domingo, 31 de março de 2013

A arte e o artista - TOSTÃO

FOLHA DE SP - 31/03

Messi, pela média muito maior de gols e pela regularidade, está, tecnicamente, acima de Maradona


Uma correção. Na coluna anterior, escrevi que a seleção tem vários problemas, mas que não está tão ruim nem totalmente desatualizada na parte tática. Retiraram a palavra totalmente. Ficou como se a seleção estivesse atualizada. Mudou o sentido. Escrevo, há mais de dez anos, que o futebol brasileiro não sabe marcar por pressão, deixa muitos espaços entre os setores, atua com zagueiros encostados à grande área, que há muita distância entre o jogador mais recuado e o mais adiantado e que depende demais das jogadas aéreas e de lances individuais e esporádicos.

Espanha e Alemanha são as duas melhores seleções. O Brasil não está entre as quatro melhores, mas, por jogar em casa, é a quarta com mais chances de ganhar a Copa. A Argentina é a terceira. Se o Mundial não fosse em casa, as possibilidades do Brasil seriam mínimas.

A Espanha, mesmo sem um ótimo atacante, é a melhor. Sobram craques no meio-campo, além de vários excelentes defensores. Contra a França, como na Copa de 2010, a Espanha, fora de casa, dominou a partida, ficou quase todo o tempo com a bola, fez um gol e segurou o placar.

Critiquei, várias vezes, Vicente del Bosque por escalar dois volantes (Busquets e Xabi Alonso) mais Xavi. O Barcelona atua com Xavi e um volante (Busquets). Agora, compreendo o técnico. Além de melhorar muito a marcação, Xabi Alonso é excepcional, mestre no passe rápido, para a frente e para o atacante livre, antes que chegue o zagueiro.

A Alemanha possui um ótimo conjunto, como a Espanha, porém tem menos craques. Nas duas últimas partidas, o técnico, por causa das contusões dos dois centroavantes, Mario Gómez e Klose, colocou, mais à frente, o jovem e brilhante meia de ligação Götze, reserva de Özil. O técnico deve ter gostado. Ele tem a chance de escalar mais um craque.

A Argentina possui o melhor quarteto ofensivo entre as seleções, formado por Messi, Higuaín, Agüero e Di Maria. Faltam reservas à altura dos quatro. A Argentina, após a chegada do treinador e a saída dos zagueiros veteranos, arrumou a defesa, que era o ponto fraco.

Messi sabe que precisa ser campeão e brilhar intensamente para ficar na história acima de Maradona. Tecnicamente, já está, por ter uma média muito maior de gols e pela regularidade. Messi é humilde, simples, discreto, mas é também ambicioso, como todo craque.

O maior compromisso de um grande talento, em qualquer atividade, é com sua arte, com sua paixão. Não é com o sucesso, a fama e o dinheiro. Por isso e para evoluir, o craque precisa se dedicar bastante à sua técnica, além de atuar ao lado e contra os melhores atletas e times. Imagine se Messi jogasse em uma grande equipe da Argentina. Seria excepcional, mas não seria Messi. Seria um Neymar.

O nome feio - LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO

O GLOBO - 31/03
No meu tempo... Parênteses: sempre que um cronista começa a crônica com "no meu tempo" significa que está sentimentalizando sua velhice para não precisar lamentá-la, o que não interessaria a ninguém. No meu tempo, como eu dizia quando me interrompi tão rudemente, ler ou ouvir um "nome feio" fora de contexto era sempre uma felicidade. Me lembro da minha surpresa ao descobrir que havia nomes feios nos dicionários. Agradávamos aos nossos pais, dando a impressão de que fazíamos uma pesquisa etimológica séria no dicionário, quando na verdade estávamos procurando "bunda". No meu tempo, entre parênteses, "bunda" era nome feio.

Em Porto Alegre, há muitos anos, existia uma loja chamada Casa Carvalho. O nome da loja aparecia em letras aplicadas à sua fachada e, dependendo da sua faixa etária e da sua disposição para pensar em bobagem, você ou pertencia ao grupo que vivia em alegre expectativa do dia em que o "v" de "Carvalho" caísse, ou ao grupo mais velho que vivia em sobressalto com a possibilidade de isto ocorrer. Que eu me lembre, o desejado ou temido nunca aconteceu e a loja chegou ao fim dos seus dias com o "Carvalho" intacto. Mas, durante toda a sua existência, apenas aquele pequeno detalhe separou o estabelecimento do vexame e a cidade de um abalo moral.

No Rio, entre Copacabana e Ipanema, existe uma rua que eu já ouvi ser chamada de "Quase, quase". Trata-se da Bulhões de Carvalho, que depende apenas de uma letra para deixar de ser um nome de família e se transformar numa raridade anatômica. No meu tempo isto seria motivo para muita risada, mas como hoje não existe mais "nome feio", e até em conversa de criança palavrão é usado como pontuação, perdeu a graça. Posso imaginar um avô atual chamando a atenção do neto para a consequência de um único erro de grafia no nome da rua e o neto fazendo uma cara de "Me poupe".

Eu e o hipotético avô acima pertencemos à última geração que espantou o Condor, o que explica nossa ingenuidade. Na apresentação dos filmes da distribuidora Condor aparecia um pássaro condor na beira de um precipício pensando em alçar voo, e era comum, era quase obrigatório, a plateia espantar o condor, que sem este incentivo jamais voaria. Nunca mais se espantou o condor, se é que o condor ainda existe. Olha aí, acabei me lament ando.

sábado, 30 de março de 2013

BRICS. A NOVA REVOLUÇÃO MUNDIAL


(HD) -  Começou ontem, e se encerra hoje, em Durban, na República Sul-Africana, a quinta Cúpula Presidencial dos BRICS - aliança que une o Brasil à Rússia, Índia, China e África do Sul.
        Durante o encontro, como estava previsto, se realiza um fórum, sob o tema  “BRICS e África - Associação para a Cooperação, Integração, Industrialização e Desenvolvimento”, com a participação dos líderes, convidados, de 20 países do continente.
       De acordo com a imprensa sulafricana, já foi aprovada pelos chefes de Estado, e será destaque na Declaração Conjunta que será divulgada hoje, a criação de um Banco de Desenvolvimento para os BRICS, nos moldes do Banco Mundial, com capital inicial de 50 bilhões de dólares; um acordo de swap no valor de 100 bilhões de dólares, para empréstimo conjunto de recursos em caso de crise, nos moldes do que faz o FMI; e uma troca de moedas  entre o Brasil e a China, por três anos, em  valor equivalente a 30 bilhões de dólares por ano. A providencia garantirá o comércio de mercadorias, bens e serviços em moeda local, para ficar a salvo de eventuais flutuações da moeda norte-americana.
         China e o Brasil são, hoje, respectivamente, o primeiro e o terceiro credor individual externo dos EUA. Os países BRICS detêm, em conjunto, 4,5 trilhões de dólares em reservas internacionais, ou 40% do total do mundo.
        Com a criação do seu próprio banco de fomento, eles estão dizendo ao ocidente que se cansaram de esperar por reformas no Banco Mundial e no FMI, que lhes dessem poder equivalente nessas instituições, conforme o peso de seus recursos financeiros, sua população, seus  territórios, mercados, recursos naturais, e  dimensão geopolítica.
        Como ocorreu com o G-8, que se tornou uma sombra do que era antes, após a criação do G-20 - com a decisiva participação do Brasil - o FMI e o Banco Mundial poderão  minguar sua já decrescente importância na nova ordem multipolar no mundo do século XXI.
         Findou o tempo em que os países mais pobres tinham de ir aos EUA mendigar recursos para infraestrutura ou enfrentar crises geradas, como a atual, nas entranhas do descontrolado ultra- capitalismo.
        A partir de agora, eles terão outros interlocutores a procurar, em Brasília, Moscou, Nova Delhi, Pequim ou Pretoria, e não apenas em Washington, Londres ou Berlim.
       O Brasil, com a soja resistente à seca da Embrapa, a mais produtiva cana de açúcar  e o melhor gado tropical do mundo, suas construtoras e seus programas de combate à miséria e à fome, aliado à China, com seus gigantescos recursos financeiros, e aos russos e indianos, pode mudar, em poucas décadas, o futuro da população africana.
       Basta que, para isso, não cometamos os mesmos erros e os mesmos crimes do arrogante colonialismo ocidental, o mesmo que, depois de tantos séculos de espoliação e violência, acabou por nos reunir no BRICS. 

Por que não estudamos na China?

O especialista Milton Pomar lamenta a inexistência de um olhar estratégico do governo brasileiro na direção do país asiático – e mostra como esta visão se reflete no programa Ciência Sem Fronteiras

Por Pedro Pereira
Das mais de 22 mil bolsas de estudo oferecidas pelo governo federal desde a criação do programa Ciência Sem Fronteiras, apenas cinco foram para estudantes que se dirigiam à China. Enquanto isso, os Estados Unidos eram o destino de 5.028 pesquisadores brasileiros. Para entender o porquê de tamanha desproporção, AMANHÃ ouviu Milton Pomar, especialista em China e editor da revista em chinês “Negócios com o Brasil”. Para ele, a falta de interesse dos estudantes é apenas um reflexo da mesma atitude demonstrada pelo Planalto.

estudantes-china-pomar-350“Se não há a compreensão, no governo federal, da necessidade de agir estrategicamente em relação à China, por que os estudantes universitários o fariam?”, questiona Pomar. Os canais para que o governo estabelecesse uma conexão mais próxima com os orientais, segundo ele, seriam os ministérios e até mesmo a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil).

