domingo, 30 de setembro de 2012

“A democracia é uma ameaça ao Estado israelense”, diz deputada palestina


Haneen Zoabi, deputada palestina do parlamento de Israel, denunciou a discriminação sofrida pelos árabes no país judaico e explicou a proposta de seu partido de um Estado israelense democrático, que, segundo ela, “choca-se diretamente com o projeto sionista”. Suas declarações marcaram o lançamento em São Paulo do Fórum Social Mundial Palestina Livre, que será realizado entre 28 de novembro e 1° de dezembro em Porto Alegre.
Data: 28/09/2012
São Paulo - Em qualquer país do mundo, os imigrantes reivindicam direitos iguais aos nativos. Em Israel, acontece o contrário: os nativos é que pedem igualdade aos imigrantes. Um quinto (18%) da população israelense é palestino. São árabes com cidadania de Israel vivendo dentro dos limites do Estado judaico. E que são discriminados sistematicamente pelo governo.

O Estado israelense não esconde um dos seus maiores medos: o crescimento mais acentuado da população árabe em relação à judia. Por isso, vem aprovando nos últimos anos inúmeras leis que garantem a natureza hebraica de Israel. “O sistema legal não está relacionado com a ocupação, e sim com a natureza do Estado hebraico. Em Israel não existe Constituição. E existem 30 leis que legitimam o racismo contra os cidadãos palestinos”, denunciou Hannen Zoabi, 43 anos, a primeira mulher palestina eleita para o Knesset (o parlamento israelense) por um partido árabe.

Suas declarações marcaram o lançamento em São Paulo do Fórum Social Mundial Palestina Livre, que será realizado entre 28 de novembro e 1° de dezembro em Porto Alegre. O evento tem como objetivo “unir forças e criar estratégias conjuntas visando exercer pressão internacional para assegurar a mais estrita observância dos direitos do povo palestino – hoje submetido a uma violenta ocupação militar e ao regime de apartheid – e para apressar o fim dessa ocupação”.

Diante da realidade vivida pelos palestinos, o partido de Haneen, a Aliança Nacional Democrática (uma agremiação árabe-israelense), propõe o que chama de “Estado de cidadania”, ou seja, que o Estado de Israel seja de todos os cidadãos, inclusive os de origem árabe. “Para nós isso é uma revolução. Essa proposta desafia o Estado israelense, pois o projeto sionista reivindica um Estado judaico. Então, o Estado de cidadania choca-se diretamente com o projeto sionista”, disse a integrante do Knesset.

Ela lembrou que recentemente o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu declarou existir três ameaças a Israel: o Irã, o Hezbollah e as propostas internas de democratização do Estado judaico. “O projeto democrático que os árabes estão apresentando representa o mesmo perigo que os reatores nucleares do Irã. Ou seja, a democracia é uma ameaça ao Estado israelense. Para Israel, tornar visível esse contraste entre a democratização do Estado e a ‘judaicização’ do Estado é uma ameaça”, analisou Haneen, que, assim como outros integrantes de seu partido, corre o risco de ser impedida de se candidatar nas próximas eleições para o parlamento israelense. O pretexto oficial é a participação na chamada Flotilha da Liberdade, frota de barcos que pretendia furar o bloqueio à Faixa de Gaza com ajuda humanitária e que foi atacada pela Marinha de Israel em 31 de maio de 2010, deixando nove mortos. Mas a deputada revela que o problema principal é justamente a proposta do Estado de cidadania.

Para reforçar o caráter judeu de seu Estado, o governo israelense vem reforçando medidas de “desaparecimento” da identidade palestina, explicou Haneen. “Por exemplo, eu não existo para a Lei de Educação”, disse. Segundo ela, não se permite o ensino dos acontecimentos de 1948 (quando foi criado o Estado de Israel) e da literatura de resistência palestina nas escolas árabes. Além disso, lembra, no ano passado foi aprovada uma lei que proíbe a celebração do Nakba (catástrofe), como os palestinos denominam o êxodo originado da criação de Israel.

De acordo com Haneen, a política “racista” do Estado israelense faz que 50% dos palestinos que vivem no país estejam abaixo da linha de pobreza – e que uma família judia tenha uma renda três vezes superior a de uma família árabe. Pior ainda para as mulheres palestinas, que apesar de terem um nível de educação maior que dos homens, sofrem bem mais com o desemprego.

“Estudamos mais, mas temos de ficar em casa por não termos trabalho. Por que há mais oportunidades para os homens palestinos? Porque podem sair de suas casas e ir a outra cidade trabalhar. O trabalho da mulher palestina está relacionado ao desenvolvimento do ambiente de sua cidade ou vilarejo. Se ela não tem acesso ao desenvolvimento industrial de sua região, tem de ficar em casa. O problema não é a mulher, é o Estado que não está desenvolvendo seu ambiente.”

Sivuca - Feira de Mangaio

http://youtu.be/EsZ_Jy0q_V8

França: orçamento socialista taxa mais ricos e empresas


O presidente François Hollande apresentou um projeto de orçamento para 2013 marcado por um nível de arrocho jamais visto nos últimos 30 anos e por um aumento dos impostos que, globalmente, recairá sobre os bolsos das famílias de maior renda e das empresas com maiores lucros. O primeiro orçamento socialista modifica o que foi realizado até agora pela direita: dois terços das arrecadações virão do aumento dos impostos para os ricos e as empresas, o que implica o fim de numerosas isenções fiscais. O artigo é de Eduardo Febbro, direto de Paris.
Data: 28/09/2012
Paris - O socialismo francês acaba de formatar uma versão inédita da disciplina orçamentária: o rigor à esquerda. O presidente François Hollande apresentou ao Conselho de Ministros um projeto de orçamento para 2013 marcado por um nível de arrocho jamais visto nos últimos 30 anos e por um aumento dos impostos que, globalmente, recairá sobre os bolsos das famílias de maior renda e das empresas com maiores lucros.

No total, esse plano qualificado como “orçamento de combate” se articula em torno da arrecadação de 20 bilhões de euros de novos impostos e de 10 bilhões cortados em gastos administrativos. Os 20 bilhões serão pagos, em partes iguais, 10 bilhões os mais ricos e 10 bilhões as empresas mais lucrativas. A essa soma deve-se agregar ainda outros 2,5 bilhões de euros que serão cortados do seguro social.

No total, se se adicionarem os objetivos deste orçamento mais as medidas votadas em julho passado, o Executivo aposta em obter uma arrecadação suplementar de 40 bilhões de euros. O objetivo não é social, mas orçamentário: trata-se de levar o déficit atual, 4,5% em 2012, para 3% em 2013. A meta, no entanto, se apoia em um cálculo de crescimento de 0,8%, uma variável que os economistas julgam demasiado otimista e tão incerta quanto um número de loteria.

O certo é que, após dez anos de governos de direita e de orçamentos conservadores que decapitaram as classes médias e populares, François Hollande elaborou o primeiro orçamento da esquerda. Não há, cabe dizer, nenhuma reorientação substancial. Trata-se sempre de reduzir a dívida e os déficits, mas sem sancionar aqueles que antes pagavam a conta nem desmantelar o pouco que resta do Estado de Bem-Estar.

O Executivo assegurou que os mais de 24 bilhões que serão arrecadados com os novos impostos virão “unicamente de um em cada dez cidadãos e das maiores empresas”. O cálculo está longe de ser verossímil. O primeiro ministro francês, Jean-Marc Ayrault, assegurou quinta-feira que “90% dos franceses, as classes médias e populares, não pagarão mais impostos. O esforço recairá sobre os 10% que têm mais renda e, entre estes, sobre o 1% mais ricos”.

No entanto, a França sabe hoje que todo mundo terminará pagando algo, ainda que desta vez a redistribuição do esforço será mais equitativa porque rompe com a política da vítima única tão comum quando a direita está no poder. A demonstração em cifras mostra que o Executivo socialista apontou suas calculadoras para as pessoas que tem maiores recursos: as pessoas que têm ganhos equivalentes a 150 mil euros (1%, o que equivale a 50 mil contribuintes) pagarão muito mais impostos do que antes. A partir de 250 mil euros os impostos aumentam exponencialmente. A isso se soma uma taxa de 3% que sobe para 4% para quem ganha na casa do meio milhão de euros. As 1.500 pessoas que ganham esta soma pagarão uma taxa excepcional de 75%.

Antes que fosse divulgado o projeto de orçamento para 2013, os empresários franceses lançaram uma ofensiva e questionaram a filosofia da reforma fiscal. O organismo que agrupa o patronato, o MEDEF, vem dizendo que a chave está tanto na redução do gasto público quanto nos custos necessários para manter um posto de trabalho.

A situação da França é complexa. Há hoje mais de 3 milhões de desempregados e um crescimento que está estagnado. François Hollande deve, ao mesmo tempo, cumprir suas promessas de justiça social sem perder de vista a dívida e o déficit. O contexto, porém, é adverso. O Instituto Nacional de Estatística (INSEE) revelou esta semana que durante o segundo trimestre de 2012 a economia teve um crescimento nulo. O ex-presidente liberal Nicolas Sarkozy saiu em maio passado, mas deixou uma dívida colossal. Nos cinco anos de seu mandato, a dívida passou de 64% do PIB para 91%. François Hollande disse nesta sexta-feira que o país teve “600 bilhões de dívida suplementar durante o último quinquênio. Eu me comprometo a que, no final de meu mandato, não haja nenhum euro a mais”.

A dívida da França tem repercussões enormes. Segundo explicou o governo, o que se cortará e o que se arrecadará no ano que vem servirá apenas para pagar os juros dos empréstimos contraídos, a saber, cerca de 46 bilhões de euros. A missão de François Hollande se parece com a de um desses filmes norteamericanos onde o herói tem que fazer um monte de proezas impossíveis para sobreviver e seguir sendo herói: o chefe de Estado tem que acalmar os mercados, a Alemanha e a Comissão Europeia, zelosa guardiã dos interesses liberais; ao mesmo tempo, Hollande deve corrigir o caminho traçado pela direita que governou durante a última década e manter vivo o moribundo Estado de Bem-Estar. E como se isso não fosse o bastante, também precisa ser fiel aos compromissos de igualdade, justiça e solidariedade.

O primeiro orçamento socialista modifica o que foi realizado até agora pela direita: dois terços das arrecadações virão do aumento dos impostos para os ricos e as empresas, o que implica o fim de numerosas isenções fiscais aprovadas pela direita para essa categoria. O terço final sai dos cortes nos gastos administrativos. Com exceção dos ministérios da Educação, Justiça e Segurança, todos os demais entraram no regime de cortes. Os socialistas estão produzindo um novo filme: “Os caçadores das arcas vazias”. Por enquanto a conta será paga pelos ricos. No entanto, só se conheceu o primeiro capítulo de uma produção que pode trazer muitas surpresas. Os fundos não saem do nada e é muito possível que, de alguma forma, todo mundo termine pagando algo.

