Artigo de Marcelo Auler no Diário do Centro do Mundo. Extraído do Conversa Afiada.
Venceu
a impunidade. Como sempre. Em especial por não envolver nenhum petista
no caso. A investigação criminal sobre as supostas propinas pagas, nos
anos 90, a Marcelo de Azeredo, o ex-presidente da Companhia Docas do
Estado de São Paulo (CODESP) e ao seu padrinho político, o então
presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer, vai para o arquivo.
Eles venceram por WO.
Temer, por sinal, já se livrara de ser
investigado por duas vezes. Em 2001, o procurador-geral da República,
Geraldo Brindeiro, mandou arquivar as denúncias da ex-companheira de
Azeredo, Érika Santos, que envolviam o então deputado federal. Dez anos
depois, foi a vez de o procurador-geral Roberto Gurgel tomar atitude
idêntica, quando a Polícia Federal pediu autorização para uma
investigação mais invasiva.
Queriam fazer escutas telefônicas e
quebras de sigilo bancário e fiscal. Pelo possível envolvimento do
deputado, solicitaram autorização ao Supremo Tribunal Federal (STF),
Mas, a Procuradoria Geral da República (PGR) foi contra. Com isso, nem
mesmo a variação patrimonial de Temer – que cresceu vertiginosamente
quando ele abraçou a vida política – foi submetida a qualquer
fiscalização.
Já no caso de Azeredo foram abertas duas
investigações criminais. No Inquérito Policial 20.352/2004, da Delegacia
de Prevenção e Repressão a Crimes Fazendários (DELEFAZ) da
Superintendência Regional do Departamento de Polícia Federal em São
Paulo (SR/DPF/SP) investigava-se a lavagem de dinheiro.
Ao mesmo
foi anexado o inquérito 104/2006, da Delegacia de Santos, que apurava
os crimes de corrupção e fraudes nas licitações da CODESP. Ambos foram
remetidos, por volta de 2008, ao Supremo. De lá só retornaram em 2011.
Ao analisarem nestes primeiros dias de agosto todo o caso, a procuradora
da República Karan Louise Jeanette Kahn e sua equipe constataram o
óbvio: os possíveis crimes estão prescritos. Restaria apenas a lavagem
de dinheiro, que pode ser considerado crime permanente. Mas,decorrido
tanto tempo, não haveria como confirmá-la.
Não era para menos.
Se a investigação já acumula 12 anos de idas e vindas entre a SR/DPF/SP,
a Procuradoria da República em São Paulo (PR-SP) e a 2ª Vara Federal
Criminal, a Procuradoria Geral da República (PGR) e o STF, o caso em si,
isto é, os supostos crimes cometidos – corrupção, fraude em licitação e
lavagem de dinheiro – são ainda mais antigos, Datam do período em que,
indicado por Temer, Azeredo presidiu a CODESP: junho de 1995 e maio de
1998. A revelação deles, porém, só surgiu no ano 2000.
A
paralisação da investigação teve início em Santos. Em 2007, ao assumir o
caso instaurado um anos antes, o delegado Cássio Nogueira notou que
pouco tinha sido feito. Depois, ela se repetiu no STF, como os
assessores do ministro Marco Aurélio admitiram. Eles reconheceram que “a
demora na adoção do procedimento padrão (encaminhar a Procuradoria da
República) deve-se tão somente ao fato de os autos terem permanecido
entre outros processos e procedimentos criminais que dependiam de
marcação e análise das peças processuais para encaminhamento à
residência de Vossa Excelência. Em razão do equívoco, apresento essas
informações”. Encaminhado ao Supremo por volta de 2008, o inquérito só
foi despachado de volta a São Paulo em meados de 2011.
Paralelamente, na 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo, outra ação
analisava a sonegação fiscal tanto de Azeredo como de sua irmã, Carla.
Como o DCM mostrou na reportagem Afilhado de Temer no Porto de Santos foi pego pela Receita; PGR poupou padrinho,
os dois foram autuados em aproximadamente R$ 1 milhão, recolheram os
impostos e multas cobrados pela Receita Federal e com isso livraram-se
do processo judicial, tal como prevê a legislação.
