*José Álvaro de Lima
Cardoso
O conjunto de medidas e
ações que vem sendo anunciado ou defendido pelo governo interino, traz o risco concreto
de verdadeira regressão nas leis que regulam o trabalho no Brasil. O governo
vem defendendo a prevalência do negociado sobre o legislado, ou seja, a
possibilidade de que na mesa possam ser negociados direitos trabalhistas que
hoje constam da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT (como férias, 13º salário,
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e outros). Pela proposta estes direitos
seriam flexibilizados na mesa negocial, ou seja, poderiam ser acordados por
patrões e empregados em padrões abaixo do texto previsto pela CLT.
Em debate sindical recente em
Florianópolis, o diretor técnico do DIEESE, Clemente Ganz Lúcio, matou a
charada: “não temos nenhum problema em relação à prevalência do negociado sobre
o legislado. Aliás, essa regra sempre valeu nas negociações coletivas. Desde
que o negociado seja acima do que prevê a CLT, é claro”. O sociólogo e técnico
do DIEESE tem inteira razão. Não haveria nenhum problema, por parte dos
sindicatos, em “flexibilizar” os direitos, desde que fosse para melhorá-los. O grande
problema é que, como todos sabemos, a proposta ressurge justamente como uma
tentativa de enfrentamento da crise, rebaixando direitos trabalhistas.
O sonho de rifar direitos dos
trabalhadores em mesa de negociação é antigo e reaparece cada vez que a crise
capitalista se agrava e os patrões querem resolvê-la, repassando todo o ônus
para os trabalhadores, ou seja, reduzindo custos do trabalho. Há vários projetos
tratando do assunto no Congresso Nacional e o governo interino já
definiu que irá apoiá-los. Na conjuntura econômica atual, com o Brasil
enfrentando a pior recessão das últimas décadas, e com a taxa de desemprego em elevação,
na prática uma regulamentação dessa natureza representará o fim da proteção
mínima garantida pela CLT.
Ficou
conhecido um vídeo que circulou na internet, em 2014, em que o vice-presidente
da Fiesp, Benjamin Steinbruch, afirmava que os direitos previstos na
CLT, entre eles vale-transporte, vale-alimentação, Fundo de Garantia do Tempo
de Serviço, férias e horário de almoço, poderiam ser reduzidos em negociações
diretas entre empregados e patrões. Na ocasião o dirigente da Fiesp, ao defender
as supostas vantagens de flexibilizar a regulamentação trabalhista no Brasil,
utilizou o exemplo do trabalhador estadunidense, que, na descrição feita por Streinbruch,
com uma mão segura o sanduiche e, com a outra, controla o equipamento de
trabalho.
O fato é que a flexibilização das leis trabalhistas neste momento,
significa rebaixá-las. Quando no período chamado de boom das commodities, quando o Brasil seguia razoavelmente bem
economicamente, e todas as classes estavam ganhando, muito especialmente os
capitalistas, parou-se de falar sobre flexibilização da legislação trabalhista.
Esse assunto retornou à pauta, quando a crise começou a se agravar, mais ou menos
em 2012. Caso o ilegítimo governo Temer
seja confirmado pelo Senado Federal, pode haver uma grande regressão nas leis
do trabalho, que abrange, além da prevalência do negociado sobre o legislado,
itens como terceirização nas atividades fim, flexibilização e elevação da
jornada de trabalho, fim da indexação do salário mínimo, e assim por diante.
Com o programa de Temer não é apenas o legado da constituição de 1988 que corre
perigo, mas também a própria herança de Getúlio Vargas no campo trabalhista.
*Economista e
supervisor técnico do DIEESE.
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