domingo, 21 de janeiro de 2018

TRF-4: Honra ou vergonha?

Por Joan Edesson de Oliveira, no site Vermelho: transcrito no blog do Miro.

Riobaldo Tatarana, na obra prima do mestre Rosa, afirmava que na vida a gente “carece ter coragem, carece ter muita coragem”. Vivemos hoje no Brasil um dos momentos mais difíceis e de maiores ameaças à democracia e aos direitos do povo. Por isso mesmo, num momento assim, carecemos de coragem, para não arriar as bandeiras de guerra e nem se deixar abater pelo desânimo, mesmo que as tropas do inimigo estejam a um passo de derrubar de vez as frágeis paliçadas que construímos.

Dentro de poucos dias haverá mais um capítulo do julgamento de Lula, julgamento estranho, pois que a condenação já se deu, por juízes e promotores, muito antes. Antes mesmo que começasse todo o processo, a sentença já estava escrita.

Fico a lembrar de dois julgamentos célebres, um histórico e outro filho da nossa boa literatura. O primeiro é o julgamento de Cosme Bento das Chagas, o sobralense que teve a ousadia de criar uma escola para alfabetizar escravos no Maranhão, que liderou uma magnífica rebelião, e que foi enforcado no Itapecuru-Mirim em 1842. Antes mesmo do seu julgamento, Caxias já havia dado a sentença, afirmando que aquele “infame Cosme”, por negro, não haveria de merecer o perdão real e nem lhe restava outro caminho que não a forca. Para Caxias, porta voz do pensamento conservador da sua época, um negro que pretendia ensinar outros negros a ler e a escrever, e que queria trilhar o caminho da liberdade, não merecia destino melhor do que a forca. A condenação veio antes do julgamento.

O segundo julgamento foi imaginado pelo mesmo mestre Guimarães Rosa citado aqui. É o julgamento de Zé Bebelo, uma das tantas belas passagens do Grande Sertão: Veredas. Ali se confrontam a sanha dos justiceiros Hermógenes e Ricardão, que confundem vingança com justiça, e a justiça verdadeira dos sertanejos brabos, que sabem respeitar os inimigos e lhes dar um julgamento justo.

Derrotado Zé Bebelo, Joca Ramiro reúne os chefes e os jagunços para julgá-lo. Ouve a palavra dos chefes com paciência; ouve a palavra dos jagunços, franqueando-a a qualquer um que queira usá-la; e repreende Sô Candelário quando este quer antecipar a condenação:

“Resultado e condena, a gente deixa para o fim, compadre. Demore, que logo vai ver. Agora é a acusação das culpas. Que crimes o compadre indica neste homem?”

Sô Candelário retruca: “Crime?... Crime não vejo.”

O processo contra Lula não conseguiu provar nenhum crime; os promotores e o juiz Moro, sem a honestidade de Sô Candelário, não conseguiram passar das convicções, quando o direito exige provas; mas a condena veio no princípio, antes mesmo que se encontrasse o crime.

Dentro de poucos dias, como sabemos, haverá mais um capítulo nesse julgamento infame. Lula será condenado pelas mesmas razões que levaram Cosme Bento à forca, por ter construído escolas, por ter aberto universidades, por ter possibilitado ao povo ao menos o sonho de liberdade.

Quando Zé Bebelo foi julgado, Riobaldo Tatarana interveio em seu favor:

“ ... A guerra foi grande, durou tempo que durou, encheu este sertão. Nela todo o mundo vai falar, pelo Norte dos Nortes, em Minas e na Bahia toda, constantes anos, até em outras partes… Vão fazer cantigas, relatando as tantas façanhas… Pois então, xente, hão de se dizer que aqui na Sempre-Verde vieram se reunir os chefes todos de bandos, com seu cabras valentes, montoeira completa, e com o sobregoverno de Joca Ramiro – só para, no fim, fim, se acabar com um homenzinho sozinho – se condenar de matar Zé Bebelo, o quanto fosse um boi de corte? Um fato assim é honra? Ou é vergonha?…”

O período recente da história do nosso país vai ser falado pelo Norte dos Nortes, constantes anos, até em outras partes do mundo. O resultado do julgamento de Lula, marcado para daqui a alguns dias, vai dizer para a história se aquele tribunal optou pela honra ou pela vergonha.

Os juízes deste grande tribunal de exceção deverão dizer, daqui a alguns dias, se o que lhes motivará será a justeza de Joca Ramiro ou a sanha racista e elitista de Caxias.

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