segunda-feira, 31 de março de 2014

O golpe de 64 e a modernização conservadora

     Paulo Kliass no sítio da Carta Maior

  

Passado meio século do golpe de primeiro de abril, as reais motivações e consequências da tomada de poder pelos militares ainda estão por serem pesquisadas e analisadas em toda a sua amplitude e profundidade. A derrubada de um governo democraticamente eleito e a instalação de um regime ditatorial representou, entre muitos outros aspectos, o lançamento das bases para a tentativa de construir um modelo mais eficiente para o processo de acumulação capitalista em nosso País.

Esse movimento pode ser mais bem compreendido caso seja analisado sob a perspectiva da chamada modernização conservadora. É inegável que os anos 50 e 60 representavam um momento histórico marcado por uma intensa disputa política entre diferentes projetos para o futuro da sociedade brasileira. Assim, o desfecho pela via da movimentação de tropas e pela violenta repressão aos opositores do retrocesso abriu o caminho para a implementação do projeto das forças conservadoras, dos setores mais à direita de nossa sociedade, aqueles vinculados de forma íntima ao capital financeiro e internacional.

Ao fazer terra arrasada do respeito às regras democráticas e institucionais, os governos militares chamaram para o comando da economia as figuras que mais bem representavam os interesses de amplos setores do capital, aqueles que se opunham às reformas de base e trabalhavam abertamente pela derrubada do Jango. Dentre as personalidades mais emblemáticas - e que ocuparem postos de destaque nas equipes de governo - estavam Roberto Campos, Delfim Netto e Mario Henrique Simonsen.

Campos, Delfim e Simonsen: a essência conservadora

“Bob Fields”, como era conhecido o embaixador de Jango em Washington, foi rapidamente chamado para ocupar o Ministério do Planejamento pelo Marechal Castelo Branco, logo depois de consolidado o golpe. Sua articulação com os representantes do sistema financeiro no além-mar facilitaram o processo de internacionalização da economia brasileira. O professor da USP Delfim Netto abriu pontes essenciais com o empresariado paulista e consolidou a estratégia do chamado período do “milagre brasileiro”. O carioca Simonsen permitiu o fortalecimento dos laços com a nata do monetarismo ortodoxo, em grande parte abrigada no interior da Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro. A presença dos três quadros do conservadorismo confirmava a natureza do novo regime e oferecia a “tranquilidade” necessária aos investidores internacionais.

Um conjunto importante de mudanças institucionais foi levado a cabo a partir da tomada do poder pelos golpistas. Tratava-se de construir os alicerces do edifício do capitalismo financeiro e de ampliar os espaços para a acumulação de capital, pelos mais variados setores e por todo o território nacional. Uma das primeiras medidas foi a revogação da limitação da remessa de lucros ao exterior. Carregada de forte simbolismo político, a medida de agosto de 1964 oferecia às empresas multinacionais aqui instaladas, aos investidores e ao financismo internacional a justa medida de como seriam, a partir de então, tratadas as novas relações econômicas e comerciais com o resto do mundo.

Pelo lado do sistema financeiro, outras decisões foram tomadas. Em dezembro de 1964 foi criado o Banco Central, uma autarquia federal que passaria a operar já no ano seguinte. Com isso, deu-se a retirada das funções de autoridade monetária que eram atribuídas, até então, a uma área do Banco do Brasil - a poderosa Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC). Em 1965, uma nova lei passa a consolidar o funcionamento das bolsas de valores e do mercado de capitais de forma mais ampla. A intenção era tornar as praças daqui mais contemporâneas das operações realizadas no mundo desenvolvido.

BC, BNH, FGTS, ORTN e outras siglas para o capital

Ainda na área de modernização financeira, foi criado o Banco Nacional da Habitação (BNH), para se ocupar de um grande movimento para construção de moradias. A base de financiamento desse expressivo salto à frente do setor da construção civil veio com o modelo da “caderneta de poupança” (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo - SBPE) e o modelo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). O estímulo a esse tipo de poupança oferecia às instituições financeiras um volume expressivo de recursos a custos reduzidos, ao passo que o FGTS (administrado pelo BNH) veio no vácuo criado pela eliminação da estabilidade no emprego, tal como prevista na legislação trabalhista até o golpe. Pelas novas regras, o trabalhador perdia o direito a um salário por ano trabalhado, que teoricamente seria compensado pelo recolhimento mensal, a ser efetuado pelas empresas, equivalente a 8% de sua remuneração.

A recuperação da capacidade fiscal do governo ocorreu por meio da aprovação do novo Código Tributário Nacional em 1966 e pela introdução da grande inovação da chamada “correção monetária”. O novo sistema de tributos estabelecia um modelo marcado por sua profunda regressividade, de forma que as rendas elevadas, o patrimônio e o capital eram menos atingidos do que os rendimentos do trabalho. Além do aumento de sua capacidade de arrecadação, o governo avançou pelo lado da oferta de títulos da dívida pública.