Como exemplo, Pomar cita o setor agropecuário. Ele lembra que a China é o maior comprador do Brasil e que graças a essas compras, de valores e volumes crescentes, o país mantém um superávit na balança comercial. “Quem acompanha o setor sabe o quanto a China impactou favoravelmente nos últimos dez anos, e o quanto ainda pode comprar de produtos como carne, celulose, lácteos, soja, algodão, milho, frutas, etanol... Certamente comprará”, projeta.

Pomar lamenta, entretanto, que mesmo diante de um cenário que envolve um comércio de dezenas de bilhões de dólares anuais, somente há cerca de quatro anos o governo brasileiro tenha finalmente criado o cargo de adido agrícola para a Embaixada do Brasil na China. “Foi enviado um veterinário, especialista em vigilância sanitária, que conseguiu se ambientar rápido com a China e com o cargo que desempenhava. Mas, não sei por qual razão, ficou pouco mais de um ano e voltou para o Brasil, que então selecionou outro profissional”, relata.

A Embrapa também enviou uma pesquisadora para a China, para buscar parcerias com instituições chinesas do setor agropecuário. Uma pessoa, segundo Pomar, que até o ano passado, quando embarcou para a missão, não sabia nada sobre o país asiático.

“Se o setor que responde por US$ 40 bilhões anuais de superávit na balança comercial brasileira não consegue merecer uma equipe que permaneça pelo menos dez anos na China, para conhecer o mercado de alimentos e o setor do agronegócio chinês, abrir e manter abertos canais no maior mercado atual e de alto potencial para o agronegócio brasileiro, por que mais do que cinco estudantes pleiteariam bolsas do Ciência Sem Fronteiras para estudar lá?”, alfineta Pomar.

Afinal, quem tem os olhos fechados?
Aliados no bloco das maiores economias emergentes do mundo, o BRICS (integrado também por Rússia, Índia e África do Sul), Brasil e China não parecem distantes apenas no mapa. Segundo Pomar, o governo brasileiro carece de informações sobre a juventude chinesa, pois o único estudo realizado seria insuficiente.

“O IPEA [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada] realizou um estudo sobre a juventude chinesa e a brasileira, entrevistando estudantes universitários em Brasília, São Paulo e em uma universidade de Pequim e outra de Shangai. E disseram que com essa amostra tinham conseguido captar a média da opinião do acanhado universo de universitários chineses”, exclama Pomar.

O especialista faz, ainda, um recorte sobre a realidade vivida pela região sul. “Quais ações consequentes os governos estaduais de Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná desenvolveram em relação à China em 2011 e 2012, que não apenas viagens para contatos ligeiros? E o que farão este ano e em 2014?”, indaga.

Crise nos Estados Unidos
Pomar ressalta o fato de os jovens brasileiros ainda considerarem os Estados Unidos como “o farol do mundo”. Ele lembra que os americanos estão enredados em uma gigantesca crise fiscal – e sem uma perspectiva concreta de solução, já que um dos principais complicadores foi o custo das guerras. E Washington insiste em manter bases militares e tropas em diversos pontos do globo.

“Há, ainda muito forte no Brasil, um enorme preconceito em relação à China, às dificuldades de comunicação no país, ainda que os cursos de pós-graduação que recebem estrangeiros sejam ministrados em inglês, como nos Estados Unidos”, lamenta Pomar. Ele reconhece, no entanto, que fatores subjetivos como a alimentação e a cultura pesem muito na escolha dos jovens sobre onde viverão – e estudarão - nos dois ou três anos seguintes.

"EUA têm mais inimigos hoje do que tinham em 2001"



Em entrevista à Carta Maior, François Bernard Huyghe, professor de Ciências Políticas e pesquisador no Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas (IRIS), analisa os dez anos transcorridos desde os atentados de 11 de setembro de 2001. Autor de vários ensaios sobre o terrorismo, o especialista francês destaca a relação entre mídia e terror, a permanência da ideologia conservadora nos EUA e o erro estratégico que Washington cometeu ao responder ao terror com um terrorismo de Estado. Data: 08/09/2011
Uma década depois das imagens das Torres Gêmeas de Nova York caindo como castelos de areia as análises dos especialistas são contrastadas: Bin Laden não ganhou, mas tampouco os Estados Unidos. Em meio a isso, eclodiram as revoluções árabes e estas, em um mesmo movimento, desacreditaram tanto as teses do radicalismo islâmico como a vergonhosa posição dos países ocidentais que apoiaram, em nome de seus interesses, os piores déspotas da história. Professor de Ciências Políticas, pesquisador no Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas (IRIS), autor de vários ensaios brilhantes sobre o terrorismo, François Bernard Huyghe analisa nesta entrevista os dez anos transcorridos.

Em seu último livro publicado na França, “Terrorismes, violences et propagande”, François Bernard Huyghe faz uma análise histórica do terrorismo. O autor destaca nesta entrevista o papel dos meios de comunicação, a permanência da ideologia conservadora norteamericana e a forma pela qual, por meio da “guerra ao terror”, a primeira potência mundial recorreu ao terrorismo de Estado ao melhor estilo de Pinochet, no Chile.

Dez anos depois do 11 de setembro fica no ar algo como um balanço nefasto, tanto para os seguidores da Al-Qaeda quanto para os Estados Unidos. As revoltas árabes que estouraram em 2011 são uma poderosa negação das teses da Al Qaeda e, ao mesmo tempo, desmascaram o cinismo ocidental.

A primavera árabe se inscreve em uma lógica oposta às ideias da rede de Bin Laden. Para a Al Qaeda, os muçulmanos tinham só duas opções: submeter-se ao Ocidente ou a ditaduras pró-ocidentais como a de Mubarak no Egito; ou se comprometer com a Jihad, a guerra santa, e combater. Mas nos damos conta de que existia ao menos uma terceira alternativa, a saber, a das revoluções democráticas. Hoje estamos então em uma nova fase na qual a Al Qaeda e a nebulosa jihadista esperam aproveitar-se da primavera árabe segundo um esquema clássico. Contam com que a revolução popular e pacífica gere decepções, que haja desordens e tentativas reacionárias. A partir daí, os elementos mais duros jogarão a carta da radicalização da situação com a ideia de passar daí para a luta armada. Esse é o esquema que se depreende das ideias de Al-Zawahiri.

Por outro lado, Hosni Mubarak no Egito e Ben Ali na Tunísia agitaram o fantasma da Al Qaeda e com isso reprimiram a população ao mesmo tempo em que diziam ao Ocidente: “estamos do seu lado, lutamos contra os islamistas”. Chegamos assim ao assombroso paradoxo de ver os EUA felicitarem-se ante a maravilhosa revolução democrática no Egito quando, na verdade, até apenas alguns meses atrás Washington despejava bilhões de dólares no Egito de Mubarak.

Outro dos grandes paradoxos do 11 de setembro reside em que os atentados serviram mais aos interesses da ideologia neoconservadora norteamericana do que aos interesses do mundo árabe.

Para os neoconservadores dos EUA, os atentados do 11 de setembro foram uma surpresa divina. Os atentados deram aos conservadores o argumento ideológico para justificar os planos que já tinham prontos, como a invasão do Iraque por exemplo. Esse argumento consistia em dizer que os EUA não eram um tigre de papel, que podiam utilizar a força e inclusive impor a democracia pela força no mundo árabe. Eles aproveitaram a ocasião para vivificar o país preconizando valores militares, de disciplina, de ofensiva.

Os neoconservadores se apegaram à locomotiva do 11 de setembro e conseguiram com isso uma influência ideológica incrível. Aproveitaram-se da situação, da personalidade do presidente Bush. Para eles, o 11 de setembro foi um pão abençoado. E creio que, ainda hoje, não estão fora do jogo. Podem voltar nas próximas eleições presidenciais e, contrariamente ao que pensam muitos analistas, os neoconservadores não estão descontentes com Obama. Eles aprovaram a decisão de enviar 20 mil soldados adicionais ao Afeganistão. Para a Al Qaeda, o fato de a primeira potência do mundo, os EUA, ter declarado guerra e apontado a rede como seu principal inimigo foi um tipo de felicidade paradoxal.

De alguma maneira continuamos mergulhados nas duas ideologias, a que Bush colocou em prática como resposta a Bin Laden.

Sim, essa corrente ideológica persiste. Por exemplo, um mês depois do assassinato de Bin Laden, Barack Obama firmou uma enésima doutrina contra o terrorismo na qual o enunciado principal segue sendo “estamos em guerra contra a Al Qaeda”. A obsessão de um segundo 11 de setembro, a prioridade que se deu à ação para eliminar os terroristas e suas redes assim como os regimes que os apoiam não desapareceu. O discurso de Obama, obviamente, é diferente. O presidente diz que é preciso agir respeitando certos valores e Obama não adotou um regime jurídico excepcional como o Patriot Act.

O terrorismo ao estilo Bin Laden também inaugurou uma indústria mundial dos meios de comunicação, uma espécie de frenesi comercial de comentaristas, analistas e canais de televisão que se ocuparam de propagar a legitimidade da chamada “guerra contra o terror”.

