*José Álvaro de Lima Cardoso.
Há
alguns dias Michel Temer e alguns ministros foram aos EUA “vender” o novo
programa de infraestrutura do governo, tendo se encontrado com vários
representantes de empresas norte-americanas. Conversaram com analistas de
mercado, diretores de bancos e representantes de agências de classificação de
risco. Entre vários acenos do governo brasileiro aos investidores, feitos antes
da mencionada reunião, o novo embaixador do Brasil nos EUA, Sérgio Amaral,
afirmou que o objetivo do encontro era “atrair investimentos e ver se há
mudanças que podemos fazer em nosso sistema regulatório para trazer esses
investimentos”. O embaixador vem ressaltando que o novo governo abandonou a
política externa baseada, conforme sua definição, “por orientações ideológicas
e partidárias”.
Conforme tem sido destacado por alguns analistas internacionais, o golpe
no Brasil faz parte de um projeto de recolonização continental dos Estados
Unidos, que dependem cada vez mais dos recursos naturais existentes na América
Latina, como minerais estratégicos, petróleo e toda a biodiversidade da
Amazônia. Neste contexto, um dos interesses centrais dos EUA, e das grandes
corporações mundiais de bebidas e alimentação (Nestlé, Danone, Coca Cola), são
as colossais reservas de água existentes na região. Não deve ser por acaso que
o governo dos Estados Unidos negocia, neste momento,
com o governo Macri a instalação de bases militares na Argentina, uma em
Ushuaia (na Terra do Fogo) e a outra localizada na Tríplice Fronteira
(Argentina, Brasil e Paraguai). O grande interesse da instalação destas bases,
ao que tudo indica, são os aquíferos localizados na Região, especialmente o Guarani.
É conhecido que EUA e a Europa enfrentam grave problema da falta de água, pois a
maioria dos rios dos EUA e do Velho Continente estão contaminados.
A mídia já noticiou
que o Aquífero Guarani, deverá
constar na lista de bens públicos privatizáveis, juntamente com as reservas do pré-sal,
empresas elétricas, etc. O Aquífero, maior reserva de água pura do mundo, é
desconhecido da maioria da população e muito cobiçado pelos grandes grupos
econômicos. O interesse das multinacionais sobre essa reserva de água possui bases
muito objetivas. Resultado de uma formação rochosa com mais de 250 milhões de
anos, o Aquífero tem mais de 1 milhão e 200 mil km2 e capacidade de abastecer o
mundo por 300 anos. Dois terços da reserva estão em território brasileiro, no
subsolo dos Estados de Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo,
Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Segundo
o geólogo e professor Luiz Fernando Scheibe, da UFSC, acima do aquífero Guarani
tem um outro, o Serra Geral, e ambos são fundamentais para o abastecimento do
Sul do Brasil e também do Estado de São Paulo. Segundo o professor, estudioso
do assunto, as grandes empresas em todo o mundo, vêm operando políticas para
privatizar os recursos hídricos. Um dos métodos utilizados é a venda de água
engarrafada. A Nestlé, por exemplo, maior corporação mundial de produtos
alimentícios, responde por mais de 50% de toda a água engarrafada, comercializada
no Brasil. A partir das evidências das grandes reservas de água na Região,
ainda na primeira década dos anos 2000, segundo o professor Scheibe, empresas
como Nestlé e Coca-Cola começaram a adquirir fontes de água localizadas nas
áreas de recarga e afloramento do Aqüífero Guarani.
O
presidente da Nestlé defende, sem cerimônias, políticas de privatização das
fontes de água. Para Peter Brabeck-Letmathe, a privatização do fornecimento da
água seria a fórmula para que a sociedade tomasse consciência da importância desse
bem. Detalhe importante: o defensor de tais ideias é o presidente da líder
mundial na venda de água engarrafada, setor que representa 8% do faturamento da
empresa. As declarações do executivo estão longe de serem casuais ou
espontâneas, como se pode constatar pelos dados. O grupo presidido por ele,
junto com mais três ou quatro empresas (Coca Cola, Pepsi Cola, Danone) controlam
uma espécie de oligopólio no engarrafamento de água, dominando um setor cada
vez mais estratégico no mundo. Segundo os estudiosos do assunto, muitas vezes a
água engarrafada é coletada na rede pública pelas empresas, que se limitam a acrescentar
um pacote de minerais, criando assim “água mineral”. Com essa operação o preço
da garrafa sobe, muitas vezes, em até mil por cento, tornando-se um dos
negócios mais lucrativos do mundo, num ambiente de inexistência ou debilidade
na regulação social da atividade.
Sob o pretexto de enxugar gastos
estatais, o objetivo central das privatizações no Brasil, e em outros países do
globo, é aliviar, para os grandes grupos econômicos, os efeitos da crise
mundial, com a entrega de patrimônio público. Nessa esteira estão a entrega do
pré-sal e o enfraquecimento da Petrobrás, privatização do que restou do sistema
elétrico público, do Banco do Brasil. Enfim, entrega do que o setor público dispõe
de mais rentável e eficiente, deixando é claro, a “carne de pescoço” para o
Estado.
A ganância das multinacionais sobre o Aquífero
Guarani representa mais um degrau na escalada golpista. Se o golpe não for
interrompido, descobriremos daqui a alguns anos, que o projeto de congelamento
dos gastos públicos (contido na PEC 241) não resolveu o problema das contas
públicas, mas já terá cumprido a sua função: distrair o movimento social e
sindical, enquanto somas absurdas são transferidos ao sistema financeiro e são privatizadas
empresas públicas e reservas estratégicas, incluindo o maior manancial
subterrâneo de água pura do mundo.
*Economista.