Assim, foram lançadas as Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (ORTNs). A correção monetária foi concebida como mecanismo de recuperação da credibilidade das aplicações financeiras, em razão das perdas provocadas pela inflação. Assim, os novos títulos emitidos pelo Tesouro passavam a assegurar aos investidores uma remuneração que seria composta pela taxa de juros e acrescida de uma correção baseada na inflação do período. Ali estava lançada a semente do processo generalizado de indexação, que viria a se espalhar por todos os setores de nossa economia a partir de então.

Endividamento externo e fragilidade interna

No pacote de busca de estabilidade, o viés monetarista orientou a reforma do padrão da moeda ainda em 1967. O cruzeiro foi substituído pelo “cruzeiro novo”, com a troca de cada mil unidades antigas por uma unidade da nova moeda. No entanto, essa mudança não foi suficiente para impedir a continuidade do processo inflacionário, que se manteve firme no período que se seguiu. Assim, um novo plano de estabilização ocorreu em 1986, quando novamente o padrão monetário foi alterado com o advento do cruzado.

Um dos principais pilares para alavancar o crescimento econômico a partir de 1964 foi o recurso ao endividamento externo. O setor público foi largamente utilizado para esse propósito, assim como as empresas privadas também foram estimuladas a tomar empréstimos em dólares norte-americanos. Essa opção embutia uma forte fragilidade para as operações de longo prazo. A partir do final da década de 1970, com a elevação das taxas de juros no mercado internacional, a dívida externa brasileira começa a apresentar sua fatura. Com o aumento dos preços do petróleo a crise do setor externo se torna mais aguda e 1982 representa um ponto de ruptura. Recessão, desemprego, desvalorização cambial. É um componente a mais no processo de desgaste político do regime militar, já em ritmo de abertura, e que desembocará na luta pelas diretas em 1984, na eleição de Tancredo Neves e na nova Constituição em 1988.

A política econômica desenvolvida durante a ditadura deixou marcas severas. O poder de compra dos salários foi bastante reduzido ao longo de período: seja pela repressão direta sobre o movimento sindical, seja pela tutela estabelecida sobre a justiça do trabalhista, seja pela corrosão provocada pela inflação persistente.

A concentração de renda também observou uma tendência de recrudescimento a partir de 1964. Uma das medidas utilizadas para aferir esse tipo de desigualdade - o chamado índice de Gini – sofreu elevação sistemática entre as décadas de 1960 e 1990, só vindo a apresentar alguma melhoria a partir do Plano Real. O recurso retórico que ficou bastante conhecido durante a ditadura militar foi eternizado por Delfim Netto. O então todo-poderoso ministro dizia que era necessário “primeiro fazer o bolo crescer, para depois reparti-lo.”

Apesar de todo o esforço exportador da época da ditadura, as respostas da Balança Comercial não foram tão promissoras. Ela sai de um superávit de US$ 340 milhões em 1964 e atinge um déficit de US$ 2 bilhões em 1980. A reversão desse quadro só ocorre em 1984, quando as exportações voltam a suplantar as importações. Além disso, a situação nas Transações Correntes é ainda mais grave.

Nesse caso, são computadas as despesas financeiras e de serviços nas relações internacionais. O superávit de US$ 81 milhões em 1964 se transforma em déficit de US$ 16 bilhões em 1982. O Brasil recorre a um acordo com o FMI para reverter essa debilidade e suas conseqüências foram um aprofundamento ainda maior da crise.

A elevação dos valores da dívida externa foi assustadora. Ela sai de um patamar de US$ 3 bi em 1964 e atinge a marca de US$ 102 bi em 1984. E um elemento que oferecia mais preocupação foi a baixa capacidade do país em acumular reservas internacionais. Elas saíram de US$ 240 milhões em 1964 para US$ 12 bilhões. Assim, uma das principais marcas do modelo de política econômica foi a drenagem de recursos para pagar os compromisso da dívida externa contraída. A vulnerabilidade do setor externo foi uma herança bastante negativa para os períodos que se seguiram.

“A economia vai bem, o povo vai mal”

Outro elemento que se deteriorou ao longo dos 20 anos do regime golpista foi justamente o crescimento dos preços. Não obstante o discurso oficial das sucessivas equipes econômicas estar sempre focado no controle da inflação, o fato concreto é que houve uma evidente incapacidade em promover tal estratégia. O índice oficial de 1964 havia sido de 70%, mas em 1984 a inflação superava a barra dos 210%. Era o período que antecedia os difíceis anos que viriam na sequência, com a espiral hiperinflacionária e os sucessivos planos de estabilização que se seguiram ao Plano Cruzado.

