Por Michael
Hudson (*)
A
criação dos $13 trilhões em dívidas
para o salvamento dos bancos não foi
acusada de ameaçadora à estabilidade
econômica. Ela permitiu aos bancos
prosseguirem pagando seus salários
exorbitantes, bônus e dividendos.
Esses pagamentos ajudaram o 1% a
receber 93% do rendimento de 2008. O
resgate, assim, polarizou a economia,
dando ao setor financeiro mais poder
sobre o setor produtivo, os
consumidores e o governo do que era o
caso desde o século XIX, após a Guerra
de Secessão.
O
artigo é de Michael Hudson.
Quando em agosto
de 1914 teve início a Primeira Guerra
Mundial, economistas de ambos os lados
do front previram que as hostilidades
não poderiam durar mais de seis meses. As
guerras tornavam-se caras o bastante
para que governos ficassem sem
dinheiro rapidamente. Parecia que, se
a Alemanha não derrotasse a França na
primavera, tanto os Aliados quanto os
Impérios Centrais ficariam sem
salvaguarda e alcançariam o que hoje
se chama de abismo fiscal, sendo assim
forçados a negociar um acordo de paz.
Mas a Grande
Guerra estendeu-se por quatro anos.
Governos europeus fizeram o que os
Estados Unidos haviam feito depois de
começada a Guerra Civil em 1861,
quando o Tesouro decidiu por imprimir
dinheiro. Eles pagaram pela batalha
simplesmente imprimindo mais do
próprio dólar. Suas economias
adquiriram firmeza e não houve mais
inflação, o que aconteceria apenas
depois de terminada a guerra, como
resultado da tentativa alemã de pagar
pelas reparações em moeda estrangeira.
Foi essa a causa da queda da taxa de
câmbio, que aumentou o preço da
importação e dos produtos domésticos.
O culpado não foi o gasto com a guerra
(muito menos qualquer gasto com
programas sociais).
Mas a história é
escrita pelos vencedores. E as últimas
gerações viram os bancos e o setor
financeiro vencendo. Mantendo os 99%
de baixo endividados, o 1% de cima
atualmente subsidia uma teoria
econômica enganadora que persuade
eleitores a preferirem políticos que
beneficiam o setor financeiro em
detrimento do setor produtivo e da
democracia.
Os lobistas de
Wall Street culpam o desemprego e a
perda de competividade industrial
decorrentes dos gastos públicos e do
déficit orçamentário – principalmente
os que envolvem programas sociais. O
mito (talvez nós devamos chamá-lo de
junk economics) diz que (1) governos
não deveriam executar déficits (não
por imprimir a própria moeda, pelo
menos) porque (2) a criação de
dinheiro público e impostos altos
aumentam preços. A cura para o
mal-estar econômico (que a própria
junk economics causou) é diminuir
gastos públicos e impostos sobre
ricos, que se autoproclamam “criadores
de empregos”. Ao requisitarem o
excedente orçamentário, os lobistas
dos bancos prometem que a economia
terá poder de consumo suficiente para
crescer. E, se isso resulta
em mais crise,
eles insistem que um pouco mais do
dinheiro público deve ser usado para
pagar as dívidas do setor privado.
A verdade é que
quando os bancos enchem a economia de
dívidas, faz-se com que menos seja
gasto em bens domésticos e serviços.
Enquanto isso, sobe o preço da moradia
(e do custo de vida) com crédito
excessivo e termos de empréstimo mais
folgados. E os lobistas dos bancos
pedem deflação fiscal. O efeito é
a ainda maior
redução da demanda ao setor privado, o
afundamento do mercado de trabalho e o
crescimento do desemprego. Os governos
caem em desespero e são advertidos a
vender recursos naturais, empresas
públicas e outros bens. Isso torna o
mercado lucrativo para que empréstimos
bancários financiem a privatização a
crédito. Assim se explica o apoio dos
lobistas do mercado financeiro ao
direito de aumentar preços de
necessidades básicas, direito que
acaba por criar uma frente pela
extração de renda. O efeito é o
enriquecimento do 1% dono do setor
financeiro às custas do endividamento
de indivíduos, negócios e do próprio
governo.
Essa política
foi exposta como destrutiva no final
dos anos 1920 quando John Maynard
Keynes, Harold Moulton e alguns outros
rebateram as afirmações de Jacques
Rueff e Bertil Ohlin. Segundo estes,
dívidas de qualquer magnitude poderiam
ser pagas se governos impusessem
austeridade suficientemente profunda.
