terça-feira, 31 de maio de 2016

Um filme chamado Brasil

Saul Leblon, na Carta Maior

  
Instale uma lente grande angular na sua angústia com o Brasil.

Abstraia contradições óbvias demais.

Essa, por exemplo:  um projeto econômico neoliberal que só se viabiliza com um golpe de Estado articulado por instituições que encarnariam o liberalismo --o congresso ‘representativo’, o judiciário ‘independente’, ‘a mídia ecumênica e isenta’...

Não restou um tijolo desse edifício no Brasil pós 11 de maio.

Afaste a tentação de condensar essa montanha desordenada de ruínas no riso de escárnio de Gilmar Mendes.

A toga partidária é um personagem por demais caricato, ainda que representativo do Supremo Tribunal do país.

Tome a mídia como referido, não como referência.

Para guardar alguma distância em relação ao país e ainda assim enxerga-lo melhor, imagine um enredo de Costa Gavras.

Não o óbvio ululante: o assalto ao poder por parte da cleptocracia de rentistas, banqueiros, proprietários dos meios de comunicação, escória política...

Vá além da borra tóxica que flocula na superfície pegajosa dos noticiosos.

Abra lentes para o mundo.

O mundo da grande estagnação que amassa o capitalismo global desde o colapso de 2008, no qual ano a ano as instituições internacionais revisam para baixo suas projeções de ‘recuperação’.

Sociedades subtraídas de seus pilares indivisos -- pujança industrial, empregos de qualidade, sindicatos representativos, Estados fortes e reguladores, direitos sociais universalizados— experimentam o longo inverno de uma encruzilhada histórica.

A incerteza é senhora.

O subemprego, permanente.  

Precariedade profissional e social, generalizadas.

O conjunto contamina as relações pessoais e coletivas, mastigadas nas mandíbulas de um sistema político incapaz de reinventar o futuro.

As estruturas produtivas mudaram à frente das estruturas políticas.

Mudaram para pior.

Ferrugem industrial e mal-estar social.

A polarização que opõe Sanders e Trump nos EUA decorre desse derretimento de um tempo capitalista que se despediu para sempre e levou consigo o espaço estrutural das camadas médias.

Sobrou a fricção crua dos interesses contrapostos.

Só mitigados pela manipulação midiática.

‘É isso que se vê nos EUA. Essa contraposição é algo muito sério e profundo, vai além da retórica de palanque’, diz o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, em meio a uma conversa sobre a natureza igualmente extremista do desmonte neoliberal promovido pelo golpe no Brasil.

O filme imaginário de Costa Gravas mostra a esquerda brasileira, como a de todos os lugares, perplexa.

Hesita-se em abandonar uma zona de conforto que aderna e  deixou de fazer sentido sob as novas condições globais, brutalmente internalizadas aqui pelo golpe.

O xeque-mate impõe-lhe repensar as bases do desenvolvimento.

E mais que isso: a correspondente arregimentação de forças para viabiliza-las, sem as velhas ilusões na indulgência dos mercados e da mídia.

Trata-se de reconstruir os canais de decisão da sociedade.

Mas sem esquecer os requisitos econômicos à vigência futura de uma verdadeira democracia social.

‘Sem indústria –ou hiperindustrialização, como se vê em setores de ponta, inclusive na agricultura’, pondera em off a voz do economista Luiz Gonzaga Belluzzo, ‘ uma sociedade não cria os requisitos de investimento, emprego, renda e receita para a convergência social. A desigualdade se impõe’.

Como se impôs nos EUA desguarnecido de zonas inteiras de industrialização  transferidas para o inalcançável padrão de eficiência e custo chinês.

Como reindustrializar um país caudatário nessas condições, sem resvalar no protecionismo cartorial?

‘O ponto de partida é que você não consegue decidir mais o seu desenvolvimento sem reverter a liberalização da conta de capitais, que removeu barreiras aos fluxos especulativos. Terá que fazer isso, sobretudo, com instrumentos de regulação das operações com derivativos, desvinculadas dos fluxos, mas de efeitos cambiais adversos sobre a competitividade industrial’, sinaliza o economista brasileiro.

O que o ele enfatiza, para horror da equipe do golpe, é endossado por alas do próprio FMI.

Corte para a matéria do Financial Times de 30/05/2016.

Voz radiofônica sobre imagens de plantas industriais e bairros decadentes do entorno de Detroit e favelas latinoamericanas: ‘...três dos principais economistas do FMI sugerem que a "agenda neoliberal" pode ter tido menos sucesso do que o pretendido - e que produziu um aumento da desigualdade (em consequência de dois elementos específicos do chamado cuore neoliberal):  liberalização da conta de capital, ou seja, a remoção de barreiras aos fluxos de capitais; e consolidação fiscal, hoje mais comumente denominada austeridade."

Volta à disjuntiva subjacente ao golpe brasileiro.

Qual Brasil?

O da industrialização sonhada por Vargas, Furtado, pelos nacionalistas, keynesianos e marxistas; ou o paraíso da arbitragem de juros, o entreposto dos especuladores, a terra de ninguenzada, com alfandegas livres, o reino da Alca, de FHC, e do entreguismo psicopata de José Serra, que subordina a nação ao seu ego?

A indiferença jornalística diante das determinações globais que dificultam a transição de ciclo do desenvolvimento brasileiro tem razões estratégicas.

O véu espesso lançado pelo noticiário cuida de sonegar a gravidade do desequilíbrio mundial para enfatizar a tese do “desgoverno petista”.

O recorte pavimenta a inexorabilidade do arrocho e empresta virtude à gororoba neoliberal que, finalmente, tomou o poder a contrapelo das urnas.

Ter a visão integral do jogo é decisivo para poder vencê-lo.

O enredo imaginário de Costa Gavras passeia agora pelas reuniões de pauta e de fechamento dos jornais e telejornais em que esse requisito é sonegado.

Ali se assa o pão aziago do fatalismo, da desventura, das impossibilidades, da prostração, da perda da autoestima pessoal, política, nacional, histórica.

Ali se desvela a usina que acua o imaginário social até leva-lo à catatonia.

Não há fato que resista a títulos, fotos, imagens e escaladas manipuladas pela lógica pré e pós golpe.

Exceto um deles: a rua.

Ainda assim, a narrativa justa das causas que dificultam a retomada do crescimento – seu componente interno e externo – é crucial para arregimentar a correlação de forças necessária a uma repactuação progressista do desenvolvimento.

Sem isso a rua pode ser exaurida pela dízima periódica dos enfrentamentos pulverizados.

As determinações estruturais invadem a tela numa sequência quase documental.  

Na raiz da crise global está o excesso de capacidade produtiva desprovida de demanda em cada nação e no conjunto das nações, motivo das desvalorizações cambiais em marcha.

As cenas rápidas dizem com todas as letras o que a mídia local oculta ou rebaixa às notas de rodapé: esse é o legado de um desequilíbrio estrutural instaurado por quarenta anos de hegemonia neoliberal no mundo, obra que o conservadorismo quer replicar no Brasil.

‘A diluviana sobra de capitais decorrente desse ciclo de fastígio das finanças e depauperação do mundo do trabalho’  -- resume exemplarmente Zygmunt Bauman em fugaz aparição no filme imaginário de Gavras, inaugurou uma era em que ‘a política teve as mãos decepadas’.

A crise do Estado-nação, sua subordinação aos mercados, está na raiz do descrédito na política.

Que força poderá rejuvenesce-la?

Eis a pergunta que as câmeras imaginárias de Costa Gavras pontuam em cada close, em cada rua, em cada imagem da angústia no mundo.

É esse também o conjunto de bloqueios que cerceia o passo seguinte da história brasileira nesse momento.

Explicitá-los é um requisito para o discernimento necessário ao enfrentamento.

A preciosa fatia da soberania nacional que restou é a repactuação da sociedade e do seu desenvolvimento em escrutínios de amplitude democrática renovada.

A democracia, sim, ainda é a grande questão política do nosso tempo. É o que se depreende das imagens estonteantes das mobilizações de rua na Europa em coma, sobretudo nos movimentos dos Indignados espanhóis.

Sem recorrer a esse trunfo derradeiro a sociedade, a nação e o seu desenvolvimento ficarão escravos de receitas e ajustes que agravam a sua fragilidade e aprofundam o seu descrédito na política.

A isso se dedica o mutirão vertiginoso de decisões anunciadas pelo golpe.

Corte para o desmonte em curso do aparato público brasileiro: manchetes, protestos, anúncios solenes, ruas em chamas.

O rame-rame do ajuste neoliberal consiste nisso: em demolir o que foi conquistado para instituir o retrocesso como limite do possível.

E a exclusão como sinônimo de estabilidade.

Atrelar o país à lógica mundial do neoliberalismo – como apregoa o golpe– significa corroer 12 anos de esforços distributivos e sacrificar um dos maiores mercados de massa do planeta, para abraçar a receita rentista que está na raiz da polarização derivada da grande estagnação global.

Quatro décadas de neoliberalismo esfarelaram a classe média dos EUA e desmontaram o estado do Bem-Estar europeu.

A renda real da outrora afluente classe média norte-americana encontra-se estagnada no nível de 1977, tendo o PIB crescido 50% no período.

Nunca a desigualdade foi tão extremada como agora na sociedade mais rica da terra.

Para recorrer novamente a Bauman: a tese neoliberal de que a concentração em cima, vazaria a riqueza por gravidade para baixo, comprovou-se uma grande mentira.

O que sobreveio foi o apogeu da desigualdade.

Cenas documentais:

A fatia da renda nas mãos dos 20% mais ricos nos EUA hoje chega a 55%; declinando na base da pirâmide.

Não é menos regressivo o quadro europeu.

Pesquisas mostram que a diferença entre um rico e um pobre na sociedade europeia era de 1 para 12, em 1945.

