quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Pequenos e grandes crimes do golpe no Brasil.




                                                                                                       José Álvaro de Lima Cardoso.

     
Os juízes são praticamente uma casta no Brasil, se beneficiando de uma série de mecanismos de filtros que possibilitam que apenas a elite acesse a postos do Estado, privilegiados e extremamente bem remunerados. Os salários e privilégios dos magistrados já seriam considerados escandalosos em países ricos, como Alemanha, França ou EUA. No Brasil, onde o salário médio é um pouco superior a R$ 2.000,00, aquelas condições representam uma verdadeira afronta a toda a população. Um auxílio moradia de até R$ 4.300,00, equivalente a 2 vezes um salário médio dos brasileiros, num país onde aumenta velozmente a população que mora na rua, é de uma iniquidade sem limites, típica de tempos insanos.
     As denúncias que hora vêm a tona, desnudam verdadeiros “moralistas sem moral”, e ajudam a entender a natureza da Lava Jato, que tem seus principais representantes no centro dos acontecimentos. Mas elas devem ser compreendidas como movimentos táticas do complexo xadrez do golpe de Estado que está em curso. Os que movem os cordéis do golpe, ao que parece, pretendem desativar uma operação que já cumpriu sua missão: foi essencial no impeachment de 2016, liquidou a lei de partilha, quebrou a indústria de petróleo e gás no Brasil, e condenou judicialmente o principal representante do povo nas eleições de 2018.
      Um dos efeitos colaterais da Lava Jato, algo que não estava nos planos (que mostra que a história é uma professora irônica), é o fato de que as denúncias alcançaram todos os chefes do golpe. Por mais que a Lava Jato tentasse esconder, a complexidade de um golpe como o que foi dado, num país de características continentais, acabou mostrando que os verdadeiros corruptos foram os que encabeçaram a campanha contra a corrupção. Todos os cabeças do golpe, ou estão na cadeia, caíram em desgraça política, ou estão pendurados no foro privilegiado, o que absolutamente não estava no roteiro da Lava Jato. A operação está sendo desarticulada também porque já cumpriu sua principal missão, que foi ajudar no desmonte da economia brasileira e interromper um processo incipiente, muito modesto, de desenvolvimento nacional. É que a grave crise mundial do capitalismo não permite no momento este tipo de alternativa para os países periféricos. Tem que esfolar o povo brasileiro para enviar riqueza para os países centrais, especialmente EUA.  
      Mas o fato de que Sérgio Moro, mesmo tendo casa própria, receba auxílio moradia de R$ 52.000 anuais, o que lhe garante renda acima de 90% dos brasileiros, é uma transgressão menor. O maior deles são as relações da Lava Jato com os comandantes do golpe no Brasil e, principalmente, com o império. É sabido e já documentado (teremos muito mais detalhes no futuro) que a operação esteve sempre em articulação com o Departamento de Justiça americano, e com as agências de espionagem estadunidenses (NSA, a CIA, o FBI). Para atingir seus intentos a operação usou todos os procedimentos ilegais possíveis: prisões arbitrárias, vazamento seletivo de delações de criminosos, desrespeito à presunção de inocência, escuta telefônica ilegal da presidenta da República. Incendiaram a opinião púbica, contra pessoas delatadas, espalhando o ódio na classe média manipulada, com a conivência do STF.
     O site Wikileaks, que publica documentos internos do governo dos EUA, divulgou que, em outubro de 2009, o Departamento de Estado daquele país realizou um seminário de cooperação, que contou com a presença de membros da Polícia Federal, Judiciário, Ministério Público, no Rio de Janeiro. Deste seminário, (“Projeto Pontes: construindo pontes para a aplicação da lei no Brasil”), participaram promotores e juízes federais dos 26 estados brasileiros, além de 50 policiais federais de todo o país. A delegação do Brasil era a maior do grupo, que tinha membros de vários países latino americanos. Segundo o material divulgado pelo Wikileaks, que alguns blogs no Brasil divulgaram, os policiais americanos ensinaram aos aprendizes do Brasil e demais países, técnicas de investigação nos casos de lavagem de dinheiro, confisco de bens, métodos para extrair provas dos acusados, negociação de delações premiadas, uso de exame como ferramenta, etc.