Sim, é certo, mas essa é também uma das regras do terrorismo: o terrorismo é também um meio de comunicação. Se os meios de comunicação não existissem, se os meios não afetassem o imaginário das pessoas, o terrorismo não existiria. O atentado contra as torres gêmeas foi o acontecimento mais filmado da história da humanidade. O terrorismo vive graças ao impacto que tem nos meios de comunicação. Antes, nos anos 70, os terroristas eram obrigados a ser apoiar nos meios de comunicação inimigos, nos meios do capitalismo digamos, para que suas ações fossem difundidas. O que mudou hoje é a aparição da internet. Hoje há redes sociais islâmicas, portais islâmicos, revistas virtuais islâmicas e produtoras islâmicas. Os terroristas têm também seus próprios meios de comunicação.

De um 11 de setembro a outro, o do golpe de estado de Pinochet no Chile e o dos atentados de 2001, encontramos uma constante: o Estado chileno recuperado por Pinochet levou a cabo no Chile uma repressão semelhante a que Bush implementou em escala mundial na chamada guerra contra o terror. As violações de direitos humanos que vimos no Chile, Argentina, Uruguai e Brasil se reencarnaram mais tarde nas práticas da primeira potência mundial.

É certo que como resposta às guerrilhas houve um terrorismo de Estado na América do Sul. Trata-se de uma lógica clássica na qual grupos minoritários obrigam o inimigo a mostrar seu verdadeiro rosto, desmascarando-o para mostrar que é sanguinário. Quando os Estados se veem confrontados ao terrorismo, aplicam suas próprias leis, adotam medidas, proclamam um estado de exceção e, assim, entram em uma fase repressiva que, às vezes, os leva a eliminar poucos adversários e a ter mais inimigos do que antes.

Os Estados se vêm tentados a recorrer a práticas condenáveis: prisões secretas, torturas, repressão, interrogatórios. Todos os Estados caem na tentação de responder à provocação terrorista com um terrorismo de Estado. É isso o que vemos com a reação dos EUA depois dos atentados de 11 de setembro: imagens de guerra terríveis, a prisão de Guantánamo e todo o dispositivo que foi posto em marcha com o Patriot Act. Com esse esquema, os EUA fizeram mais inimigos do que os que tinham no dia 10 de setembro à tarde. É um erro enorme do ponto de vista estratégico.

Tradução: Katarina Peixoto

sexta-feira, 29 de março de 2013

DILMA ENFRENTA A PÁTRIA RENTISTA: MÍDIA UIVA


Por Saul Leblon
“Uma dia de estupefação e revolta no circuito formado pelos professores banqueiros, os consultores e a mídia que os vocaliza.

Na reunião dos BRICS, na África do Sul, na 4ª feira, a presidenta Dilma afirmou que não elevará a ração dos juros reivindicada pelos batalhões rentistas, a pretexto de combater a inflação.

A reação instantânea das sirenes evidencia a cepa de origem a unir o conjunto à afinada ciranda de interesses que arrasta US$ 600 trilhões em derivativos pelo planeta. 

Equivale a dez voltas seguidas no PIB da Terra. 

Trinta e cinco vezes o movimento das bolsas mundiais. 

Os anéis soturnos desse garrote reúnem – e exercem – um poder de extorsão planetária, capaz de paralisar governos e asfixiar nações. 

Gente que prefere blindar automóveis a investir em infraestrutura. O Brasil tem a maior frota de carros blindados do mundo. 

E uns R$ 500 bilhões estocados em fundos de curto prazo; fora o saldo em paraísos fiscais.

Carros blindados, dinheiro parado, paraísos fiscais e urgências de investimento formam a determinação mais geral da luta política em nosso tempo.

Em Chipre, como lembra o correspondente de “Carta Maior” em Londres, Marcelo Justo, o capital a juros compunha uma bocarra equivalente a 67 bilhões de euros, uns US$ 90 bilhões de dólares.

Três vezes o PIB. De um país com população menor que a de Campinas. 

A fome pantagruélica desse organismo requeria rações diárias indisponíveis no ambiente retraído da crise mundial. 

A gula que quebrou Chipre é a mesma que já havia quebrado a Espanha, Portugal, Irlanda, Islândia e alquebrado o mercado financeiro dos EUA.

A falência cipriota assusta o mundo do dinheiro não por suas dimensões. 

Mas porque ressoa o uivo cavernoso de uma bancarrota, só anestesiada a um custo insustentável na UTI mundial das finanças desreguladas.

No Brasil, o mesmo uivo assume o idioma eleitoral ao gosto do dinheiro graúdo: ‘dá para fazer mais’.

O governo Dilma acha que sim. 

Mas com a expansão do investimento produtivo. Não com arrocho e choque de juros.

O país ampliado por 12 anos de políticas progressistas na esfera da renda e do combate à pobreza, não cabe mais na infraestrutura concebida para 30% de sua gente. 

A desproporção terá que ser ajustada em algum momento. 

Como o foi, com viés progressista e investimento pesado, durante o ciclo Vargas.

Sobretudo no segundo Getúlio, nos anos 50. 

Mas também o foi em 64.

Em versão regressiva feita de arrocho e repressão contra as reformas de base de Jango, no golpe que completa 49 anos neste 31 de março.

O que se assiste hoje guarda uma diferença política importante em relação ao passado.

Nos episódios anteriores, o conflito de classe entre as concepções antagônicas de desenvolvimento seria camuflado pela vulnerabilidade externa da economia.

Um Brasil estrangulado pelo desencontro entre a anemia das exportações e o financiamento das importações colidia precocemente com o seu teto de crescimento.

O gargalo do investimento se realimentava no funil das contas externas. E vice-versa.

Era um prato cheio para o monetarismo posar de arauto dos interesses da Nação. E golpeá-la, com as ferramentas recessivas destinadas a congelar o baile.

'Quem está fora não entra; quem está dentro não sai'. 

Durante séculos, essa foi a regra do clube capitalista brasileiro.

Hoje, embora a pauta exportadora se ressinta de temerária concentração em ‘commodities’, não vem daí o principal obstáculo ao investimento.

O país dispõe de reservas recordes (US$ 370 bilhões). Tem crédito farto no mercado internacional. O relógio econômico intertemporal é favorável ao financiamento de um ciclo pesado de investimentos em infraestrutura.

Quem, afinal, veria risco em financiar a sétima economia do planeta, que, em menos de uma década, estará refinando a pleno vapor as maiores descobertas de petróleo do século 21?

O desencontro entre o Brasil que somos e aquele que podemos ser deslocou-se do gargalo externo, dos anos 50/60/80, para o conflito aberto entre os interesses da maioria da sociedade e os dos detentores do capital a juro.

Assim como em Chipre, na Espanha, nos EUA ou em Paris, o rentismo aqui prefere repousar num colchão de juros reais generosos, blindado por esférico monetarismo ortodoxo. 

Migrar para a esfera do investimento produtivo, sobretudo de longo prazo, como requer o país agora, não integra o seu repertório de escolhas espontâneas.

É essa prerrogativa estéril que os professores banqueiros do PSDB cobram pela boca e pelo teclado do jornalismo econômico, escandalizado com a assertiva defesa do desenvolvimento feita pela presidenta Dilma. 

Presidenciáveis risonhos que se oferecem untados em molhos palatáveis às papilas monetaristas e plutocráticas vão aderir ao jogral. 

Esse receituário que quer matar o doente em vez de curar a doença está datado; é uma política superada", fuzilou Dilma.

Previsível, o dispositivo midiático tentou desqualificar o revés como se fora uma demonstração de ‘negligência com a inflação’. 

Um governo que trouxe 50 milhões de pessoas para o mercado de consumo minimizaria a vigilância sobre a inflação?

Seria o mesmo que sacar contra o seu maior patrimônio político. 

O governo Dilma optou por abortar as pressões de preços de curto prazo com desonerações. E enfrentar o desequilíbrio estrutural com um robusto ciclo de investimentos.

São lógicas dissociadas da receita rentista.

Aqui e alhures, a obsessão mórbida pela liquidez descolou-se da esfera patrimonial para a dos rendimentos financeiros. Não importa a que custo social ou político.

Sua característica fundamental é a preferência parasitária pelo acúmulo de direitos sobre a riqueza, sem o ônus do investimento físico na economia.

A maximização de ganhos se faz à base da velocidade e da mobilidade dos capitais, sendo incompatível com o empenho fixo em projetos de longa maturação em ferrovias, hidrelétricas ou portos.

Durante a década de 90, as mesmas vozes que hoje disparam contra o que classificam como ‘intervencionismo da Dilma’, colocaram o Estado brasileiro a serviço dessa engrenagem.

A ração dos juros oferecida no altar da rendição nacional chegou a 45% [SELIC], em 1999.

Um jornalismo rudimentar no conteúdo, ressalvadas as exceções de praxe, mas prestativo na abordagem, impermeabilizou essa receita de Estado mínimo com uma camada de verniz naval de legitimidade incontrastável.

A supremacia dos acionistas e dos dividendos sobre o investimento –e a sociedade-- tornou-se a regra de ouro do noticiário econômico.

Ainda é.

A crise mundial instaurou a hora da verdade nessa endogamia entre o circuito do dinheiro e o da notícia.

