quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Lucro especulativo no Brasil ultrapassa 50% no semestre: quem paga essa conta?



*José Álvaro de Lima Cardoso.
       Mesmo em meio à uma brutal recessão, alguns papéis da chamada renda fixa no Brasil apresentaram rentabilidade de até 52% somente no primeiro semestre do ano. Enquanto nos países chamados desenvolvidos os juros estão próximos ou abaixo de zero, o especulador que investiu em Notas do Tesouro Nacional-Série F (NTN-F) com vencimento em 2025, e vendeu os títulos, obteve rendimento, entre janeiro e junho, de mais de 52%, em decorrência da taxa de juros e da forte valorização cambial ocorrida no período. Segundo o jornal Valor Econômico, em uma lista com 16 mercados emergentes, o Brasil lidera, disparado, em rentabilidade das aplicações de renda fixa. Enquanto o Brasil oferece rentabilidade para esses papéis acima de 50%, o segundo lugar na referida lista é ocupado pela Rússia, com rentabilidade de 20,80%, menos da metade do rendimento oferecido pelos títulos brasileiros.
        Um dos economistas entrevistados na citada matéria do jornal Valor Econômico, o economista-chefe do Deutsche Bank no Brasil, declara que a redução da taxa de juros Selic no Brasil, vai depender da evolução do ajuste fiscal: "A aprovação da PEC do teto de gastos é elemento fundamental. Sem isso não há corte de juros. O BC não vai esperar a implementação efetiva, mas aguarda um sinal claro de que essa medida será aprovada pelo Congresso." (“Renda fixa brasileira lidera retorno entre emergentes”, Valor econômico de 26/07/16). A proposta mencionada pelo economista é a PEC 241/2016, do governo Temer, que dentre outras maldades, define novo teto para o gasto público, que terá como limite a despesa do ano anterior corrigida pela inflação. Os gastos sociais de saúde e educação, pela proposta, serão congelados em termos reais, passando a ser apenas corrigidos pela inflação. Pela proposta do governo Temer, em 2017 o limite de gastos será a despesa primária federal de 2016, incluindo os restos a pagar, reajustada pelo IPCA de 2016. A partir de 2018, o reajuste será aplicado usando o teto do ano anterior acrescido da inflação.
        É simples de entender porque os economistas do setor financeiro defendem a PEC 241/2016, que ficou conhecida como a PEC do golpe. A proposta pretende congelar apenas as despesas primárias, com saúde, educação, salários, previdência social. Os gastos do governo com o pagamento dos juros e amortização da dívida pública, fonte de lucros bilionários do setor financeiro e a verdadeira razão do déficit público nas contas do Brasil, estão preservados. O congelamento do gasto público, conforme a PEC, valerá por 20 anos, com possibilidade de revisão da regra de fixação do limite a partir do décimo ano de vigência. Neste período, segundo o governo, o dinheiro economizado será destinado ao pagamento dos juros e do principal da dívida pública.
        A PEC 241/2016 acaba com as vinculações orçamentárias previstas na constituição para saúde e educação, fruto de décadas de lutas da sociedade brasileira. Durante o período de vigência do Novo Regime Fiscal, estabelecendo, como vimos, que o gasto mínimo seja calculado pela despesa do ano anterior reajustada pelo IPCA, sem haver aumento real para as duas áreas. Se a proposta for aprovada a tendência é que, com o passar dos anos, os gastos com educação e saúde se reduzam proporcionalmente ao PIB, em relação aos percentuais atuais. A trajetória de maior acesso da população pobre aos serviços públicos de educação e saúde, que vinha se verificando nos últimos anos no Brasil, será interrompida. Serão afetados diretamente os serviços públicos oferecidos aos mais pobres, que já são insuficientes.  
         O problema do déficit público no Brasil é a dívida pública - os banqueiros sabem muito bem disso. O Brasil pratica as maiores taxas de juros do mundo e gastou R$ 500 bilhões com a dívida pública no ano passado (quase 18 vezes os investimentos com o Bolsa Família). Enquanto, com o país em recessão, se garante lucros aos rentistas acima de 50%, o governo tenta implantar um pacote cruel de expropriação dos direitos dos trabalhadores, de cortes nos recursos das políticas sociais, de privatização de empresas públicas e reinserção subordinada do Brasil no cenário internacional. A essência e a lógica do golpe - fazer a população engolir em seco um conjunto de propostas que beneficia menos de 1% da população – coloca em risco a própria soberania do país.
*Economista.


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