sexta-feira, 26 de maio de 2017

Análise da crise: o Brasil não está só no mundo. Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães




Samuel Pinheiro Guimarães
24 de maio de 2017


1.      A vitória ideológica/econômica/tecnológica dos Estados Unidos sobre a União Soviética, a adesão russa ao capitalismo e a desintegração política/territorial da URSS; a adesão da China ao sistema de instituições econômicas liderado pelos Estados Unidos e a abertura chinesa, controlada, às multinacionais levaram à consolidação da hegemonia política/imperial dos Estados Unidos.

2.      Os objetivos da política de hegemonia americana são:
·     induzir a adoção, através de acordos bilaterais, regionais e multilaterais e pela imposição, por organismos “multilaterais”, dos princípios neoliberais de política econômica;
·     manter a liderança tecnológica e controlar a difusão de tecnologia;
·     induzir o desarmamento e a adesão forçada dos países periféricos e frágeis ao sistema militar americano;
·     induzir a adoção de regimes democráticos liberais, porém de forma seletiva, não em todos Estados;
·     garantir a abertura, a influência e o controle externo da mídia.

3.      As dimensões e as características da população e do mercado interno; de território e de recursos naturais (ampliados de forma extraordinária pela descoberta do pré-sal); a localização do Brasil na área de influência americana; a capacidade empresarial do Estado e da iniciativa privada brasileira (BNDES, Petrobrás, Vale do Rio Doce, Embraer, empresas de engenharia) a capacidade tecnológica em áreas de ponta (nuclear, Embrapa, etc) tornaram o Brasil uma área de atuação prioritária para a política exterior americana, que articulou:
·     o apoio à redemocratização política controlada pelas classes hegemônicas no Brasil;
·     a luta ideológica e midiática contra a política de desenvolvimento econômico e industrial que foi identificada com o autoritarismo militar;
·     o apoio aos movimentos sociais (ONGs etc);
·     a retaliação contra as políticas nacionais de desenvolvimento em áreas estratégicas (nuclear, informática, espacial);
·     a mobilização ideológica para a implantação das regras do Consenso de Washington:
§  disciplina fiscal;
§  redução dos gastos públicos;
§  reforma tributária;
§  juros de mercado;
§  câmbio de mercado;
§  abertura comercial;
§  investimento estrangeiro sem restrição;
§  privatização;
§  desregulamentação econômica e trabalhista;
§  direito à propriedade intelectual.

·     o desarmamento, pela adesão a acordos desiguais, e a destruição das empresas nacionais de defesa.

4.      A implantação, entusiasta e excessiva, das medidas econômicas, políticas e militares, propugnadas pela academia, mídia e autoridades americanas, pelos Governos Fernando Collor/Fernando Henrique Cardoso, diante das características do subdesenvolvimento: enormes disparidades sociais, a fragilidade relativa das empresas de capital nacional, e a vulnerabilidade externa da sociedade contribuíram para o fracasso dessas políticas que levaram ao agravamento da concentração de renda, ao agravamento das deficiências de infraestrutura, ao aumento da violência social.

5.      O fracasso dessas políticas neoliberais acarretou sua enorme impopularidade e permitiu a vitória dos movimentos políticos progressistas que derrotaram os Governos de Carlos Menem; Jorge Battle; Carlos Andres Perez; Fernando Henrique; Sanchez de Lozada; Carlos Mesa.

6.      A eleição de Lula e seu Governo colocaram em risco o objetivo permanente norte-americano de implantar políticas neoliberais em toda a América Latina e de incorporar as economias latino-americanas à sua economia, de forma subordinada, e ao seu campo político.

7.      A articulação política e econômica entre Lula/Kirchner/Lugo/Correa/Evo/Chavez reforçou a necessidade, para os EUA, de uma reação estratégica.

8.      Os Estados Unidos, em cooperação com grupos internos em cada um desses países, iniciou campanhas de desestabilização política.

9.      No Brasil, esta campanha se inicia com o processo do “mensalão” e com a aceitação pelo Poder Judiciário da doutrina do “domínio do fato”, aplicado contra José Dirceu, em caráter “exemplar” e por ser possível sucessor de Lula.

10.  Apesar da campanha anti-Lula e anti-PT, os índices de popularidade do Presidente Lula e do Partido dos Trabalhadores atingiram níveis recorde e permitiram a eleição de Dilma Rousseff.

11.  As classes hegemônicas procuraram articular apoio a seu programa na mídia através do Instituto Millenium; no Congresso, através do financiamento de candidatos; na academia através da Casa das Garças; no meio empresarial com seu programa  Ponte para o Futuro.

12.  O Governo Dilma Rousseff, sem capacidade política, aderiu gradualmente ao programa neoliberal de ajuste fiscal, de faxina ética e de contração do Estado.

13.  A incapacidade de articulação, de trato político e de mobilização social do Governo Rousseff facilitou a articulação e o sucesso do processo de impeachment.

14.  De outro lado, a Operação Lava Jato, em articulação com o Departamento de Justiça norte-americano, e com as agências de inteligência (espionagem) americanas como a NSA, a CIA e o FBI), através de procedimentos ilegais, tais como prisões arbitrárias, vazamento seletivo de delações de criminosos confessos, a desobediência ao princípio fundamental de presunção de inocência, a mobilização da opinião pública contra pessoas delatadas, colocando em risco a ordem jurídica e criando ódio na sociedade, com a conivência do STF, foi um instrumento de ataque ao Partido dos Trabalhadores e à candidatura do Presidente Lula.