Em 1980, passou a 1 para 82.

Após o desmonte das bases da democracia social, atinge a desconcertante vastidão de 1 para 530.

Não por acaso, a disputa presidencial nos EUA repõe em cores ainda mais vivas o confronto entre políticas fiscais para engordar os ricos ou investimentos públicos para resgatar os pobres.

Volta ao professor Luiz Gonzaga Belluzzo: ‘A polarização que se assiste nos EUA sintetiza o nosso tempo; se Sanders fosse o candidato democrata teria chances reais de derrotar Trump; o mesmo não acontece com Hillary, que nada tem a contrapor ao populismo direitista do republicano’.

‘Trump não é um fascista mas carrega nuances dos anos 30’, admite a The Economist diante do apelo popular que a xenofobia e o protecionismo bélico do republicano exercem nas massas desamparadas da outrora afluente sociedade do Norte.

Quem considera simplismo descrever assim a polaridade incrustrada pelo neoliberalismo na carne das nações, talvez mude de opinião diante das estatísticas divulgadas há dois anos pela consultoria Wealthx, de Cingapura (http://www.wealthx.com/home/).

Um analista da assessoria expõe o mapeamento feito em 2014, enquanto as câmeras passeiam no planeta por ele descrito:

– 185.759 endinheirados dos quatro continentes detêm uma fortuna calculada em US$ 25 trilhões, nada menos que 40% do PIB mundial;

– o seleto clube comporta acentuada divisão interna de camarotes: o nível A é ocupado por 1.235 megarricos que controlam uma dinheirama quase igual a dois PIBs brasileiros: US$ 4, 2 trilhões.

A distribuição da riqueza nunca foi o forte do capitalismo.

Mas as últimas décadas de supremacia das finanças desreguladas conseguiram dar envergadura inédita à palavra desigualdade.

Quarenta anos de arrocho sobre o rendimento do trabalho nas principais economias ricas, associados a mimos tributários que promoveram o fastígio dos endinheirados, premiaram o capital celibatário que se autorreplica na especulação, sem agregar riqueza real à sociedade.

O conjunto enlouqueceu a engrenagem da desigualdade, corroeu a fatia do trabalho na riqueza, tornando-se o principal obstáculo à recuperação da economia mundial.

Oito anos após o colapso de 2008, o dinheiro ocioso transborda dos caixas das empresas, bancos já cobram para guarda-lo, com juros perto de zero, mas o investimento produtivo patina.

Sem investimento a conta da sociedade do bem-estar e a da democracia social não fecha.

A alternativa conservadora é clara: arrocho e opressão.

É essa receita do golpe que derrubou a Presidenta Dilma Rousseff.

A democracia terá que intervir contra o despotismo do capital para deter uma lógica que não saciará enquanto não abater, eviscerar e desossar integralmente o espaço do desenvolvimento e da soberania popular no Brasil do século 21.

Reduzir essa conflagração de interesses a um “esgotamento do desenvolvimentismo”, ou, mais rastejante ainda, “aos erros da nova macroeconomia lulopopulista”, como quer o sociólogo FHC –em aparição gelatinosa no filme imaginário de Costa Gavras--  pouco agrega à agenda do desassombro requerida pela encruzilhada brasileira.

O país, insista-se à exaustão, está diante de provas cruciais.

É preciso dar à crise o seu nome: o enredo de Costa Gavras pega a esquerda pelos ombros e a sacode diante da incontornável realidade capturada pelo cinema.

O nome da crise é capitalismo.

Em seu estágio de supremacia financeira; é a desenfreada ferocidade com que os capitais fictícios exigem um mundo plano de fronteiras livres e desimpedidos , por onde possam transitar à caça de fatias reais de uma riqueza, para a qual não se dispõem a contribuir, apenas se apropriar em espirais de bolhas recorrentes.

Quem vê no capitalismo apenas  um sistema econômico, e não a dominação política intrínseca a sua encarnação social, derrapa, ajoelha e se rende incapaz de reagir porque perde a centralidade que a democracia ocupa nessa disputa.

Não a democracia liberal.

O cinema imaginário de Gavras fala da democracia contra o capitalismo, a democracia que civiliza, barra e impede o capital regressivo de devolver a  sociedade ao estágio de comer carne humana.

A dificuldade principal é refletir sobre o colapso fora da receita conservadora de arrocho e desemprego ante qualquer ameaça à remuneração do capital a juro.

A ditadura intelectual do pensamento único é pincelada em cores vibrantes pelo cinema político de Gavras.

Em 2011, em plena curva ascendente da crise, o Escritório de Avaliação Independente do FMI analisou 6.500 trabalhos escritos produzidos ou contratados nos últimos dez anos, portanto na chocadeira da crise mundial.

Praticamente todos afiançavam as boas condições do comboio capitalista que rumava em alta velocidade para se espatifar na desordem neoliberal.

Pior: 62% dos economistas do Fundo afirmaram que se sentiam pressionados a alinhar as conclusões de suas pesquisas econômicas ao pensamento dominante no órgão.

A indiferenciação entre direita e a esquerda no manejo da crise persiste como parte constitutiva da encruzilhada atual.

O filme imaginário desfila economistas de cepas variadas balbuciando platitudes à beira do abismo.

O que chamamos de crise hoje é também a fotografia de corpo inteiro da longa captura da esquerda e da democracia pelo cânone neoliberal.

A trinca aberta entre a base da sociedade e aqueles que deveriam vocalizar o conflito, mas, sobretudo, a negligência deliberada com a organização dessa base, redundou no paradoxo infernal dos dias que correm.

Vive-se uma crise sistêmica do capitalismo que não gerou forças de ruptura para supera-la.

O fosso é proporcional à virulência do que se busca despejar nos ombros da sociedade.

O déficit de democracia emerge, assim, como o mais importante desequilíbrio revelado pelo filme da crise.

A contrapartida é a dominância capilar, estrutural, midiática e institucional acumulada pelo capital financeiro.

Apenas um governo parece ter assumido a coerência equivalente ao desafio que ameaça a tudo vergastar.

Os letreiros do filme começam a descer vagarosamente sobre uma paisagem gelada de metafórico isolamento.

Ali, perdido no branco da neve, o presidente da Islândia, Ólafur Grímsson, explica a decisão de devolver ao poder plebiscitário da sociedade a escolha que levou o país a sacrificar bancos em defesa da população na bancarrota de 2009:

‘Somos uma democracia, não um sistema financeiro’.

A imagem de Ólafur Grímsson e sua frase resistem enquanto a câmera se afasta acentuando o isolamento dessa ousadia que pode, ainda, devolver aos cidadãos a responsabilidade pelas escolhas do seu destino e o destino do desenvolvimento em nosso tempo.



O paradoxo da Justiça em um governo Ilegal

Tatiana Carlotti, na Carta Maior

postado em: 31/05/2016
O novo ministro da Justiça, o advogado e jurista Alexandre de Moraes, terá de enfrentar um paradoxo: como representar a Justiça em um governo que só existe por causa da quebra da ordem constitucional do país?

Livre-docente da Universidade de Direito, do Largo São Francisco, uma das mais respeitadas do país, Moraes está entre os doutrinadores mais citados pelo STF, no que diz respeito ao controle de constitucionalidade, entre os anos de 1988 e 2012 (CJ, 06.07.2013).

Na prática, porém, no exercício de suas funções no comando da Secretaria de Segurança Pública (SSP-SP) de Geraldo Alckmin, entre 2015 e 2016, foi notória a truculência contra os movimentos sociais e os abusos cometidos por policiais durante sua gestão no estado paulista. Fato que vem sendo matéria de análise, desde que ele assumiu a pasta da Justiça no começo do mês (leia a reportagem anterior: “Golpistas no Planalto: A nacionalização da truculência paulista”).

Há reportagens, inclusive, sobre suas atividades na advocacia. No site do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ), alertou O Estadão, o ministro ainda constava como advogado de várias ações que tramitavam na área cível. Havia um total de 102 ações representadas pelo escritório Alexandre de Moraes Advogados Associados. O ministro garantiu ter suspendido as atividades e ter se licenciado do escritório (OESP, 12.05.2016).

O mote da reportagem de O Estadão é uma repetição de outra matéria, publicada pelo mesmo jornal em 2015. Nesta, além de apontar que o então secretário constava como advogado em várias ações judiciais, o jornal citava o nome de um de seus clientes: a cooperativa Transcooper, suspeita de ter ligações com o Primeiro Comando da Capital, o PCC (OESP, 09.01.2015).

Na época, em nota divulgada pela SSP-SP, Moraes dizia que “não houve qualquer prestação de serviços advocatícios – nem pelo secretário nem pelos demais sócios – às pessoas citadas em possível envolvimento com o crime organizado, em 2014. O contrato se referia estritamente à pessoa jurídica da cooperativa” (OESP, 09.01.2015).

Sobre o episódio, em entrevista à Carta Capital, o jurista Marcelo Neves foi categórico: “o Ministério da Justiça não é indicado para um advogado que defendeu cooperativas suspeitas de realizarem lavagem de dinheiro para o PCC”.

Neves também se manifestou sobre o fato de Moraes ter advogado para o deputado Eduardo Cunha, em 2013. Cunha, defensor da nomeação de Moraes, era acusado de ter usado documento falso para suspender um processo contra ele, no Tribunal de Contas do Rio de Janeiro (FSP, 21.04.2016).

Segundo Neves, “não é adequado que o advogado de uma pessoa que está envolvida em vários escândalos de corrupção e que está fora do exercício por decisão do Supremo seja o ministro da Justiça”, afirma Neves (CC, 18.05.2016).

