quarta-feira, 20 de setembro de 2017

O fim da TJLP e o conjunto do desmonte



   

                                                                                                José Álvaro de Lima Cardoso.
     A Câmara dos Deputados aprovou, em agosto, a Medida Provisória 777/2017, que cria a Taxa de Longo Prazo (TLP), que irá substituir a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) nos financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A MP define que a nova TLP se aproximará das taxas do mercado, o que significa encarecer o financiamento de longo prazo para indústrias, máquinas, equipamentos e infraestrutura, já que o Brasil pratica as taxas de mercado mais elevadas do mundo (há décadas).
      A aprovação dessa medida deve ser entendida no conjunto das atrocidades que estão sendo cometidas, e que constituem a aplicação no Brasil da chamada Doutrina de Choque. Os golpistas querem retirar toda e qualquer capacidade de o Estado intervir estrategicamente na economia e o BNDES tem um papel chave na oferta de crédito às empresas. O Banco já vem sendo esvaziado desde o início do governo golpista. Em 2016 forçaram o BNDES a devolver R$ 100 bilhões da dívida do Banco com o tesouro, valores que deixaram imediatamente retirados do montante de crédito para a produção, e utilizados, em sua maioria, para o pagamento de dívida pública. O fim da TJLP aprofunda o ataque ao banco, e atende exigência do capital financeiro, um dos principais blocos de articulação e operação do golpe.
      Alguns parlamentares de oposição, na discussão da MP, ficaram apontando as grandes e evidentes contradições jurídicas e políticas, da Medida Provisória. Mas esta não é a questão. O central é que o esvaziamento do BNDES, com o consequente reflexo nas condições da indústria, advém da lógica que está sendo implementada. Os golpistas estão desarticulando, de caso pensado, toda a estrutura produtiva que o Brasil construiu ao longo de décadas, desde Getúlio, fundamental para garantir uma indústria de base nacional, mesmo que com limitações. E o BNDES tem o papel fundamental de provisão de crédito de longo prazo, com crédito subsidiado, essencial num país que pratica, há décadas a maior taxa de juros do planeta.
     Como a substituição da TLP o Estado perderá o controle da definição do nível da taxa, que passa a ser uma atribuição do mercado. Ainda que se possa listar uma série de problemas relativos ao funcionamento do BNDES, a questão central é que o fim da TJLP é uma exigência dos bancos privados que querem se apropriar da fatia do mercado, claro, praticando os maiores juros do planeta. Segundo a Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos), na hipótese de alinhamento da nova taxa do BNDES com as taxas de mercado, o custo do financiamento produtivo subiria de 14,7% ao ano, em média, para 18%, o que corresponderia a um impacto de cerca de 10% no preço dos equipamentos. A elevação do custo financeiro obviamente será repassada ao consumidor.
     O fim da TJLP e o conjunto das medidas contra o crescimento e contra a indústria, são coerentes com o programa ultra neoliberal que os golpistas querem implantar no Brasil, e que serve apenas para aumentar a exploração dos trabalhadores e submeter ainda mais a economia ao sistema financeiro. A mais completa tradução deste objetivo foi a aprovação do congelamento de gastos primários por 20 anos (EC 95), que, na prática, inviabilizará a retomada do crescimento da economia.
     Essa medida está sendo implementada numa conjuntura de elevação dramática do desemprego e de queda sistemática do PIB per capita. Após quase três anos de recessão o PIB per capita voltou ao nível do último trimestre de 2009. Previsões realistas acerca da retomada do crescimento do PIB estimam que, mesmo que haja um crescimento próximo de 3% em 2018 (hipótese bastante remota) o país demorará cinco anos para recuperar o PIB per capita vigente antes da crise. O professor Simão Silber, da Economia da USP calcula que o PIB per capita no Brasil só retorna ao nível de 2014 em 2023. Ou seja, teremos uma década perdida para o PIB per capita.
   A Medida Provisória que acaba com a TJLP e restringe o crédito ao setor produtivo, deve ser entendida na política de conjunto. Não podemos ter ilusões. Uma das missões dos golpistas é transformar definitivamente o Brasil numa plataforma de produção de commodities para as multinacionais dos países do centro mundial da economia. Indústria não cabe nesse projeto, portanto banco de desenvolvimento não tem razão de ser. Não há caso de desenvolvimento da indústria sem política estatal adequada, especialmente sem crédito direcionado e subsidiado. Muitos países desenvolvidos mantêm bancos de desenvolvimento, como é o caso da Alemanha, Coreia do Sul, China, Japão, Canada. O fato é que todo o ambiente brasileiro atual é hostil à retomada da indústria: taxas de juros na estratosfera, câmbio valorizado, carga tributária regressiva e incidente sobre consumo, baixo investimento em pesquisa e tecnologia, insuficiente investimento em qualificação. O fim da TJLP é mais um tijolo na sórdida conspiração contra o país trazida pelo golpe.
                                                                                                         *Economista.

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