Essa é a doutrina adotada pelo Fundo
Monetário Internacional e pelos
neoliberais europeus. O primeiro impõe
seus princípios sobre os caloteiros do
Terceiro Mundo desde 1960, os últimos
sobre Irlanda, Grécia, Espanha e
Portugal.
Dada a opção de
imprimir dinheiro em vez de aumentar
impostos, por que políticos só criam
novo poder de consumo para bancar
guerras? Por que os governos devem
taxar aposentadorias, não Wall Street?
Por que o governo norte-americano não
imprime dinheiro para pagar a
Segurança Social e o Medicare assim
como criou novas dívidas em virtude
dos $13 trilhões (eu voltarei a esta
questão mais tarde)?.
A resposta a
essas questões tem pouco a ver com
mercados ou com teoria monetária.
Banqueiros dizem que, se tiverem que
pagar mais seguros de depósito para
salvar o Tesouro ou o contribuinte,
terão que cobrar mais dos clientes,
apesar dos correntes recordes
lucrativos. Quando se trata de taxar o
trabalho, porém, eles apoiam outra
modalidade fiscal.
Colocar as taxas
sobre os ombros dos trabalhadores e da
indústria é alcançado por cortar
gastos com o 99%. Essa é a raiz das
discussões de dezembro de 2012 sobre
se se deve ou não impor as políticas
anti-déficit propostas pela comissão
Bowles-Simpson, nomeada pelo
presidente Obama em 2010. Derramando
lágrimas de crocodilo em razão da
incapacidade do governo em equilibrar
o orçamento, os bancos insistem que
15,3% do imposto que financia a
Medicare e a Segurança Social seja
estorvado – como se isso não
aumentasse o custo de vida e
diminuísse o poder de compra dos
consumidores. Empregadores e sua força
de trabalho são advertidos a guardar
dinheiro para a Segurança Social ou
outros programas públicos. Esse é um
imposto disfarçado sobre os 99%, cujos
rendimentos são usados para reduzir o
déficit orçamentário para que impostos
possam ser cortados do mercado
financeiro e do 1%. Parafraseando
Leona Helmsley quando disse que “só as
pessoinhas pagam impostos”, o mote
pós-2008 é que só os 99% devem perder.
Não é mais
necessário guardar dinheiro para a
Segurança Social do que é para
financiar a guerra. Vender títulos do
Tesouro para pagar aposentados tem
efeitos monetários e fiscais idênticos
a vender novos valores imobiliários. É
uma charada para transferir a carga
tributária para o setor produtivo.
Governos precisam prover a economia
com dinheiro e crédito para expandir
mercados e empregos. E eles o fazem
por executar déficits orçamentários, o
que também pode ser feito por criar
dinheiro. A isso é que bancos
opõem-se, dizendo que tal medida
conduz a economia mais à hiperinflação
do que ao crescimento.
A lógica por
trás dessa acusação errônea não são
senão os interesses dos próprios
banqueiros. Banqueiros sempre lutaram
para impedir que o governo criasse seu
próprio dinheiro – ao menos em tempos
de paz. Por muitos séculos, títulos do
governo eram os maiores e mais seguros
investimentos para as elites
financeiras. Investidores e corretores
monopolizavam as finanças públicas. O
mercado de ações e títulos de
corporações era prenhe de fraudes e
dominado por informantes das grandes
trustes que Wall Street organizava,
além dos corretores britânicos e
franceses.
No entanto,
havia pouca alternativa para que
governos criassem seu próprio dinheiro
quando os custos da guerra excediam de
longe o volume de economias nacionais
ou receitas tributárias disponíveis.
Essa necessidade óbvia silenciou a
costumeira oposição montada por
banqueiros para limitar a opção da
moeda pública, o que mostra que
governos podem fazer mais em estado de
emergência do que em condições
normais. E a crise financeira de
setembro de 2008 proporcionou uma
oportunidade para que os governos
norte-americano e europeus criassem
novas dívidas em função do resgate aos
bancos, tão caro quanto uma guerra.
Com efeito, era uma guerra financeira.
Os bancos já haviam capturado as
agências regulatórias para que
empreendessem empréstimos irrefletidos
e uma onda de fraudes e corrupção não
vista desde a década de 1920.
A primeira
vitória dos banqueiros foi incapacitar
o Tesouro, a Reserva Federal e a
Controladoria da Moeda de regular o
setor financeiro. Gigantes de Wall
Street têm poder de veto na nomeação
de administradores dessas agências.
Eles usaram esse ponto de apoio para
eliminar qualquer candidato que não os
favorecesse, preferindo adeptos da
desregulamentação do naipe de Alan
Greenspan e Tim Geithner. Como
sentenciou John Kenneth Galbraith, uma
pré-condição para a obtenção de um
cargo num banco central é visão de
túnel quando se trata de entender que
governos podem criar crédito tão
prontamente quanto bancos. É
necessário que a lealdade política do
candidato esteja com os bancos.