“Governo de São Paulo é honesto”

Em entrevista recente à Folha, Moraes salientou as diferenças entre a corrupção dos governos tucanos e petistas. “A única diferença em relação ao governo federal, é que o governo de SP é honesto. E um governo honesto é menos investigado porque não tem escândalos”, afirmou (FSP, 16.05.2016). É difícil acreditar que o ministro desconheça as várias CPIs barradas pelos governistas na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (leia também “Operação Abafa”: como o tucanato se mantém no poder em SP).

Um desses “desvios”, Moraes acompanhou de perto quando advogou para o deputado Rodrigo Garcia (PSDB), atual secretário de Habitação e, na época, secretário de Desenvolvimento. Acusado de recebimento de propina no escândalo do Trensalão, enquanto estava à frente da Comissão de Transportes da ALESP, Garcia foi um dos nomes delatados pelo o ex-diretor da Siemens, Everton Rheinheimer (FSP, 07.02.2014).

Na época, Moraes apontava que a denúncia contra seu cliente não passava de uma delação: "O único indício existente até agora é a delação. O inquérito será arquivado porque as testemunhas não vão confirmar nada". Dizia, também, que pediria a acareação com o delator e urgência na tramitação do inquérito. Naquele ano, Garcia seria candidato a deputado federal. (FSP, 26.11.2014 e 7.06.2014).

O processo, aliás, foi arquivado em fevereiro de 2015 (VALOR, 10.02.2015) a partir do voto decisivo do ministro Luiz Fux (STF). Vitorioso nas eleições, Garcia é hoje deputado federal licenciado e assumiu, em 2015, a Secretaria de Habitação de São Paulo do Governo Alckmin (G1, 19.03.2015).

Foi no gabinete de Garcia, aliás, que o ex-prefeito Gilberto Kassab afirmou a Moraes que “acabaria com ele” um dia. O episódio foi registrado pela jornalista Renata Lo Prete em sua coluna naquele ano. (FSP, 17.06.2011). Na época, Moraes era presidente estadual do DEM (antigo PFL) em São Paulo. Em dezembro de 2015, ele se filiou ao PSDB (FSP, 16.12.2015).

O supersecretário de Kassab

Em 2005, ao sair da secretaria de Justiça de São Paulo, onde presidiu a Fundação Casa (antiga Febem), Moraes foi alçado pela oposição para compor o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o que representou, na época, uma derrota para o então Governo Lula. Na votação do Senado, porém, sofreu um revés: seu nome foi recusado pela maioria dos senadores.

Foi salvo por dois requerimentos apresentados pelos senadores, na época, Romeu Tuma (PFL-SP) e Álvaro Dias (PSDB), que permitiram uma segunda votação e sua aprovação para o CNJ (Agência Senado, 24.05.2005). Saiu do CNJ em 2007, voltando à gestão pública, agora, na condição de supersecretário do então prefeito Gilberto Kassab, acumulando as secretarias de Transportes e a de Serviços, além da CET, SPTrans e do Serviço Funerário.

Na época, o nome de Moraes aparecia como forte candidato a sucessor de Kassab. A parceria, porém, foi interrompida em 2010. Reportagem do Estadão, publicada naquele ano, destacava os alguns pontos da gestão de Moraes nessas secretarias, dentre eles, a construção de apenas um corredor de ônibus, entre os cinco prometidos; e o corte nos contratos de varrição causando acúmulo de lixo nas ruas, o que agravaria as consequências das chuvas naquele ano. (OESP, 08.06.2010).

Segundo a imprensa, a ruptura foi tempestuosa. Em junho de 2011, Moraes esteve à frente das contestações judiciais que visavam o impedimento do recém-criado PSD (de Kassab) disputas as eleições de 2012 (FSP, 05.08.2011). Daí o episódio registrado pela jornalista Renata Lo Prete, segundo a qual, o ex-prefeito teria se indignado e dito ao antigo supersecretário e ao deputado Garcia: “vocês querem acabar comigo, mas sou eu que vou acabar com vocês” (FSP, 17.06.2011).

Hoje, ambos são “colegas” de Ministério Temer.

Em campanha pelo golpe

O episódio que ilustra a veia política do atual ministro da Justiça não é o único. Durante sua gestão à frente da SSP-SP do governo Alckmin ele expressou várias vezes os “dois pesos, duas medidas” durante as manifestações pró e contra o impeachment. Recentemente, utilizando o jargão da ditadura militar, chegou a criminalizar os protestos contra o golpe que tomaram as ruas em todo o país:

“Eu não diria que foram manifestações. Foram atos que não configuram uma manifestação porque não tinham nada a pleitear. Tinham, sim, a atrapalhar a cidade. Eles agiram como atos de guerrilha”. E mais: “eu tenho absoluta certeza que é fogo de palha isso, até porque o pequeno número de manifestantes demonstra isso, e , se eles se tornarem violentos, serão tradados como criminosos, não como manifestantes” (FSP, 10.05.2016)

Em abril de 20015, Moraes chegou a solicitar à Federação Paulista de Futebol que antecipasse o jogo entre Corinthians e Ponte Preta, pelo Campeonato Paulista, para às 11h, por conta da manifestação (FSP, 08.04.2015). Neste ano, inovou. Em 13 de março, anunciou sua expectativa para o ato pró-golpe, prevendo 1 milhão de pessoas nas ruas.

Até mesmo o Estadão registrou o episódio como “a primeira vez que a Secretaria de Segurança Pública falou em expectativa de público antes de uma manifestação” (OESP, 12.03.2016). Dias depois, o jornal destacava: “Governo de SP dá tratamento diferenciado para ato contra impeachment e não faz estimativa de público” (OESP, 17.03.2016).

A repentina postura democrática do Estadão se explica. Naquela semana, o juiz Sérgio Moro, da Operação Lava Jato, divulgava a conversa telefônica do ex-presidente Lula e da presidenta Dilma. O país se mobilizava contra o golpe, após a condução coercitiva do ex-presidente à sede da PF em Congonhas, promovendo uma série de atos e protestos em defesa da legalidade democrática.

Foi também, a semana em que PM apareceu em uma plenária de apoio ao ex-presidente Lula, na subsede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em Diadema. Moraes justificou a ida dos policiais por conta de uma informação de que no local haveria uma manifestação. Sobre os alertas e as acusações que resultaram do episódio, foi categórico: “se também ficar comprovado que esses fatos são mentirosos [acusações], isso é denunciação caluniosa”, ameaçou. (OESP, 14.03.2016).

Várias imagens do comportamento “diferenciado” da PM durante as manifestações pró e contra o governo Dilma circularam nas redes sociais, de continência da PM aos manifestantes pró-impeachment (OGLOBO), passando por manifestações de policiais nas redes sociais e até mesmo uma paciência extrema antes de reagir a um desacato (confira o vídeo).

Em entrevista ao El País, Ignácio Cano, especialista em segurança pública, salientava que "em São Paulo, o Governo estadual tem claramente uma disposição favorável a esses manifestantes [pró-impeachment]", o que levaria os policiais a agirem de acordo com essa posição. (El País, 28.03.2016)

No Governo Alckmin, Moraes cumpriu à risca sua missão. Dias antes de sair do governo, copiando o formato das ações midiáticas de Curitiba, ele deu início à operação Cartão Vermelho, da Polícia Civil, realizando 69 mandatos: 32 de busca e 37 de prisão (dez temporárias e 27 preventivas) em sete cidades de São Paulo e de Uberaba. No centro das investigações: a violenta briga das torcidas do Corinthians e do Palmeiras no começo do mês.

Sob o lema “ou as organizadas escolhem o lado da lei, ou vão acabar” (FSP, 15.04.2016), Moraes conseguiu destaque, acompanhando, pessoalmente, os policiais durante a operação. Reportagem da Folha denunciava que se tratava de uma ação com cunho político (FSP, 16.04.2016).

A presença da torcida corinthiana nos atos contra o golpe não passaria incólume, como destacou o advogado da Gaviões da Fiel, Davi Gebara: “eu trabalho há décadas e sei de uma coisa. Não existe coincidência. Não existe. É claro que se trata de uma ação política” (FSP 15.04.2016).

Dias depois da operação, mais um ato de Moraes. Em meio aos comentários sobre sua escolha para a pasta da Justiça, ele publicou uma nota afirmando não ter sido sondado, reiterando seu compromisso em permanecer na SSP, “enquanto puder ser útil ao povo de São Paulo” (OESP, 20.04.2016). A autopromoção deu certo, dias depois, o ministro seria empossado.

Pelo visto, as ambições de Moraes não param por aí. Em março de 2012, a jornalista Vera Magalhães destacava: “em sua posse na Academia Paulista de Letras Jurídicas, na semana passada, o advogado Alexandre de Moraes anunciou que pretende disputar vaga no STF. Dirigente do DEM, ele falou, de cor, datas de aposentadoria de sete ministros que deixam a Corte até 2018” (FSP, 11.03.2012).

O atual ministro da Justiça conta com uma credencial ao cargo: a capacidade de fingir legalidade onde há golpe, apesar de todo o seu conhecimento jurídico.










Para Nicolelis governo Temer é mafioso, medieval e medíocre.

http://jornalggn.com.br/noticia/para-nicolelis-governo-temer-e-%E2%80%9Cmafioso-medieval-mediocre%E2%80%9D

http://jornalggn.com.br/noticia/a-agilidade-do-governo-interino-para-entregar-o-pre-sal

http://jornalggn.com.br/noticia/a-agilidade-do-governo-interino-para-entregar-o-pre-sal#.V02ptRe_spZ.facebook

Pré-sal: maior objeto de desejo do mundo.

https://www.facebook.com/fupetroleiros/videos/1110841825640177/

GOVERNO ELEITO EXPLICA POLÍTICA EXTERNA

https://www.facebook.com/DilmaRousseff/videos/1130551773665079/

Cerrar fileiras e resistir: opinião vídeo.

https://www.youtube.com/watch?v=YV__-lI8TjM&feature=youtu.be

A corrupção no Brasil é desmascarada

Por Leonardo Boff, em seu blog. Transcrito no blog do Miro.