Tradução: Katarina Peixoto

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Galeria dos grandes - José Hamilton Ribeiro

http://youtu.be/pwcYMrCK9gU

Programa do Jô - 21.06.12 - Entrevista José Hamilton Ribeiro

http://youtu.be/60VdXkh-WAI

A DESCONSTRUÇÃO POLÍTICA



Frei Betto




      A atual campanha  eleitoral às prefeituras tem muito de temperamental. No início, candidatos  majoritários prometiam evitar baixarias e se pautar pelos compromissos  elencados nos programas partidários. Seria uma campanha de “alto nível”  disseram alguns, até porque representam partidos que convergem no apoio ao  governo Dilma.

      Assim, nos primeiros  debates no rádio e na TV cada candidato se esforçava para convencer o eleitor  de que, caso mereça ser eleito, a nova administração municipal (ainda que de  um candidato à reeleição) será melhor que a anterior. Haverá avanços no  atendimento à saúde, na qualidade da escola pública, no transporte coletivo,  na coleta de lixo etc. Gerenciar bem a cidade é o que  importa.

      Então surgiram as pesquisas – o  fantasma estatístico que, como espada de Dâmocles, paira sobre a cabeça de  cada concorrente ao pleito. A pesquisa indica a chance de vitória de cada  aspirante a futuro prefeito. Uma outra pesquisa aponta ao candidato como o  público reage a seus programas no rádio e na  TV.

      Ora, o público  televisivo-internáutico do Brasil não merece aplausos em matéria de  preferência. Gosta de baixaria real (Big Brother) ou virtual (novelas). Nada  que faça pensar e ter opções próprias. E programa de governo faz pensar e  exige um mínimo de discernimento crítico.

      O que dá ibope é a relação conflituosa  entre Carminha e Nina, e não entre a máfia da especulação imobiliária e os  sem-teto e os que vivem de aluguel.

       Assim, candidatos com índices insuficientes de preferência eleitoral, e também  aqueles que, à frente no páreo, se sentem ameaçados pelos concorrentes tendem,  na reta final da campanha, a esquecer as promessas administrativas e partir  para a agressão verbal. Qual mágicos de um circo de terror, tiram da cartola  todas as acusações, mazelas e maracutaias que possam afetar os  adversários.

      O mais curioso é que, na  falta de reforma política (sempre prometida e adiada), os eleitores assistem à  uma esdrúxula panaceia. Aliados de ontem são inimigos de hoje nas eleições  municipais. Ontem, beijos; hoje, tapas.

       Ocorre que, com raras exceções, acusadores e acusados na esfera municipal são,  ainda hoje, aliados na esfera federal. O que revela uma política cada vez mais  despolitizada, desideologizada, atrelada à mera fome de  poder.

      Como não há almoço de graça nem  barraco sem roupa suja a ser lavada, os efeitos dessa nefasta maneira de fazer  política serão sentidos nas próximas eleições para governadores e presidente  da República, em 2014.

      As fissuras no  edifício da base aliada do governo federal já começam a aparecer. PT e PSB  andam se estranhando. O PMDB, por enquanto, fica que nem bala de coco em boca  de banguela. Mas pode, em breve, querer se livrar da síndrome de linha  auxiliar e, como glutão de votos, ocupar a posição central de principal  protagonista.

      Toda a questão de fundo  dessa conjuntura reside na cultura (a)política que respiramos nesse clima de  neoliberalismo. Nenhum candidato questiona o sistema em que vivemos. Já não se  fala em aproveitar o período eleitoral para “conscientizar e organizar a  classe trabalhadora”. Tudo se resume, como nas eleições presidenciais nos EUA,  a criar impactos emotivos para tirar o eleitor do marasmo e do desencanto. E  os recursos mais utilizados são o “retrato de família” (vejam como sou feliz  com minha esposa e filhos) e o medo: do desemprego, da crise financeira, do  terrorismo, da perda de direitos civis.

       Estamos todos sendo progressivamente domesticados pela mídia controlada pelo  grande capital, de modo a trocar liberdade por segurança, opinião própria por  consenso, espírito crítico por venerável anuência à palavra do líder. Corremos  o risco de ter, no futuro, uma sociedade de invertebrados  políticos.



Frei Betto é escritor, autor, em parceria com  Marcelo Gleiser, de “Conversa sobre a fé e a ciência” (Agir), entre outros  livros. 

Governo dá ultimato para que Clarin se adeque à Lei dos Meios


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Jackson do Pandeiro

http://youtu.be/kshyohhaq6Q

Carcará


http://youtu.be/4L0DInKUnzc

Minha vida é andar por esse País.

http://youtu.be/jvuVKIQNfjk

Venezuela deve convencer pessoas a consumir menos, diz chavista



Por Fabio Murakawa | De Caracas

Reuters - 9/10/2009 / Reuters - 9/10/2009
O ex-ministro Jesse Chacón, colaborador próximo do presidente Hugo Chávez, que tenta a reeleição na Venezuela
Os avanços sociais alcançados no governo de Hugo Chávez colocaram a "Revolução Bolivariana" numa sinuca. Durante 14 anos de chavismo, o índice de pobreza caiu de cerca de 50% para 30% da população, enquanto a pobreza extrema se reduziu de 20,3% para 8,5%, segundo dados oficiais. Agora, o governo que pretende construir o "socialismo do século XXI" tem o desafio de convencer milhões de venezuelanos que ascenderam à classe média a não consumir - pelo menos não nos padrões de uma sociedade capitalista. Passada a etapa da redução da pobreza, é hora de consolidar o socialismo.
Esse é o diagnóstico de Jesse Chacón, um dos principais personagens do chavismo, figura próxima do presidente que tenta se reeleger no dia 7 de outubro, num embate contra o candidato único da oposição, Henrique Capriles.
Com Chávez, Chacón foi, entre outras funções, ministro da Comunicação, do Interior, Ciência e Tecnologia, e das Telecomunicações. Fora do governo desde 2009, devido a um escândalo financeiro envolvendo seu irmão, ele hoje dirige o GIS XXI, um centro de estudos chavista que também publica pesquisas de opinião e de intenção de voto. Seu nome é dado como certo na composição do ministério para um eventual novo mandato de Chávez, algo que ele nega querer.
Militar, Chácon participou da tentativa de golpe de Estado contra o então presidente Carlos Andrés Perez, em novembro de 1992, pelo qual foi preso.
Chacón admite o risco de instabilidade política após as eleições, principalmente se o resultado for apertado. Fala ainda sobre a relação de Chávez com o Brasil sob Dilma Rousseff e o futuro da "revolução". Ainda que esteja formalmente fora do governo, suas respostas sugerem para onde irá a Venezuela num novo mandato de Chávez, entre 2013 e 2019. Leia abaixo trechos da entrevista ao Valor.
Valor: Como o senhor crê que as Forças Armadas reagiriam a uma derrota do presidente Hugo Chávez nas eleições de 7 de outubro?
Jesse Chacón: O presidente Chávez disse que aceitará os resultados do CNE [Conselho Nacional Eleitoral], e isso é uma clara mensagem às Forças Armadas. Então, eu creio que nesse hipotético caso as Forças Armadas reconhecerão o resultado. Agora, já que você tocou nesse tema, o maior perigo é que se nota na oposição uma atitude de não reconhecimento [de uma eventual derrota]. Isso é um elemento que gerou certo clima de instabilidade. Se os dois candidatos dissessem que reconhecem os resultados, de alguma forma seus seguidores vão reconhecer. Mas eu creio que, quanto menor a diferença [entre Chávez e Capriles], maior a possibilidade de desestabilização.
Valor: Qual seria uma diferença segura para que não haja problemas após as eleições?
Chacón: Em 2004, o presidente Chávez ganhou o referendo [convocado pela oposição e no qual a população votou pelo seu não afastamento da Presidência] por 59% a 41%, uma diferença de 18 pontos. E gritaram "fraude!". Talvez uma diferença de dez pontos, 55% a 45%, para a oposição não seja suficiente e eles queiram tomar as ruas, quando em qualquer democracia ocidental isso é um triunfo considerável. O que eu espero é que as correntes mais democráticas dentro da oposição sejam as que se imponham, e não as mais extremas.
Valor: O candidato Capriles representa uma aliança de mais de 20 partidos, da extrema direita à extrema esquerda. Que tipo de governo se pode esperar dele?
Chacón: Capriles é, na verdade, o representante dos interesses do duopólio agroindustrial desse país. Ele está na Mesa de Unidade Democrática [MUD, coalizão de oposição] porque é a forma que a oposição se organizou para derrotar Chávez. Mas o grupo de Capriles está fora dessa MUD. Quem está por trás de Capriles? As três empresas que agrupam mais de 80% do mercado agroindustrial venezuelano, que são a Polar, Kraft, que é do pai dele, e Alfonzo Rivas. Além do banco mais conservador deste país, que é o Banco Venezuelano de Crédito. Quem realmente pilota Capriles são eles. Eu não esperaria nada além de um governo controlado por esses grupos.
Valor: Como seria esse governo?
Chacón: O que esses grupos estão buscando é que o Estado diminua seu tamanho e que sejam os grandes grupos industriais que estão por trás de Capriles que controlem a economia.
Valor: Capriles tem prometido manter os programas sociais do governo. O sr. acredita nisso?
Chacón: Para se vencer uma eleição hoje na Venezuela, é preciso parecer um candidato de esquerda. Mas é impossível manter as "missões" [conjunto de programas sociais] sob o esquema que eles estão arquitetando para a economia. As missões significam uma redistribuição da renda petroleira. E já está anunciado nos planos deles que a [estatal petroleira] PDVSA não se dedicará à atividade social. Eu creio que isso é simplesmente uma oferta eleitoral. Parece um paradoxo, mas o mesmo êxito que o governo obteve com as missões tem servido de palanque para que eles prometam mais.
Valor: Caso Chávez vença, qual será o rumo do governo? Qual é a próxima etapa da "revolução"?
Chacón: Esse processo teve dois grandes avanços. Na área social e na participação política. O grande desafio agora é definir claramente qual é o modelo econômico.
Valor: Como assim?
Chacón: O modelo econômico hoje, na Venezuela, é misto, com convivência do que se chama de propriedade privada com a propriedade social indireta, que é a propriedade que está na mão do Estado, e propriedade social direta, que é propriedade que está nas mãos da comunidade. O grande desafio é definir claramente como entra cada ator dentro desse modelo. Está previsto na Constituição o autogoverno local, e no nosso caso essa organização se chama "comuna". Há conselhos comunais que, hoje, já fazem diagnósticos de seus problemas. Nessa primeira fase, eles fazem esse diagnóstico e solicitam os recursos ao governo. O passo que falta é que eles sejam capazes de gerar excedentes para que, com seus próprios recursos, resolvam seus problemas coletivos. A utopia desse processo é a autogestão local. Mas isso tem que ser definido nessa próxima etapa.
Valor: Nessa "Venezuela utópica" socialista, como fica o desejo de consumir da classe média que emergiu da pobreza?
Chacón: Todas as sociedades capitalistas são construídas sob o princípio da diferenciação. Você se localiza em um estrato social e a estrutura te faz olhar sempre para cima. Você não quer ser como é, quer ser como o de cima, esse é o seu desejo. Acontece que nós empurramos [as pessoas para cima na escala social] e não mudamos o desejo delas. Então, o processo está prosseguindo com um problema, sobretudo na classe C. E essa classe média é muito contrária ao processo, porque seus desejos são contrários ao processo. Nós ainda seguimos num modelo capitalista, ainda estamos muito longe de um modelo socialista. É preciso buscar não a eliminação do consumo, mas a eliminação do consumismo.
Valor: Ainda na "Venezuela utópica", qual é o papel das grandes empresas, dos grandes bancos, das multinacionais?
Chacón: Creio que o papel que essas empresas possam ter aqui estará subordinado a que trabalhem dentro do marco de um Estado que tem como foco a distribuição de renda, o controle do Estado para criar o bem-estar e para fazer o modelo sustentável do ponto de vista econômico. As multinacionais, nesse processo revolucionário, não terão a liberdade de entrar no país e fazer o que quiserem, como em outros países. Aqui, elas terão que entrar sob um marco regulatório que, de alguma forma, privilegia a redistribuição [de renda]. Esse é um modelo construído sob o conceito do Estado forte, ao contrário de outros modelos na América Latina e na Europa.
Valor: E, nesse país ideal, qual é o papel da oposição? Há espaço de alternância de poder?
Chacón: Claro que sim. Houve uma época na Europa em que falar de esquerda significava nunca vencer as eleições. Então, o Partido Socialista francês disse que queria a livre iniciativa. Neste momento, na Venezuela, o que acontece é que o momento é de esquerda. Por isso, a candidatura da direita quer se parecer com a esquerda. Então, se a esquerda continuar fazendo bem, ela deve seguir no poder. A menos que a direita consiga se disfarçar de esquerda e vender-se bem. Mas eu creio que este país já não tem retorno ao país de 1998.
Valor: Chávez conseguiu aprovar a reeleição indefinida. Até quando ele pode governar?
Chacón: Eu acho que isso é algo que se tem que perguntar a ele. Teríamos que ver como ele se sente, depois de tudo o que passou neste ano [uma batalha contra um câncer]. O que eu creio é que ele está pensando em como construir um arcabouço institucional. Porque há uma nova geração que se formou dentro do processo. De alguma maneira, isso requer uma institucionalização de como vão fazer [a sucessão]. Quando vai ocorrer, não sei.
Valor: Passados 14 anos de governo Chávez, as vendas de petróleo representam 96% das exportações da Venezuela. O governo fracassou em diversificar a economia?
Chacón: Este país é desde o século XX um país monoexportador. O que eu creio é que têm sido semeadas as bases para que outros campos conectados a essa atividade principal, que é o petróleo, comecem a se desenvolver. As agroindústrias, a mineração.
Valor: O presidente Chávez tinha uma relação muito próxima com o ex-presidente Lula, de muita amizade e de apoio político explícito, que não ocorre com a presidente Dilma. Houve um distanciamento político entre Venezuela e Brasil depois que Dilma assumiu a Presidência?
Chacón: Eu não creio nisso. Quando eu era ministro, estive várias vezes com a presidente Dilma quando era ministra de Lula. Acredito que é uma questão de personalidade. Lula era mais dado ao manejo da política. Dilma é, por assim dizer, uma presidente com uma formação mais técnica do que política. Talvez por isso, ela administre sua relação em outros termos, tanto dentro do Brasil como fora do Brasil. É inegável que havia uma relação pessoal muito mais íntima entre Chávez e Lula do que entre Chávez e Dilma. Mas, apesar disso, as relações Estado-Estado entre Brasil e Venezuela seguem nos mesmos níveis em que estavam durante o governo Lula.

