Na esteira do ciclo de
valorização do real e da chegada de montadoras asiáticas ao país,
a indústria brasileira de autopeças passou a conviver com duas
situações difíceis no comércio exterior. De um lado, o setor vê a
concorrência dos importados de diversas partes do mundo subir
rapidamente no mercado interno, com a crescente entrada de
produtos chineses e, agora, a disparada nas importações de
autopeças coreanas.
De outro, a pauta de exportações
está cada vez menos diversificada: mais da metade das exportações
dessa indústria passou a se concentrar apenas nos vizinhos da
América do Sul, sobretudo na Argentina, após a perda de mercados
nos Estados Unidos.
A combinação dessas duas
realidades - que, em comum, resultam da perda de competitividade
dos fabricantes brasileiros perante a concorrência internacional -
produz, desde 2007, déficits crescentes na balança comercial da
indústria de autopeças. O ponto mais baixo dessa trajetória
acontece neste ano. Só no primeiro semestre, as importações
superaram as exportações em US$ 4,72 bilhões, o que representa um
aumento de 60,6% no déficit das transações comerciais no mercado
de componentes automotivos. Houve, no período, um crescimento de
20,4% das importações e um recuo de 2,4% das exportações.
Além da valorização do real a
patamares menos competitivos para empresas exportadoras, os
fabricantes brasileiros dizem que a escalada no custo da mão de
obra e a alta carga tributária do país - somadas a deficiências de
infraestrutura que tornam mais cara a logística industrial -
tiraram do setor poder de fogo para competir com concorrentes
estrangeiros.
Mas a mudança estrutural na
balança comercial de autopeças, que até sete anos atrás operava
com superávit, não se deve apenas a uma questão de
competitividade. A melhora tecnológica dos carros vendidos no
mercado brasileiro, por exemplo, levou ao maior consumo de
sistemas não disponíveis no país, principalmente no campo da
eletrônica. Ao mesmo tempo, a maior diversidade de montadoras
instaladas aqui com produção local de veículos conectou o Brasil a
novas fontes de suprimento, sem que isso significasse um aumento
do fluxo na direção oposta - ou seja, a abertura de novos mercados
para as exportações.
A Hyundai ainda importa blocos de
motor e câmbio da Coreia, embora tenha levado nove fornecedores de
seu país de origem à fábrica de Piracicaba (SP), onde produz o
HB20, quinto carro de passeio mais vendido no Brasil. Situação
parecida acontece com a Toyota, que já anunciou plano de investir
numa fábrica de motores no interior paulista, mas, por enquanto,
segue importando os propulsores do Japão, assim como as caixas de
câmbio.
Coreia e China respondem hoje por
8,3% e 8,2%, respectivamente, das importações de autopeças no
Brasil. Há doze anos, os dois países juntos mal passavam de 1% das
compras externas nesse setor. Quando se inclui o Japão,
responsável por 9,6%, mais outras origens da Ásia e, em menor
escala, da Oceania, a participação da macrorregião chega a 35,9%
do total, já muito próximo da Europa, que vende 39,4% de tudo o
que o Brasil importa em autopeças.
Os números - compilados pelo
Sindipeças, a entidade que representa a indústria brasileira de
componentes automotivos - mostram que a política adotada pelo
governo, há um ano e meio, de dar incentivos apenas a carros com
alto conteúdo de nacionalização não conseguiu, pelo menos até
agora, frear a entrada dos importados. Tampouco permitiu o impulso
esperado pela indústria de autopeças, cujo faturamento caiu 10,5%
em 2012 e não deve se recuperar totalmente neste ano, quando
espera-se um crescimento das vendas inferior a 3%, conforme
estimativa do Sindipeças.
No início de outubro, o novo
regime automotivo vinculou descontos no Imposto sobre Produtos
Industrializados (IPI) dos carros à aquisição de componentes
fabricados no Mercosul. Porém, Paulo Butori, presidente do
Sindipeças, diz que o cálculo do conteúdo local, que define o
abatimento do tributo, segue "livre, leve e solto", já que o
governo ainda não definiu como vai rastrear a origem das peças.
"Não há medição de nada hoje", afirma. A expectativa da entidade é
que o déficit comercial das autopeças se aproxime da marca de US$
10 bilhões até o fim do ano.
Setores ligados à essa cadeia vêm
cobrando do governo uma série de incentivos para reverter o que
chamam de desindustrialização da indústria de autopeças. O
programa proposto já tem até nome: Inovar-Peças, uma alusão ao
Inovar-Auto, como foi batizada a política de incentivos às
montadoras. Contudo, Butori afirma que o governo não vai levar as
propostas adiante enquanto o Inovar-Auto não estiver pronto, com a
publicação das regulamentações finais. "Acho que estamos voltando
atrás em nossa competitividade e muita gente está preocupada",
diz.
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