terça-feira, 30 de maio de 2017

Nelson Jobim — nome perfeito para o golpe dentro do golpe


Por Pedro Pomar

Nelson Jobim, Tasso Jereissati, Henrique Meirelles, Rodrigo Maia. São estes os nomes lembrados com insistência, nos círculos golpistas e na mídia a eles associada, como possíveis candidatos a presidente da República nas eleições indiretas que se pretende emplacar, tão logo Michel Temer renuncie ou seja removido do cargo. A Folha de S.Paulo apresentou, até mesmo, uma fórmula alternativa que é um governo já montado: “Aliados testam hipótese de Tasso candidato, com Jobim na Justiça” (e Meirelles na Fazenda). Já O Estado de S. Paulo sugeriu, na mesma data, que não são bem esses os planos do ex-ministro da Defesa e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal: “Jobim procura FHC e Serra para medir apoio em eventual eleição indireta”.
Pois bem: Tasso, Meirelles e Maia são golpistas de primeira hora.
Meirelles está queimadíssimo, “respira por aparelhos”, pois seu ministério coleciona reveses. Ademais, como executivo do grupo JBS, está no olho do furacão, tendo explicações complicadas a dar à Operação Lava Jato. A seu favor só mesmo a medíocre cantilena midiática de que “agrada o mercado” (o que, a essa altura, é mera suposição).
Maia e Tasso são a cara do golpe. Muito ligado a Temer, e genro do multidelatado Moreira Franco, Maia seria a pura continuidade do governo ilegítimo e corrupto do ex-vice-presidente. Tasso, por sua vez, é o único cacique tucano que permaneceu imune à Lava Jato. Assumiu a presidência do PSDB após a defenestração do seu colega Aécio Neves, “comido na bandeja” pela delação da JBS. E só por isso o senador pelo Ceará aparece nessa história. Sua eventual consagração como presidente indireto seria a completa vitória do golpe dentro do golpe, recolocando o poder político nas mãos do PSDB, sem intermediários como Temer.
Pois bem: mas e Nelson Jobim?
Jobim apoiou o golpe, mas ao que parece se manteve discreto durante o processo de impeachment. E, nos últimos meses, procurou se cacifar como opção à direita e à esquerda: criticou os procedimentos ilegais da Lava Jato e chegou até a defender Lula (de quem foi ministro). Concomitantemente, foi citado na mídia por seu “bom trânsito” tanto no PSDB quanto no PT e por seu perfil “conciliador”. Exemplo de construção dessa imagem mitológica de Jobim é o título de matéria publicada no Estadão: “O nome sempre lembrado nas crises políticas”.
Também na esquerda há quem veja com simpatia a “solução Jobim”. É o caso do jornalista Luís Nassif (Jornal GGN). Embora venha realizando impactante trabalho de análise e denúncia do golpe em curso (mediante a publicação da interessantíssima série de artigos intitulada “Xadrez do golpe”), Nassif parece não enxergar os vínculos orgânicos de Jobim seja com o golpismo, seja com a classe dominante brasileira (termos que, no período recente, indicam quase a mesma coisa).
Em artigo publicado em setembro de 2016 (“Xadrez da volta das vivandeiras dos quartéis”), ao comentar os planos de setores golpistas de envolver os militares na repressão às manifestações contra o golpe, o jornalista confere a Jobim nada menos do que o status de “gigante” da nacionalidade: “Na última década, no Brasil houve enorme avanço na Política Nacional de Defesa graças a três gigantes: José Genoíno, Nelson Jobim e Celso Amorim, três grandes brasileiros de formação política distinta, mas que entenderam perfeitamente o papel das Forças Armadas em uma nação moderna” (https://goo.gl/GGuO8q).
Mais recentemente, Nassif passou a defender Jobim como um tertius, um nome “que pudesse fazer a mediação” entre as diferentes forças políticas numa “nova eleição”, como alternativa para a crise, ainda que reconheça ser ele ligado aos tucanos: “Com todas as restrições que se possa ter contra ele, a pessoa que mais encarna essa possibilidade é o Nelson Jobim”.