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Bibliotecas Nacionais da Ibero-América colocam acervo em portal


Num exemplo de cooperação internacional, foi apresentada no dia 19 de setembro a versão beta do portal da Biblioteca Digital do Patrimônio Ibero-Americano (BDPI), que reúne 136 mil itens.

O projeto da Associação de Bibliotecas Nacionais da Ibero-América (Abinia)  integra os acervos das Bibliotecas Nacionais do Brasil, Chile, Colômbia, Panamá e Espanha, e permite a consulta aos acervos das mesmas através de ferramentas de buscas específicas.
Com a iniciativa, a Abinia pretende incentivar as bibliotecas associadas a promoverem a digitalização de suas coleções, a automação e padronização de seus catálogos, adaptando-os aos padrões internacionais.
O portal ainda é uma versão beta (experimental) porque a Abinia espera incorporar nos próximos meses o maior número de bibliotecas nacionais da região.
O portal da BDPI apresenta seleção de documentos, livros, mapas, imagens, testemunhos das grandes viagens e explorações, mais de 15 mil gravações de som, cerca de 8,6 mil partituras, obras, monografias e periódicos sobre literatura, escritores e estudos literários.
A Biblioteca Nacional da Espanha contribui com 87,5 mil registros, a do Chile com 21,5 mil registros, a do Brasil, que tem sede no Rio de Janeiro, com 19,5 mil registros, a da Colômbia com 7,1 mil registros e a do Panamá com 925 registros.
A BDPI pode ser acessada através do link http://www.iberoamericadigital.net/gdl
Fonte: Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicaçã.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

A dependência econômica do tabaco. Um problema de saúde pública. Entrevista com Tânia Cavalcante

