quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

O DIEESE e o flagelo da fome




*José Álvaro de Lima Cardoso.
        O Dieese passou a realizar, a partir de janeiro de 2016, a pesquisa de Cesta Básica em todas as capitais brasileiras, cobrindo nove que ainda estavam faltando (Amapá, Rio Branco, Porto Velho, Boa Vista, Palmas, São Luiz, Teresina, Maceió e Cuiabá). Essa pesquisa é um passo fundamental, e pré condição para a organização de um Escritório Regional do Dieese, que hoje opera nas demais 18 Unidades da Federação. Para divulgar a pesquisa em cada uma das novas cidades, e ajudar viabilizar o processo de criação de um Escritório Regional do Departamento em cada um destes estados, a direção nacional escalou alguns técnicos com mais tempo de casa para ajudar na tarefa. Nessa condição, tive a honra de cobrir a referida missão em Boa Vista, estado de Roraima, o qual ainda não conhecia (escrevi artigo a respeito, em parceria com a técnica do Dieese em Roraima).  
         Dos 1.492 km de fronteira do Brasil com a Venezuela, Roraima responde por 954 km e o Amazonas (538 km). O estado tem também  grande fronteira com a Guiana (antes Guyana Inglesa). O Estado de Roraima ocupa uma área de 224.301,040 quilômetros quadrados e tem população total de 450.479 habitantes. Esse contingente populacional representa 0,22% da população total do Brasil, é o estado menos populoso do país. Também deve ser a menor densidade demográfica do país: 2 habitantes por quilômetro quadrado. O estado possui apenas 15 municípios e a capital Boa Vista tem 284.313 habitantes, mais da metade da população do estado.
        Nos estados brasileiros fronteiriços fica ainda mais evidente o peso e a importância do Brasil na América do Sul. É forte a relação do país com a Venezuela e, em menor intensidade, com a Guiana (de população bem menor) e grande o trânsito de pessoas nos dois sentidos. A direção predominante do fluxo de pessoas sempre depende de variáveis como: relação entre as moedas (câmbio), nível de crescimento dos países, oferta de empregos, nível inflacionário, etc. É este conjunto de variáveis, nas diferentes economias, que determina em que direção os mais necessitados se deslocam em busca da sobrevivência.
        Por exemplo, a crise na Venezuela, caracterizada por inflação elevada (108% nos primeiros nove meses de 2015, a maior do mundo) e altos níveis de desemprego, tem forçado as populações pobres fronteiriças desse país a cruzarem a fronteira para mendigar, ou ganhar a vida com subempregos em território brasileiro. Principalmente segmentos da população mais afetados pela pobreza, como os indígenas. Sabe-se que este é um fenômeno que ocorre historicamente nas fronteiras, variando apenas a direção do fluxo: quando a situação econômico-social piora de um lado, os pobres correm para o outro lado da fronteira. Segundo comentários de sindicalistas de Boa Vista, ao atravessar a fronteira, os sul americanos, especialmente os índios, tentam “escapar da fome”. É mesmo de partir o coração ver crianças e jovens índios, de expressões tristes, pedindo esmola ou lavando para brisas de veículos nos semáforos da Capital, em troca de 50 centavos de real, ou menos.  
        Como foi mencionado, além da pesquisa da Cesta Básica, o DIEESE está tentando, junto ao movimento sindical local, estruturar um escritório em Boa Vista, para atendimento aos sindicatos do Estado de Roraima. Oxalá tenhamos sucesso nesta empreitada. Além da importância da pesquisa da Cesta Básica para a população da capital, o projeto também é relevante do ponto de vista da integração nacional. A pesquisa tem abrangência nacional, o que permitirá a comparação do custo dos itens alimentares básicos entre todas as capitais de estado do país.
        O Brasil representa 50% do território da América do Sul, da economia e da população e responde por 55% da produção física do subcontinente. Neste contexto, um dos desafios elementares é integrar o país das várias formas possíveis (língua, política, economia). Uma pesquisa nacional, científica e contínua, ainda que modesta, representa uma valiosa forma de integrar o país, do ponto de vista político e cultural. No bom debate que realizamos com o movimento sindical da cidade foi bastante destacada a importância da pesquisa e da instalação do DIEESE. Se implantado, o Escritório Regional em Roraima, pode ser uma ferramenta importante na luta dos sindicatos em defesa dos direitos e interesses da maioria, especialmente dos trabalhadores.             
                                             *Economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.

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