Trata-se de uma crise dos próprios fundamentos daquilo que o conservadorismo entende como sendo ‘os interesses dos mercados’. Que a mídia equipara aos de toda a sociedade.

Dilma, de forma elegante, classificou essa ilação como uma fraude datada e vencida. De um mundo que trincou e aderna, desde setembro de 2008.

A pátria rentista uiva, range e ruge diante de tamanha indiscrição.”

FONTE: escrito por Saul Leblon no seu “Blog das Frases” no site “Carta Maior” (http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=6&post_id=1215).

quinta-feira, 28 de março de 2013

'Não há direção política na União Europeia’, diz economista português

Internacional

28/03/2013


Francisco Louçã, um dos economistas que mais influenciam o Bloco de Esquerda de Portugal, critica o plano da troika de impor taxas sobre os depósitos bancários daquele país, afirmando que, se a UE queria combater a evasão fiscal, deveria taxar a entrada de capitais e o controlar dos seus movimentos, inclusive de offshores britânicas.
Data: 24/03/2013
Lisboa – No programa "Tabu" de sexta-feira (22) na SIC Notícias, Francisco Louçã, economista e político português ligado ao Bloco de Esquerda, referiu-se em termos muito duros à atuação das autoridades europeias na crise do Chipre, e notadamente em relação ao plano de impor uma taxa sobre os depósitos bancários do país. Esta solução foi rejeitada pelo parlamento cipriota, mas volta a estar na ordem do dia nas negociações que estão a ser levadas a cabo neste início de semana.

Louçã recorda que "a decisão foi tomada numa maratona noturna de uma reunião do Eurogrupo, que decide por unanimidade, com consulta ao FMI e ao Banco Central Europeu". Mas, no dia seguinte, ninguém queria assumir a responsabilidade por ela. "O ministro das Finanças alemão diz que foi o BCE. O BCE diz que foi a Comissão Europeia. A Comissão Europeia fez um texto escrito dizendo que tinha sido o governo de Chipre, que diz que foi obrigado a encaminhar tudo", criticou o economista. Para ele, isso "dá uma ideia de inconsistência e a percepção de que tinham feito um disparate gravíssimo do ponto de vista sistémico sobre a Europa, para que imediatamente o castelo de cartas caia".

Para Louçã, o episódio demonstrou que "não há direção política na União Europeia". Recordando que a justificativa para tal plano era de que "os russos tinham lá muito dinheiro de lavagem ou evasão fiscal", Louçã foi enfático: "Entendamo-nos bem: se a Europa quisesse controlar a evasão para paraísos fiscais como o Chipre, então impusesse uma taxação sobre a entrada de capitais e o controle dos seus movimentos. Mas tinha que o fazer em relação aos offshores britânicos também, que são muito mais importantes do que Chipre. Ou os offshores de outros Estados europeus, incluindo Portugal".

Para Francisco Louçã, "a estupidez desta decisão é tão grave, de gente que não é capaz de imaginar as consequências gravíssimas de desagregação da União Europeia, quando ao mesmo tempo estão a pedir enorme poder para si - o poder orçamentário, o poder federal, o poder de decisão política, um governo europeu".

E concluiu: "Não são capazes de liderar a solução econômica para um país que representa 0,2% do PIB europeu, como é que se atrevem a dizer que têm uma solução para a Europa? Não têm, e portanto todos os efeitos de consequência e de desânimo e de desconfiança vão atingir as taxas de juros, as economias europeias e a credibilidade da União Europeia".

Publicado no Esquerda.net

Sobre o desenvolvimento chinês (II)

José Luís Fiori

28/03/2013



O desenvolvimento chinês possui características que confundem inteiramente a ciência política ocidental, e colocam de cabeça para baixo a teoria do “estado desenvolvimentista”, formulada pelos anglo-saxões, na década de 1980.
Data: 27/03/2013
“Para mim, uma vez que fui designado pelo povo para o atual cargo, preciso colocar sempre o povo no lugar mais importante do coração, ter sempre em mente as enormes expectativas que o povo me confia e lembrar que as responsabilidades são mais pesadas que a montanha Tai”.
Presidente Xi Jinping, Valor Econômico, 20/03/2013


O desenvolvimento chinês possui características que confundem inteiramente a ciência política ocidental, e colocam de cabeça para baixo a teoria do “estado desenvolvimentista”, formulada pelos anglo-saxões, na década de 1980. Até a segunda metade do século XIX, a China se desenvolveu fora do mundo euro-cêntrico e só se transformou num “estado nacional”, depois de 1912, e numa “economia capitalista”, no final do século XX. Mas na verdade, a China tem muito pouco a ver com os pequenos estados nacionais originários da Europa, e é de fato um “estado-civilização” que não possui sociedade civil nem conhece o princípio da “soberania popular”. Apesar disto - contra todas as expectativas ocidentais - o estado chinês tem se demonstrado altamente flexível e inovador, uma contradição aparente que remete às suas origens e à história de longo prazo de sua civilização.

A China é em si mesmo um continente, e seu estado – isoladamente - é responsável por cerca de 1/5 da população mundial. O processo de centralização do poder territorial ocorreu na China, há pelo menos 2300 anos, e apesar de varias fragmentações posteriores, o povo chinês sempre conseguiu refazer sua unidade e preservar sua homogeneidade linguística e cultural, transformando-se no país com a história contínua mais antiga da humanidade. O que mantem o povo chinês unido não é sua identificação a “nação Han” que foi inventada no final do século XIX, é sua identificação com uma civilização e uma história cujas raízes remontam até o ano 5000 A.C. A China nunca teve nenhum tipo de religião oficial, nem jamais dividiu o seu poder imperial e burocrático com nenhuma instituição religiosa, nobreza ou classe econômica, como no caso das “sociedades civis” europeias.

O império chinês foi gerido através dos séculos, por um mandarinato meritocrático e homogêneo, que se consolidou durante a Dinastia Ming (1368-1644), e que sempre se pautou pela filosofia moral de Confúcio (551-479 a.C.), com sua concepção da virtude e do compromisso ético dos governantes com o interesse universal do povo e da civilização chinesa. Deste ponto de vista, o Partido Comunista Chinês apenas prolongou e radicalizou uma tradição milenar, ao criar uma espécie de “dinastia mandarim”, que segue governando a China segundo os mesmos preceitos morais confucianos do período imperial. Por outro lado, não existe na tradição chinesa, a ideia da “soberania popular”, e o princípio da “soberania nacional” é associado diretamente à “soberania do estado”.

Mais do que isto, a filosofia confuciana nunca valorizou a participação do povo no governo, e sempre teve uma visão elitista do estado e dos seus governantes. Mas ao mesmo tempo, a tradição chinesa sempre admitiu o direito “divino” da sublevação popular contra as autoridades que não cumprissem suas obrigações morais, com foi o caso da rebelião que derrubou a Dinastia Qing(1644-1912), e proclamou a Republica da China, em 1912.

Aos olhos do Ocidente, este “modelo chinês” é autoritário e inflexível e está condenadoà esclerose e à paralisia decisória, como ocorreu com o estado e o governo soviético. No entanto, contra todas as expectativas, o estado chinês tem demonstrado uma extraordinária capacidade de se autocorrigir e de se reinventar, sem apresentar até hoje nenhuma tendência ou necessidade de se transformar numa democracia eletiva e multipartidária. Neste sentido, a história da China traz uma grande novidade, e colcoa algumas questões decisivas para a reflexão ocidental:

i. Ainda que seja difícil de entender e aceitar, o Estado chinês não está a serviço do desenvolvimento capitalista; pelo contrário, é o desenvolvimento capitalista e o próprio estado chinês que estão a serviço de uma civilização milenar que já se considera o pináculo da história humana.

ii. A história milenar da China e do mundo sino-cêntrico questionam a inevitabilidade da democracia eleitoral e multipartidária, que seria apenas um fenômeno datado e circunscrito, do ponto de vista temporal e territorial. Neste sentido, se poderia valorizá-la ou adotá-la, mas ela não seria inevitável, nem seria um valor universal.

iii. Neste momento a China não parece estar se propondo como um modelo alternativo, mas com certeza o seu sucesso demonstra que existem alternativas ao “modelo ocidental”, que seria apenas uma invenção europeia transformada em “necessidade histórica”.

iv. Por fim, o ingresso do “estado-civilização” chinês, no sistema interestatal deixa uma pergunta: a China que se adaptará ao sistema de Vestfália, ou se será o sistema de Vestfália que terá que se adaptar ao sistema “hierárquico-tributário” do mundo sino-cêntrico ?

