terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Uma terceira análise sobre olhares e números da desigualdade

JoséCarlos Pelliano na Carta Maior

postado em: 16/12/2013 O mercado é um funil por onde entram os aptos para o trabalho e onde ficam colocados uns poucos em boas vagas e os demais nas vagas menos favorecidas. Esta a regra fria do capitalismo. O que os olhos não veem o coração não sente. Não adianta se iludir com promessas nem com números de melhores salários e benefícios. A máquina do sistema extrai o máximo dos trabalhadores de maneira diferenciada, tabelada. A tabela mostra rendas e grupos escalonados em forma de pirâmide. Até os dias atuais, de lá a pirâmide não sai, de lá ninguém a tira.

Duas explicações usuais são fornecidas por um grupo de estudiosos para a desigualdade. Uma o desenvolvimento diferenciado de regiões, outra o nivelamento por baixo da formação educacional de boa parte dos trabalhadores. Enquanto esta abriria as portas para a entrada no mercado com salários menores e condições piores de trabalho, aquela pioraria o quadro com oportunidades de trabalho modestas nas regiões menos desenvolvidas e outras aquinhoadas nas regiões mais desenvolvidas. Estas explicações, no entanto, apenas justificam o que se vê, mas não o que está por baixo, o que se numera, senão vejamos.

Tanto o desenvolvimento quanto a educação são diferenciados não porque assim apareceram um dia as regiões e nasceram os trabalhadores, mas porque assim foram produzidos e colocados na tabela da desigualdade pelo sistema econômico capitalista. Este vive das diferenças de mercado, naturais ou por ele mesmo aproveitadas ou provocadas. Dessas diferenças é que são fabricados padrões distintos de lucratividade, eficiência e produtividade, molas mestras do sistema. Se todas as regiões tivessem níveis próximos de desenvolvimento e os trabalhadores formações educacionais semelhantes o sistema estaria estagnado ou trataria ele mesmo de provocar suas crises autodestrutivas para renascer em bases distintas das anteriores de onde voltaria a obter padrões mais confortáveis de expansão.

Uma outra saída dessa armadilha é a mudança de parâmetros tecnológicos e/ou de bases técnicas das quais são produzidos novos produtos e processos e/ou refeitos conceitos e condições distintas de produção. Tais tipos de mudanças ensejam novos ciclos de expansão do sistema que, por seu turno, engendram outros padrões de lucratividade, eficiência e produtividade bem como novas infraestruturas e superestruturas de comando, controle e produção. Logo, as diferenças de desenvolvimento entre as regiões e de níveis educacionais entre os trabalhadores são resultados ou produtos dessas mudanças.

O mundo está aí para serem vistas essas diferenças. Vejam o mesmo padrão entre os eixos norte-sul e oeste-leste de países mais e menos desenvolvidos; entre outros, os continentes europeu e africano de um lado e americano e centro-americano de outro, e entre países específicos, tipo França e Uganda. Desse quadro pode-se igualmente deduzir, medir e confirmar os níveis de desigualdade de renda existentes. Em geral, boa parte dos continentes e países mais desenvolvidos vieram de experiências históricas colonizadoras, enquanto os menos desenvolvidos de fardos seculares de dominação direta ou indireta. Exploradores e explorados marcaram o mapa da desigualdade mundo afora, aqueles nitidamente menos desiguais que esses.

Como o capitalismo vive e se nutre das diferenças para que perpetue seu padrão ótimo de lucratividade, eficiência e produtividade, as diferenças regionais e educacionais continuarão a existir e serem produzidas. Não são elas, portanto, as causas da desigualdade, mas produtos dessa. A desigualdade vem junto com o processo de expansão capitalista, ele vive dela.

Já a educação, dita e defendida como a solução para a melhoria de vida e trabalho, ela é o bode expiatório da persistência dos males das diferenças de patrimônio e renda dos indivíduos. Os educados conseguem mais que os demais, como é dito, ouvido e visto por aí afora. De fato, uma boa escola propicia aos estudantes conhecimento geral, capacidade de crítica e reflexão, civilidade e cidadania. Essa formação básica, a sociedade requer e defende.  A esta base educacional, no entanto, o mercado dá menos valor. Em geral, ela serve apenas como uma credencial para entrar nos nichos ocupacionais do mercado ao tempo em que serve também como uma condição de defesa da profissão garantida pelas associações profissionais.

O mercado, no entanto, requer, defende e dá mais valor a algo distinto. No fundo, ele busca conhecimento sim, mas específico, voltado ao seu perfil tecnológico e ocupacional diferenciado, mas também e principalmente ele está atrás de competência e habilidade dos candidatos a vagas. Coisas que não é a escola que propicia, mas a própria experiência de trabalho ofertada por ele mesmo, o mercado.


Assim, os indivíduos entram desiguais em formação e oportunidades no mercado e continuam nele mais ou menos desiguais de acordo com as condições específicas prevalecentes. A mobilidade deles, seja ocupacional ou social, resulta também dessas condições. Neste particular, só é cego quem não quer ver. É só pegar os números e fazer as contas. Até aqui tanto a igualdade quanto a mobilidade ascendente são uma quimera, uma ilusão da sociedade, a desigualdade e a mobilidade decorrente a solução do sistema.

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*José Carlos Peliano é economista.

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