27.09.12 - Mundo
IHU - Unisinos
Instituto Humanitas Unisinos
Adital
Quinta, 27 de setembro de 2012
"As grandes empresas conseguiram, através do crescimento econômico, ganhar poder e influência política, e isso tem tornado difícil o movimento de pensar alternativas à produção do fumo”, assinala a secretária-executiva da Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro – Conicq.
Os países que realizaram estudos para verificar os ganhos com a fumicultura e os gastos para tratar doenças geradas pelo tabaco "constataram que o que se gasta com saúde é maior do que se arrecada com as vendas”, informa Tânia Cavalcante à IHU On-Line. Segundo ela, estudos da Aliança de Controle do Tabagismo e da Fiocruz demonstram que o sistema de saúde brasileiro gastou com apenas 15, das 50 doenças relacionadas ao tabaco, algo em torno de "21 bilhões de reais em 2011”.
Tânia esclarece que a "maioria da produção mundial de fumo se dá em países em desenvolvimento e em parceria com grandes companhias. As mesmas empresas que trabalham para expandir o consumo do cigarro com estratégias de marketing são as que atraem os pequenos agricultores, geralmente com situação econômica vulnerável, para a produção da fumicultura”. Somente no Brasil cerca de 200 mil famílias de pequenos agricultores estão "inseridos na cadeia produtiva do fumo”. A maioria delas, enfatiza, "quer deixar de plantar fumo, mas não pode, porque não tem alternativa”.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, a secretária-executiva da Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro – Conicq comenta as iniciativas brasileiras elaboradas após a assinatura da Convenção-Quadro, em 2005, e assegura que apesar dos desafios, o tratado internacional tem sido eficiente para reduzir a produção e o consumo de tabaco no país. "Existe dentro do governo certa incoerência em algumas questões (...), mas hoje, por exemplo, o Ministério da Fazenda e a Receita Federal são grandes aliados da implementação da Convenção-Quadro”.
Tânia Cavalcante é médica e secretária-executiva da Conicq. Atuou como secretária-executiva da Comissão Nacional para Controle do Tabaco – CNTABACO durante as negociações da Convenção-Quadro da Organização Mundial da Saúde para Controle do Tabaco.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quais são os principais problemas de saúde relacionados ao tabagismo? Como essas doenças são abordadas pela área da saúde no Brasil?
Tânia Cavalcante – As principais doenças são as cardiovasculares, as doenças respiratórias crônicas, câncer e, além disso, uma série de outras doenças. Hoje existem mais de 150 doenças que têm uma relação maior ou menor com o tabagismo, doenças com as quais ele tem um efeito causal ou um efeito de agravar. Esse é o caso da a osteoporose e da saúde reprodutiva. O tabagismo também causa efeitos na gestação, e já se sabe que existe uma relação entre o tabagismo materno e o descolamento prematuro da placenta, o baixo peso de bebê ao nascer, abortos, e uma série de outros agravos. Também há uma relação do tabagismo com as doenças da infância, e isso se refere ao tabagismo passivo: crianças que são expostas à fumaça ambiental do tabaco em casa, nos locais de lazer, têm um risco maior de ter pneumonia, otite, problemas de retardo no desenvolvimento e amadurecimento da capacidade respiratória. Os bebês pequenos, filhos de mãe fumantes, têm maior risco de terem morte súbita infantil.
Sabemos que as doenças crônicas não transmissíveis são um grave problema no mundo. O conjunto dessas doenças não transmissíveis envolve as doenças cardiovasculares, as doenças respiratórias crônicas, como enfisema, bronquite, asma, diabetes, hipertensão e várias outras doenças que têm o tabagismo como principal fator de risco. Existe uma grande preocupação mundial com o crescimento das doenças crônicas não transmissíveis no mundo, porque morem cerca de 36 milhões de pessoas todos os anos devido a essas doenças. Essa situação é tão grave que a ONU, pela segunda vez, tratou de um tema de saúde, mencionando as doenças crônicas não transmissíveis. Esse tema foi abordado no ano passado em uma reunião que contou com presidentes de todo mundo para tratar dessa situação, que eles categorizaram como uma crise global. Por quê? Porque existe, além das perdas de vidas, um crescimento dessas doenças, que são consideradas um fator devastador da economia dos países.
Prevenção
A presidente Dilma esteve na reunião e reafirmou o compromisso do Estado brasileiro com a implementação da Convenção-Quadro para controlar o tabaco. A Convenção-Quadro é o primeiro tratado internacional de saúde pública que foi negociado sob os auspícios da Organização Mundial de Saúde – OMS. Esse tratado converge de uma série de medidas intersetoriais para reduzir a epidemia do tabagismo no mundo: algumas medidas são de governabilidade do setor de saúde, mas boa parte delas depende da ação de outros setores do governo que não a área saúde. Por exemplo, aumentar os preços dos impostos sobre o tabaco, de forma que pressione o aumento dos preços do cigarro – essa é uma das medidas consideradas "custo-efetivas” para reduzir o tabagismo; proibir a propaganda de cigarros, as atividades de promoção ao tabaco, colocar advertências sanitárias nas embalagens, para informar a população sobre a real dimensão do risco à saúde; além de estimular os fumantes a deixarem de fumar.
Existem também outras ações, como apoiar o fumante para que ele deixe de fumar, conscientizar a sociedade, capacitar profissionais de saúde para que possam abordar de forma adequada o fumante na sua cessação do tabagismo, além de alternativas à produção do fumo. Isso porque, ao mesmo tempo em que a Convenção-Quadro busca reduzir o consumo globalmente, ela igualmente se preocupa com o outro lado da moeda: o produtor que depende do fumo. A maioria da produção mundial de fumo se dá em países em desenvolvimento e em parceria com grandes companhias. As mesmas empresas que trabalham para expandir o consumo do cigarro com estratégias de marketing são as que atraem os pequenos agricultores, geralmente com situação econômica vulnerável, para a produção da fumicultura, com o discurso de que essa produção vai trazer riqueza e bem-estar para ele e sua família.
IHU On-Line – É possível estimar qual é o custo dessas doenças sob a perspectiva da economia e da epidemiologia?
Tânia Cavalcante – A maior parte dos países que fizeram esse tipo de estudo constatou que o que se gasta com saúde é maior do que se arrecada com as vendas. Recentemente a Aliança de Controle do Tabagismo – uma organização não governamental que atua na defesa da implementação da Convenção-Quadro no Brasil –, em conjunto com a Fiocruz, realizou um estudo em que mensurou o quanto o sistema de saúde gastou com apenas 15 das 50 doenças relacionadas ao tabaco. A estimativa foi de 21 bilhões de reais em 2011.
Coincidentemente, neste ano a arrecadação a partir do setor do fumo foi de 6 bilhões de reais, ou seja, se gasta muito mais do que se arrecada, apesar de alguns dizerem que produzir fumo gera emprego, traz desenvolvimento para o país. Esses dados refutam totalmente essa ideia equivocada, que já vem sendo estudada com bastante consistência pelo Banco Mundial. Este banco já estimou que, para cada dólar arrecadado, os governos gastam um dólar e meio para o tratamento das doenças relacionadas ao tabaco.
IHU On-Line – Considerando os riscos do tabagismo para a saúde, por que ainda se investe tanto na fumicultura? Trata-se apenas de uma questão econômica e de lucratividade?
Tânia Cavalcante – A fumicultura se instala na região Sul em meados do século passado, e desde então foi sempre um processo capitaneado por grandes empresas transnacionais. Essas grandes empresas reconheceram que, no Brasil, existe clima apropriado, terra fértil e, principalmente, mão de obra barata e disciplinada. As empresas encontraram um grande filão no Brasil e desenvolveram uma cadeia produtiva que é considerada exemplar mundialmente em termos de organização e logística.
Ao se especializarem na fumicultura, muitas famílias perderam o conhecimento agrícola de lidar com a terra, então passaram a se especializar nessa produção. Obviamente que as grandes empresas, uma vez instaladas, conseguiram, através do crescimento econômico, ganhar poder e influência política, e isso tem tornado difícil o movimento de pensar alternativas à produção do fumo. Hoje a nossa grande preocupação é o fato de o país ter 200 mil famílias de pequenos agricultores inseridos na cadeia produtiva do fumo. Estudos mostram que a maioria das famílias quer deixar de plantar fumo, mas não pode, porque não tem alternativa. Essa foi uma das razões pela qual o Brasil ratificou a Convenção-Quando.
Uma das condições para que o Congresso Nacional apoiasse a ratificação da Convenção-Quadro pelo Brasil foi a criação de um programa de diversificação em áreas que produzem fumo. Esse programa não proíbe ninguém de plantar fumo, porque a Convenção não tem esse objetivo. Ela busca salvaguardar as pessoas que dependem da produção do fumo, esperando a redução da produção e do consumo. Nesse sentido é que atua o programa de diversificação, coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário. Trata-se de um programa alinhado à política de desenvolvimento rural do governo, capitaneado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, que tem como foco principal diversificar a produção agrícola, para que fiquem menos vulneráveis às oscilações do mercado. No caso da fumicultura, a Convenção-Quadro anda a passos largos mundialmente. São 175 países acelerando o passo para implementar as suas medidas.
Já temos sinais de vários países que vêm reduzindo o tabagismo. Isso certamente vai impactar os pequenos fumicultores do Brasil, já que 85% da produção nacional é exportada. O Brasil já vem reduzindo o consumo interno há algum tempo. Então, é preciso que se pare de dizer que plantar fumo é bom para o país, porque não é.
IHU On-Line – Quais são as alternativas para os agricultores que hoje se dedicam à plantação de fumo?
Tânia Cavalcante – A filosofia desse programa é de que não existe um produto mágico. Em nível mundial existe um grupo de trabalho dedicado a estudar essa questão no intuito de orientar os países produtores quanto à implementação de novos produtos.
A visão é de que é preciso analisar localmente as plantações. Mais do que isso, é preciso ter uma organização para que as novas produções venham a ser dadas comoalternativas ao fumo, para que tenham um escoamento, uma logística de comércio. É preciso que o agricultor seja também recapacitado para lidar com outros tipos de produção, buscando autonomia na gestão de sua terra, porque hoje ele é tutelado pelas grandes empresas de fumo, e não tem liberdade em termos de gerenciamento. Faz parte desse processo de alternativas ao fumo uma série de elementos: a questão da garantia da comercialização, da capacitação do agricultor, do resgate de sua autonomia.
No município de Dom Feliciano, no Rio Grande do Sul, o prefeito decidiu implementar esse programa, e existem vários exemplos de que é possível mudar a produção com uma rentabilidade tão grande ou até maior do que a do fumo. As produções de uva, pepino e leite estão sendo observadas como alternativas à fumicultura.
IHU On-Line – Quais são hoje as principais políticas para prevenir e evitar o consumo de tabaco no Brasil?
Tânia Cavalcante – No Brasil já têm grandes ações como a proibição da propaganda, que até os anos 2000 era ainda permitida. Aliás, a partir de 2000 ela foi totalmente proibida nos grandes meios de comunicação. Em 2011, conseguimos avançar mais ainda, e proibimos totalmente a propaganda, inclusive nos pontos internos de venda. Essa é uma grande conquista nacional, porque sabemos que a propaganda faz a diferença em termos de captar novos consumidores. Também conseguimos proibir o patrocínio de eventos culturais e esportivos por marcas de cigarros, inclusive de Fórmula 1. Há também aquelas advertências com fotos nas embalagens. Dados do IBGE mostram que 65% dos fumantes brasileiros se sentem mais motivados a deixarem de fumar quando veem as fotos nas embalagens de cigarros.
Outra grande conquista foi a instalação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa no Brasil, em 1999. Ela surgiu com a missão de regular os produtos do tabaco, e a partir daí tivemos importantes conquistas. Entre algumas dessas conquistas está a proibição dos termos "light”, "ultralight” nos cigarros. Entre as conquistas mais recentes, está a proibição dos aditivos que dão sabores aos cigarros, conquistada depois de dois anos de intenso debate, em que a indústria do tabaco criava uma ação de desinformação, tentando jogar os fumicultores contra a Anvisa. Essa é uma medida importantíssima, porque ajuda a prevenir a iniciação entre jovens. Obviamente a resistência foi enorme, porque a normativa fere um dos pilares da lucratividade desse setor, que é a sua capacidade de captar novos consumidores entre os adolescentes. Outra medida importante é o tratamento para deixar de fumar, que vem sendo implantado desde 2004 na rede do Sistema Único de Saúde – SUS. É uma resposta que o governo precisa dar àqueles fumantes que vêm sendo pressionados pelas novas leis e pelas famílias para deixarem de fumar.
O Brasil também tem uma lei que proíbe as pessoas de fumarem em ambientes coletivos. Essa lei ainda precisa ser regulamentada por um decreto presidencial que vai definir os parâmetros para a fiscalização dessa proibição. Então, estamos aguardando isso para que a rede de vigilância sanitária possa fiscalizar essa medida o mais breve possível.
IHU On-Line – Segundo notícias da imprensa, o BNDES emprestou 336 milhões de reais à agroindústria do fumo nos últimos cinco anos, e somente 22,4 milhões de reais para ajudar pequenos fumicultores a diversificar as culturas agrícolas. Como compreender esses dados e o incentivo público em empresas que produzem produtos que geram diversos problemas de saúde?
Tânia Cavalcante – Existe dentro do governo certa incoerência em algumas questões, e essa é uma delas. Mas hoje, por exemplo, o Ministério da Fazenda e a Receita Federal são grandes aliados na implementação da Convenção-Quadro. O artigo 6º da Convenção é de responsabilidade do Ministério da Fazenda, e no ano passado a presidente Dilma decidiu encaminhar uma medida provisória para o governo, a Medida Provisória n. 540, que desonera alguns setores produtivos, com o objetivo de enfrentamento da crise econômica, e que transferia parte dessa desoneração para o setor de fumo. Então, houve um aumento de impostos sobre a fumicultura, que impactou também no aumento do preço dos cigarros.
Entretanto, a dificuldade de realizar acordos com outros setores do Estado não é um problema somente do Brasil; isso acontece no mundo inteiro. Faltam ajustes finos, no sentido de termos mais recursos para promover alternativas ao fumo.
IHU On-Line – A que atribui o alto consumo de cigarros? É possível traçar um perfil dos usuários?
Tânia Cavalcante – Hoje o tabagismo no Brasil se concentra na população de menor renda e menor escolaridade, e na população rural a concentração também é maior. E provavelmente essa situação reflete talvez a forma de não equidade das ações, em termos de não conseguir alcançar essas populações nas ações nacionais. Estamos procurando caminhos que nos ajudem a chegar nessas populações para protegê-las da interferência das ações de marketing e das ações que são usadas de forma bastante capilar pelas empresas de tabaco para seduzir as pessoas. Hoje, 80% do consumo de produtos do tabaco acontecem nos países em desenvolvimento, o que reflete exatamente a vulnerabilidade que essas populações têm quando não existem políticas.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Tânia Cavalcante – Esqueci-me de mencionar a redução do tabagismo entre as mulheres. Havia uma prevalência do tabagismo de 32% em 1989, considerando a população acima de 15 anos. O último dado internacional é de 2008, e demonstra que esse percentual caiu para 17,2%. Houve sim uma redução tanto entre homens como entre mulheres, mas o que se observa mais recentemente no fator de risco e doenças crônicas, através de dados do Vigitel – um sistema de vigilância por telefone, coordenado pelo Ministério da Saúde –, é que houve uma estagnação dessa queda entre mulheres, enquanto entre os homens a queda continua.
Outro aspecto importante de relatar é que essa queda do tabagismo no Brasil já se reflete na queda das doenças crônicas não transmissíveis e das mortes por doenças crônicas não transmissíveis. Houve uma redução, entre 1996 e 2007, de 20%. Foi uma redução significativa.