Os vendedores de vento

Carta Capital

Antônio Delfim Netto

Não há nenhuma razão para imaginar que a elevação do juro real, hoje, vá produzir alguma modificação importante na taxa de inflação ou na sua expectativa

Não há nenhuma razão para imaginar que a elevação do juro real, hoje, vá produzir alguma modificação importante na taxa de inflação ou na sua expectativa. O que existe é um estado de excitação provocado pelos “vendedores de vento”, intermediários da pura especulação financeira, ora espremidos pela baixa do juro e desesperadamente necessitados de uma alta da Selic.
Não são agentes de financiamento da produção, pois vivem de comprar e vender papéis da riqueza imaginária representada pelos famosos derivativos cáusticos, em transações cada vez mais complicadas, com a baixa dos juros.
Alguns desses “investidores financeiros” estão à beira do pânico. Eles precisam “vender” para a sociedade a idéia de que somente a elevação dos juros poderá evitar o crescimento da inflação. Pretendem, na realidade, receber antecipadamente as comissões relativas às aplicações dos incautos que pensam estar construindo uma poupança para reforçar a Aposentadoria, mas em lugar disso estão empobrecendo.
Ninguém sabe se agora é o momento apropriado para mexer nos juros nem quando será. A ata da mais recente reunião do Copom fala de incertezas “remanescentes” e recomenda explicitamente a administração “com cautela” da política monetária. Acredito que o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, tenha razões muito seguras para também pedir cautela no trato da questão dos juros. Na verdade, usa-se mais uma vez o axioma do também famoso economista Brainard, que diz o seguinte: “Quando você não sabe muito bem o que está fazendo, por favor, faça devagar”!
O grau de incertezas está refletido no parágrafo 28 da referida ata: “Embora a dinâmica inflacionária possa não representar um fenômeno temporário, mas uma eventual acomodação da inflação em patamar mais elevado, o Comitê pondera que incertezas remanescentes (de origem externa e interna) cercam o cenário prospectivo e recomendam que a política monetária deva ser administrada com cautela”.
O Banco Central tem razão ao recomendar cautela e notar a existência de muita incerteza. Há mais incertezas ainda capazes, se verificadas, de levar a uma redução da taxa de inflação e não a pressões de alta. E uma constatação evidente de que o aumento da safra agrícola, hoje em fase de colheita, terá conseqüências importantes no combate à inflação. No momento sofremos ainda os efeitos do choque de oferta produzido pela queda da produção agrícola no ano passado, a ser corrigida provavelmente com a maior oferta da safra 2012-2013.
Acresça-se a esse cenário o fato de os preços de nossas importações virem a pressionar menos os preços internos, não apenas por darem sinais de ter entrado em um período mais calmo, mas também porque a depreciação do real será menor. Os preços externos estão relativamente estáveis, em alguns casos até declinantes. A taxa de câmbio nominal não subiu como no ano passado e provavelmente ficará estável durante 2013. São fatores a favor da redução das tensões inflacionárias. Houve ainda a desoneração na tributação de importantes setores da produção e tudo isso embute a possibilidade de uma redução do ritmo da inflação.
Por outro lado, tem servido de estímulo às pressões altistas a frase do Copom, “eventualmente a taxa de inflação pode ter mudado de patamar”. Eventualmente, se mudou o patamar, o Banco Central observará o cenário de abril e, depois em maio, caso seja verdade, o Comitê, mais uma vez eventualmente poderá ter de corrigir os juros. Se não acontecer, não será preciso mexer, mesmo porque é provável a taxa de inflação se reduzir um pouco no segundo semestre em relação ao primeiro.
O grande drama disso é aceitar o cabo de guerra com os vendedores de vento. Caso ceda e comece a corrigir os juros já, quando se verificarem os fatos acima mencionados, todos sem relação com a alta dos juros, as pessoas dirão: “Está vendo, foi porque subiu o juro que a inflação baixou”. Será uma mistificação a mais nesse processo.
Por isso, Alexandre Tombini tem toda razão ao dizer que hoje, fundamentalmente, nós precisamos de bastante cautela. E necessário observar com tranqüilidade os fatos, seja qual for a situação neste semestre. E acompanhar objetivamente o cenário até verificarmos se se trata de um fenômeno passageiro a ser superado no segundo semestre ou se houve uma mudança no comportamento da inflação, que exige tratamento completamente diferente.

Conversa com Samuel Pinheiro Guimarães - O Brasil e as relações externas

http://youtu.be/pHox3465a8w

terça-feira, 26 de março de 2013

ENTREGUISMO SERÁ DE 30 BILHÕES DE BARRIS

Roberto Campos, heroi dos entreguistas

GOOD, VERY GOOD!
LEILÃO DO PETRÓLEO PODE ENTREGAR 30 BILHÕES DE BARRIS
Por Emanuel Cancella
“As reservas brasileiras reconhecidas somam 14 bilhões de barris de petróleo. A 11ª rodada de licitação do petróleo poderá entregar mais que o dobro de nossas reservas, a julgar pela declaração da própria Diretora-Geral da ANP, Magda Chambriard, durante Seminário realizado no dia 18 de março, em Copacabana, no Rio.
Na abertura do evento, promovido pela ANP e pelo governo federal, com o objetivo de apresentar os blocos a serem leiloados aos investidores, a diretora-geral da Agência, Magda Chambriard, destacou a importância da licitação, que acontecerá nos dias 14 e 15 de maio, com a oferta de 289 blocos distribuídos em 11 Bacias Sedimentares: Barreirinhas, Ceará, Espírito Santo, Foz do Amazonas, Pará-Maranhão, Parnaíba, Pernambuco-Paraíba, Potiguar, Recôncavo, Sergipe-Alagoas e Tucano, estimando que estará disponibilizando um volume de 30 bilhões de barris e, ainda mais. A declaração a seguir foi transcrita da matéria divulgada pela assessoria de imprensa da ANP:
A rodada vai oferecer excelentes oportunidades para empresas de origem nacional e estrangeira, de todos os portes, interessadas em atuar no Brasil”, afirmou Magda Chambriard. Ela disse que estimativas apontam um volume de 30 bilhões de barris de óleo in situ (volume de óleo ou gás em uma determinada região, cuja extração depende de fatores de recuperação e que não pode ser entendido como reserva) nas bacias da Margem Equatorial incluídas na rodada, além de cinco bilhões de óleo in situ na Bacia do Espírito Santo e 1,7 bilhão de óleo in situ nas bacias maduras.
É lamentável, mas a maioria dos brasileiros não está se dando conta do que está acontecendo. As mudanças da lei do petróleo, durante o governo Lula, adotando modelo de compartilhamento e nomeando a Petrobrás como operadora única do pré-sal, despertou a ira nas multinacionais. Mas elas preferiram ficar caladas, segundo denuncia do “Wikileaks” que revelou o conteúdo de um telegrama, afirmando que “qualquer ação deveria ser feita com cautela, para não despertar o nacionalismo nos brasileiros”.
O que estamos assistindo leva a algumas conclusões óbvias: discutir os royalties como fazem a presidenta, os governadores, o Congresso Nacional, o STF é a forma mais eficaz de desviar a atenção da sociedade e deixar acontecer a 11ª rodada de leilão da ANP. Os royalties funcionam como “boi de piranha”. Mas enquanto as piranhas comem um boi, passa a boiada. Enquanto se discute os royalties que representam 10% da indústria do petróleo, as multinacionais levam os 90%.
Se nos leilões anteriores a Petrobrás teve posição arrojada, arrematando a maior parte dos blocos e, com isso, reduzindo as perdas da nação, desta vez a empresa entrará na disputa de mãos atadas: sob a síndrome do “prejuízo” que lhe foi imputado falsamente, já que teve um lucro de R$ 21 bilhões.
Os recursos que entram por meio dos leilões pouco representarão na contabilidade da Petrobrás. Por isso, costumamos afirmar que a ANP está vendendo um bilhete premiado. Só a submissão exacerbada de um país – ou a corrupção desenfreada em alguns escalões – explicaria a manutenção dos leilões de petróleo, nos moldes anunciados pela ANP.
Ao invés de despertamos o nacionalismo em defesa do nosso petróleo, nossos representantes criam a disputa, a guerra entre os estados brasileiros, chamam até de “covardia”, gritam “Veta Dilma!”. Enquanto isso, as multinacionais fazem o banquete com nosso petróleo.
Perplexos, temos a impressão de estar assistindo a grande conluio entre as classes dominantes e seus representantes em todas as esferas – executivo, legislativo, judiciário, grande mídia – para desviar a atenção do que realmente importa, deixando o povo desnorteado e confuso. Parecem compactuar com o que disse o primeiro Diretor-Geral da ANP, David Zilberstein, então no governo de Fernando Henrique Cardoso, para uma platéia de megaempresários: “O petróleo é vosso!”
FONTE: escrito por Emanuel Cancella, diretor do Sindipetro-RJ e da Federação Nacional dos Petroleiros (FNP). Transcrito no portal “Viomundo”  (http://www.viomundo.com.br/denuncias/cancella-entreguismo-sera-de-300-bilhoes-de-barris.html).