Após a ruína
financeira de 2008, bastou alguns
comandos de computador para que o
governo norte-americano criasse $13
trilhões em dívidas para salvar os
bancos de danos pelos temerários
empréstimos ao mercado imobiliário,
apostas arbitrárias e fraudes
descaradas. Os $800 bilhões do
Programa de Alívio a Ativos
Problemáticos (Tarp) mais os $2
trilhões da Reserva Federal permitiram
aos bancos que continuassem pagando
absurdos para executivos e possuidores
de títulos sem quaisquer obstruções
enquanto o rendimento dos outros 99%
da população estadunidense submergia.
Um novo termo,
capitalismo-cassino, foi cunhado para
descrever a transformação pela qual
passou o capitalismo financeiro após a
desregulamentação dos anos 1980,
abridora das porteiras para que bancos
fizessem o que governos faziam em
tempos de guerra: criar dinheiro e
novas dívidas públicas por
simplesmente ”imprimir” (utilizando
teclados de computador, neste caso).
Tomar para as
contas públicas as falidas agências de
hipoteca Fannie Mae e Freddie Mac
custou $5.2 trilhões, mais de um terço
dos $13 bilhões usados no resgate.
Isso salvou os possuidores de títulos
de sofrerem perdas em virtude das
avaliações fraudulentas sobre
hipotecas com as quais o Countrywide,
o Bank of America, o Citibank e outros
bancos “grandes demais para falir” se
meteram. Esse enorme crescimento de
dívidas foi produzido sem aumento de
impostos. Com efeito, os cortes feitos
na administração Bush proporcionaram
maiores reduções para os mais ricos,
também maiores contribuintes da
campanha republicana. Privilégios
fiscais foram oferecidos a bancos. A
Reserva Federal apresentou linha livre
de crédito (flexibilização
quantitativa) para o sistema bancário
por somente 0,25% de juros anuais até
2011 – isto é, um quarto de um por
cento, sem questionamento da validade
das hipotecas e de seus bens
colaterais.
A criação dos
$13 trilhões em dívidas para o
salvamento dos bancos não foi acusada
de ameaçadora à estabilidade
econômica. Ela permitiu aos bancos
prosseguirem pagando seus salários
exorbitantes, bônus e dividendos, além
das contrapartes de suas apostas
arbitrárias. Esses pagamentos ajudaram
o 1% a receber 93% do rendimento de
2008. O resgate, assim, polarizou a
economia, dando ao setor financeiro
mais poder sobre o setor produtivo, os
consumidores e o governo do que era o
caso desde o século XIX, após a Guerra
de Secessão.
Tudo isso torna
a atual guerra financeira
parecidíssima com as consequências da
Primeira Guerra Mundial. O efeito é o
empobrecimento dos perdedores, a
apropriação de ativos públicos pelos
vencedores e a imposição de dívidas e
impostos como nos tempos da cobrança
de tributos. “A crise financeira tem
sido
tão devastadora
economicamente quanto uma guerra
mundial e talvez seja um fardo a ser
carregado até por nossos netos”,
observou recentemente Andrew Haldane,
oficial do Banco da Inglaterra. “Em
termos de perda de rendimento e
produção, a crise foi tão ruim quanto
uma guerra mundial”, disse. O aumento
da dívida pública sempre incitou a
convocação de austeridade econômica.
“Seria surpreendente se as pessoas não
estivessem se perguntando sobre o que
deu errado com as finanças”.
Mas,
enquanto o setor financeiro estiver
vencendo a batalha contra a
economia, ele preferirá que todo
mundo pense que não há alternativas.
Tendo tomado para si tanto o domínio
da economia quanto das políticas
econômicas, o setor financeiro busca
manter estudantes, eleitores e a
mídia longe de perguntarem-se o
motivo pelo qual a organização deve
se dar desta maneira. Uma vez que
busquem tal questionamento, as
pessoas podem se dar conta de que os
sistemas bancário, de segurança
social e de financiamento da dívida
pública não necessariamente devem
organizar-se assim. Há melhores
alternativas para o atual caminho de
austeridade e escravidão econômicas.
(*) Michael Hudson
é presidente do Instituto de
Estudos de Tendências Econômicas,
um analista financeiro de Wall
Street e professor de economia da
Universidade de Missouri. Mantém
um site com escritos sobre
finanças e o setor imobiliário.
http://michael-hudson.com/
Tradução de André Cristi
Tradução de André Cristi
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