terça-feira, 27 de setembro de 2016

A operação de Temer e a evanescência da esquerda


por Aldo Fornazieri

Mesmo antes que se completasse um mês de duração do governo ilegítimo de Michel Temer o mundo aventureiro e irresponsável das elites e de seus consultores chegou à conclusão desalentadora de que nenhuma das reformas almejadas pelo conglomerado golpista será realizada. Os movimentos protelatórios começaram ainda na época da interinidade: prometia-se o céu com a aprovação definitiva do impeachment. Consumado o golpe, as injunções da conjuntura jogaram as promessas de propostas para depois das eleições. Avizinhando-se a data das eleições, agora as coisas estão ficando para 2017, 2018 e para 2019. Ou seja: para o futuro governo. A única reforma efetivamente encaminhada, a do Ensino Médio, se revelou coisa de governo autoritário no método e desastrosa no conteúdo.
Impopular, ilegítimo, com uma série de citações, junto com seus pares, nas delações da Lava Jato, Temer não mostrou ser o político habilidoso de que se cantava em prosa e verso. Parte do seu ministério inicial caiu sob o golpe de denúncias. O ministério atual prima pelas declarações desastrosas, pelos desmentidos subsequentes, pela irrelevância de muitos ministros, pelas pessoas inadequadas em pastas altamente sensíveis para a sociedade. A parte da sociedade que foi contra o afastamento de Dilma hostiliza abertamente o atual governo. E quem era contra a Dilma, também não o quer. Como já se afirmou em outro artigo, é um governo que será abandonado paulatinamente porque dele não emerge nenhuma perspectiva de poder futuro. Os aliados de ocasião e de oportunismo, o deixarão pelo caminho.
Mas o processo do golpe criou uma degradação muito mais grave no mundo da política brasiliense: o fim das fidelidades, a propensão para as traições, o esgueirar-se nas sombras das desconfianças. Convêm lembrar que partidos e políticos que estavam no governo Dilma até às vésperas do fatídico dia 17 de abril, abandonaram o barco para votar pela abertura do processo de impeachment. Recentemente, os pelotões combativos de Eduardo Cunha o abandonaram no meio do nada, estimulados pelo próprio governo que o ex-presidente da Câmara ajudou a esculpir. Nada de digno, honroso e grandioso se construirá com uma política orientada por esses valores. O mundo da política brasiliense tem a mesma tez moral do mundo do juiz Moro: a traição como forma de se manter no poder ou de se livrar da cadeia. É uma moral muito mal-cheirosa.
Com essas circunstâncias, o governo Temer não tem condições morais e políticas de exigir sacrifícios da sociedade e dos trabalhadores. Consequentemente, não tem condições de cobrar fidelidade dos aliados. Por que os aliados no Congresso sacrificariam seus interesses eleitorais por um governo inviável? Ainda mais se levando em conta que esse governo emergiu como expressão da infidelidade e da traição.
Dado este cenário de desalentos, parte da elite já pensa em operar Temer do poder. Ou seja: afastá-lo. O caminho mais fácil seria via a ação movida pelo PSDB no Tribunal Superior Eleitoral contra a chapa Dilma-Temer. O fracasso do governo Temer seria altamente problemático para as forças que o colocaram no poder quando se olha para 2018. As desculpas de que as mazelas foram provocadas pelo governo Dilma não se sustentam. Ocorre que tiraram a Dilma em nome da salvação do país. Além da inviabilidade das reformas e do próprio governo, alguns setores das elites se preocupam com a possibilidade do recrudescimento da radicalização política após as eleições.
Assim, no rastro da ideia de operar Temer a frio, por um tribunal, sem embate político, no início de 2017, surgem especulações acerca de nomes que poderiam ser eleitos indiretamente pelo Congresso, por força da Constituição. Os dois nomes mais citados são os de Henrique Meirelles e Nelson Jobim, ambos com bom trânsito no PMDB, no PSDB e no PT. Poderia surgir a ideia de um governo de transição, com um pacto predefinido em torno de pontos programáticos para chegar até 2018.  Já que o governo Temer não é paz, uma das tarefas do governo de transição seria apaziguar o país. Nenhuma reforma que provocasse grandes tensões seria votada. A principal tarefa desse governo consistiria em assegurar um mínimo de governabilidade e paz e aplainar o terreno para que em 2018 houvesse uma eleição tranquila. Esse governo se colocaria à margem daquela disputa. Mesmo assim, se esta saída se viabilizar, não deixaria de ser um pacto das elites, uma “transição transada”.
A evanescência da esquerda
Em que pese a rejeição popular ao governo Temer e o potencial de luta de jovens, mulheres e alguns movimentos sociais, a exemplo do MTST, a esquerda organizada continua vivendo em um estado fugaz, de tibieza, de instabilidade, entre o lusco fusco do existir e do dissolver. Mesmo no alto da sua arrogância, parece não saber o que quer. Alimenta medo até mesmo do “Fora Temer e Diretas Já”. Não há centralidade de lutas, plataformas unificadoras, unidade de ação. Convoca-se uma greve geral que não é greve geral. Os atos de rua convocados pelas frentes primam pela confusão. Os “exércitos do Stédile” não têm generais. As “trincheiras” do presidente da CUT não têm soldados.
O fato é que as esquerdas conseguem mobilizar apenas militantes. São inapetentes em propor algo que aglutine, ao menos uma parte, da imensa maioria social que rejeita o governo. Não conseguem propor um movimento de desempregados ou um movimento pelo emprego. Nas eleições municipais preferiram alimentar a velha síndrome de Caim do que unir-se para enfrentar o avanço do conservadorismo. Podem ficar de fora do segundo turno em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Belo Horizonte, para citar quatro casos emblemáticos. Se não houver uma reviravolta na reta final da campanha, sairão massacradas das eleições.
O PT, imperturbável na sua desgraça, se alimenta de uma grande ilusão em relação a 2018: acredita que será herdeiro automático do fracasso do governo Temer. Na verdade, o jogo será bem diverso e as eleições municipais já indiciam o caminho. No rastro do colapso do sistema partidário, o eleitor se refugia nos indivíduos. Busca candidatos de perfil pragmático, antipolítico e moralista. O futuro a estes pertence. É por isto que João Doria, Russomando, Crivella, João Leite se destacam nas eleições. Por pragmático e pouco afeito as querelas partidárias, o governador Alckmin poderá ter sua vez em 2018. Mas algo pior poderá acontecer: a viabilização de um candidato truculento como Bolsonaro ou o surgimento de uma espécie de moralizador a la Deltan Dallagnol ou juiz Moro. Para os próximos longos anos, o futuro do Brasil tende a ser dominado por políticos desse perfil, já que o sistema partidário se deixou destruir e se autodestruiu. Não há nenhuma certeza de que a dignidade da política será resgatada nos anos vindouros.
Aldo Fornazieri – Professor de Filosofia Política.


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