"HOJE, BRASIL É LÍDER DE LÍDERES", diz escritor espanhol Javier Moro


Javier Moro

 Do “Sul 21”

 ENTREVISTA COM JAVIER MORO: “O BRASIL, LÍDER DE LÍDERES

 Por Nubia Silveira
“Javier Moro, escritor espanhol de sucesso, parece ter nascido viajando. De mãe francesa e pai espanhol, executivo de uma empresa de aviação, Javier, desde jovem, andou pelo mundo, conhecendo países da África, da Ásia e das Américas, além dos da Europa. Estudou na Espanha e na França, diplomou-se em História e Antropologia. Aos 17 anos, ganhou uma bolsa de estudos para viver, durante três meses, entre os esquimós, em Igloolik, uma vila canadense próxima ao Polo Norte. O relatório dessa experiência lhe valeu uma segunda bolsa: para conhecer os Yanomamis, na Amazônia brasileira.
Moro iniciou a vida profissional como pesquisador das obras de seu tio Dominique Lapierre e de Larry Collins, ambos escritores. De pesquisador a escritor foi um pulo. Seus livros têm como ponto de partida a realidade. Já contou a vida de dois brasileiros: Chico Mendes (Caminhos de Liberdade) e Dom Pedro I (O Império é Você). Romanceou a vida de Sônia Gandhi, a italiana que se tornou uma das principais políticas da Índia, em o “Sári Vermelho”, e da espanhola Anita Delgado, que se tornou uma princesa indiana, em “Paixão Índia”. Sobre a luta pela liberdade do Tibete, escreveu “As Montanhas de Buda”. No Brasil, seus livros são editados pela “Planeta”.
Ao escrever sobre personagens reais, Javier se expõe a críticas. Foi assim com “Paixão Índia”, “Sári Vermelho” e o “Império é Você”. Aos 58 anos, ele se mostra tranquilo. Não faz História, não é historiador. Escreve romances sobre personagens que admira, como Chico Mendes e Dom Pedro I. O Brasil, portanto, é seu velho conhecido. Já passou por aqui muitos anos. Agora que os corpos da família imperial – Dom Pedro I, Dona Leopoldina e Dona Amélia – foram exumados e examinados, ele volta a falar, com humor, sobre sua última obra e o Brasil. A entrevista foi, prontamente, concedida ao Sul21”, por e-mail. Para ele, o Brasil é “líder de líderes”.
Sul21 – Você tomou conhecimento da exumação dos restos mortais de Dom Pedro I, Dona Leopoldina e Dona Amélia? A seu ver, qual a importância desses estudos?
Javier Moro - Me pareceu fascinante ver como a imperatriz Dona Amélia segue bonita, ainda que seja uma múmia. E que linda múmia! A importância desses estudos é a de esclarecer, de uma vez por todas, as meias verdades e os boatos que se sucederam ao longo da história. É importante conhecer a História, porque ela nos ajuda a nos conhecermos melhor. Conhecer o passado é fundamental para entender o Brasil de hoje. E quanto mais exato for esse passado, melhor.
Sul21 – O que o levou a escrever sobre Dom Pedro I?

Javier Moro – Ele sempre me pareceu um personagem fora do comum. Maior do que a sua própria vida. Um homem contraditório, com grandeza. Um homem aberto e progressista, apesar de ter crescido em um meio muito convencional.
Sul 21 – Você já havia escrito sobre outro brasileiro – Chico Mendes. Considera que os dois – Dom Pedro e Chico -, cada um a seu tempo, são heróis brasileiros? Quais os maiores legados de cada um deles?
Javier Moro – Dom Pedro I possibilitou que o Brasil se mantivesse unido, e hoje essa unidade faz com que o Brasil seja uma grande potência. Também lutou em Portugal pelo constitucionalismo. E, definitivamente, pela liberdade de todos. Chico Mendes foi um pequeno grande líder, que ajudou o mundo a tomar consciência da crise ecológica. Obviamente, um não tem nada a ver com o outro, a não ser pelo fato de que suas vidas tiveram uma projeção mundial, além das fronteiras do Brasil.
Sul 21 – Você costuma passar algum tempo – até anos – nos países em que se situam suas histórias, como, por exemplo, no Brasil e na Índia. Em qual dos países em que já esteve pesquisando para seus livros encontrou maiores dificuldades para trabalhar? Por quê? 
Javier Moro – Não encontrei dificuldades por causa dos países. As dificuldades estão nos assuntos. Por exemplo, foi muito difícil pesquisar sobre Sônia Gandhi porque ela era contra que eu escrevesse o “Sári Vermelho”. Quanto mais altos os personagens estão na escala de poder, mais dificuldades se encontram. Os poderosos, geralmente, têm o que esconder e não querem ver seus segredos revelados.
Sul21 - Ao concluir a leitura de “O Império é Você”  fica-se com a sensação de que, para o escritor, não só Dom Pedro I, mas também Dona Leopoldina foi injustiçada pela História do Brasil. Essa injustiça se deve a quê? À forma como Dom Pedro a tratou?
Javier Moro – Em vida, dona Leopoldina foi tratada injustamente por determinada classe social dos portugueses no Brasil. Mas, o povo sempre a considerou uma heroína. O povo também se compadeceu dela, ao saber o quanto Pedro a tratava mal.
Sul 21 – Há alguma outra figura injustiçada pela História do Brasil?
Javier Moro – Não sou especialista em História do Brasil para poder responder a essa pergunta. Não sou historiador. Sou escritor. Todos os países têm personagens tratados injustamente pela História. Nem a vida, nem a História são justas. O importante, porém, é que se continue pesquisando, porque a História tem que ser algo vivo, sujeito a constantes questionamentos.
Sul 21 - Qual dos atos de Dom Pedro I, como imperador, além da renúncia, a seu ver, foi o mais marcante para a vida política brasileira?
Javier Moro – Por exemplo: negociar com os militares insurgentes quando ainda não era imperador. Depois, sua negativa de participar em golpes de estados anticonstitucionalistas.
Sul 21 - Qual ato de Dom Pedro I, como governante, deveria ser adotado, na atualidade, pelas autoridades brasileiras? Para salvar a economia do país, por exemplo, ele reduziu seu salário, reduziu os custos da casa imperial e até as joias de Dona Leopoldina foram “provisoriamente depositadas nos cofres do Banco do Brasil”. Nos dias de hoje ações como essas não soariam demagógicas?
Javier Moro – Ações como essas, e em grande escala, são o que estamos sofrendo aqui na Europa. Uma política de cortes para equilibrar o orçamento. O mesmo que Pedro se viu obrigado a fazer quando seu pai voltou para Portugal, deixando vazios os cofres do estado brasileiro. Não sei, no entanto, se é possível adotar essas medidas na atualidade. Cada momento histórico tem seus próprios desafios e complicações.
Sul 21 - O que causou a destruição política de Dom Pedro I? Seu lado mulherengo? Ou sua faceta autoritária?
Javier Moro – Acho que foi o fato de que ele não se amoldava aos nacionalistas brasileiros. Pedro sempre esteve no meio. Para os nacionalistas brasileiros, ele era demasiadamente português. Para os portugueses, era ele que tinha feito a independência da colônia… Ele não entrava em nenhum molde, porque era um espírito livre. Ele se sentia brasileiro, mas também português. Seu coração não podia renunciar às suas duas pátrias. Os extremistas de ambos os lados do Atlântico não admitiam isso.
Sul 21 - Você já acumulou alguns anos pesquisando, trabalhando e visitando o Brasil. Como descreveria a forma de atuação dos políticos brasileiros? Ela é uma herança do Império, com suas futricas e interesses pessoais?
Javier Moro -  Hoje, o Brasil é líder de líderes, graças a Lula e, agora, a Dilma. Provavelmente, a política brasileira é tão corrupta quanto a de muitos outros países, porque a corrupção é um mal endêmico. No entanto, são notórios e exemplares os esforços empreendidos por Dilma para combater a corrupção.
Sul 21 - Você, admirador e defensor de Dom Pedro I, admira algum político brasileiro da atualidade? Qual e por quê?
Javier Moro - Admiro a Dilma. Por ser uma mulher valente, honrada, simples e inteligente.
Sul 21 – Você está preparando um novo livro? Se está, sobre o que é?
Javier Moro – Segredo… ssshhh…”
FONTE: reportagem de Nubia Silveira para o “Sul 21”, transcrita no portal de Luis Nassif (http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/hoje-brasil-e-lider-de-lideres-diz-escritor-javier-moro) [Imagens do google adicionadas por este blog ‘democracia&política’].

Francisco ou Pilatos?

Por Eric Nepomuceno, na revista CartaCapital:

As evidências parecem claras, ao menos neste primeiro instante: Jorge Mario Bergoglio, jesuíta, cardeal de Buenos Aires até virar o papa Francisco, será uma figura popular. A imagem de um clérigo que prepara a própria comida, conversa com o jornaleiro e anda de metrô foi cantada em prosa e verso aos quatro cantos do mundo. No lugar dos refinados sapatos de seu antecessor, vermelhos, de pelica finíssima e feitos à mão, calçados comuns, visivelmente gastos. É bonachão, brincalhão, de hábitos banais. Após se tornar o chefe espiritual de mais de 1 bilhão e meio de almas, ainda teve o gesto singelo de pagar a conta da hospedagem.

Na mesma toada, faz questão de autointitular-se bispo de Roma, para deixar claro ser apenas mais um. E dispensou o veículo blindado, azucrinou sua segurança com a mania de ir ao encontro dos fiéis e, claro, não deixou de afagar um rapaz enfermo nos braços de um homem na Praça São Pedro.

Também parece claro ter ele consciência do tamanho dos problemas internos do Vaticano. Há de tudo, e para todos os gostos: corrupção, intrigas palacianas, conspirações, disputa de espaço e poder, lavagem de dinheiro, traições e, para completar, os abusos sexuais e os casos de pedofilia. Isso para não mencionar o pesado, pesadíssimo peso do véu da omissão a encobrir os pecados.