Quais são essas "vozes" da nova classe média?


DEBATE ABERTO


Renda do capital ainda é renda do capital, assim como renda do trabalho continua sendo renda trabalho. Por mais que a remuneração mensal dos despossuídos tenha evoluído, o conceito de classes sociais e seus conflitos de interesses continuam valendo para a análise do modo capitalista de produção.
Data: 27/09/2012
A Presidência da República está colocando em marcha uma delicada operação política, que pode trazer conseqüências perigosas para a análise e a compreensão de nossa realidade social e econômica. Tudo começou com o anúncio, por parte da Secretaria de Assuntos Estratégicas (SAE), do lançamento de um novo programa, considerado prioritário no âmbito do governo. Foi batizado com o nome de “As Vozes da Classe Média”.

Em tese, nada demais a chamar atenção, não é mesmo? Afinal, esse tema da classe média tem ocupado as páginas dos grandes jornais de forma crescente, ao longo dos últimos tempos. No entanto, vale a pena chamar a atenção para alguns elementos do entorno desse programa em especial e do simbolismo político envolvido com o fato. O atual titular da SAE é o dirigente do PMDB/RJ, Wellington Moreira Franco, que substituiu o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães desde o início do mandato da Presidenta Dilma. O órgão mais importante de sua pasta, porém, é o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), que era presidido desde 2007 pelo economista Marcio Pochmann, professor da UNICAMP e pesquisador crítico das correntes mais conservadoras dos vários campos das ciências sociais. Sob tais condições, o ministro carioca pouco conseguia influenciar na política interna do instituto.

As mudanças na direção do IPEA: de Pochmann a Neri
Convencido a disputar a prefeitura de Campinas pelo PT, Pochmann pediu demissão do cargo e Dilma optou há poucos dias pela nomeação definitiva de outro economista: Marcelo Neri, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ). Com esse passo, a avaliação reinante nos corredores do poder é que o conservadorismo tem todas as possibilidades de retornar às áreas dirigentes do IPEA. Independentemente de sua competência técnica e suas qualidades profissionais, o novo presidente do órgão representa grupos e correntes ligados à ortodoxia econômica e à ressonância de todo o pensamento neoliberal em solo tupiniquim. Afinal, as posições da FGV são mais do que conhecidas nesse domínio.

O lançamento do novo programa “Vozes da Classe Média” é a perfeita expressão política de mais um movimento de mudança no interior do governo. Neri é um estudioso da questão da distribuição de renda e coordenou recentemente uma publicação chamada “A nova classe média – o lado brilhante da base da pirâmide”, onde todo o foco reside nessa suposta nova composição de classe social em nossas terras. Do ponto de vista político, o trabalho articulado pelo pesquisador da fundação carioca cai como sopa no mel para os dirigentes políticos governistas. Tanto que a própria Presidenta fez referência pública ao autor, em um evento no Rio de Janeiro, ainda em abril passado, elogiando e recomendando a leitura da obra. Bingo: o recado político estava dado, para quem quisesse ouvir. Talvez tampouco seja mera coincidência o fato do PT não ter lançado candidato a prefeito no Rio de Janeiro e do governo federal apoiar o peemedebista Eduardo Paes, sempre ao lado do governador Sérgio Cabral, também do PMDB e muito prestigiado pelo núcleo duro de Dilma. O círculo se fecha.

Já Pochmann, havia lançado um livro com interpretação bastante diferente desse oficialismo chapa branca. A Editora Boitempo publicou há pouco a obra “Qual classe média?”, que chama a atenção logo de início pelo ponto de interrogação no próprio título. Como estudioso sério e crítico, o ex-presidente do IPEA lança uma série de indagações a respeito da suposta unanimidade em torno desse “novo” conceito de classe média. E demonstra que não se pode confundir a inegável melhoria nas condições de renda na base da sociedade com a transformação em sua estrutura de classes sociais. Com a devida vênia de nossa Presidenta, eu recomendaria também a leitura do livro de Pochmann. No entanto, por se tratar de um estudo que não compartilha desse clima de oba-oba ufanista e irresponsável, ele não é tão útil nem funcional para alavancagem da política governamental no varejo e no cotidiano. Afinal, a honestidade intelectual exige alguns “poréns” e algumas observações de reparo metodológico. Xi, lá vem o chato do Paulo Kliass outra vez... Pois é, são os ossos do ofício!

“Voices of the poor” e “Vozes da classe média”: do Banco Mundial à SAE

Em sua apresentação oficial, está dito que o programa “Vozes da classe média” pretende servir como parâmetro para a elaboração de políticas públicas pelo governo federal. Talvez não seja por outra simples coincidência que ele tenha recebido esse nome. Na verdade, trata-se de uma quase versão para o português de um conhecido programa do Banco Mundial lançado lá em 2000, na virada do milênio, que é chamado de “Voices of the poor” (Vozes dos pobres). Era uma tentativa de ouvir e estudar o fenômeno da pobreza ao redor do mundo, incluindo países como Brasil, Etiópia, Índia, Indonésia, Uzbequistão, entre outros. Mas para além desse vício de paternidade, o caminho que o governo pretende adotar agora contém graves equívocos metodológicos. Como a idéia é sempre elogiar o suposto sucesso da política de melhoria das condições da população da base da pirâmide, entra em marcha um verdadeiro “vale-tudo” no sentido de organizar, rearranjar e espremer os números e os dados estatísticos. O objetivo é oferecer resultados convincentes e belas conclusões. Tudo perfeito e adequado para o recheio do discurso oficial, a ser faturado politicamente.

Parte-se de um fato inegável: ao longo dos últimos anos, a política de transferência de renda (via programas como Bolsa Família) e a política de valorização do salário mínimo foram o carro chefe de uma transformação significativa nas condições da população mais pobre em nosso País. Com elas vieram também a ampliação dos benefícios concedidos pela previdência social, a melhoria das condições no mercado de trabalho e o acesso ao crédito. No entanto, também é amplamente reconhecido que a política econômica desse período continuou a favorecer e beneficiar as camadas mais ricas de nossa sociedade, por meio da política de juros elevadíssimos (que só começou a mudar no último ano), das isenções fiscais, das desonerações tributárias, da ampliação da privatização e toda a sorte de benesses dirigidas ao capital em geral e ao setor financeiro em particular.

Assim, apesar de ter ocorrido uma melhoria na distribuição na base da sociedade, o restrito topo da pirâmide foi ainda muito mais beneficiado. E como os níveis da desigualdade e de concentração são muito elevados, o aspecto significativo seria analisar o que ocorreu com os 0,5% mais ricos na comparação com os 99,5% restantes. Se pegarmos faixas amplas com os 10% ou 20% das famílias com maior renda, estaremos misturando alhos com bugalhos e as conclusões serão, obviamente, apressadas e equivocadas. Isso porque os dados utilizados vêm da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE, onde apenas uma pequena amostra do total das famílias responde a um extenso questionário de forma voluntária. Com isso, os domicílios familiares de renda mais elevada tendem a subestimar as informações fornecidas a respeito dos valores e das fontes de seu rendimento efetivo.

Os números do programa e as conclusões equivocadas

De acordo, com o programa “Vozes da classe média”, os limites para fazer parte desse novo recorte de “classe” são os seguintes: de R$ 291 a R$1.091 como renda mensal familiar per capita. Dessa forma, as conclusões são uma maravilha! Mais de 50% da população brasileira estão nesse perfil – um total superior a 100 milhões de pessoas. Então, vamos lá verificar – na realidade concreta da vida real - quem está enquadrado dentro dessa inovadora definição de “nova classe média” e quem já está recebendo uma renda tão elevada que está até acima desse nível, passa a fazer parte das elites, da classe alta.

Consideremos o caso de um jovem casal, sem filhos. Um dos cônjuges recebe um salário mínimo e o outro está desempregado. Sua renda mensal é de R$ 620, o que nos permite concluir uma renda per capita de R$ 310 a cada 30 dias. Imaginemos ainda que seus vizinhos sejam um casal com 2 filhos, onde os pais trabalham e recebem cada um deles salário mínimo também. A renda mensal da família é de R$ 1.240, com uma renda per capita de R$ 310, como no caso anterior. Vejam que ambas as famílias são integrantes da “nova classe média”, pois estão acima do patamar mínimo de R$ 291, o que lhes permitiria a chave de acesso ao paraíso do consumo, segundo as capas das revistas semanais penduradas nas bancas de jornal. Pouco se fala a respeito da qualidade dos serviços públicos que recebem, como saúde, educação, saneamento, transporte público, etc. O que importa é a renda auferida.

Cabe ao leitor optar: o estabelecimento arbitrário desses valores seria ato de ingenuidade ou de maldade? Afinal, não é lá muito difícil contabilizar os níveis de despesa mensal dessas unidades familiares: o transporte coletivo numa grande cidade; o aluguel de moradia em péssimas condições; as contas de água, luz e telefone celular; o gás para cozinha; as compras de cesta básica e seus complementos; etc. Ora, o retrato é de uma sobrevivência nesse nível básico, que não permite quase nenhuma capacidade de poupança, nem o usufruto das boas condições de vida. Quem teria a coragem de afirmar que esses indivíduos seriam integrantes da “nova classe média”? Em sentido oposto, Pochmann nos oferece uma interessante reflexão a respeito do fenômeno, na apresentação de seu livro:

“O adicional de ocupados na base da pirâmide social reforçou o contingente da classe trabalhadora, equivocadamente identificada como uma nova classe média. Talvez não seja bem um mero equívoco conceitual, mas expressão da disputa que se instala em torno da concepção e condução das políticas públicas atuais.”

Por outro lado, tão ou mais impressionantes são as conseqüências da definição casuística do limite superior para o enquadramento em “nova classe média”. Imaginemos outra vez a situação de um casal típico de assalariados, com um filho. Ele acabou de conseguir um emprego numa empresa automobilística no ABC e recebe o piso da categoria. Ela é empregada de um banco e também recebe o piso salarial assegurado pelos acordos dos sindicatos com a FENABAN. A renda mensal do trio familiar supera R$ 3.300, com um equivalente per capita superior aos R$ 1.091 do programa oficial do governo. Dessa forma, a conclusão é assustadora: pasmem, mas essa família de trabalhadores não seria mais integrante da “nova classe média”. Em função dessa “estupenda” remuneração mensal, eles já teriam sido alçados à condição da elite, fazem parte das classes altas da sociedade brasileira! Uma loucura, para dizer o mínimo!

