no Jornal Hora do Povo
Ex-presidente
da Petrobrás diz que armadilha do bônus de R$ 15 bilhões feita pela ANP
prejudica a estatal e está
"mais próximo
da concessão de FHC do que da partilha"
A
entrevista de Sérgio Gabrielli, presidente da Petrobrás no governo Lula, ao
jornalista Paulo Henrique Amorim, sobre o leilão do campo de Libra, no
pré-sal, é uma fundamentada denúncia - ainda que com a forma educada que
caracteriza o entrevistado - de que a Agência Nacional do Petróleo (ANP) e o
Ministério das Minas e Energia (MME), para entregar às multinacionais a
maior reserva do mundo, estão, premeditadamente, "contornando", eludindo,
trapaceando a nova lei do petróleo, assinada por Lula em 2010.
Como diz Gabrielli, "quando
houve a transformação do regime regulatório do petróleo no Brasil, em 2010,
essa mudança ocorreu porque, com a descoberta do pré-sal, os riscos de
exploração passaram a ser pequenos. (…) O regime anterior, o regime de
concessão [lei nº 9.478, de 1997] era adequado para áreas de alto
risco exploratório. Esse regime exige, na entrada, um bônus alto, porque o
concessionário passa a ser o proprietário do petróleo a ser explorado - e,
portanto, ele vai definir a priori quanto vai dar ao Estado".
Realmente, o que motivou a lei
de Lula foi, exatamente, que as imensas reservas petrolíferas do pré-sal não
ficassem submetidas à lei das concessões de Fernando Henrique, que entrega
todo o petróleo a quem o extrair, em leilões cuja disputa se concentra no
"bônus de assinatura" - uma espécie de "luva", paga em dinheiro. O suposto
fundamento dessa lei estava em que o vencedor do leilão não sabia se ia - ou
não - encontrar petróleo. Mas o pré-sal é um oceano subterrâneo de petróleo.
Que sentido há nas multinacionais pagarem alguns caraminguás para procurar
petróleo em um oceano de petróleo?
Com a nova lei (lei nº 12.351
de 2010), que instituiu o regime de partilha de produção para o pré-sal,
ressalta Gabrielli, "a lógica da competição é outra. Como diminui o risco
de exploração – ou seja, se vai ou não encontrar petróleo – o grande
elemento a definir passa a ser como partilhar o lucro futuro. Então, o
grande elemento deve ser a participação no lucro-óleo que deverá voltar ao
Estado".
HISTÓRIA
Nas palavras do ex-presidente
da Petrobrás, "Libra é realmente um caso excepcional. Libra é realmente
um prospecto extraordinário. A Petrobrás, contratada pela ANP, fez a
descoberta. Fez as perfurações exploratórias iniciais, já tem uma cubagem
mais ou menos conhecida com volume e potencial já conhecidos, e ele é
hoje não só o maior campo do mundo, mas da História. Se você pensar em
um preço de valor adicionado (preço de exploração) de 10 dólares o barril,
vezes, por baixo, 10 bilhões de barris, são 100 bilhões de dólares".
A rigor, pela nova lei, que
rege o pré-sal, o campo de Libra é uma "área estratégica" (artigo 2º, inciso
V da lei nº 12.351) e, como consequência, é caso em que "a Petrobras será
contratada diretamente pela União para a exploração e produção de petróleo,
de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos sob o regime de partilha
de produção" (artigo 12 da mesma lei).
No entanto, a ANP e o MME não
somente passaram por cima desse artigo da lei, como estão tratando Libra
como se estivesse sob o antigo regime de concessão. No regime de partilha de
produção, o pagamento inicial, o "bônus de assinatura", perde importância –
aliás, nem deveria existir -, pois a disputa, como diz o nome, é em torno da
partilha.
A fixação do "bônus de
assinatura" em R$ 15 bilhões, obviamente colocou a ênfase neste – como é
característica da lei das concessões de Fernando Henrique - e não na
partilha da produção. Como aponta Gabrielli, "à medida que você coloca um
bônus muito alto, a partilha do lucro no futuro é menor. Ao fixar o bônus
alto, você tem uma visão de curto prazo, na exploração e no desenvolvimento
de um recurso que já tem o grau de confirmação muito alto – não há dúvida de
que tem petróleo lá (...). Mesmo com a certeza de que lá tem petróleo, você
submete todo o ganho potencial futuro do Estado a uma parcela menor - o que
é ruim, no novo conceito de partilha. Nessa operação de R$ 15 bilhões, o
governo vai receber de imediato, mas a consequência disso é que, no lucro do
futuro, o governo vai ficar com uma fatia menor".
