segunda-feira, 3 de abril de 2017

A Operação Carne Fraca no contexto da crise econômica e social



                                                                                   *José Álvaro de Lima Cardoso.
                A operação Carne Fraca pode ser entendida pelo contexto da espetacularização e do superdimensionamento de problemas que sempre ocorreram no Brasil, e que nunca foram enfrentados da forma adequada, ou seja, com discrição e energia, e a partir do interesse público. Neste contexto, juízes, delegados, procuradores, com visão corporativista e extremamente conservadora, atuam sem nenhuma responsabilidade com o país, com a economia, e com os empregos. Isso ficou muito claro desde o início da operação Lava Jato, na qual estes segmentos tiveram posturas, em relação à maior empresa do Brasil e da América Latina, que destruíram milhões de empregos e, somente em 2015, prejuízo de R$ 140 bilhões, 2,4% do PIB. Cifra muitas vezes superior à suposta recuperação de valores com a operação, estimada em R$ 6,2 bilhões (cifra superestimada, para obtenção de apoio público). Como ficou evidente, os prejuízos econômicos e sociais causados pela Lava Jato, em quebradeira de empresas, queda do preço das ações da Petrobrás, e de projetos de engenharia sucateados e interrompidos, são muito superiores aos supostos benefícios dessa operação. Somente a indústria naval perdeu mais de 50.000 empregos desde 2014 por causa da dita Operação.
        Inspirada na Lava Jato, a Operação Carne Fraca impressiona pelo estardalhaço, nível de fragilidade e superficialidade das acusações. Quem lê as declarações dos responsáveis pela Operação, tem a impressão que o processamento industrial de alimentos Brasil é completamente bagunçado, que não há nenhum controle, e que a população está ingerindo o tempo todo comida contaminada. É certo que o Brasil tem problemas de ordem fitossanitária no setor de produção de alimentos, como de resto, existem em todo o mundo. No entanto, se não houvesse nenhum controle de higiene e sanidade, estariam as empresas bastante fragilizadas em face da possibilidade de os exames revelarem a presença de substâncias estranhas, e seria muito comum também os milhões de consumidores encontrarem tais substâncias, com relativa frequência. 
        Qualquer levantamento de dados, em que área for, tem que ter senso de comparação. No Brasil são quase 4.837 estabelecimentos industriais de alimentos, que são fiscalizados com frequência. Quase todos, com certificação reconhecidas internacionalmente. O Brasil não se transformou por acaso no maior exportador de carne de boi e de frango, vendendo para quase 150 países, cada um com níveis diferenciados e elevados de exigência. Entre os mercados clientes do Brasil estão os de maior exigência no aspecto de controle sanitário, como EUA, Europa e Japão.
        Isso não significa que o setor não tenha sérios problemas de corrupção, conforme demonstrado pelos relatórios policiais. Ficou comprovado que existem esquemas de subornos de fiscais por frigoríficos e uma relação bastante complicada entre funcionários dos órgãos públicos de fiscalização e controle e as empresas, mostrando influência das companhias privadas nas decisões da fiscalização. Como se deveria fazer em qualquer país do mundo em situação de normalidade institucional, quando empresas e indivíduos cometem fraldes e burlam regras, estes devem ser punidos. Não as empresas, que representam empregos, renda, tecnologia e receitas de exportação.
        Os efeitos da Operação Carne Fraca sobre as exportações já são dramáticos. Nos dias subsequentes à divulgação da Operação praticamente foram zeradas as vendas brasileiras do produto lá fora. No ano passado as exportações de carne, que chegaram a US$ 14,2 bilhões, só ficaram atrás do valor exportado pelo complexo soja, que alcançou US$ 25,4 bilhões. Além do impacto sobre as exportações, deve cair também o consumo interno do produto, fundamental para a economia nacional. Estão em jogo no setor, portanto, os empregos e os salários dos trabalhadores que conseguirem manter seus vínculos. As campanhas salariais dos trabalhadores neste primeiro semestre, já penalizadas pela mais grave recessão da história do país, devem sofrer um forte baque em função dos efeitos da Operação.