É estarrecedora a corrupção que se constatou no Brasil nos últimos tempos, especialmente aquela revelada pela Operação Lava Jato, vulgarmente chamada de “petrolão”, vale dizer, ligada a uma das maiores petroleiras do mundo, a Petrobrás do Brasil. Os números são sempre pelos milhões de dólares que escandalizam e vão além de qualquer bom senso, mesmo entre ladrões e mafiosos.

Os organismos norte-americanos de vigilância que espionaram a Presidenta Dilma, espionaram também a Petrobrás, devido ao fato de deter uma das maiores jazidas de gás e petróleo do mundo, que se encontra o Pre-Sal. Detectaram indícios de alta corrupção que estava ocorrendo na empresa. Alertaram, então, as autoridades brasileiras que iniciaram uma investigação. Encontraram uma teia imensa de corruptores e corruptos que envolviam grandes empreiteiras, altos funcionários da Petrobrás, gente do próprio Governo, doleiros e não ausentes setores do judiciário. Beneficiados foram especialmente políticos de quase todos os partidos (e há exceções louváveis) que financiavam suas custosas campanhas eleitorais com esse dinheiro da corrupção, sob forma de propinas milionárias.

Desde o início, as investigações que envolveram os principais órgãos da justiça e da polícia foram viciadas por um componente político. Focalizou-se particularmente, um partido, o PT que estava no poder e que seus opositores queriam, seja pela via legal da eleição ou por qualquer outro expediente ao arrepio da normalidade democrática, alijá-lo do poder. Os vazamentos, problemáticos em termos legais, praticamente se concentraram no PT relevando e até ocultando o envolvimento de outros partidos, máxime da oposição.

A partir daí se criou praticamente uma generalização (de si injusta porque recobre membros corretos, diria em sua grande maioria, nas bases partidárias dos municípios) de que corrupção era coisa do PT. Importa reconhecer que o partido se beneficiou dos esquemas de corrupção. Mas seria injusto considerar que detinha o monopólio da corrupção. Essa é endêmica na vida política e social do país e perpassa partidos e empresas e inclui muitíssimos cidadãos ricos seja sonegando altas somas de impostos, seja escondendo grande parte de suas fortuna em bancos estrangeiros ou um paraísos fiscais.

Raramente em nossa história recente temos assistido grandes empresários sendo presos, interrogados, condenados e encarcerados. A corrupção que se havia naturalizado nos mais altos estratos dos negócios e da política começou a ser desmascarada e posta sob os rigores da lei. Tal fato constitui um dado de altíssima relevância e um avanço no sentido da moralidade pública.

Mas para sermos realistas e não moralistas, não podemos reduzir a corrupção a este evento nefasto do “petrólão” desvelado pela Operação Lava Jato.

Importa reconhecer o fato de que o sistema do capital com sua cultura é em sua lógica também corrupto, embora aceito socialmente. Ele simplesmente impõe a dominação do capital sobre o trabalho, gerando riqueza sob a forma de exploração do trabalhador e devastação dos escassos bens e serviços da natureza. Produz uma dupla injustiça, uma social e outra ecológica, esta última atualmente ameaçadora do equilíbrio do sistema-Terra e do sistema-vida. Os juros dos bancos privados no Brasil são dos mais altos do mundo e os ganhos, exorbitantes.

Thomas Piketty com o seu “Capitalismo do século XX” deixou claro que lá onde entram relações capitalistas logo surgem desigualdades que tensionam a sociedade e fragilizam a democracia que supõe uma igualdade básica de todos face à lei e os direitos garantidos com inclusão social.

As nossas formas de corrupção possuem raízes históricas no colonialismo e no escravagismo, em si violentos, que levavam as pessoas, para manterem um mínimo de liberdade, a corromper-se e a corromper. Inventou-se o famoso “jeitinho”.

Há também uma base política no arraigado patrimonialismo que não distingue o público do privado e leva as elites a tratarem a coisa pública como se fosse sua e a montar um tipo de Estado que lhes garante os privilégios.

Tudo isso gerou uma cultura da corrupção, como algo natural e intrínseco à vida social e política. Os corruptos são vistos como espertos e não como criminosos, o que de fato são. E tanto ele quanto os corruptores contam com a impunidade.

Filosoficamente pensando, qual é a raiz última da corrupção? Talvez o católico Lord Acton (1843-1902) que era historiador e pensador, nos ajude. Diz ele, a corrupção reside fundamentalmente no poder.Sempre citada é sua frase: ”o poder tem a tendência a se corromper e o absoluto poder corrompe absolutamente”. E acrescentava:”meu dogma é a geral maldade dos homens portadores de autoridade; são os que mais se corrompem”.

A tradição filosófica e pscanalítica nos tem persuadido de que em todos os seres humanos há notória sede de poder. O poder não pode se garantir senão buscando ainda mais poder. E o poder se materializa sob muitas formas, no status, na busca de títulos mas principalmente no dinheiro. Quanto mais dinheiro, mais poder.

Para consegui-lo não vale só o trabalho honesto mas todas as formas perversas que permitem multiplicar o dinheiro, quer dizer, asseguarar mais e mais poder. É o caminho da corrupção, especialmente delapidando o bem publico, utilizando-se dos aparelhos do Estado.

A história mostra a ilusão desta pretensão. De repente pode-se perder tudo e ficar na miséria. Se a pessoa não puser sob controle a sua sede de poder e de acumulação, é castigada com o pesadelo de sentir-se perdida e sem chão.

O antidoto a essa sede de poder e de dinheiro, a nível pessoal é a honestidade, a transparência e a salvaguarda do valor sagrado da auto-dignidade. A nível político pelo sistema de controle e vigilância que todo o Estado deve ter. Porque ambos não se verificam de forma adequada os corruptos campeiam impunes mas se revelam desprezíveis e, finalmente, se tornam infelizes.

Será que saberemos tirar essas lições da corrupção naturalizada no Brasil e que finalmente foi desmascarada em parte pela Operação Lava Jato?

EUA: as eleições preparam a guerra

Por John Pilger, no site Outras Palavras.
Há poucos anos, assisti a uma exposição popular intitulada “O Preço da Liberdade”, na venerável Smithsonian Institution em Washington. As filas de pessoas comuns, a maioria crianças que entravam como se ali fosse uma caverna de Papai Noel do revisionismo, recebiam sortimento variado de mentiras: a bomba atômica de Hiroshima e Nagasaki salvou “um milhão de vidas”; o Iraque foi “libertado [por] ataques aéreos de precisão inigualada no mundo”. O tema era indiscutivelmente heroico: só os norte-americanos pagam ou algum dia pagaram o preço da liberdade”.

A campanha presidencial de 2016 é notável, não só por causa da ascensão de Donald Trump e Bernie Sanders, mas também pela resiliência do impenetrável, duradouro silêncio sobre uma divindade assassina, autorreverenciada. Um terço dos membros da ONU já sentiram o peso do tacão norte-americano, derrubando governos, subvertendo a democracia, impondo bloqueios e sanções. A maioria dos presidentes responsável por tudo isso eram do Partido Democrata – Truman, Kennedy, Johnson, Carter, Clinton, Obama. (…)

Vejam Obama. Agora que se prepara para deixar a presidência, os elogios incansáveis já recomeçaram. Obama é “cool“. Um dos presidentes mais violentos e mortíferos, Obama deu rédea solta ao aparelho de produzir guerras do Pentágono do presidente (desacreditado) que o antecedeu. Processou mais vazadores de informações secretas (whistleblowers) – gente que arrisca a vida para dizer a verdade aos semelhantes – que qualquer outro presidente. Declarou Chelsea Manning culpada, antes de haver sequer julgamento. Hoje, Obama comanda campanha mundial de terrorismo e de assassinatos por drones, de dimensões absolutamente jamais vistas.

Em 2009, Obama prometeu ajudar a “livrar o mundo das armas atômicas” e deram-lhe o Prêmio Nobel. Nenhum presidente algum dia construiu mais ogivas nucleares que Obama. Está “modernizando” o arsenal apocalíptico cos EUA, inclusive com novas ‘mini’ bombas atômicas, cujas dimensões e tecnologia ‘inteligente’ (sic), diz um dos altos generais dos EUA, asseguram que o uso das tais bombas “deixou de ser impensável”.

James Bradley, autor do best-seller Flags of Our Fathers e filho de um dos marines que fincaram a bandeira dos EUA em Iwo Jima, disse, “[Um] Grande mito que estamos vendo em cena hoje é que Obama seria alguma espécie de sujeito ‘pacífico’, tentando livrar-se de bombas nucleares. É o maior matador nuclear de que se tem notícia. Meteu os norte-americanos numa trilha de ruína, de gastos de 1 trilhão de dólares em mais armas atômicas. Sabe-se lá por quê, as pessoas vivem nessa fantasia de que, porque Obama faz palestras vagas e ainda mais vagos discursos e faz pose para fotógrafos amigos, alguma dessas coisas teria a ver com a política real. Não. Nada têm a ver uma coisa e outra.”

No governo de Obama, está-se construindo uma segunda guerra fria. O presidente russo é o ‘malvadão’ de filme; os chineses ainda não voltaram a ser a velha caricatura sinistra com rabo de porco que lhes correspondeu no passado – quando os chineses foram banidos dos EUA –, mas os jornalistas pró-guerra já trabalham nisso.

Nem Hillary Clinton nem Bernie Sanders sequer tocaram nesses temas durante a campanha, nem remotamente. Não há perigo. Nenhum perigo ameaça sejam os EUA, seja toda a humanidade. Para os candidatos, não aconteceu o maior acúmulos de forças militares junto às fronteiras da Rússia desde a Guerra Mundial. Não aconteceu. Dia 11 de maio, a Romênia entrou em cena ‘ao vivo’, com uma base “de mísseis de defesa” da OTAN, que existe para que os EUA tenham a prioridade de um primeiro ataque diretamente contra o coração da Rússia, a segunda maior potência nuclear do mundo.