Trabalhadores ou classe média?

As políticas desenvolvidas ao longo da última década contribuíram para a melhoria das condições de vida da maioria da população. No entanto, o elevado grau de desigualdade social e econômica nos coloca ainda entre os países mais injustos do planeta. Assim, não se “acaba com a pobreza” da noite para o dia, apenas com uma canetada, estabelecendo um limite arbitrário de renda de forma injustificada. O caminho é longo e passa pelo aprofundamento das políticas de distribuição de renda. Não será por força dos limites quantitativos constantes de um eventual Decreto que o Brasil amanhecerá menos pobre ou menos injusto.

Reconhecer as significativas transformações ocorridas com a população de menor renda em nosso País ao longo dos últimos 10 anos não nos permite tentar avançar na deturpação dos dados da realidade. Não se pode ser conivente com a utilização política e eleitoral de informações viesadas, com o fim exclusivo de propiciar análises encomendadas para usufruto do governo de plantão. Renda do capital ainda é renda do capital, assim como renda do trabalho continua sendo renda trabalho. Por mais que a remuneração mensal dos despossuídos tenha evoluído, o conceito de classes sociais e seus conflitos de interesses continuam valendo para a análise do modo capitalista de produção.

Lula


Delfim Netto

Desde a Constituição de 1988, as instituições vêm se fortalecendo e o poder incumbente tem, com maior ou menor disposição, obedecido aos objetivos nela implícitos: primeiro, a construção de uma República onde todos, inclusive ele, são sujeitos à mesma lei sob o controle do Supremo Tribunal Federal; segundo, a construção de uma sociedade democrática com eleições livres e à prova de fraudes; terceiro, a construção de uma sociedade em que a igualdade de oportunidades deve ser crescente, por meio de um acesso universal e não oneroso de todo cidadão à educação e à saúde, independentemente de sua origem, cor, credo ou renda.

Vivemos um momento em que se acirram as legítimas disputas para estabelecer a distribuição do poder entre as várias organizações partidárias e que é propício aos excessos verbais, às promessas irresponsáveis e à agressão selvagem.

Afrouxam-se e liquefazem-se os compromissos com a moralidade pública, revelados no universo da “mídia”. Esta também, legitimamente, assume o partido que melhor reflete sua “visão do mundo”.

A situação é, agora, mais crítica porque a campanha eleitoral se processa ao mesmo tempo em que o Supremo Tribunal Federal julga um intrincado processo que envolve o PT e, em breve, vai fazê-lo em outro, da mesma natureza, que envolve o PSDB.

O que alguma mídia parece ignorar é que o uso abusivo do seu poder é corrosivo e ameaçador à necessária e fundamental liberdade de opinião assegurada no artigo 220 da Constituição, onde se afirma que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”.

Primeiro, porque o parágrafo 5º do mesmo dispositivo previne que “os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”. E, segundo, porque no art. 224 a Constituição fecha o ciclo: “Para os efeitos do disposto nesse capítulo, o Congresso Nacional instituirá, como seu órgão auxiliar, o Conselho de Comunicação Social, na forma da lei”. Dois dispositivos suficientemente vagos que podem acabar criando problemas muito delicados no futuro.

Um exemplo daquele abuso é a procura maliciosa de alguns deles de, no calor da disputa eleitoral, tentar destruir, com aleivosias genéricas, a imagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ignorando o grande avanço social e econômico por ele produzido com a inserção social, o fortalecimento das instituições, a redução das desigualdades e a superação dos constrangimentos externos que sempre prejudicaram o nosso desenvolvimento.

Delfim Netto é economista, ex-deputado federal e ex-ministro da Fazenda, do Planejamento e da Agricultura. Publicado na Folha de S.Paulo em 26 de setembro de 2012. E-mail:
contatodelfimnetto@terra.com.br

O imperativo do protecionismo em defesa do interesse nacional


A marca registrada universal da submissão ao colonialismo é quando o colonizado assume como seu e passa a defender o ponto de vista do colonizador. Viu-se isso com todas as letras e cores no Jornal Nacional da semana passada quando o comentarista Carlos Alberto Sardenberg analisou uma troca de notas de protesto entre o Governo americano e o Governo brasileiro. O artigo é de J. Carlos de Assis.
Data: 23/09/2012
A marca registrada universal da submissão ao colonialismo é quando o colonizado assume como seu e passa a defender o ponto de vista do colonizador. Viu-se isso com todas as letras e cores no Jornal Nacional da semana passada quando o comentarista Carlos Alberto Sardenberg analisou a troca de notas de protesto entre o Governo americano e o Governo brasileiro, o primeiro reclamando da elevação pelo Brasil de tarifas de importação sobre 100 produtos e o segundo condenado a nova leva, a terceira, de inundação de dólares no mercado mundial sob o eufemismo de Facilitação Quantitativa.

O comentarista da Globo desenvolveu o seguinte raciocínio: a nova inundação de dólares – acompanhada, de resto, pelo Banco Central Europeu e pelo Banco do Japão – é um legítimo recurso do Governo norte-americano, assim como dos demais países industrializados avançados, para relançar suas economias titubeantes. Já a elevação de tarifas alfandegárias pelo Brasil não passa de puro protecionismo resultante de um fraco grau de competividade. Assim, o Governo Obama tem razão em acusar a medida brasileira de protecionista, na medida em que ela distorce as virtualidades do mercado livre.

Sou, em geral, simpático ao Governo Dilma, como fui, pelo menos depois de sua guinada desenvolvimentista por volta de 2006, do Governo Lula. Entretanto, nesse caso específico, quero me declarar peremptoriamente como um fanático pelas decisões corajosas de nossa Presidenta. Tenho defendido no Intersul, instituto que presido, o imperativo de um acordo com nossos vizinhos sul-americanos para levantar conjuntamente nossas barreiras tarifárias e articular simultaneamente programas de investimentos e de desenvolvimento, tendo em vista o risco que representa para nós as políticas econômicas dos países ricos.

De fato, na medida em que, depois da reunião do G-20 em Toronto em 2010, esses países optaram pelo que chamam de políticas de austeridade fiscal, os governos europeus dominados pela troika – Banco Central Europeu, Comissão Europeia e FMI – deliberadamente decidiram retrair seu mercado interno para gerar excedentes exportáveis. É pelas exportações que pretendem sair da crise. Como esse é o objetivo dos Estados Unidos e do Japão, a pergunta óbvia é: exportar para quem? E a resposta também óbvia é: para os países emergentes, inclusive para nós, Brasil. De fato, no último ano, exportamos menos para a Europa e importamos mais dos Estados Unidos, com que fizemos um déficit de US$ 8 bilhões.

Portanto, quando assume o ponto de vista do Governo americano no caso da nota nos acusando de protecionismo, o comentarista da Globo toma o partido de uma política econômica que, a exemplo da europeia, confia exclusivamente nas exportações, e não no mercado interno, como saída da crise. A decisão do Fed de inundar o mundo de dólares é uma espécie de último recurso já que o Partido Republicano, dominante na Câmara, não deixou Obama fazer um segundo programa de estímulo fiscal de mais de US$ 400 bilhões em 2010. Com isso, o instrumento alternativo restante de política econômica foram as tais “Facilidades Quantitativas” pelo Fed.

Já que a política interna americana não permite que o país adote uma política econômica decente, não é justo que nós, países em desenvolvimento, arquemos com suas consequências, quaisquer que sejam. A corajosa medida brasileira de elevação de tarifas (até 25%) dentro das regras da OMC (Organização Mundial do Comércio) corresponde inteiramente ao interesse nacional. Os que me honram com sua leitura sabem que mais de uma vez critiquei o ministro Mantega, eventualmente por falta de uma ação firme no comando da economia, mas desta vez faço questão de cumprimentá-lo: a meu ver o caminho é justamente esse.

O próximo passo, espero, é uma empreitada do Itamarati para que nossos vizinhos sul-americanos sejam convencidos do imperativo de uma política comum de investimentos-chave em áreas estruturantes da integração regional. Minha sugestão é que comecemos por um Pacto Siderúrgico, um Pacto de Energia Elétrica e um Pacto Rodoviário. Se erguermos conjuntamente um conjunto de tarifas externas comuns, e ao mesmo tempo estabelecermos as bases para investimentos integrados a partir destes – mas não necessariamente só nestes – setores, podemos realizar, no meio da crise mundial, o sonho da integração sul-americana, melhorando sensivelmente os níveis de bem-estar social em nossa região.

(*) Economista e professor de Economia Internacional da UEPB, autor do recém-lançado “A Razão de Deus”, pela Editora Civilização Brasileira. Esta coluna sai também nos sites Rumos do Brasil e Brasilianas, e, às terças, no jornal carioca Monitor Mercantil.

A reação entreguista interna ao pronunciamento de Dilma na ONU


É repulsiva a tentativa dos dois principais comentaristas de noticiários da Globo, Carlos Sardenberg, na economia, e Arnaldo Jabor, na política, de enxovalhar cada um dos pronunciamentos da Presidenta Dilma Roussef, inclusive o recente discurso na ONU. Sabemos que falam para um público específico, os inconformados com o exercício do poder pelo PT, mas se tratando de um órgão de comunicação de massa era de se esperar algum pudor. O artigo é de J. Carlos de Assis.
Data: 26/09/2012


É repulsiva a tentativa dos dois principais comentaristas de noticiários da Globo, Carlos Sardenberg, na economia, e Arnaldo Jabor, na política, de enxovalhar cada um dos pronunciamentos da Presidenta Dilma Roussef, inclusive o recente discurso na ONU. Sabemos que eles falam para um público muito específico, os inconformados com o exercício do poder pelo PT, mas se tratando de um órgão de comunicação de massa era de se esperar algum pudor, mesmo porque a esmagadora maioria da opinião pública apoia Dilma.

Jabor não me incomoda muito: é um retórico vulgar mais obcecado pelo efeito das palavras do que pelo seu significado. Ouvindo-o, temos a sensação de que o que está errado com a política externa brasileira é não declararmos logo guerra ao Irã. Sardenberg é mais insidioso. Manipula a ideologia econômica de um jeito maneiroso, próprio de todo difusor ideológico, que transforma as vítimas das políticas econômicas regressivas em culpados, recobrindo muito manhosamente a responsabilidade dos ricos.

Para entender a extensão na qual Sardenberg, como homem de frente da Globo, faz o jogo entreguista cumpre entender alguns elementos básicos de economia política que ele deliberadamente omite em seus comentários. Não existe uma receita única contra a recessão e a depressão econômica. Há um conjunto delas.Três são bem conhecidas: a política cambial, a política monetária e a política fiscal. Todas visam ao mesmo objetivo: recuperar a demanda interna, favorecer o investimento e estimular o emprego, gerando um círculo virtuoso de crescimento.