       A cadeia de beneficiamento de alimentos é bastante ampla, especialmente considerando a dimensão territorial do Brasil. Se forem considerados apenas os empregos gerados, são um milhão de empregos formais (fora os informais), mais 275 mil granjeiros integrados (210 mil de frangos, 40.000 em suínos e 25.000 independentes), transporte, distribuidores, exportadores, consultores, veterinários, representantes de vendas, etc. Os produtores integrados, em sua esmagadora maioria, são constituídos pela agricultura familiar. Além disso, deve-se considerar também as cadeias integradas, que compõem o conjunto da indústria, como produção de ração, remédios, insumos, etc. Com o impacto sobre as exportações e as receitas das empresas, é elevado o risco de demissões em massa nas empresas. Para os produtores o impacto pode ser dramático já que a carne terá que ser redirecionada para o mercado interno, o que provocará queda nos preços. A crise poderá também levar à redução dos preços das terras no país e causar queda na arrecadação de impostos.
       O setor de produção de proteína animal no Brasil é extremamente competitivo. Em 2016, após muitos anos de esforços, o Brasil voltou a obter autorização para exportação de carne in natura para os EUA, possivelmente o mercado com maior grau de exigências fitossanitárias do mundo. A concorrência internacional é muito dura e nela os aspectos de higiene são essenciais. A partir de meados de 2016 o Brasil conseguiu também entrar no mercado chinês, que se transformou rapidamente no maior importador de carne bovina do Brasil. O principal concorrente do Brasil é os Estados Unidos, país cujas organizações de fiscalização e controle, diferentemente das autoridades brasileiras, defendem com unhas e dentes sua economia e seus interesses nacionais.
      Em qualquer país, o agente público minimamente responsável tem que procurar punir os responsáveis pelas falcatruas, mas sempre buscando preservar os empregos e as empresas. Especialmente em setores estratégicos como o de alimentação. Observa-se uma visão, entre alguns órgãos, na melhor das hipóteses ingênua, acreditando que somente as empresas brasileiras têm este tipo de problema, e que nos países ricos as empresas sejam mais honestas e transparentes que no Brasil. Até o momento, o que esse tipo de perspectiva conseguiu, do ponto de vista econômico, foi destruir setores da economia nacional, como os de engenharia e infraestrutura.  
         É conhecida a participação de setores dos EUA no golpe de Estado de 2016, em função dos interesses em petróleo, água, minerais em geral e a biodiversidade da Amazônia. Coincidência ou não, os maiores interessados nos impactos da Operação Carne Fraca sobre a economia brasileira são os EUA. Se o setor de produção de carnes no Brasil for destruído ou substancialmente prejudicado, as empresas norte-americanas aumentam fatias nas exportações e têm grandes chances de substituírem empresas de predomínio de capital nacional, na oferta do produto no mercado brasileiro, um dos mais importantes do mundo, em função do tamanho da população e do acesso ao consumo verificado nos últimos anos (e já interrompido).
        Em 2016, o governo golpista anunciou a abertura de mercado da carne bovina para os EUA, além de outros países. No caso norte-americano, o acordo implica em abertura do mercado brasileiro também, para empresas daquele país. Estão previstos para o mês de abril a chegada da carne bovina americana, provavelmente cortes especiais, no chamado segmento de carnes Gourmet. Ou seja, as empresas norte-americanas são diretamente interessadas em notícias que coloquem em dúvida para os consumidores, as qualidades de higiene e sanidade da carne produzida no Brasil. Especialmente quando se sabe que, segundo os especialistas, as carnes brasileiras são superiores às dos EUA, seja no aspecto nutricional, seja no referente a outros indicadores, como a utilização de hormônios, que no Brasil são proibidos, ao contrário dos EUA.
        A indústria brasileira da carne, além de movimentar parte expressiva do PIB nacional é também elemento de destaque e afirmação do Brasil no mundo. Este ataque ao setor surgiu em um contexto no qual a indústria de petróleo e gás, construção civil e automobilística, estão bastante prejudicadas, por razões econômicas e pelo golpe de Estado. O Brasil enfrenta, há vários anos um processo dramático de desindustrialização, muito agravado no período recente, e de forma acelerada. Em 2014 a indústria correspondia a 15% do produto nacional e a previsão é que, neste ano, esse percentual irá cair para algo em torno dos 8%. A recessão atual é a mais grave da história do Brasil, pois além de reduzir dramaticamente o nível de atividade econômica e destruir empregos, está desorganizando a produção, com grande número de fechamento de empresas, especialmente do setor industrial. O risco é, mesmo, de destruição total da indústria, que foi, possivelmente, a maior conquista econômica do Brasil no Século XX.

    

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