Na Ásia, o Pentágono está enviando navios, aviões e forças especiais para as Filipinas, para ameaçar a China. Os EUA já cercam a China com centenas de bases militares que desenham um arco, da Austrália até a Ásia, atravessando o Afeganistão. Para Obama, trata-se de “pivô para a Ásia”.

Consequência direta disso tudo, a China já mudou oficialmente sua política nuclear, de “nenhum primeiro ataque”, para alerta máximo, e já pôs no mar submarinos armados com armas atômicas. A escalada da guerra avança, cada vez mais rápida.

Foi Hillary Clinton quem, como secretária de Estado em 2010, elevou o tom das reivindicações sobre penhascos e barreiras de corais no Mar do Sul da China, qualificando-os como “territórios contestados” e fez disso uma questão internacional; na sequência, foi a histeria de CNN e BBC, para as quais a China estaria construindo pistas de pouso nas ilhas em disputa. Nesse jogo dela em 2015, para guerra de proporções de mamute, a Operação Talisman Sabre, os EUA treinaram ataques contra o estreito de Malacca, por onde transitam quase todo o comércio e o petróleo chineses. Nada disso foi manchete.

Hillary declarou que os EUA teriam “interesse nacional” naquelas águas asiáticas. Filipinas e Vietnã foram encorajados e subornados para que mantivessem as “demandas” e as disputas contra a China. Nos EUA, as pessoas já estão sendo adestradas para ver qualquer posição defensiva dos chineses como agressão. Vale dizer que o cenário está pronto para escalada rápida rumo à guerra. E escalada similar de provocação e propaganda está em ação também contra a Rússia.

Hillary, a “candidata mulher”, deixa por onde passa uma trilha de golpes sangrentos e morticínio: em Honduras, na Líbia (plus o assassinato do presidente da Líbia) e na Ucrânia.

A Ucrânia agora é uma espécie de parque temático da CIA, pululando de nazistas, linha de frente de guerra que está sendo construída contra a Rússia. Foi através da Ucrânia – literalmente, através daquela área de fronteira – que os nazistas de Hitler invadiram a União Soviética, que perdeu, naquela guerra, 27 milhões de pessoas. Essa catástrofe épica é presença eterna na Rússia. A campanha de Hillary à presidência recebeu dinheiro de nove das dez maiores empresas fabricantes de armas do mundo. Nenhum outro candidato sequer se aproxima desses ‘números’.

Sanders, esperança de tantos jovens norte-americanos, não é muito diferente de Clinton nesse ideário pelo qual os EUA seriam proprietários do mundo além fronteiras. Sanders apoiou o bombardeio ilegal contra a Sérvia, no governo de Bill Clinton. Apoia o terrorismo de Obama operado por drones, a incansável provocação contra a Rússia e o retorno das forças especiais (esquadrões da morte) ao Iraque. Não disse coisa alguma sobre o crescendo das ameaças à China e o risco crescente de guerra nuclear. Concorda com que Edward Snowden deve ser processado e chama Hugo Chavez – o qual, como o próprio Sanders, foi social-democrata –, de “falecido ditador comunista”. E já prometeu apoiar Clinton, se for a escolhida.

A eleição entre ou Trump ou Hillary é a velha conversa fiada de escolher alguma coisa, quando de fato não há escolha: as duas faces da moeda são a mesma face. Fazendo das minorias bode expiatório e prometendo “fazer a América novamente grande”, Trump é populista doméstico de extrema direita. Mas em todos os casos Clinton pode ser mais letal para o mundo, que Trump.

“Só Donald Trump disse coisa com coisa contra a política externa dos EUA” – escreveu Stephen Cohen, professor emérito de História Russa em Princeton e na NYU, e um dos poucos especialistas em Rússia nos EUA que falou claramente sobre o risco de guerra.

Num programa de rádio, Cohen referiu-se a questões críticas que Trump, e só ele, havia levantado. Dentre elas: por que os EUA “estão ao mesmo tempo em todos os cantos do mundo?” Qual a verdadeira missão da OTAN? Por que os EUA sempre querem mudar, à força, o regime no Iraque, Síria, Líbia, Ucrânia? Por que Washington trata Rússia e Vladimir Putin como seus inimigos figadais?

A histeria da imprensa “liberal” contra Trump só faz alimentar a fantasia de “debate livre e aberto” e de “democracia em ação”. O que ele diz sobre imigrantes e muçulmanos é grotesco, mas nem isso faz dele o deportador-em-chefe das pessoas vulneráveis para fora dos EUA: o deportador-em-chefe é Obama, não Trump. O “legado” de Obama é ter traído os negros: gerou população carcerária na qual predominam os negros, já mais numerosa que a dos gulags de Stálin.

A campanha eleitoral em curso pode não tratar de populismo, mas do que o mundo conhece como “‘esquerdismo’ à moda dos EUA” [orig.American liberalism], uma ideologia que se vê ela mesma como moderna e por isso superior e a única via “de verdade”. Os que habitam a ala direita desse “esquerdismo” à moda dos EUA assemelham-se a imperialistas cristãos do século 19, que teriam a missão, dada por Deus, de converter, cooptar ou conquistar.

Na Grã-Bretanha, é o Blairismo. Tony Blair, cristão criminoso de guerra, safou-se no processo da preparação secreta para invadir o Iraque, principalmente graças à classe política dos esquerdistas à moda dos EUA [orig. liberal political class] e porque a mídia caiu pelo tal “charme britânico” [orig. “cool Britannia“] do homem. No Guardian, o aplauso foi ensurdecedor; foi chamado de “o místico Blair”. Uma brincadeirinha conhecida como política de identidade, importada dos EUA, aproveitada para promovê-lo.

A História foi declarada acabada, as classes foram abolidas e o gênero foi promovido a feminismo; muitas mulheres foram eleitas ao Parlamento pelo Novo Trabalhismo. No primeiro dia, votaram a favor de o Parlamento cortar os benefícios para famílias de pai ou mãe solteiros (a maioria, de mães solteiras e provedoras únicas), exatamente como haviam sido instruídas a fazer. A maioria da bancada ‘feminista’ votou a favor de uma invasão que produziu 700 mil viúvas iraquianas.

Equivalente a isso nos EUA são os belicistas promovidos a politicamente corretos no New York Times, Washington Post e redes de TV que dominam o debate político. Assisti a um debate feroz na CNN sobre as infidelidades conjugais de Trump. Evidentemente, diziam lá, homem desse tipo não poderia tomar conta da Casa Branca. Nada se discutiu, nada. Nem uma palavra sobre os 80% da população dos EUA, cujos níveis de renda desabaram para níveis de 1970s. Nem uma palavra sobre o alistamento militar. A palavra que desce dos céus sobre a humanidade parece ser “tape o nariz” e vote Clinton: qualquer coisa é melhor que Trump.

Só assim será possível deter o monstro e preservar um sistema que se prepara para mais uma guerra.
* Publicado originalmente no site Conterpunch. Tradução de Vila Vudu.

Dilma passa de impopular à líder de massas

Najla Passos, na Carta Maior

  
Nos dez últimos dias, tive duas oportunidades de estar frente a frente com a presidenta afastada, Dilma Rousseff. Duas oportunidades históricas de ver como ela é recebida nas ruas, de saber o que tem a dizer após o afastamento forçado e, em um dos casos, até de lhe fazer uma pergunta meio ácida, olhos nos olhos.  A primeira foi no último dia 20, em Belo Horizonte (MG), durante o 50 Encontro Nacional de Blogueiros e Ativistas Digitais, quando ela fez sua primeira aparição pública após o afastamento da presidência. A última ocorreu nesta segunda (30), na Universidade de Brasília (UnB), onde ela participou do lançamento do livro “A resistência ao golpe de 2016”.

Em ambos os casos, me surpreendi com o que vi, ouvi e senti. Tanto nas ruas da capital mineira quanto na academia da capital do país, a presidenta afastada foi aclamada como heroína por milhares de pessoas que se acotovelavam para dar a ela uma palavra de apoio, um abraço de incentivo, um grito de solidariedade. Por vários milhares. Como já começam a demonstrar as pesquisas, o golpe transformou Dilma de uma presidenta impopular que até mesmo seus partidários tinham reservas de defender em uma líder de massas que desconhecidos se orgulham de dizer que irão apoiar até seu retorno à presidência.

Não é por acaso. Sem as amarras do Palácio do Planalto, sem ter que medir as palavras para agradar a dita base aliada que tramava nas sombras, Dilma estava mais a vontade do que nunca para se expressar em seus próprios termos, tecer seu próprio discurso, avalizar sua própria análise do retrocesso que corrói o país. A Dilma que ressurgiu das cinzas pós-golpe não precisa mais se preocupar em não desagradar o PMDB para manter o despolitizante “pacto pela governabilidade”. Ela pode dizer coisas como “o golpe tem nome, sobrenome e CPF”. E o que é melhor: citá-los textualmente.

“Volta, querida!”


A lua cheia despontava atrás do Parque Municipal quando, de dentro do hotel Othon Palace, comecei a ouvir a multidão que fechara a Avenida Afonso Pena, no centro de Belo Horizonte, gritando “Volta, querida!”. Quando a presidenta chegou ao hotel, saiu para cumprimentar as mais de dez mil pessoas que, espontaneamente, foram esperá-la no local com rosas e balões vermelhos. Dilma abraçou o povo, tomou o microfone, falou de improviso. Emocionou e ficou emocionada. Chorou duas vezes. As pessoas que, como eu, estão acostumadas à Dilma dura e seca das coletivas no Palácio do Planalto, custavam a acreditar no que viam.