Nassif pensa assim, mas sempre bateu de frente com os golpistas. Há porém, entre os simpatizantes da alternativa Jobim, também petistas que parecem ignorar que houve um golpe no país. O diretor da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e deputado federal Vicente Cândido (PT-SP), por exemplo, assim se manifestou: “Seria um nome de acordo nacional. É difícil o Lula falar mal dele”. O líder da bancada na Câmara dos Deputados, Carlos Zaratini (PT-SP), ao ser questionado a respeito, defendeu a realização de eleições diretas, mas apresentou uma objeção secundária à virtual candidatura do ex-presidente do STF numa eleição indireta: “Jobim, embora seja um perfil interessante, não sabemos o que está pensando”.
Portanto, vamos a Nelson Jobim
É amigo de José Serra há trinta anos. Quando o senador tucano, hoje investigado pelo STF, tomou posse no Itamaraty como ministro do governo golpista, há pouco mais de um ano, Jobim homenageou o amigo por intermédio de um artigo publicado no jornal Zero Hora, de Porto Alegre (https://goo.gl/OFCdHE). Nesse texto, o ex-ministro de Lula e Dilma diz o que pensa da política externa brasileira. Elogia “o pragmatismo da agenda” proposta por Serra, endossa o que chama de “abandono da instrumentalização ideológica do Itamaraty” (que teria ocorrido nos governos petistas) e afirma: “O que passa a importar são os interesses do Brasil e não as simpatias ideológicas paralisantes”.
Ainda segundo Jobim: “O Itamaraty, nos últimos tempos, porque lhe impuseram ser instrumento de proteção de ideologias, tornou-se inexpressivo”. “Não haverá espaço para proselitismos e retórica vazia. O Brasil tem pouco tempo. Serra saberá utilizá-lo. Sou testemunha, nestes últimos 30 anos, do dinamismo, competência e intransigente dedicação ao Brasil de José Serra”.
Tal apreciação depreciativa da política exterior “altiva e ativa” do Brasil não surpreende quem acompanhou as revelações do Wiki Leaks sobre nosso país, em 2010. “Documentos vazados pelo Wikileaks mostraram que a diplomacia dos Estados Unidos enxergava em Jobim um contraponto ao Itaramaty, considerado anti-norte-americano”, registrou o jornalista João Peres (RBA, 4/8/2011: https://goo.gl/1wIuPw). “Para a Embaixada em Brasília, o ex-ministro era ‘talvez um dos mais confiáveis líderes do Brasil’. O embaixador Clifford Sobel anotou, em 2009, que Jobim havia confirmado o boato de que o presidente da Bolívia, Evo Morales, tinha um tumor no nariz — informação que causou uma saia justa à chancelaria brasileira após ser desmentida pelo país vizinho”.
Também a propósito dos ataques de Jobim, então ministro da Defesa de Lula, à política conduzida à época por Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores, outro jornalista, Leandro Fortes, anotou: “Jobim reunia-se com representantes da embaixada norte-americana no Brasil para falar mal da política externa conduzida pelo então colega de governo”. Outro diplomata atacado por Jobim nessas ocasiões foi o então secretário-geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães (https://goo.gl/1WpPpj, 30/11/2010).
O comportamento descrito acima não combina com as narrativas de conciliação, consenso, mediação. Mas há diversos outros episódios, na sua hoje longa carreira política, que indicam que, ao contrário da imagem que se pretende propalar, Jobim não hesitava em torpedear quem estivesse à sua frente, sempre que necessário, e servir aos objetivos de seus aliados. Ele sempre teve lado: o da classe dominante. Uma cronologia de alguns fatos marcantes pode comprovar essa afirmação:
1988. Altera por conta própria, quando deputado federal constituinte, o texto de dois artigos da Constituição, sem que passassem pela devida votação. Em 2003, ele próprio revelou o episódio, que o respeitado jornalista Jânio de Freitas classificou como “contrabando constitucional” (Folha de S. Paulo, 7/10/2003: https://goo.gl/kGjZIS).
1996. Ministro da Justiça de FHC, providencia a blindagem que eximirá o governador do Pará, Almir Gabriel, da responsabilidade direta pelo massacre de Eldorado dos Carajás, que resultou no assassinato, pela Polícia Militar, de dezenove trabalhadores sem terra (Conjur, 20/6/2002: https://goo.gl/2MeKmO).