    Em fevereiro de 2015, o então procurador geral da República, Rodrigo Janot, e um grupo de procuradores da força-tarefa responsável pela Operação Lava Jato, foram aos Estados Unidos trocar informações com autoridades americanas sobre as investigações das fraudes na Petrobras. Os procuradores realizaram reuniões com o Departamento de Justiça, o FBI, o Banco Mundial e na OEA (Organização dos Estados Americanos). Todas estruturas de controle da informação e dominação utilizadas pelo imperialismo. Essas são informações oficiais, possivelmente uma série de encontros foram realizados de forma sigilosa.
    Se o golpe não fosse uma tragédia gigantesca, teríamos aqui uma piada pronta. Autoridades brasileiras, fartamente remuneradas com dinheiro do povo, irem trocar informações com a ave de rapina mais agressiva do mundo, justamente sobre os alvos da rapinagem, a riqueza do pré-sal e a Petrobrás.  Os procuradores foram tratar do problema de corrupção na Petrobrás com representantes do país que é, de longe, o mais corrupto do mundo. Como está fartamente documentado, os EUA usam todos (TODOS) os recursos possíveis e imagináveis, financiando golpes e comprando governantes no mundo todo, para acessar riquezas e matérias-primas e conservar sua hegemonia. Que, aliás, se encontra em crise. Não se fala do assunto, mas entre 1846 e 1848 os EUA ampliaram seu território em 25%, tomando terras do México, que perdeu cerca de 50% do território. A guerra entre os dois países foi iniciada pelos EUA, com base no cínico pretexto de que Deus tinha concedido o direito do império do Norte expandir suas fronteiras.
    Desde 1945, no fim da 2ª Guerra Mundial, Washington já tentou derrubar mais de 50 governos, a maior parte dos quais plenamente democráticos, bombardeou populações civis de mais de 30 nações e tentou assassinar mais de 50 líderes estrangeiros. Não pode haver operações mais corruptas, no sentido amplo, do que essas. Entre 1898 e 1994, os Estados Unidos patrocinaram 41 golpes de Estado somente na América Latina, o que corresponde à derrubada de um governo a cada 28 meses, no espaço de um século. Um país com essa folha corrida pode dar conselhos para autoridades brasileiras sobre como combater a corrupção?
     A corrupção é uma característica fundamental do modus operandi não apenas dos Estados Unidos, mas dos países imperialistas em geral. Quem tiver dúvidas disso é só analisar o recente caso da MP 795, que ficou conhecida como a MP da Shell. Rapidamente, sem debate, e através principalmente da MP 795, o governo Temer mudou as regras da tributação, a regulação ambiental e liquidou com as regras de conteúdo local para a indústria de gás e petróleo. Segundo estudos da assessoria econômica da Câmara dos Deputados, somente as isenções fiscais para as petroleiras, irão representar, no longo prazo, perda de receita na casa de R$ 1 trilhão e, já em 2018, uma perda de R$ 16,4 bilhões. Este é um caso típico de corrupção, que torna os “chutados” R$ 6 bilhões desviados da Petrobrás, verdadeiro “dinheiro de cachaça”.
     A Shell é uma velha conhecida no setor de petróleo, como corrupta ao extremo, tendo uma extensa lista de denúncias e processos. A denúncia mais recente em relação à empresa anglo holandesa é de que desviou recursos públicos e pagou propinas durante a compra de um dos maiores campos de petróleo da Nigéria, que foi vendido por US$ 1,3 bilhão, mas apenas US$ 210 milhões chegaram até os cofres públicos. A lista de acusações contra a Shell é longa. Mas na verdade este é o modus operandi não apenas da Shell, mas de todas as grandes petrolíferas do mundo. O lobby feito recentemente junto ao governo brasileiro e ao Congresso Nacional, visando desmontar as regras de exploração e produção do pré-Sal seguiu a mesma lógica observada no mundo todo. Afinal, o que são alguns milhões de dólares em propina, em face do acesso aos recursos do pré-sal, que pode conter riqueza equivalente a 10 PIB do Brasil?
      A operação Lava Jato dizimou parte da construção civil brasileira, fechando empresas e prendendo seus executivos, em nome do combate à corrupção. Se calcula que as ações da Lava Jata e da Carne Fraca, em conjunto, possam ter gerado de cinco a sete milhões de desempregados, sem contar os efeitos da depressão econômica e da entrega do pré-sal ao imperialismo. Não foram poucos os juristas que denunciaram as conexões internacionais da Lava Jato e suas inúmeras ilegalidades. Mas, como todos os poderes estão comprometidos com o golpe, as denúncias não saem nos grandes meios de comunicação e caem num vazio absoluto. O envolvimento dos juízes da Lava Jato com falcatruas e recebimentos indevidos acabam sendo crimes menores, quando comparados com o brutal preço do golpe no Brasil e com os crimes em série cometidos contra a esmagadora maioria da população brasileira.

                                                                                                                                   *Economista.

Nenhum comentário:

Postar um comentário