Dentro do Othon, ela falou por cerca de uma hora para o seleto público de blogueiros e jornalistas progressistas que a aplaudiam e gritavam palavras de ordem contra os golpistas e fascistas que tomaram o governo dela de assalto. A presidenta falou do golpe, da luta que se fazia necessária, mas também falou de carinho, de emoção, de solidariedade. Lembrou àquela Dilma pré-ajuste fiscal que arrebatou corações e mentes nas duas últimas campanhas presidenciais. Mas foi ainda melhor.

Depois da jornada dupla, ainda se dispôs a receber alguns jornalistas para uma rodada de bate-papo.    Ainda refém da decepção que seu segundo governo me causou, no bojo do ajuste fiscal, da Lei Anti-terrorismo, da paralisação da reforma agrária e da falta de atitude para avançar com a regulação da mídia, lancei a pergunta que julguei mais adequada à temática do evento:

- A luz dos últimos acontecimentos, considerando o papel central desempenhado pela mídia no golpe que lhe tirou da presidência, a senhora não acha que seu governo poderia ter feito mais pela democratização da comunicação?

Por um minuto, me veio à mente a Dilma dura do Planalto. Imaginei que a resposta viria perfurante. Mas a presidenta respirou fundo, me olhou nos olhos e, pela primeira vez na minha vida, me fez enxergar que a tal governabilidade não é apenas um conto da carochinha para acalmar a militância.

- “Poderia, mas não levaria”, respondeu ela, com convicção.

A presidenta afastada me lembrou da batalha travada por seu governo para aprovar o Marco Civil da Internet construído em parceria com a sociedade civil, que nos garantiu a neutralidade da rede. Ela recordou que foi ali, naquele empate, que o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), se consolidou como o arqui-inimigo número 1 do seu governo dentro do partido que até então era o maior aliado do PT.  

Dilma criticou com propriedade o processo de “direitização” do PMDB, aprofundado a partir daí e levado ao extremo no seu segundo mandato, com a eleição do parlamento mais conservador da história recente do país. E deixou claro que a disposição da velha direita brasileira em deixar o PT governar tinha limites muito claros: qualquer mudança na concepção monopolizada de um dos sistemas de comunicação mais concentrados do mundo não seria tolerada.

Ela também afirmou ali, em Belo Horizonte, que sua disposição para a luta não era retórica. Mesmo cansada, abatida, Dilma tinha o brilho nos olhos de quem tem convicção do papel histórico que tem a desempenhar. E deixou claro que a recepção calorosa que tivera na sua terra natal a motivou ainda mais para sair dos limites da Alvorada e correr o país para denunciar o golpe que inviabilizara não apenas seu governo e as conquistas sociais da última década, mas a própria democracia brasileira.

"Boa noite, queridos!”

Na UnB, a presidenta afastada esbanjou simpatia. “Vou cumprimentá-los da mesma forma que vocês me receberam. Boa noite, queridos! Boa noite, queridas!”, disse, sob os aplausos da plateia que lotou o Centro Darcy Ribeiro, popularmente conhecido como “Beijódromo”.

Ela atacou sem reservas “o governo neoliberal dos homens brancos, velhos e ricos”. E afirmou que o golpe em curso tem dois motivos. O primeiro deles explicitado pelo conteúdo das gravações agora tornadas públicas: parar a Operação Lava Jato e impedir que as investigações contra a corrupção avancem para além dos círculos petistas. O segundo, de acordo com ela, implícito nas declarações e entrevistas dos golpistas: impedir a continuação das políticas de distribuição de renda iniciadas pelo PT.

Ela rechaçou as posições expressas do novo governo que apontam para a redução da abrangência do SUS, o fim da contratação dos médicos cubanos, a suspensão do programa Minha Casa, Minha Vida para a parcela mais pobre e o corte de 30 milhões de beneficiários do Bolsa Família.  “Na época de expansão da riqueza, o conflito não é tão visível. Mas na crise ele é. E já está claro quem vai pagar o pato mais uma vez: o povo deste país”, denunciou.

A Dilma simpática e segura de si que emergiu do golpe foi recebida com reverência e carinho pela comunidade acadêmica da UnB, além de intelectuais e artistas da capital federal. Entre eles, a atriz Camila Márdila, que cativou o Brasil e o mundo no papel da Jéssica, do filme “Que horas ela volta?”. Em referência às várias Jéssicas que surgiram no Brasil dos governos populares, Dilma abraçou o tema da educação. “Eu tenho consciência do grande passo que foi dado na educação. Eu tenho consciência do que significaram o Prouni, o Fiés, mas, sobretudo, a Lei de Cotas”, afirmou.

A presidenta afastada homenageou também os autores do livro “A resistência ao golpe de 2016”. Segundo ela, a obra é de extrema importância para a luta em curso. “Enquanto fazemos história, nós também refletimos sobre ela”, observou. Para a presidenta, o golpe de 2016 apresenta trajes diferentes, mas é fruto da mesma oligarquia que sempre derruba os governos populares do país. Segundo ela, se a imagem do golpe de 1964 é a árvore democrática sendo cortada por um machado, a imagem do golpe de 2016 é a da mesma árvore democrática sendo corroída por um parasita. “Só é diferente agora porque o golpe não interrompe o processo democrático, mas sim o corrói”, comparou.






O que os imóveis do filho de sete anos de Temer dizem sobre a desigualdade?

http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2016/05/30/o-que-os-imoveis-do-filho-de-sete-anos-de-temer-dizem-sobre-a-desigualdade/

Discurso de Dilma em 30 de maio de 2016

https://www.facebook.com/DilmaRousseff/videos/1130210073699249/

A regra fiscal de Temer-Meirelles: um ataque aos direitos sociais

Pedro Paulo Zahluth Bastos* e Guilherme Santos Mello**

  

Não é de hoje que a Constituição Federal é apontada como geradora de ineficiência e baixo crescimento. Já em 1988, velhos e novos tecnocratas contrários à expansão de direitos de cidadania, como Antônio Delfim Neto e Maílson da Nóbrega, alegavam que ela tornava o país ingovernável e incapaz de crescer. Seu argumento era dividido em três partes: a) a alocação obrigatória de recursos para atendimento dos novos direitos à saúde e à educação, por exemplo, pressionaria o orçamento e exigiria a elevação de impostos; b) os novos impostos reduziriam a capacidade de poupar e o investimento efetivo dos empresários, diminuindo a taxa de crescimento econômico; c) o baixo crescimento reduziria a geração de impostos para financiar o programa “irrealista” da Constituição de 1988. Assim, desde cedo argumentos supostamente técnicos eram usados para questionar o pacto social consagrado pela Constituição e atacar os direitos sociais e econômicos com a máscara da neutralidade científica.

Um fato sobre o qual os críticos tecnocratas da Constituição Federal se calam é que o gasto social tem um grande multiplicador fiscal, conservadoramente estimado acima de 1,5. Ou seja, o gasto social é receita privada que estimula novos gastos privados, estimulando a atividade econômica e gerando impostos que podem pagar o gasto inicial (a depender da conjuntura econômica). Em qualquer caso, este gasto estimula a economia, sobretudo se comparado a outros tipos de gasto poupados da crítica dos economistas neoliberais. Por exemplo, o multiplicador do pagamento de serviços da dívida pública é estimado pouco abaixo de 0,8, dado o fato que seus portadores são, em geral, liberados de preocupações imediatas de consumo. O ponto importante é que, enquanto o aumento dos juros não estimula a canalização da “poupança” (ou melhor, do estoque de riqueza acumulado por fluxos anteriores de poupança) para investimentos produtivos, um aumento da demanda provocado pelo gasto social estimula o aumento da produção e investimentos privados, que por sua vez aumentam a poupança agregada e a arrecadação tributária.

Sempre que uma crise fiscal ocorre por causa de uma crise econômica (e não o contrário), o argumento tecnicista reaparece de diferentes maneiras. A crítica é seletiva: a crise econômica e o desajuste fiscal cíclico são usados para questionar determinações constitucionais para o gasto social. Curiosamente, os mesmos críticos raramente se levantam para questionar o impacto fiscal da “Bolsa Rentista”, associada ao fato de o Brasil ter historicamente as maiores taxas de juros do mundo e o maior custo fiscal dada a relação dívida pública/PIB.

O discurso alarmista com a Constituição Federal tende a aumentar quando os portadores de títulos públicos exigem aumento de taxas de juros e têm receio que outros gastos possam “pressioná-los”. Quando um desajuste fiscal decorre da desaceleração da arrecadação tributária determinada por uma desaceleração cíclica da economia, o alarmismo é particularmente perigoso. Se este discurso for forte o suficiente a ponto de convencer ou forçar o governo a determinar corte de gasto público e/ou a elevação de impostos indiretos (sobre transações), tal medida pode retrair ainda mais o gasto privado e, portanto, trazer exatamente o desajuste fiscal e o aumento da dívida pública como proporção do PIB que, teoricamente, a austeridade queria evitar.

É esta lição que o bloco político e os economistas conservadores não querem tirar da austeridade desastrosa comandada por Joaquim Levy e Nelson Barbosa durante o segundo governo Dilma Rousseff. Ao invés de admitir que o país atravessava uma desaceleração, mas que a política econômica pró-cíclica foi um elemento determinante para transformá-la em uma recessão que agravou o desajuste fiscal, afirmam que o desajuste só pode ser resolvido com mais cortes, agora sobre as despesas constitucionais obrigatórias.

Curiosamente, estes mesmos economistas parecem aceitar a revisão da meta de déficit fiscal para R$ 170,5 bilhões em 2016, o que permitirá ao governo interino, se quiser, promover uma política fiscal anticíclica no curto prazo, distribuindo emendas parlamentares, renegociando dívidas de estados e não realizando nenhum tipo de “ajuste fiscal” do estilo que era exigido do governo Dilma. Tal circunstância nos faz imaginar que eram menos teoricamente ignorantes, do que politicamente hipócritas, as censuras àqueles que, como nós, criticavam a resistência do ministro Levy a revisar a meta fiscal irrealista em 2015.