As acusações
contra Azeredo, Temer e Lima, um suposto sócio do então deputado e hoje
interino, surgiram na Ação de Reconhecimento e Dissolução de União
Estável movida pela então estudante de psicologia, Érika Santos. Foi
logo após ela separar-se de Azeredo por ele a agredir três vezes.
Nessa ação, ajuizada na 3ª Vara de Família de São Paulo, foram juntados
documentos que, segundo disse aos advogados Martinico Izidoro Livovschi
e seu filho Sérgio, retirou do computador do próprio Azeredo. São
centenas de papéis sobre os quais foi decretado segredo de Justiça, por
conterem dados fiscais e bancários do ex-presidente da CODESP e da
empresa em si.
Erika Santos, que denunciou a caixinha no Porto de Santos em 2000
O
segredo de justiça, porém, foi limitado pelo ministro do Supremo
Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello, aos dados fiscais e bancários.
Com isso, DCM teve acesso, com exclusividade, aos depoimentos prestados
ao delegado federal Ricardo Atila Barbosa, por Azeredo, seu pai Ronaldo,
sua irmã Carla (todos em agosto de 2004) e Érika (outubro do mesmo
ano).
Azeredo e Érika negaram as denúncias. Ela, após a revista
Veja, em março de 2001, noticiar suas acusações na Vara de Família,
tratou de destituir os advogados Livovschi e, através de um novo
patrono, José Manuel Paredes, desistiu da ação. À época comentou-se que
os ex-companheiros acertaram-se financeiramente, em um acordo
extrajudicial.
No inquérito, os únicos a confirmarem que Érika
realmente acusou Azeredo, Temer e Lima de se beneficiarem das propinas,
foram os advogados Livovschi, Diante da contradição deles com a
ex-cliente, o delegado chegou a questionar os três sobre uma possível
acareação. Todos aceitaram, mas não existe registros de que ela tenha
ocorrido. Perdeu-se nova oportunidade de esclarecer os fatos.
Mas as contradições não existiram apenas entre Érika e seus
ex-advogados. Ela e Azeredo também conflitaram nas informações ao
delegado. A começar pelo tempo de relacionamento e até o período em que
dividiram o mesmo teto. Segundo ele, a relação durou um ano e meio. Ela
declarou que se relacionaram entre 1997 e julho de 2000 quando, após
sofrer uma terceira agressão, saiu de casa com a roupa do copo. Segundo
Azeredo, teriam sido apenas dois meses residindo juntos. Já nas palavras
dela, a convivência no apartamento dele, na Rua Brás Cardoso, na Vila
Olímpia, foi maior: de meados de 1999 a julho de 2000.
Azeredo
declarou “que não lhe repassou qualquer espécie de bem ou de pensão, até
porque não lhe foi pedido”. Da ação proposta por ela na Vara de
Família, teria sabido apenas pela imprensa;.
Érika não comentou
nada sobre o possível acordo que os dois teriam feito. Mas ela confessa
ter encaminhado aos advogados Livovschi “fotos, extratos de cartão de
crédito, cópias dos cheques recebidos de Marcelo, passaporte, além de
documentos comprovando a união estável e o padrão de vida do casal”.
Tanto que na Vara de Família eles alegaram que Érika recebia uma “mesada
de R$ 5 mil para os gastos e possuía um cartão de crédito dependente do
companheiro”.
Obviamente, ao encaminhar tais documentos a um
advogado para propor uma ação de reconhecimento da união estável e
partilha de bens, é de se supor que ela pleitearia ajuda financeira. O
que Azeredo declarou que não aconteceu. Na ação há o pedido de R$ 10 mil
mensais. Na polícia, porém, o assunto não foi comentado, nem
questionado.
Apesar do possível acordo que os ex-companheiros
teriam feito, ela passou a trabalhar como balconista. Na polícia,
informou ser vendedora na loja Vertigo, no Shopping Iguatemi.
Acrescentou que atendia como psicóloga no Hospital das Clínicas.
O fundamental, porém, foram as contradições em torno da questão
principal: as propinas no Porto de Santos que teriam sido repassadas a
Temer. Azeredo negou “peremptoriamente o recebimento de qualquer quantia
por parte de quaisquer empresas privadas, conforme informado por
Érika”.
