segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Quantos sábados o Iguatemi aguentaria fechado?

Por Saul Leblon no Carta Maior
 

O Museu Henry Ford, em Detroit, nos EUA, guarda inúmeras relíquias  da história norte-americana sobre rodas.

O veículo no qual  Kennedy foi baleado  está lá.

Gigantescas locomotivas  que desbravaram a expansão ferroviária do país no século XIX ilustram em toneladas de ferro e aço  o sentido da expressão revolução metal-mecânica.

Perto delas os esqueléticos Fords-bigode que deram origem à indústria automobilística, de que Detroit foi a capital um dia, parecem moscas.

O museu abriga  também um centenário ônibus da ‎ National City Lines, de número 2857, um GM com o número  1132, que fazia a linha da Cleveland Avenue na cidade de Montgomery, no Alabama,  em  1 de dezembro de 1955.

A ocupação de um assento  naquele ônibus  mudaria  a história dos direitos civis nos EUA promovendo um salto na luta pela igualdade  entre negros e brancos no país.

O verdadeiro símbolo do episódio não é o velho GM, mas a costureira e ativista dos direitos dos negros, Rosa Park (1923-2005) que  naquela noite se recusou   a ceder o lugar a um branco.

Rosa tinha 40 quando desafiou a física do preconceito no Alabama dos anos  50, segundo a qual  brancos e negros não poderiam usufruir coletivamente do mesmo espaço, ao mesmo tempo.

Rosa Parks viveria mais 50 anos para contar e recontar esse rolezinho sobre as prerrogativas dos brancos , que transformaria  o velho GM em um centro de peregrinação política.

O último presidente a sentar-se no mesmo banco do qual ela só saiu presa  foi Barak Obama.

Em 2012 depois de alguns segundo em silencio no mesmo lugar, ele disse: ‘É preciso um gesto de coragem das pessoas comuns para mudar a história’.

Rosa Parks era uma pessoa comum até dizer basta a uma regra sagrada  da supremacia branca nos EUA.

Em pleno boom de crescimento do pós-guerra, quando  negros se integravam ao mercado de trabalho e de consumo norte-americano, eles não dispunham de espaço equivalente nem no plano político, nem nos espaços públicos, como o interior de um veículo de passageiros.

No Alabama os bancos da frente dos ônibus eram exclusivos dos brancos;  os do fundo destinavam-se  aos negros.

Detalhes evitavam o contato entre as peles de cores distintas: os negros compravam seu bilhete ingressando pela porta da frente, mas deveriam descer e embarcar pela do fundo.

À medida  em que os assentos da frente se esgotavam  os negros deveriam  ceder seu lugar a um novo passageiro branco que embarcasse no trajeto.

Rosa Parks estava fisicamente exausta  aquela noite  e há muitos anos cansada  da desigualdade que  humilhava sua gente.

Ela recusou a ordem do motorista e  não cedeu o lugar mesmo ameaçada. Sua prisão  gerou um boicote maciço dos negros de Montgomery.

Durante longos meses eles  que se recusaram a utilizar o transporte coletivo da cidade provocando atrasos nos locais de trabalho e prejuízos às empresas de transporte.

Milhões de panfletos explicativos  seriam distribuídos diariamente; de forma pacífica,  grupos de ativistas vasculhavam os pontos de ônibus da cidade para convencer  negros a aderi ao boicote.

Quase um ano depois  a lei da segregação dentro dos  ônibus foi extinta.

Neste sábado, um dos shoppings mais luxuosos de SP , o Iguatemi JK, cerrou as portas para impedir  que movimentos sociais fizessem ali um protesto contra a discriminação em relação aos pobres.

O Iguatemi foi um dos pioneiros a obter liminar na Justiça de SP autorizando  seguranças a selecionar o ingresso de clientes  para barrar a juventude dos rolezinhos - marcadamente composta de  jovens da periferia,  pretos, mestiços e pobres.

A memória dos acontecimentos de 57 anos atrás em Montgomery convida a perguntar :

 - A exemplo das transportadoras racistas do Alabama, quantos sábados o Iguatemi aguentaria de portas cerradas, cercado por manifestações pacíficas  e desidratado pela fuga de seus clientes tradicionais?

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