira, do que a própria desaceleração da China. Ademais, além dos problemas advindos da queda do preço do petróleo, em si, é grande o esforço de aproveitar as denúncias da Lava Jato para afundar a empresa, que atualmente é um grande obstáculo ao assalto das multinacionais aos bilionários recursos do pré-sal. Como se sabe, as reservas mapeadas no pré-sal mudaram a posição do Brasil no mundo, entre os países produtores de energia. Só com as reservas já comprovadas no pré-sal, o Brasil multiplicou por quatro ou cinco vezes as reservas que acumulou em mais de meio século de existência da Petrobrás.
     Incautos e outros alimentam a ilusão de que a queda do preço das ações decorre da corrupção, ou de incapacidade de gestão da Petrobrás. O fato é que, em todo o mundo, estão ocorrendo adiamento de projetos, demissões e desinvestimentos nas empresas do setor em decorrência da queda drástica de preços do petróleo. Segundo algumas estimativas, os cortes de custos entre as grandes empresas do setor chegaram a US$ 380 bilhões em 2015. Há fortes rumores nos mercados globais de energia que a Arábia Saudita poderá vender ações da Aramco, maior companhia de petróleo do mundo, uma etapa da estratégia para levantar recursos que compensem os prejuízos com a queda do preço do petróleo, causada pela própria Arábia.
     A Petrobrás apanha dia e noite, há cerca de dois anos (pelo menos). Isto ocorre em função importância da empresa no Brasil e no mundo e porque este é o jogo das grandes petrolíferas e de outros que querem vender a empresa. Queimar a empresa o tempo todo, prejudicando os seus indicadores e colocando a sua direção na defensiva, faz parte da estratégia. Esta estratégia, observe-se vem dando resultado. A Petrobrás está descartando ativos estratégicos, rentáveis, com grande questionamento dos petroleiros e especialistas, de forma pusilânime, no fundo para prestar contas aos seus críticos e ao “mercado”.
      A verdade é dura e complexa, mas ainda é a verdade. A Arábia Saudita vem, mesmo com o baixo crescimento mundial, bombeando petróleo como nunca, visando enfraquecer ou matar seus concorrentes. Petróleo em baixa atinge diretamente a Arábia Saudita, pois o produto responde por 85% das exportações e metade do PIB do país. Nos últimos dois anos a receita do petróleo caiu 88%, causando um déficit orçamentário de US$ 39 bilhões, o maior da história. Para enfrentar um problema dessa magnitude o país conta com munição de grosso calibre: reservas internacionais de US$ de 750 bilhões de dólares e o menor custo de produção de petróleo do mundo (estimado em cerca de US$ 5 por barril). A estratégia da Arábia Saudita tem alvos bem definidos: quebrar a produção de petróleo de shale oil (xisto betuminoso) nos EUA (que já vem quebrando); atingir o Irã, seu principal inimigo; e a Rússia, potência petrolífera e grande concorrente. Estes dois últimos também com grande dependência de petróleo. 
        O setor de shale oil nos EUA, apresentado há alguns anos como a “salvação da lavoura”, enfrenta graves dificuldades. Levantamento da CreditSights, empresa estadunidense especializada em análise de dívidas corporativas, prevê que, entre 2015 e 2017, a taxa de falências das empresas do setor nos EUA deve chegar a 45%. Só no ano passado foram 26 falências. Com a queda no preço do petróleo, o crédito ficou escasso, tornando mais elevado o custo de captação. Mas a questão de fundo, estrutural, e que permanecerá quando essa tempestade passar é que o petróleo é uma mercadoria especial, com alta densidade energética, que não possui substitutos que mantenham a qualidade com a quantidade necessária.
       A crise atual do setor de petróleo, que levou o preço das ações da Petrobrás ao chão, recupera um debate importante, que é a necessidade do governo utilizar recursos para capitalização da empresa. Vender ativos, cortar custos e interromper investimentos, como têm alertado as organizações dos petroleiros, é péssima alternativa neste momento em que o preço dos ativos está quase no fundo do poço (talvez caia mais, no curto prazo). Não estamos falando de qualquer empresa. Trata-se de viabilizar, neste momento difícil, a maior produtora de petróleo do mundo, entre as companhias petrolíferas de capital aberto, que responde por 10% de todo o investimento em formação bruta de capital do país.
          Mais do que isso, é a empresa que irá garantir e zelar pela exploração do pré-sal, nosso passaporte para o desenvolvimento, uma das poucos reservas que consegue ser competitiva mesmo com os aviltados preços atuais por ter um dos menores custos de produção do mundo (US$ 8). Além disso, a Petrobrás tem papel fundamental na recuperação da indústria, sem a qual podemos arquivar as esperanças de ser uma grande nação desenvolvida. Capitalizar a Petrobrás é principalmente defender o futuro do nosso Brasil enquanto nação desenvolvida. O momento exige governos fortes e determinados.     
*Economista e supervisor técnico do Dieese em Santa Catarina.

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