15.  A gradual autonomia e fanatização moralista da força tarefa de Curitiba levou a denúncias contra políticos de outros partidos, em especial do PMDB e até do PSDB.

16.  A característica de “radicais livres” e o conflito com a Procuradoria Geral levou à investigação de Michel Temer pela Polícia Federal (também radical) e, como a PGR, aliados principalmente ao PSDB contra o PMDB.

17.  Os objetivos básicos das classes hegemônicas brasileiras, em estreita articulação com as classes hegemônicas norte-americanas, são:
·     consolidar na legislação, de preferência na Constituição, as políticas neoliberais do Consenso de Washington;
·     reduzir a possibilidade de vitória do Presidente Lula em 2018 e de vitória dos candidatos progressistas nas eleições para o Congresso;
·     impedir a revisão por um novo governo das reformas conservadoras, em especial a EC95;
·     reduzir a capacidade de ação, externa e interna, do Estado brasileiro;
·     destruir a política sul-americana de formação de um bloco regional e de inclusão, como membro permanente, no Conselho de Segurança da ONU;
·     afastar o Brasil do grupo dos BRICS;
·     transformar o Mercosul em área de livre comércio;
·     integrar o Brasil à economia americana e criar a obrigatoriedade de execução no Brasil de políticas econômicas neoliberais;
·     impedir a industrialização, ainda que apenas parcialmente “autônoma”, do Brasil por empresas de capital brasileiro;
·     consolidar este programa econômico ultra neoliberal através de compromissos internacionais, a começar pela adesão do Brasil à OCDE.

18.  Michel Temer, por imprudência, colocou em risco a credibilidade do processo de aprovação legislativa deste programa ao se deixar gravar pela Polícia Federal em diálogos de natureza ilícita.

19.  Trata-se, agora, para as classes hegemônicas de substituir “funcionários”, a começar por Temer, e substituir o comando do processo das reformas por “funcionários” menos envolvidos no sistema tradicional de aquisição e controle de poder político pelas classes hegemônicas, minoritárias ao extremo na sociedade, porém majoritárias no Legislativo. (caixa 2, compra de votos, propinas a Partidos e a pessoas, nomeações na Administração, liberação de verbas)

20.  A decisão de afastar Michel Temer diante de gravações comprometedoras e vexatórias, difíceis de refutar, já foi tomada pelas classes hegemônicas, como revela o editorial de primeira página do Jornal O Globo e, portanto, do sistema Globo de Comunicação.

21.  A posição dos jornais Folha de São Paulo e o Estado de São Paulo refletem ainda certa ausência de consenso entre as classes hegemônicas, porém nada significam em termos de impacto diante do poder da Globo.

22.  Não foi ainda decidido pelas classes hegemônicas o método de afastamento e substituição de Michel Temer:
·     renúncia;
·     decisão do Tribunal Superior Eleitoral sobre a Chapa Dilma/Temer;
·     processo no Supremo Tribunal Federal.

23.  Para as classes hegemônicas, a questão política essencial é evitar as eleições diretas antecipadas. Assim:
·     o processo no STF seria muito longo, e permitiria a mobilização popular;
·     a decisão do TSE levaria a eleições diretas, sobre o que ainda há dúvidas;
·     a solução mais viável e em tempo mais útil seria negociar com Temer sua renúncia, a “recompensa” pelos serviços prestados e sua imunidade.

24.  Também não foi ainda resolvida a questão do sucessor de Temer, mas o PSDB se prepara para assumir o poder e o PMDB a resistir.

25.  Em eventuais eleições indiretas os mais prováveis candidatos seriam o Senador Tasso Jereissati, pelo PSDB, e o ex-Ministro Nelson Jobim, pelo PMDB.

26.  Os objetivos estratégicos das classes hegemônicas, que orientam e controlam seus “funcionários” no sistema político, continuam a ser os mesmos:
·     impedir as eleições diretas antecipadas;
·     acelerar a aprovação das “reformas” ultra neoliberais;
·     desmoralizar Lula e o PT;
·     “construir”  um candidato “gestor”, apolítico, como João Doria, para as eleições de 2018.

27.  A operação da PGR/PF serviu para afastar mais um candidato “político” como Aécio Neves, pois José Serra já está na prática afastado e Geraldo Alckmin será “afastado” por João Doria.

28.  Estas classes hegemônicas contam que mesmo com a vitória de Lula em eleições diretas em 2018 este se encontrará manietado pela EC95 e enfrentará grandes dificuldades para rever no Congresso o programa neoliberal.

29.  Quanto mais cedo Michel Temer deixar o poder pior será para a Oposição pois sua saída acelerará a aprovação das “reformas”.

30.  O que interessa agora é retardar a saída de Michel Temer, enfraquecendo-o, e dificultar e adiar o mais possível a aprovação das “reformas”.

31.  A luta pelas Diretas Já, por outro lado, e simultaneamente, é fundamental para mobilizar a militância política e conscientizar a população sobre os efeitos dessas “reformas” e as organizações sociais, em todas as áreas, pelo seu potencial de enorme instabilidade social.

32.  Realismo: a queda imediata de Temer atende aos interesses das classes hegemônicas assim como ocorreu com o afastamento de Eduardo Cunha da Presidência da Câmara.
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