Contudo, essas políticas não são neutras do ponto de vista distributivo. A política fiscal certamente favorece a distribuição da riqueza e da renda, sobretudo quando o gasto público é financiado por aumento da dívida e aplicado em setores de interesse social. Sim, porque se o gasto público, numa recessão, for financiado por receita fiscal, estamos diante de um jogo de soma zero: tiram-se recursos do setor privado que são repassados ao setor público e que por sua vez voltam ao setor privado, sem gerar necessariamente aumento líquido da demanda agregada.

A política monetária é concentradora de renda. Sim, porque quando os bancos centrais emitem dinheiro e o tornam disponível para os bancos privados, a custo baixo, os favorecidos são os tomadores últimos dos recursos – sem falar nos intermediários bancários -, que só têm acesso a esse dinheiro se ofereceram garantias para seus empréstimos. Quem pode oferecer garantias senão os que têm renda alta e patrimônio? Por certo alguns consumidores se beneficiarão do crédito mais barato, mas trata-se de uma proporção pequena da economia. Em qualquer hipótese, pagarão juros aos bancos, concentrando renda.

A política cambial geralmente adotada na recessão é a desvalorização da moeda nacional de forma a estimular as exportações. É o que os Estados Unidos estão fazendo. O pressuposto é que o aumento das exportações leva ao aumento da atividade econômica interna e do emprego, gerando, também aqui, um efeito virtuoso de retomada de crescimento. O Japão tem procurado desvalorizar a sua moeda e a Europa provavelmente seguirá o mesmo caminho, pelo menos enquanto não mudar sua política econômica, o que é muito pouco provável a curto e médio prazos, por razões basicamente políticas.

Agora, vejamos o discurso de Dilma na ONU. Ela criticou duramente a política do Fed, banco central americano, por inundar o mercado de dinheiro e forçar a desvalorização do dólar. Sardenberg se apressou a apoiar a posição americana contra Dilma. Recorreu a uma citação de Paulo Krugman, um dos mais notáveis economistas americanos, segundo o qual, nas suas palavras, a posição da Presidente não se justificava por se tratar de uma iniciativa do Governo americano de fazer retomar a economia do país.

Bem, essa citação de Krugman é falsa, ou ao menos incompleta. O que Krugman diz é o seguinte: numa recessão, deve-se adotar, de preferência, uma política fiscal expansiva. Na falta dela, deve-se apoiar a iniciativa monetária como último recurso. Assim, traduzindo em miúdos, o recado que a Presidenta deu na ONU foi o seguinte: vocês, os países ricos, estão mergulhando o mundo no caos econômico e financeiro por se recusarem a fazer políticas fiscais expansivas. E como seu sistema político incompetente não é capaz de gerar essas políticas, nos impõem políticas regressivas no campo monetário. Desculpem, mas não temos alternativa a não ser levantar barreiras comerciais contra os seus produtos, na medida em que suas políticas monetárias e cambiais, desvalorizando suas moedas, pretendem inundar nossos mercados de manufaturados, liquidando nosso parque produtivo. Não aceitaremos isso. O nosso dever é proteger nosso mercado de trabalho.

(*) Economista e professor de Economia Internacional na UEPB, autor de vários livros sobre economia política brasileira e de “A Razão de Deus”, recém-lançado pela Editora Civilização Brasileira.

Montadoras terão de aumentar conteúdo nacional em carros


VALDO CRUZ

DE BRASÍLIA
Em 2017, as montadoras terão que produzir automóveis e veículos comerciais leves com 70% de peças produzidas no Brasil ou no Mercosul, em média, para ficarem isentas da alíquota adicional de 30 pontos percentuais de IPI (Imposto de Produtos Industrializados).
Tecnologia para reduzir consumo deve aumentar preço dos veículos
Análise: Impacto maior da medida será na cadeia de fornecedores
A determinação integra o conjunto de novas regras do regime automotivo, que podem ser anunciadas amanhã e têm duas metas principais.
A primeira é aumentar o uso de peças produzidas no Brasil, para fortalecer a cadeia de autopeças e componentes. A segunda é estimular a produção de carros que consumam e poluam menos e o investimento em pesquisa e inovação no país.
A avaliação é que o novo modelo, a vigorar entre 2013 e 2017, permitirá que carros nacionais disputem mercado no exterior. Hoje, eles não atendem às exigências dos países desenvolvidos.

MADE IN BRAZIL
As novas regras representam um aumento nominal pequeno em relação à porcentagem de conteúdo nacional, dos 65% vigentes para 70%.
Na prática, no entanto, a mudança será maior, porque o governo vai mudar a base de cálculo desse percentual. Pelo sistema atual, a conta é feita sobre o faturamento das empresas, podendo incluir até gastos com publicidade. Com isso, o índice de peças nacionais acabava reduzido para em torno de 25%.
Com o novo regime, o cálculo passa a ser feito de acordo com as peças e os produtos utilizados de fato na produção do automóvel.
As novas regras vão fixar metas progressivas de conteúdo nacional (veja tabela).

CONSUMO
O governo determinará ainda que os carros brasileiros melhorem seu consumo médio de 14 km/l de gasolina para 15,9 km/l a partir de outubro de 2016, um esforço de redução de 12,1% em energia consumida por quilômetro.
Se produzirem carros que, em média, rodem 17,3 km por litro de gasolina em 2017, terão direito a um abatimento de dois pontos percentuais na alíquota básica de IPI.
Essa alteração equivale a uma melhoria na eficiência energética de 18,84%.
Para reduzir as emissões de gás carbônico pelos carros nacionais, o governo acertou com as montadoras a meta obrigatória de redução de consumo a ser cumprida nos veículos que serão comercializados entre outubro de 2016 e setembro de 2017.
A meta de eficiência energética fixada para 2017, que deve ser desenvolvida no país até 2016, equivale à definida pela Europa para ser implantada em 2015.

INOVAÇÃO
O governo vai estimular ainda o investimento em inovação tecnológica pelas montadoras. As que investirem 1% de seu faturamento em pesquisa e desenvolvimento terão direito a um abatimento de um ponto percentual na alíquota básica do IPI.
Hoje, por exemplo, a alíquota nos veículos a álcool e flex com motores entre 1.0 e 2.0 está reduzida de 11% para 5,5%. Nos modelos a gasolina com motores entre 1.0 a 2.0, de 13% para 6,5%.
Segundo o governo, as montadoras instaladas há mais tempo no país estão adaptadas às novas regras de conteúdo local. As mais atingidas serão as que começaram a se instalar no país nos últimos anos.

Aula do Professor Luiz Gonzada Beluzzo sobre a Crise econômica mundial

http://www.youtube.com/watch?v=2veVlOzP-NA&feature=player_detailpage#t=25s

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Os alimentos que estão em risco de extinção no Brasil




Há cerca de 800 alimentos que correm o risco de sumir do mapa, de entrar em extinção mesmo, como certos animais. Dezenas deles só no Brasil. Xavier Bartaburu, um dos grandes repórteres de nossa geração, conhece o país de ponta a ponta. Agora, ele está visitando comunidades brasileiras onde esses alimentos são produzidos de forma artesanal e sustentável para contar suas histórias. Garantir a preservação deles não é importante apenas por questões de biodiversidade, mas também porque esses alimentos nos lembram como chegamos até aqui e a nossa identidade.

Leonardo Sakamoto


Pedi para o Xavier um texto para o blog sobre esses alimentos em risco. Segue abaixo.
Coma enquanto é tempo
Deixemos de lado a ararinha-azul, por enquanto, e falemos da cagaita. E também da mangaba, do baru e do berbigão. E de outras dezenas de alimentos brasileiros que, como os bichos, correm igual risco de extinção. Afinal, comida, antes de ser refeição, também é ser vivo. E, como tal, pode sumir do mapa antes mesmo que você saiba de sua existência. Veja a cagaita, fruta do Cerrado aparentada com a pitanga: enquanto ela não chega à sua mesa, os cagaiteiros vão sendo sumariamente derrubados para dar lugar a pasto para o gado e lavouras de soja.
O fato é que existe um patrimônio alimentar, tão valioso como ignorado, que há séculos consiste em fonte de subsistência e identidade para milhares de comunidades tradicionais no Brasil e no mundo. Ou seja, essa população não só mata a fome e extrai renda desses alimentos como, em muitos lugares, faz da sua exploração uma expressão própria de suas tradições culturais. É o caso, por exemplo, das quebradeiras de babaçu do Maranhão, dos pescadores de Pirarucu no baixo Amazonas e dos índios Sateré-Mawé, produtores de guaraná nativo.
Proteger a biodiversidade alimentar seria, assim, uma maneira de também garantir a essas comunidades o acesso aos recursos naturais dos quais dependem. Da mesma forma que, com o devido apoio, as famílias podem estimular a produção e torná-la viável comercialmente – nesse caso, a demanda do mercado ajudaria a preservar o produto. Foi o que aconteceu no sertão baiano, de onde todo ano saem milhares de potes de geleia de umbu para correr o mundo.
Essa, claro, é a parte difícil. Afinal, quem quer saber de umbu num mundo onde quem dita as regras à mesa são o agronegócio e a indústria alimentícia? Não bastasse o desprezo do mercado, os pequenos produtores são ainda obrigados a conviver com a destruição do habitat – como ocorre nos manguezais sergipanos, onde vive o caranguejo aratu –, a dependência dos atravessadores e a falta de estímulo às gerações mais jovens, irremediavelmente impelidas ao êxodo rural.
Por sorte ainda tem quem goste de umbu ou de cagaita, e é desse pessoal que tem vindo o principal incentivo aos pequenos produtores. São, basicamente, chefs e gourmets empenhados em identificar, resgatar e divulgar sabores esquecidos ao redor do mundo. Alguns agem por conta própria, mas muitos estão conectados à Fundação Slow Food para a Biodiversidade, entidade criada há três décadas na Itália e que hoje tem mais de 100 mil associados em 150 países.
Sua bandeira é a chamada ecogastronomia, conceito que alia o prazer de se comer à consciência social e ambiental. Para a Slow Food, a comida, para ser de qualidade, deve também ser socialmente justa e ambientalmente limpa. Uma de suas ações nesse sentido é a criação da Arca do Gosto, uma lista que tem por objetivo divulgar o patrimônio mundial alimentar em vias de extinção.
Todos os produtos aqui citados pertencem à Arca brasileira – são 24 no total. No mundo, a lista ultrapassa os mil itens, da baunilha de Madagascar ao queijo da Transilvânia. A ideia é que, uma vez na Arca, um ingrediente avive o interesse do público e do mercado a ponto de estimular sua produção e, mais adiante, garantir sua presença no planeta. Paladares exigentes agradecem.