Obviamente, num campo com tal
reserva, o lucro do futuro é muito – mas muito mesmo – maior que esses R$ 15
bilhões, que, a curto prazo, servem para beneficiar quem tem maior poder
financeiro.
Com efeito, toda a lógica da
nova lei está em garantir:
1º) Que as áreas estratégicas –
definidas como as de "interesse nacional" - sejam não apenas operadas, mas
exploradas pela Petrobrás, dispensado qualquer leilão.
2º) Que nos casos em que houver
leilão, a definição do consórcio ganhador seja em função da maior quantidade
de petróleo (ou gás e outros hidrocarbonetos) para a União. Essa é a
essência do regime de partilha de produção: definir a maior parte
possível em óleo para o país.
PRIVILÉGIO
No momento atual, a Petrobrás
está desenvolvendo os campos do pré-sal que a lei reserva a ela sob "cessão
onerosa" (campos pagos à União com ações da Petrobrás): "ela tem quase 15
bilhões de barris de reserva, adquiriu o direito de produzir mais 5 bilhões
através da cessão onerosa, portanto, tem 20 bilhões de barris para
desenvolver", nota Gabrielli.
Nessa situação, o "bônus de
assinatura" de R$ 15 bilhões privilegia quem tem maior poder financeiro – ou
seja, as multinacionais.
Pois, além dos 20 bilhões de
barris que a Petrobrás tem para desenvolver, pela nova lei, a empresa é a
operadora única no pré-sal, com um mínimo de 30% de qualquer consórcio: "Então,
ela vai ser a operadora do campo de Libra, tendo ou não aumentada sua
participação de 30%. Como ela vai entrar com 30% do campo, ela vai ter que
pagar 4,5 bilhões – 30% de 15 bilhões é 4,5 bilhões. Isso é um dreno
importante no caixa da Petrobrás, nesse momento. Porque Libra é um campo a
mais de um portfólio já bastante robusto que a Petrobrás tem hoje, talvez um
dos melhores portfólios de desenvolvimento e produção do mundo", diz
Gabrielli.
A política do governo, no
entanto, é entregar o "maior campo da História" a um preço irrisório para o
total da reserva – o bônus de assinatura mais, nos próximos 35 anos,
apenas 40% do óleo – contentando-se com a engorda de um superávit primário
(reserva para juros) apetitoso para os bancos.
"Eu me vejo na situação de
fazer uma comparação com o processo de privatização do governo Fernando
Henrique, que acelerou ou depreciou os valores de venda no processo de
privatização para fazer caixa e segurar a moeda", comentou o
ex-presidente da Petrobrás.
Há, correlacionado com este,
outro problema – e estratégico, por definição. A lei de Lula sobre o pré-sal
evita o privilégio às multinacionais, estabelecendo, em caso de leilão, a
disputa em torno de quantidades de óleo para a União, e não de pagamentos em
dinheiro. Evidentemente, para o país, ter o petróleo é muito mais
inteligente e vantajoso que receber uns trocados e ficar sem petróleo.
No entanto, a ANP e o MME
estabeleceram, para o pré-sal, um valor para o barril (entre US$ 100,1 e US$
120) e, com base nesse preço, um ridículo percentual mínimo de 41,65% para a
União.
Para que estabelecer – num
contrato de 35 anos! - um valor para o barril, se a partilha é do petróleo,
ou seja, em óleo? Só existe uma razão: porque a ANP e o MME pretendem ceder
o petróleo ao "consórcio" vencedor em troca de algum pagamento, ao invés de
manter a parcela em petróleo, para que seja usada em prol do país. A
conclusão de Gabrielli, portanto, é precisa:
"... o bônus de R$ 15
bilhões vai na contramão da ideia de que é preciso ter a maior parcela do
lucro-óleo de volta para o Estado. Porque [esse bônus] é uma
aproximação, do ponto de vista do efeito econômico, do modelo de concessão
[de Fernando Henrique]. Mais próximo da concessão que da partilha".
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