De um ponto de vista estrutural, a radicalidade da proposta de corte do gasto em educação e saúde pública apresentada por Temer e Meirelles é impressionante. A regra que impede a ampliação real do gasto público, levado a apenas acompanhar a taxa de inflação, representa o desmonte do Estado brasileiro no longo prazo. Obriga o governo a cortar radicalmente os dispositivos legais e constitucionais que preveem ampliação da cobertura de bens públicos. O arranjo da Constituição de 1988 para a saúde (SUS) e a luta para comprometer todas as esferas da federação com ampliação dos recursos para o sistema educacional, consubstanciada no Plano Nacional de Educação (PNE), caem por terra com uma canetada só.

A longo prazo, a proposta fiscal de Temer-Meirelles impede qualquer aumento do gasto real no sistema público mesmo que a arrecadação, a economia, a população, a sociedade e a demanda por serviços e infraestrutura pública cresçam e se diversifiquem. Decretará a austeridade permanente para os gastos sociais e os investimentos públicos. A previdência social, por exemplo, não poderá receber novos aposentados sem que se corte gastos em outra área. O investimento em infraestrutura não pode aumentar sem cortar salário real dos funcionários. O aumento dos gastos em saúde (esperado com uma população que está envelhecendo) provocará uma redução nos gastos em educação. Poupado será certamente o gasto com juros, pois a regra trata do resultado primário e não do resultado nominal (que incorpora juros) das contas públicas.

Entre as regras anunciadas, nenhuma garante uma melhoria nas contas públicas no curto ou médio prazo, seja do superávit primário, seja da trajetória da dívida pública. O que fazem é criar um programa de desmonte do Estado brasileiro, inviabilizando a melhoria e expansão dos serviços públicos, retirando do Estado qualquer possibilidade de realizar políticas econômicas anticíclicas e destruindo a constituição de 1988.

Se não tiver truques contábeis e for implementado antes da recuperação firme da economia, o programa de cortes presente na regra fiscal proposta vai manter a economia na lona e derrubar ainda mais a arrecadação tributária. Se, por outro lado, for realizado depois de sua recuperação, não é baixa a probabilidade de que, dada a magnitude dos cortes previstos, joguem de novo a economia na lona.

Isso se o programa for de fato implementado: afinal, seu anúncio deve aumentar muito a oposição da sociedade ao governo provisório e seu programa neoliberal radical. Muito provavelmente as jornadas coletivas de luta de trabalhadores da saúde e da educação vão se ampliar, em conjunto com as comunidades que dependem de serviços públicos e aqueles que lutam contra o golpe. É contra este projeto neoliberal/conservador do governo interino, desejoso de privatizar e concentrar serviços e infraestrutura nas mãos de uma elite acostumada com a predação do fundo público, que se insurgem os movimentos sociais populares. O objeto da predação é apenas o povo brasileiro mais pobre: nenhuma realidade poderia imitar melhor o panfleto.

*Professor Associado (Livre-Docente) do Instituto de Economia da UNICAMP.
** Professor Doutor do Instituto de Economia da UNICAMP.


Embaixador Samuel Pinheiro: "Houve uma conspiração no Brasil"

'Houve uma conspiração no Brasil'

O ex-número um do Mercosul nega que Lula e Dilma tenham implantado uma diplomacia 'ideológica' e adverte contra os acordos de livre-comércio.


Martin Granovsky - Página/12 EBC
Martin: O governo Temer é legitimo?

Samuel: O Governo, interino, de Michel Temer é o resultado de uma conspiração de que participaram, de forma coordenada, os políticos envolvidos em denuncias de corrupção; os políticos e partidos de oposição, como o PSDB,  inconformados com a inesperada derrota, por estreita margem, nas eleições de  2014; os políticos e partidos conservadores, do ponto de vista social, como os evangélicos; os  meios de comunicação, em especial o sistema Globo, com dezenas de estações de televisão, de rádios, jornais e revistas; o Poder Judiciário, desde o Juiz Sergio Moro, messiânico e disposto a praticar em sua luta contra a corrupção atos ilegais de toda ordem, aos Ministros do Supremo que, podendo e devendo,  não o disciplinaram; os interesses estrangeiros que viram, nas dificuldades econômicas, oportunidade de reverter políticas de defesa dos capitais nacionais para promover a  redução do Estado e a abertura aos bens e capitais estrangeiros, como o caso da Petrobras, das riquíssimas jazidas de petróleo do pré-sal, do Banco do Brasil e do BNDES; do mercado financeiro, isto é, dos  grandes investidores e milionários que são os 71.440 brasileiros cuja renda mensal média é de 600 mil dólares; dos rentistas, temerosos de uma politica de redução das taxas de juros; das associações de empresários como a FIESP, a FEBRABAN, a CNI, a CNA ; dos defensores de políticas de austeridade que visam a redução dos programas sociais, revisão dos direitos dos trabalhadores, equilíbrio fiscal  pela redução do Estado, dos programas sociais, dos investimentos do Estado, da fiscalização dos abusos de empresas; e, finalmente, dos deputados, senadores,  economistas e jornalistas, intérpretes, porta-vozes e beneficiários destes interesses.   

A presidente Dilma Rousseff foi afastada por uma Câmara de Deputados  sob a presidência e o comando do notório Deputado Eduardo Cunha, corrupto e afastado, logo em seguida, pelo Supremo Tribunal Federal, que poderia tê-lo afastado antes, e depois por uma Comissão de Senadores e agora, afastada, aguarda resultados da Comissão do Senado e da votação pelo Plenário  do Senado que julgará seu impeachment. Neste processo,  centenas de deputados e senadores, acusados ou processados por corrupção, votaram pelo processo de impeachment, sem que houvesse nenhuma prova de ato ilícito praticado pela Presidente Dilma.

367 Deputados e agora, eventualmente, 54 Senadores, representantes dos mais conservadores setores sociais, dos indivíduos mais ricos em uma das sociedades mais desiguais do mundo, dos interesses estrangeiros mais vorazes, poderão anular o resultado de eleições em que 54 milhões de brasileiros escolheram a Presidenta  Dilma Rousseff  e a continuidade de um projeto de desenvolvimento social,  econômico e politico do  Brasil que se iniciou em  2003,  e derrotaram um projeto neoliberal, submisso e reacionário.


A composição do Ministério indicado por Michel Temer, suas ligações ostensivas, e manifestadas publicamente pelos próprios Ministros, com os interesses econômicos e conservadores e  as acusações de corrupção que sobre eles pesam indicam perfeitamente o caráter da conspiração que derrubou Dilma Rousseff, cujo objetivo final é a recuperação total do poder nas eleições de 2018.

Martin: Quais chances de Dilma não ser afastada definitivamente, e quais fatores condicionam estas chances?

Samuel: Ainda há grandes possibilidades da Presidente Dilma não ser afastada definitivamente já que o número de Senadores que devem votar pelo seu afastamento é de 2/3, isto é, 54 Senadores em um total de 81.

As manifestações populares, de personalidades e setores significativos contra o governo Temer e seus atos, a favor da democracia e contra o  golpe, tem sido cada vez mais amplas e intensas, apesar de a grande imprensa procurar ocultá-las e minimizá-las.

Os elementos fundamentais para evitar o impeachment são a participação do Presidente Lula á frente das manifestações populares, a resistência a cada iniciativa do governo interino apresentadas ao Congresso e  a mobilização e coordenação das ações das organizações sociais.

Martin: Em suas diretrizes de política externa, o ministro José Serra definiu que a diplomacia não seria “ideológica”, nem estaria a serviço de um partido político. Qual sua opinião a respeito?

Samuel: A politica exterior do Brasil tem de se fundamentar nos objetivos de soberania, de integridade territorial, de desenvolvimento econômico, social e politico e se guiar pela Constituição que, em seu artigo 4, define os princípios da politica externa e, entre eles, o objetivo de promover a  integração latino americana.

A politica externa do Brasil tem de considerar, de um lado, a localização geográfica do país, com seus doze Estados vizinhos; as assimetrias entre o Brasil e seus vizinhos; suas extraordinárias dimensões territoriais, de população, de desenvolvimento econômico; suas disparidades de toda ordem;  seus enormes recursos naturais e , de outro lado, e simultaneamente, as circunstâncias de um mundo em que se verifica grande concentração de poder econômico, politico e midiático, com gigantescas multinacionais, com políticas de restrição ao desenvolvimento econômico e tecnológico, com as Grandes Potências em crise econômica prolongada e com uma disputa velada por hegemonia entre os Estados Unidos e a China.

A politica externa dos governos do PT se orientou, com firmeza e coerência, pelos princípios de autodeterminação, de não intervenção, de cooperação com os países subdesenvolvidos, de integração da América do Sul, e pelos objetivos de luta pela desconcentração de poder em nível mundial e pela multipolarização, pelo multilateralismo e contra o unilateralismo das Grandes Potências, pela defesa da paz e pelo desarmamento dos países altamente armados, pelo direito ao desenvolvimento, pelo luta contra o aquecimento global, pelo desenvolvimento econômico, contra a pobreza.

Assim, na América do Sul foram mantidas relações de cooperação e de respeito politico com governos tão distintos quanto os da Colômbia, do Peru, do Chile, da Venezuela, da Argentina, do Uruguai, do Paraguai etc.

Com os Estados Unidos, foi mantida uma política de cooperação, como no caso do etanol; de respeito mútuo, como no caso da Rodada de Doha, e de divergência, sempre que necessária, como no caso da ALCA. As relações com o Brasil foram consideradas pelo governo americano de grande importância, como se pode inferir dos comentários do Presidente Obama sobre o Presidente Lula.