Não vamos nos omitir - CLT 70 anos

Paulo Paim
Um patrimônio do nosso povo está prestes a completar 70 anos de existência. Refiro-me à CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), criada por Getúlio Vargas através de decreto assinado em 1º de maio de 1943.
Os direitos assegurados nessa legislação são enormes: Carteira de trabalho e previdência social, vale-transporte, férias, adicional noturno, salário mínimo, licença-paternidade, 13º salário, FGTS, PIS, entre outros.
Essas conquistas não foram alcançadas de graça. Foram forjadas a duras penas, em uma luta de anos e anos do nosso povo. Foi e continua sendo uma questão de justiça. Por isso devemos estar atentos, redobrando a nossa vigilância.
Mais uma vez se avizinha um processo para flexibilizar a CLT e os artigos que tratam dos direitos sociais na Constituição, a exemplo da tentativa feita no ano de 2001.
Tramitam no Congresso várias propostas neste sentido, como o PL 951/11, que cria o Simples Trabalhista; o PL 4.330/04, que trata da terceirização, e o PL 1.463/2011, que cria um novo código do trabalho. A Associação Nacional dos Magistrados (Anamatra) considera esses textos “um grande retrocesso nos direitos trabalhistas no Brasil e uma afronta à Constituição Federal”.
Em Brasília também está em gestação uma proposta que cria duas novas formas de contratação: a eventual e por hora trabalhada. Na prática, e eu respeito opiniões contrárias, isso vai ser um retrocesso, abrindo espaço para não se cumprir a CLT e os direitos sociais da Constituição.
Serve também de alerta para todos nós as recentes declarações do presidente do TST (Tribunal Superior do Trabalho), João Oreste Dalazen, que defendeu uma reforma nos direitos do trabalhador e a flexibilização da CLT.
O País atravessa o mais importante ciclo de desenvolvimento econômico e social da sua história. Agora, convenhamos, não podemos ficar flexibilizando leis toda vez que há uma crise econômica mundial. Os trabalhadores e aposentados não podem ser chamados para novamente pagar a conta.
Não vamos nos omitir. Se tivermos que escrever novos horizontes com a ponta das estrelas, nós o faremos com a mesma fé e paixão que a vida nos deu.
Paulo Paim é ex-sindicalista metalúrgico e senador pelo PT/RS. E-mail: paulopaim@senador.gov.br

O fenômeno Russomanno


A história de São Paulo prova duas coisas. A primeira é que um candidato como Russomanno não é nenhuma novidade. Desde os anos 1940 candidatos como Ademar de Barros e Janio Quadros mantiveram uma corrente que podemos chamar apenas por falta de um conceito melhor como “direita popular”. Esta corrente nunca se expressou numa organização partidária, mas é um “partido” no lato sentido de corrente de opinião permanente. A segunda é que nunca houve uma polarização entre PT e PSDB no município de São Paulo. O artigo é de Lincoln Secco.
Data: 26/09/2012
Numa reunião de intelectuais em apoio ao então pré-candidato petista Fernando Haddad, um deles disse: “Vamos nos concentrar na classe média porque a periferia já é nossa”. Passados vários meses, parece que só agora petistas e tucanos acordaram para o fato de que a dianteira do Deputado Celso Russomanno nas eleições de 2012 na cidade de São Paulo é mais do que um fogo de palha.

Até recentemente vigorava a ideia de que Russomanno era uma novidade passageira. Depois surgiu a ideia de que ele podia se estabilizar somente porque o eleitor estaria cansado da polarização entre PT e PSDB e apostaria num outsider desvinculado de partidos.

Alguns tentaram explicá-lo pelo fato de que o lulismo teria criado uma base ampla em que petistas e lideranças evangélicas coabitam no governo federal. A nova classe trabalhadora que ascendeu ao mercado poderia ser disputada pelo tradicional discurso petista de melhoria do serviço público ou se voltar para um discurso típico da classe média: a defesa do consumidor. E nisto Russomanno é um mestre pelo histórico de seus programas de televisão.

Nada mais falso. Ainda que uma parte das pessoas que ingressam no mercado possa querer se diferenciar pela compra de serviços privados, não há nenhuma correlação comprovada entre consumo e ideologia política. Pessoas da classe média tradicional consomem mais e se consideram politizadas. Por que no momento em que os pobres ascendem eles não teriam capacidade de consumir e manter suas preferências políticas?

As igrejas evangélicas também foram mostradas como motivo do voto popular. Mas os evangélicos não são mais “alienados” do que ateus ou membros de outras religiões. Se uma parte dos fiéis pode seguir o pastor, uma maioria certamente se define por convicções formadas em vários espaços de sociabilidade como a vizinhança, os parentes mais informados e também as igrejas. Muitas pessoas na periferia frequentam mais de uma ao mesmo tempo.

A história não costuma ser chamada a opinar em processos eleitorais que tem oscilações rápidas e casuais. Uma acusação de corrupção, um escândalo na família e a falta de recursos financeiros podem fazer desabar uma candidatura. Pode ser que o vídeo de Mitt Romney falando maldades dos eleitores de Obama tenha selado a sua derrota. Quem sabe?

Mas deixando de lado as oscilações do tempo curto, a história de São Paulo prova duas coisas. A primeira é que um candidato como Russomanno não é nenhuma novidade, mas a norma. Desde os anos 1940 candidatos como Ademar de Barros e Janio Quadros mantiveram uma corrente que podemos chamar apenas por falta de um conceito melhor como “direita popular”. Ela contrastava com a direita nacional de classe média da UDN que era derrotada nas eleições presidenciais. Decerto muita gente desgosta da expressão porque parece um oximoro. Se é popular não pode ser direita.

Esta corrente política nunca se expressou numa organização partidária, mas é um “partido” no lato sentido de corrente de opinião permanente. O fenômeno de candidatos direitistas com voto não é uma exclusividade paulistana. Mas como São Paulo é uma grande cidade que passou por urbanização intensa em dimensões incomparáveis, as populações recém-chegadas sempre foram alvo de um discurso autoritário que as situavam como clientela e vítima. “Culpadas” pela violência que sofriam e dependentes, elas nem sempre se viam como trabalhadoras responsáveis pelo erguimento da metrópole e sucumbiam à mensagem de ordem, segurança e habitação. Mas ao mesmo tempo se organizavam nas associações de bairro (muitas com sede própria há mais de meio século) e conquistavam loteamentos, asfalto, postos de saúde etc.

Mas a história paulistana nos mostra um segundo fator. Nunca houve uma polarização entre PT e PSDB no município de São Paulo. Em 1985 um velho representante desse “partido de direita” voltou ao poder municipal pelo voto. Era Janio Quadros que derrotou F. H. Cardoso. Mas Eduardo Suplicy (PT) ficou num digno terceiro lugar. Em 1988 o município foi surpreendido pela vitória de Luiza Erundina (então no PT). Mas desde 1992 o malufismo governou São Paulo. Na onda neoliberal a direita apresentou a privatização da saúde como propaganda já em 1992 e não agora. O PAS (Plano de Atendimento à Saúde) foi uma concessão de serviços públicos que enriqueceu alguns empresários médicos e se parecia a um plano de saúde privado.

Enquanto isso, o PT fincou raízes na periferia extrema da cidade, mas divide o apoio com a direita popular. Na verdade só conseguiu derrotá-la em 1988 numa eleição de um só turno e em 2000 quando o Governo FHC estava em seu momento de mais baixa popularidade e o PT despontava como alternativa nacional de poder. Além disso, a petista Marta Suplicy teve o apoio do Governador Mario Covas do PSDB! A vitória do tucano José Serra em 2004 poderia ser apontada como uma anomalia, pois ele não tem o perfil malufista. Tem um partido estabelecido e outra relação com eleitores de classe média.

Mas a vitória de Serra só foi possível com o apoio de votos que ficaram sem uma liderança na direita popular em 2004, já que ela estava absorvida pelo governo Lula em sua lua de mel com os novos aliados. Maluf já estava em franca decadência e o próprio Serra inclinou o discurso à direita. Ao olhar somente para o tempo curto o analista passa a acreditar que há um fenômeno estrutural: a “direita lulista”. Na verdade, a Direita popular atualiza frequentemente o discurso, pois se apresenta como uma “direita de resultados” e não presa a valores morais. Estes são mais fortes na direita conservadora de classe média. Depois de sua derrota em 1988 a direita popular incorporou temas sociais ao lado das propostas de suas tradicionais grandes obras viárias. O projeto Cingapura (Habitação) e a aparente defesa dos favelados foram vitrines da campanha malufista em 1992.

Entretanto, Serra perdeu a chance de quebrar a polaridade entre PT e a velha direita ao deixar a prefeitura para um antigo malufista que se reelegeu: Kassab. A disputa de 2012 pode reproduzir o duelo entre petistas e a direita popular. Se o PSDB for ao segundo turno isso se deverá mais ao erro estratégico do PT ter demorado a fazer campanha onde ele sempre foi mais forte: a periferia. A geografia do voto em São Paulo mostra há vinte anos que o PT tem apoio maior entre os mais pobres.

O apoio de Maluf ao PT em nada muda a luta política estabelecida porque a sua base social não o acompanhou. É que a periferia não é propriedade de ninguém. O PT tem lá sua força e a direita popular também porque ela é popular de fato. E é de Direita porque visa manter o Status Quo através da canalização das necessidades populares para saídas individualistas ou para organizações limitadas às demandas corporativas.

Decerto um “grande acontecimento” ou uma campanha massiva dos meios de comunicação (no caso de Serra ir ao segundo turno) pode tirar a vitória de Russomanno. Fora disso só o improvável apoio do eleitorado do PSDB ao PT no segundo turno e a recuperação dos votos petistas nos extremos Leste e Sul da cidade alterariam um resultado mais do que previsível, embora não inelutável. É que as eleições são uma composição de quadros dinâmicos e não estáticos. Haddad poderia reorientar sua agenda na reta final do primeiro turno totalmente para o objetivo de desmontar uma parcela do apoio popular à Direita e, depois, usar sua imagem de classe média para atrair os votos que Marta Suplicy teve em 2000. Se ainda há tempo só a campanha petista poderá comprovar depois de tantas desavenças internas e erros estratégicos.

Quanto ao futuro, é a mudança de condição de vida já em curso na periferia que poderá quebrar a hegemonia de Direita em São Paulo. A velocidade da urbanização e o perfil da economia industrial da cidade começaram a mudar nos últimos decênios. Mas para isso a esquerda precisa ver os pobres como sujeitos históricos.

(*) Lincoln Secco é Professor de História Contemporânea na USP e autor de “A História do PT” (Ed. Ateliê, terceira edição, 2012).