1997. Acusa o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) de ser “aparelho político utilizado por grupos” e declara não haver “nenhuma justificativa, num estado de direito, [para] que alguém sustente suas razões pela via da delinquência” (UOL, 20/2/1997: https://goo.gl/GUImkY).
2002. Na condição de ministro do STF, atua de modo a impedir que o PMDB opte por candidato próprio para disputar a eleição (Itamar Franco ou Roberto Requião). Jobim cassou uma liminar concedida horas antes pelo corregedor-geral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que suspendia a convenção nacional do PMDB. Uma vez realizada, esta sacramentou a aliança nacional com o PSDB e apoiou a candidatura presidencial de José Serra (Conjur, 20/6/2002: https://goo.gl/2MeKmO).
2009. Ministro da Defesa do governo Lula, alia-se aos comandantes das Forças Armadas, seus subordinados, para atacar o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3). Seu principal alvo: o projeto de criação da Comissão Nacional da Verdade (CNV), acusado de conter “trechos revanchistas e provocativos”. Foi um verdadeiro motim: pelo menos Jobim e o general Enzo Peri, comandante do Exército, ameaçaram demitir-se. O presidente Lula cedeu à chantagem: o PNDH-3 e o projeto de lei da CNV foram desfigurados. Na ocasião, Jobim defendeu a impunidade dos torturadores: “Leis de anistia são definitivas. Quem foi anistiado, foi anistiado. Não se pode ser desanistiado”. Em entrevista ao jornalista Fernando Rodrigues, Jobim foi adiante: “Quando houve a Lei da Anistia [em 1979], nós entendemos, e foi o que aconteceu, houve uma negociação política para assegurar a transição do regime militar para o regime civil, e que limpava-se [sic] os dois lados. Ou seja, a anistia atingia aqueles que participaram da luta armada, os chamados subversivos da época etc. e também os militares”. Mais: “Na proposta inicial [da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República] a Comissão da Verdade era unilateral. Ou seja: era uma busca da apuração da verdade histórica em relação à conduta dos agentes do Estado. Eu disse: isso eu não aceito” (https://goo.gl/4Q64UP).
2016. Depois de atuar como advogado de empreiteiras acusadas pela Operação Lava Jato, torna-se sócio, membro do conselho de administração e responsável por relações institucionais e compliance do banco BTG Pactual. Após a prisão do seu principal proprietário e executivo, André Esteves, o banco precisava “retomar a confiança” (José Roberto Castro, Nexo: https://goo.gl/thIwYd). Nada melhor do que contar com um ex-presidente do STF nos seus quadros. Jobim receberá R$ 60 milhões, segundo Maurício Lima, de Veja (https://goo.gl/rlypZF). “Quem convenceu o conselho do BTG a acolher Nelson Jobim como novo sócio do banco foi o próprio André Esteves. Jobim agora é banqueiro”, definiu o insuspeito blogue de direita O Antagonista, de Diogo Mainardi.
De modo que...
A lista acima inclui apenas parte dos episódios reveladores em que Jobim se envolveu, mas é mais do que suficiente para demonstrar que sua “folha corrida” política não coincide com a imagem que vem sendo difundida. Por outro lado, repassá-los deixa evidentes os motivos pelos quais ele é um dos nomes preferidos do golpismo para a sonhada eleição indireta: sempre foi homem de absoluta confiança tanto de FHC como de Serra. Além disso, tornou-se interlocutor dos generais ao alinhar-se não apenas com a “agenda positiva” dos militares (reaparelhamento das Forças Armadas), como igualmente com suas pautas mais retrógradas: a impunidade dos torturadores por meio da defesa da Lei da Anistia, o bloqueio dos arquivos da repressão ditatorial, a desqualificação dos movimentos sociais etc. Por fim, tem boa relação pessoal com Lula.
Não há dúvida, portanto, de que é um nome perfeito para o golpe dentro do golpe. Do ponto de vista da oligarquia golpista, uma vez descartado o mequetrefe Temer nada seria tão reconfortante como eleger o confiável Jobim presidente da República em eleição indireta. Legitimidade zero, porém com total apoio da mídia e do “mercado”. Uma verdadeira Ponte para o Futuro.

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