O papa Francisco é o primeiro latino-americano a chegar aonde chegou. E o primeiro jesuíta. E o primeiro não europeu em mais de mil anos a virar chefe máximo da Igreja Católica. E já que se trata de ineditismos, substitui outro papa vivo, o alemão Joseph Ratzinger, o primeiro a renunciar em 600 anos. Deixou de ser o papa Bento XVI, mas não voltou a ser apenas Ratzinger: virou papa emérito.

Os grandes meios de comunicação, com destaque para a mídia da América Latina, saudaram eufóricos a escolha de Bergoglio. Em seu país, a Argentina, vive-se um clima de conquista de Copa do Mundo. Mas, como sempre acontece, há vozes dissonantes. E essas vozes dizem coisas graves, tão graves que provocaram uma dura reação do Vaticano e um imediato reforço na maré de aplausos dos conglomerados de jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão. Na falta de melhores argumentos, tratou-se de desmoralizar os dissonantes: quem afirma ter o papa desempenhado um papel no mínimo melífluo durante a ditadura é pecador, ou quase.

Há, porém, indícios concretos, documentos já não tão secretos, depoimentos de vítimas. O padre Bergoglio, em seus tempos de provincial dos jesuítas na Argentina, foi omisso, quando não conivente, com prisões ilegais e torturas desumanas praticadas contra integrantes de sua congregação. E em mais de uma oportunidade se fez de sonso quando cobrado por sua inércia diante de apelos recebidos de familiares de desaparecidos, em especial de quem teve filhas grávidas sequestradas e mortas e seus bebês doados aos verdugos e cúmplices.

Estranha sequência papal. Ratzinger foi na adolescência integrante das Juventudes Hitleristas. Bergoglio foi na juventude membro da Guardia de Hierro, a extrema-direita desse confuso amontoado de ideologias formadoras do peronismo. Ratzinger ao menos podia apresentar o argumento de que, nos anos 1930, todos os jovens alemães eram automaticamente cooptados para integrar as Juventudes Hitleristas. Bergoglio, agora Francisco, preferiu não comentar o caso. Deixou correr o rumor de ser um papa peronista.

Não há, é verdade, nenhuma prova contra Bergoglio. Muitos integrantes da alta cúpula da Igreja argentina silenciaram em público e aplaudiram em privado os desmandos bárbaros da ditadura genocida iniciada em março de 1976 por um trio encabeçado pelo general Jorge Rafael Videla, atualmente na cadeia, sentenciado a diversas penas de prisão perpétua. O trio se completava com Orlando Agosti (Aeronáutica) e o chefe máximo da Marinha, o almirante Emilio Massera, na juventude simpatizante da mesma Guardia de Hierro da extrema-direita peronista e conhecido de Bergoglio. Massera, já morto, chegou a ser condecorado, no auge do horror, pela Universidad del Salvador, da ordem jesuíta.

O novo papa nunca foi acusado de apoiar, como outros clérigos, os voos da morte, quando prisioneiros eram retirados de campos de concentração e cárceres clandestinos, levados para aviões e lançados vivos nas águas do Atlântico, ou do Rio da Prata, ou do Rio Paraná. Documentos revelam que a cúpula católica considerava esse o meio mais humano ou menos desumano de matar, pois os prisioneiros não percebiam seu destino, já que eram dopados antes de ser jogados dos aviões.

Daí a sustentar desconhecimento sobre os fatos é outra história. Sobre o roubo sistemático de bebês nascidos em cárceres clandestinos, cujas mães eram mortas antes de eles serem doados, Bergoglio afirmou num tribunal ter tomado conhecimento da barbárie recentemente. Não é verdade. Familiares de presos políticos contam ter procurado em vão por apoio do jesuíta nos momentos mais sombrios da ditadura.

Há mais sombras em seu passado e em seu presente. Ao assumir a presidência da Conferência Episcopal Argentina, em 2005, poderia ter determinado punições previstas no direito canônico, e não fez nada. Videla não foi excomungado. Ao contrário, continua, no quartel do Campo de Mayo, onde cumpre pena, a receber a hóstia sagrada dos católicos. Christian Von Wernich, capelão condenado à prisão por ter acompanhado, cúmplice, sessões de tortura, continua a realizar missas no presídio de Marcos Paz, onde está recolhido.

Bergoglio não permitiu, quando cardeal de Buenos Aires, o acesso da Justiça aos arquivos do Episcopado. Mais: negou que nos arquivos houvesse qualquer documento relacionado aos sequestros e assassinatos de militantes políticos, religiosos ou não. Quando a Justiça finalmente conseguiu acesso aos arquivos, constatou justamente o contrário: havia documentos, e muitos.

Estava claramente registrado como a ditadura reprimiu duramente, ferozmente, os religiosos ligados aos movimentos populares. Dois bispos foram assassinados, Enrique Angelelli e Carlos Ponce de León. Até hoje Bergoglio se refere a suas “mortes”. Jamais pronunciou a palavra “assassinatos”, embora, segundo a Justiça, esse seja o tema mais apropriado.

Para fazer mais sombra e trazer mais névoa, existe ainda a suspeita, forte suspeita, de que Bergoglio, quando era o principal líder dos jesuítas, entregou dois padres da congregação.

Em depoimentos, altos dirigentes da Igreja Católica admitem que logo após o golpe de 1976 houve um acordo não formalizado com os militares. Antes de prender um sacerdote ou freira, as Forças Armadas avisariam o bispo responsável. Aconteceu justamente o contrário no caso dos jesuítas Orlando Yorio e Francisco Jalics. Depois de sugerir aos dois para abandonar o trabalho de caridade em favelas vizinhas do Bairro de Flores, em Buenos Aires, Bergoglio avisou à Marinha que havia retirado a proteção a ambos. Tecnicamente, retirou suas “licenças”, uma espécie de luz verde para a ação militar.

Em junho de 1976, Yorio e Jalics foram sequestrados, levados à Escola Superior de Mecânica da Armada (Esma), o maior campo de concentração clandestino da ditadura, onde foram torturados em infindáveis interrogatórios. Seis meses depois, Bergoglio, superior jesuíta, pediu pela libertação dos sacerdotes. Cuidou, porém, de instruir as paróquias a não aceitá-los. Jalics, de origem húngara, ao sair da prisão foi para a Alemanha, no fim de 1976. Três anos depois, tentou renovar seu passaporte argentino. Para tanto, assegurou seu desinteresse em retornar ao país. O diretor de Culto Católico do Ministério de Relações Exteriores, Anselmo Orcoven, recusou a renovação e acrescentou uma observação: “O próprio padre Bergoglio escreveu uma nota com especial recomendação de que o pedido não seja atendido”.

Tudo isso, e muito mais, está documentado. Eis um dos tantos problemas das ditaduras, por mais sanguinárias e bárbaras: sempre alguém guarda algum documento. E anos ou décadas depois esse documento acaba por aparecer.

O papa realmente não atuou intensamente ao lado dos ditadores. Tentou ajudar alguns perseguidos, chegou a abrigar na igreja gente que se sentia ameaçada, aceitou esconder livros considerados perigosos. Mas também é verdadeira a avareza de sua solidariedade. Vários sacerdotes jesuítas, além de Yorio e Jalics, carregam até hoje a angustiosa certeza de terem sido, se não diretamente denunciados, “facilitados” pelo seu superior até cair nas garras da repressão mais brutal.

Seja como for, Jorge Mario Bergoglio já não existe. Quem existe agora é Francisco. Começa outra história, surgem outras perguntas. Como será seu papado? Seu forte discurso a favor dos pobres, dos excluídos, irá ao encontro das posturas de diversos governos da América Latina, ou servirá de instrumento de pressão política, num gesto de apropriação do discurso progressista? Alguém se atreveria a ignorar o forte, fortíssimo peso da opinião do Vaticano sobre as políticas aplicadas na região?

Na Argentina, por exemplo, os conflitos do cardeal com os governos de Néstor Kirchner primeiro, e de sua viúva e sucessora Cristina Kirchner, são tão sérios como evidentes. Extremamente conservador na doutrina e nas decisões do -Vaticano em tudo relacionado ao casamento entre cidadãos do mesmo sexo, ao aborto, aos métodos de prevenção da gravidez, o então cardeal de Buenos Aires não perdeu oportunidade para criticar o governo. Quando não havia oportunidade, ele soube criar.

Os dois Kirchner, Néstor primeiro e Cristina depois, responderam no mesmo tom beligerante. As relações entre o governo e a cúpula eclesiástica se deterioraram rapidamente. É de se esperar gestos e movimentos de boa vontade dos dois lados. Cristina Kirchner sabe não ser nada interessante, ainda mais num ano de cruciais eleições legislativas, estender o conflito. O papa, claro, sabe que a presidente sabe disso, da mesma forma que maior será sua influência política se conseguir se mostrar menos crispado em sua relação com ela.

A questão política, porém, não se limita ao país natal do papa. Pode-se dar como certo o firme apoio dos grandes meios hegemônicos de comunicação a qualquer gesto papal que confronte os governos de esquerda e de centro-esquerda da América Latina.

Em países onde a oposição navega qual nau sem rumo, como o Brasil, ou onde a polarização se faz mais aguda, como na Venezuela e, aliás, na própria Argentina, Francisco poderá se tornar bússola e farol.