Com a Europa, o grau de cooperação pode ser demonstrado pelo acordo de parceria estratégica com a União Europeia, tipo de acordo que a União Europeia tem com pouquíssimos países, tais como os Estados Unidos e a China; pelo programa de construção e transferência de tecnologia do submarino nuclear com a França; pela aquisição, construção e transferência dos aviões de combate Grippen.

As relações com a China, a grande Potência emergente,  são de grande importância como demonstra o fato de a China se ter tornado o principal parceiro comercial do Brasil, com crescentes investimentos no país, dos acordos celebrados com a China, prevendo operações de valor total superior a 54 bilhões de dólares, da participação, politica e econômica do Brasil,  nos BRICS,  no Banco dos BRICS, no Acordo de Reservas e no Banco Asiático de Infraestrutura.

Nas Nações Unidas, a luta pela reforma da Organização pela ampliação e democratização de seu Conselho de Segurança, em companhia da Índia , do Japão e da Alemanha; a participação nas conferências de natureza social e econômica; a criação do Conselho de Direitos Humanos e a luta contra a utilização seletiva e política dos direitos humanos.

No Oriente Próximo, o Brasil procurou se aproximar dos países árabes através das reuniões entre a América do Sul e países árabes, com excelentes resultados políticos e econômicos para todos que delas participaram. Ao mesmo tempo, o Brasil  reconheceu a Autoridade Palestina como Estado, condenou os ataques a Gaza e os atentados terroristas, de qualquer procedência em qualquer lugar. A iniciativa do Brasil e da Turquia de negociação exitosa do acordo com a Turquia mostrou a capacidade da politica externa brasileira de conseguir soluções onde outros Estados tão mais poderosos haviam fracassado durante tanto tempo.

Com a África, os governos do PT desenvolveram uma política externa  cujos fundamentos eram a dívida histórica do Brasil para com os povos africanos e as possibilidades de entendimento e cooperação politica e econômica devido ao fato de ser o Brasil ter sido também uma colônia e nunca um pais imperialista; subdesenvolvido porém com êxitos importantes em setores como a agricultura de cerrado e a saúde;  da contribuição cultural, econômica, étnica e religiosa das populações africanas para a construção da sociedade brasileira. Na área política, o interesse de cooperar em questões relativas à segurança do Atlântico Sul, a negociação sobre meio ambiente, florestas e mega-diversidade, e sobre comércio na OMC e outros foros.

Toda a politica brasileira foi baseada nos princípios de não intervenção, de autodeterminação e de cooperação respeitosa, sem tentativas de ensinar a nenhum Estado, país ou sociedade como deve se organizar, politicamente ou economicamente. 

Tudo isto prova cabalmente, para quem conhece um mínimo de historia e de politica internacional para além do que diz a mídia e dos preconceitos partidários, que a política desenvolvida pelo Governo brasileiro desde 2003 não foi nem ideológica nem partidária nem visou beneficiar os interesses de um partido, no caso o PT.

Martin:A América do Sul terá de iniciar uma etapa de acordos de livre-comércio?

Samuel: O centro da politica externa brasileira tem de ser a América do Sul; na América do Sul, o Mercosul; no Mercosul, a Argentina. Não compreender isto, significa enorme miopia e cultivar o fracasso.

Um dos principais objetivos do Brasil e de sua politica externa é construir condições que sejam propicias ao seu desenvolvimento econômico, social e politico.

O desenvolvimento econômico e social de um pais como o Brasil, que tem  85 % de sua população urbana; com uma agricultura que não emprega mão de obra em grande escala; com um setor de serviços subdesenvolvido; com grande necessidade de geração de empregos para absorver o crescimento da força de trabalho e os estoques de mão de obra subempregada, como são os 50 milhões de beneficiários do Bolsa Família, cujo rendimento  mensal é inferior  a 77 reais, isto é, a 20 dólares por mês,  tem de ser baseado na industrialização, no setor industrial, base do desenvolvimento de todos os setores da economia.

Pensar em construir uma economia e uma sociedade com base na agricultura apenas é um absurdo técnico, politico e social.

A industrialização necessita de mercados seguros que são os mercados regionais através de acordos que estimulem o desenvolvimento das empresas de capital nacional e atraiam empresas estrangeiras  e da ação do Estado para construir a infraestrutura e complementar a iniciativa privada.

Este mercado na América do Sul é o Mercosul,  com sua tarifa externa comum.

Os países industrializados que desejam escapar de suas crises através das do aumento de suas exportações desejam eliminar a tarifa externa do Mercosul  e suas possibilidades de desenvolvimento industrial  e para isto acenam, junto com seus arautos internos,  com a celebração de acordos de livre  comércio,  que significariam, logicamente, o fim do Mercosul .

O acordo Mercosul- União Europeia seria, em realidade, o primeiro de uma série de acordos de livre comércio com os Estados Unidos, a  China o Japão, em que,  de um lado, os países do Mercosul, em especial Brasil e Argentina, abririam totalmente seus mercados para os produtos industriais europeus, e em seguida americanos, chineses e japoneses muito mais competitivos e avançados, dariam assimétricas concessões em compras governamentais, e outras concessões, e, em troca, receberiam concessões, irrisórias, em produtos agrícolas.

Mesmo que as concessões europeias correspondessem ao fim de todos os subsídios que concedem a seus agricultores europeus e de todos os obstáculos as exportações agrícolas do Mercosul, o acordo com a União Europeia  seria tremendamente prejudicial aos objetivos de desenvolvimento industrial do Brasil e da Argentina e também do Uruguai e Paraguai.

Os acordos de livre comercio tão defendidos pela mídia, pelos acadêmicos, pelos importadores e pelos países desenvolvidos significam o fim do Mercosul, que é um instrumento importante de promoção do desenvolvimento industrial e, portanto, econômico de nossos países. 

Seria necessário mencionar a UNASUR, a linha de transmissão no Paraguai e tantos outros temas como o FOCEM, mas o espaço não permite.



A MP que materializa o projeto político-econômico por trás do golpe

http://goo.gl/SelDTc

O prêmio


 
Janio de Freitas, na Folha de São Paulo.

Nas gravações feitas por Sérgio Machado e em sua divulgação há um componente que reflete bem o estágio em que estamos, sendo incerto que apenas o atravessamos. Prefiro não definir nem qualificar o componente, também por desnecessidade. É suficiente sintetizá-lo na prática.
Um homem procura colegas que o têm por confiável, incluído aquele a quem deve o emprego magnífico usufruído por dez anos. Mesmo sem ser explícito, faz entender que busca ajuda solidária para o risco angustiante de ser entregue, por atos de sua plena responsabilidade, a um juiz que valoriza a cadeia como passo preliminar. O homem conduz as conversas, em sutis induções e insistências. Grava-as, sem disso ser suspeitado. Não se sabe quantas foram, nem quantos os gravados.
O homem divulga várias gravações. Gravado que não se comprometeu com propostas condenáveis, passa, no mínimo, pelos dissabores do escândalo. Os que se mostraram mais solícitos com as angústias do colega, porém, fosse por solidariedade ou por combiná-la com sua própria situação, foram –como outros vão ser– por ele entregues às feras, com suas situações agravadas. Por tal atitude, o homem será premiado pela Justiça.
É reconfortante, ao menos, imaginar que não podem ser muitos os capazes de agir da mesma maneira desse homem cujas angústias lhe parecem justificativas para tudo. A imaginação é temerária, no entanto. A naturalidade com que esse enredo é tratado na imprensa e na TV, é lido e ouvido, é citado e comentado até como um momento de comicidade, não pode ser sem significação profunda. Até pela extensão, como se unânime. Se houve algum repúdio, alguma consideração crítica, uma reprovação qualquer, não a encontrei.
O cinismo pode ser uma epidemia? Ou, quem sabe, é uma insensibilidade endêmica e progressiva, um Alzheimer que devora a memória dos valores pessoais. Seja o que for, é o mal de um país que está doente. Muito doente.
MACHADO A JATO
Os gravados e o próprio Sérgio Machado estão acusados pela imprensa de "tentar obstruir" o prosseguimento da Lava Jato. Há dois motivos para outra interpretação: primeiro, porque nenhum deles tentou coisa alguma, a não ser nos títulos de jornais; depois, porque suas palavras vão em sentido oposto à obstrução.
"Aécio é a bola da vez", "ninguém escapa", "no Congresso só escapam uns cinco", "no PSDB não sobra ninguém", e por aí segue a contabilidade dos que têm conhecimento intestino do Congresso. Mas esse desnudamento põe a Lava Jato contra a parede: em vez de obstrução, indica quanto os seus integrantes deveriam trabalhar ainda. Ou já tê-lo feito.
Gravados e gravador vão mais longe, como dizem por aí, na imposta "saia justa" (uma das maiores invenções da humanidade, ultrapassada só pela minissaia): com as referências a Aécio, ao PSDB sem salváveis, só cinco inocentes, Sérgio Machado e seus gravados querem que a Lava Jato deixe de transitar em mão única e entre nas vias que até agora bloqueou.
Aí já querem demais. E não entenderam a contribuição da Lava Jato, com a ida coercitiva de Lula para o aeroporto, a divulgação dos seus telefonemas com Dilma, e o veto à sua posse ministerial por Gilmar Mendes, criando o clima coincidentemente adequado para a decisão de Eduardo Cunha pró-impeachment.
A propósito, a divulgação das gravações de Sérgio Machado e a queda de Romero Jucá, do PMDB, não atestam a indiferença da Lava Jato entre partidos, como pretendem alguns comentaristas. Tudo nas gravações é obra só de Machado, mais da alma do que do corpo. E por elas Jucá se foi, apesar de Michel Temer, e não por ação da Lava Jato.