Ela, por seu lado, alegou desconhecer qualquer
irregularidade cometida pelo ex-marido, o que descobriu apenas ao ver a
ação na Vara de Família: “até tomar conhecimento das denúncias de crimes
cometidos por Marcelo através da ação, que viu no fórum, não tinha
conhecimento dos fatos supostamente delituosos imputados a Marcelo e não
autorizou os advogados a fazerem essas denuncias contra seu
ex-companheiro”.
Repetiu na polícia a explicação que Temer, em
março de 2001, divulgou no discurso que fez na tribuna da Câmara, como
noticiamos aqui na reportagem Temer ignorou pedidos da PF para se explicar no caso da propina no Porto de Santos.
Segundo disse, após se separar, “recebeu um envelope contendo diversos
documentos a respeito de Marcelo de Azeredo que foram entregues em sua
residência anonimamente. Não tomou conhecimento do teor dessa
documentação, até porque era muito volumosa. Pretendia entrar com uma
ação de reconhecimento da união estável tendo para tanto contratado os
advogado Martinico Izidoro Livovschi e então encaminhou ao mesmo, além
dos documentos recebidos anonimamente, as fotos, extratos de cartão de
crédito, cópias dos cheques recebidos de Marcelo, passaporte”.
Ao reprisar que não tinha conhecimento de atividades ilícitas do
ex-companheiro, ressaltou, porém, que “o alto padrão de vida do mesmo
lhe chamasse a atenção. Sempre viajavam em primeira classe,
hospedando-se em hotéis cinco estrelas, frequentando restaurantes
caros”. Ou seja, desconhecia o possível crime, mas se beneficiava do
resultado dele.
Marcelo de Azeredo, indicado por Temer à Codesp
O
desmentido de Érika partiu de seus dois ex-advogados. Pai e filho
deixaram claro que ela nunca falou em documentos recebidos anonimamente,
mas sim extraídos do computador do companheiro.
Segundo
Martinico, todo o conteúdo da inicial da ação “foi narrado por Érika
Santos”. Da mesma forma partiu dela “toda a documentação relativa à
ação” Ele ainda explicou que “Érica enviou um fax em resposta à minuta,
pedindo que fossem feitas algumas modificações”. Ele e o filho
insistiram “as denúncias ali constantes foram feitas obedecendo a uma
exigência de Érika que acreditava que as mesmas poderiam pressionar
Marcelo a realizar um acordo rapidamente”.
Érika também mentiu
na polícia ao dizer que desconhecia a existência de um carro Porsche e
uma Mercedes. Os dois veículos foram citados por ela aos advogados para
que fossem incluídos na ação na Vara de Família como bens que Marcelo
adquiriu e colocou em nome de familiares. O Mercedes, como a Receita
confirmou depois, estava em nome do pai dele. O Porsche, em nome da irmã
Carla, que por não ter provado a origem do dinheiro para adquiri-lo,
foi autuada e pagou multa superior a RF$ 100 mil.
Todos estes
fatos mostram que Érika certamente foi pressionada após a divulgação de
suas denúncias. Fica a dúvida se realmente houve um acerto financeiro.
Mas, torna-se evidente que depois de tentar pressionar judicialmente
Azeredo, ela recuou nas suas denúncias o fato é que ela fechou um acordo
com o ex-marido e deixou de falar em Temer.
Azeredo, não chegou
a negar em momento algum que tenha sido indicado pelo então presidente
da Câmara para a presidência da CODESP. Disse, apenas, que a indicação
ocorreu “após ser sabatinado pelo ministro dos Transportes, Odacir
Klein”,
Provavelmente a sabatina pode ter ocorrido, embora haja
quem diga que Azeredo nada entendia do funcionamento do porto. O que ele
não deixou claro é como seu nome, ligado ao PMDB de São Paulo, foi
parar na mesa de Klein, um político gaúcho. Certamente foi a indicação
de Temer — com quem Azeredo admitiu apenas que mantinha uma relação
meramente partidária, por ser filiado ao PMDB e ter,
inclusive,concorrido a deputado estadual em 1994.
Afinal, na sua
primeira reunião com a diretoria antiga da CODESP, ele deixou claro que
estava ali graças ao então presidente da Câmara. “Mas se vocês falarem
isto, eu nego”. Pelo jeito, continua negando até hoje.
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