Convém jamais esquecer que o Vaticano, a Igreja Católica, não se limita a ser uma doutrina, uma fé. É, principalmente, um forte poder político e econômico. Que sempre soube agir, forte e determinadamente, na defesa do interesse muito mais da tradição e da propriedade do que dos pobres e desvalidos. Esses ficam nos discursos da alta cúpula religiosa, ou entregues aos cuidados sempre limitados e pressionados, por essa mesma cúpula, das correntes minoritárias e progressistas do catolicismo.

Em seus tempos de cardeal, Bergoglio era considerado extremamente habilidoso. Melhor, habilidosíssimo. Foi um aliado eficiente e contundente dos barões do agronegócio na Argentina, da oposição mais rançosa, enquanto mantinha um discurso aberto às grandes causas sociais.

Saberá se manter nesse frágil equilíbrio? Saberá levar às ruas um discurso cristão, enquanto nos bastidores luta para sanar os pecados do Vaticano para que nada mude e as tradições e interesses de sempre, por mais anacrônicos, se preservem?

O que quer o Brasil com o ProSavana?

Fátima Mello (*)
FASE, Brasil
Março de 2013


Os governos do Brasil, Japão e Moçambique estão iniciando a execução de um grande
programa no norte de Moçambique, no chamado Corredor de Nacala, região que possui
características físicas e ambientais muito similares ao Cerrado brasileiro. Apesar do
padrão vigente de falta de informação às comunidades que serão afetadas ou, muito pior,
da disseminação de informações distorcidas e contraditórias, o que se diz é que o
ProSavana tem um horizonte de duração de 30 anos, abrangerá uma área estimada em 14,5
milhões de hectares nas províncias de Nampula, Niassa e Zambezia, onde cerca de 5
milhões de camponeses vivem e produzem alimentos para o abastecimento local e regional.
As comunidades camponesas estão concentradas exatamente onde está prevista a chegada dos
investimentos do ProSavana.

Apesar da ABC (Agência Brasileira de Cooperação) insistir na tese de que as críticas em
curso decorrem de falhas de comunicação, o diálogo com organizações e movimentos sociais
parceiros em Moçambique evidencia que o problema é mais grave: o Brasil está exportando
para a savana moçambicana seus históricos conflitos entre o modelo de monoculturas em
larga escala do agronegócio voltadas para exportação e o sistema de produção de
alimentos de base familiar e camponesa. Em recente divulgação de informações sobre o
ProSavana em Maputo os responsáveis pelo programa apresentaram um mapa do Corredor de
Nacala dividido em áreas que serão destinadas a atração de investidores privados para
“culturas de alto valor” e “clusters agrícolas” para a produção de grãos (entre eles a
soja) pela agricultura “empresarial”,  produção familiar de alimentos pela “agricultura
familiar”, grãos e algodão pela “agricultura empresarial de média e grande escalas”,
caju e chá pela “agricultura empresarial média e familiar”, e a “produção integrada de
alimentos e grãos” por todas as categorias. Ou seja, a velha tese da convivência
possível e harmônica entre os sistemas de produção do grande agronegócio e da
agricultura familiar e camponesa, que no Brasil é fonte de intensos conflitos.

Enquanto os governos garantem que o programa trabalhará com a pequena produção camponesa
em Moçambique, em 2011 a ABC ajudou a organizar a viagem de um grupo de 40 empresários
da CNA (Confederação Nacional da Agricultura), da região do Cerrado, estado de Mato
Grosso, para identificarem oportunidades de negócios no Corredor de Nacala. O presidente
da Associação Mato-Grossence dos Produtores de Algodão (Ampa) afirmou que “Moçambique é
um Mato Grosso no meio da África, com terra de graça, sem tanto impedimento ambiental e
frete mais barato para a China” . São inúmeras as notícias de imprensa que falam de uma
reprodução em Moçambique do Prodecer, o desastre socioambiental implantado pela
cooperação japonesa no Cerrado brasileiro, que expulsou populações tradicionais de seus
territórios, abriu um oceano de monoculturas para exportação e inundou a região de
agrotóxicos.

Até agora se diz que o ProSavana terá 3 eixos: um de fortalecimento institucional e
pesquisa; um segundo de montagem de um estudo base para a elaboração do Plano Diretor (a
instituição escolhida para elaborar o estudo é a GV Agro); e um terceiro de extensão e
modelos onde afirma-se que MDA, Emater entre outros atuariam a favor das demandas da
sociedade civil de apoio aos pequenos produtores. Em resposta às demandas de entidades e
redes como UNAC, ORAM, ROSA, Plataforma de Organizações da Sociedade Civil de Nampula,
MUGED, Fórum Terra, União Provincial de Camponeses de Niassa, Justiça Ambiental entre
muitas outras por informações, acesso às versões do Plano Diretor em elaboração e que as
comunidades camponesas sejam consultadas, as autoridades brasileiras afirmam que o Plano
Diretor será divulgado da melhor forma possível quando estiver finalizado.  Ou seja, um
estudo com base na GV Agro está em elaboração sem que as entidades que representam os
milhões de camponeses que vivem na região sejam sequer consultadas. Apenas receberão a
informação quando o Plano Diretor estiver pronto. Eventos de lançamento de versões do
Plano Diretor são realizados, visando transmitir alguma informação, mas não para um
diálogo qualificado nem para colher demandas e propostas das organizações e movimentos
sociais. Conversando com camponeses ao longo do Corredor de Nacala fica claro que
brasileiros e japoneses estão indo às comunidades para avisar que o ProSavana está
chegando. Depois afirmarão que fizeram as chamadas consultas a sociedade civil. Isso que
estão fazendo não é consulta; até agora o que existe é um grave problema de metodologia
na definição dos conteúdos e dos interesses que serão atendidos pelo programa, que estão
sendo definidos de cima para baixo, pelos governos e empresas interessadas.

Percorrendo o Corredor de Nacala fica muito claro o que afirmam as organizações e
movimentos sociais de Moçambique: a região é toda povoada por comunidades camponesas,
que com seus sistemas de produção em pousio cultivam milho (o principal alimento do
país), mandioca, feijão, amendoim. Ali vivem, produzem, realizam suas festas,
desenvolvem em seus territórios relações familiares e comunitárias. Na região vivem
cerca de 5 milhões de camponeses. As entidades e movimentos que os representam
identificam a insegurança alimentar como um grande problema no país, e desejam que a
produção de alimentos realizada pelo sistema da agricultura familiar e camponesa seja
fortalecida. Suas propostas incluem crédito para o fortalecimento de sua produção, apoio
a comercialização e compra da produção por preço justo, apoio às associações de pequenos
produtores e entidades criadas pelas comunidades. Todos querem participar de programas
que apóiem seus sistemas de produção.  Depois de escutar e dialogar com eles ao longo do
Corredor e ver suas esperanças de que o ProSavana poderia ir ao encontro de suas
propostas, quando se chega a Nacala o choque é gritante: uma cidade tomada pela
construção de uma gigantesca infraestrutura de mega armazéns, portos (e um aeroporto
construído pela Odebrecht) para exportar a produção da região.

Muitos problemas precisam ser enfrentados. O direito dos camponeses a terra é o
principal. A Lei de Terras de Moçambique lhes dá o direito de uso da terra, que é
pública. O direito de uso será concedido ás empresas? Como ficará a situação dos
camponeses? Como diz um membro da Plataforma de Organizações da Sociedade Civil de
Nampula, do centro do Corredor até Nampula “não existe área com mais de 10 hectares de
terras desocupada”. Em Niassa as entidades afirmam que a província é toda povoada,
exceto nas montanhas, e que todo o Corredor onde está prevista a chegada do ProSavana é
a área mais habitada.  Os governos admitem que haverá reassentamentos. As entidades
estão vigilantes e mobilizadas para não permitirem mudanças contrárias aos interesses
dos camponeses na Lei de Terras e na legislação sobre sementes que corre o risco de ser
alterada para viabilizar o uso de transgênicos.  Estão preocupados com o modelo de
monocultivos em larga escala e intensivo em uso de agrotóxicos que conheceram quando
visitaram o estado do Mato Grosso e a área do Prodecer. Enquanto isso, realizam ações de
resistência produtiva e de fortalecimento de alternativas, como é o caso do intercâmbio
entre UNAC e MPA/Via Campesina sobre sementes nativas.

Há uma década por orientação do presidente Lula a política externa brasileira começou a
se abrir ao diálogo com organizações e movimentos sociais. Com isso se fortaleceu a
necessária disputa de rumos sobre a presença do Brasil no mundo, pois ela é o espelho da
correlação de forças existente em nossa sociedade. O caso do ProSavana é crucial para
que as conquistas dos movimentos sociais do campo brasileiro a favor da segurança e
soberania alimentar, traduzidas em programas de apoio a produção e comercialização da
produção familiar e camponesa, sejam refletidas na presença brasileira no Corredor de
Nacala. Afinal, é disso que os camponeses e pequenos produtores precisam, no Brasil e em
Moçambique, para se fortalecerem contra as injustiças sociais e ambientais e violações
de direitos cometidas pelo modelo do agronegócio, para garantirem o direito a terra, a
segurança e soberania alimentar da população. Que a presença do Brasil em Moçambique
fortaleça os direitos dos camponeses, e que assim o Brasil seja capaz de demonstrar na
prática que sua crescente presença como ator global visa de fato reduzir as
desigualdades e fazer justiça.


(*) Agradecimentos a UNAC, ORAM e Oxfam Internacional no Brasil e Moçambique.