A política econômica encerrava, portanto, os elementos de modernização e de atraso. Para o processo de produção e ampliação dos ganhos das empresas, as políticas públicas se encarregavam de oferecer o que de mais atual e eficiente existisse no estado das artes do capitalismo internacional. Já para os trabalhadores e para a maioria da população brasileira, o quadro era de aprofundamento da miséria e da desigualdade social e econômica. Uma frase atribuída ao General Presidente Medici, durante a época do chamado milagre, reflete bem essa aparente contradição: “a economia vai bem, mas o povo vai mal”.
   

(*) Doutor em economia pela Universidade de Paris 10 (Nanterre) e integrante da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental, do governo federal.

A exumação do presente


Saul Leblon no sítio Carta Maior

postado em: 31/03/2014

Como uma correlação de forças favorável se transformou  em uma derrota política de consequências históricas demolidoras?

A pergunta ecoa obrigatória  na exumação do Brasil de 1964.

 Mas a resposta extrapola a necessidade de se compreender o país  que existia há meio século  para  iluminar os dias que correm, as horas que urgem.

A história não cabe em fascículos solteiros.

A  versão dos vencedores de ontem presta serviços aos interesses de hoje que disputam a hegemonia com o objetivo de sempre.

Impedir que a sociedade destrave os ferrolhos da riqueza acumulada e  altere a matriz redistributiva da que será construída.

Uma simplificação monocausal  em torno  1964  remete ameaças a  2014.

Ela é disseminada  por aqueles que formam o intestino delgado e sinuoso do golpismo, onde se reprocessa tudo no formato de democracia e lei.

Inclua-se aí  os fulanizadores  da história, especialistas na arte de abstrair  interesses graúdos sem tornar a narrativa  entediante.

O que eles  sugerem é que 1964 nada mais foi que um mal passo do  país; um escorregão  sob a presidência de um político hesitante e mulherengo.

Esse, o epitáfio  à geração que há 50 anos defendia reformas para cicatrizar as feridas da tradição social brasileira.

Hoje, com a mesma dissipação, tenta-se personificar o  ‘problema’ do país na ‘Dilma autoritária’;  agora também ‘má gestora’.

 Importa, sobretudo, rebaixar o debate em torno daquilo que interliga o passado ao presente e condiciona o futuro: a disputa em torno da agenda do desenvolvimento brasileiro.

Qual país? Para quem? Como chegar lá? Onde e por que os recursos estrangulam?

Sobre 1964, a dissipação coloca na mesa incômoda dos  50 anos a  guloseima ecumênica que a tudo perdoa: ‘a polarização conduziu ao golpe’, diz o glacê sobre a massa aerada por 20 anos de censura, tortura e repressão.

‘Era inevitável, qualquer um dos lados o faria a qualquer momento’,  reiteram os confeitos aspergidos na memória nacional.

Em resumo:  os vencidos foram responsáveis pela violência dos vencedores;  a direita apenas se antecipou à ruptura cevada entre a  hesitação de Jango e a radicalização  ao seu redor.

A premissa está  na ponta da língua dos colunistas, na rememoração lucrativa encadernada pelos  amigos do regime e na boca dos torturadores cada vez mais desinibidos pela impunidade.

Fatos.

O governo Jango durou apenas 31 meses  –de setembro de 1961 a 1º de abril de 1964.

Durante todo o período esteve acossado pelo bafo renitente do golpismo, sobrando ao Presidente um espaço reduzido de tempo e circunstancia  para planejar  sua ação  e  o país.

Ainda assim, a correlação de forças barrou o conservadorismo em todas as tentativas de se impor  à sociedade por medidas unilaterais.

Por isso foi dado o golpe, ou não haveria necessidade dele.

A direita dispunha, como hoje, do dispositivo midiático, do dinheiro graúdo --local e forâneo , de um pedaço da classe média e de fileiras  do Exército.

Mas seu fôlego eleitoral era raquítico e o pulmão político declinante (como hoje).

O projeto americanófilo  carimbado em sua testa consolidara-se no imaginário popular como risivelmente entreguista (não sem boa dose de razão); seu recorte elitista recendia à casa grande, de onde urgências da senzala eram descartadas nas respostas  aos desafios do desenvolvimento.

Lembra algo?

Antes de recorrer às armas, à repressão, à censura e à tortura, o espírito golpista tentou por duas vezes restringir a democracia que lhe era desfavorável, sendo sucessivamente derrotado no campo aberto do escrutínio popular.

O desenlace, portanto, não foi uma reação de autodefesa,  como querem os vulgarizadores da fatalidade, mas o epílogo de uma progressão de minigolpes frustrados.

No aquecimento, tentou-se  impedir a posse de Jango em 1961, após a renúncia de Jânio Quadros.

Só a resistência organizada  –é oportuno  escandir a palavra  or-ga-ni-za-da-- impediu a consumação do golpe branco.

Em 27 de agosto,  o então governador Leonel Brizola personificou esse requisito  com a criação da ‘Cadeia da Legalidade’ no Rio Grande do Sul.

De início, formada por uma rede de rádios gaúchas,  a resistência operava do porão do Palácio Piratini, para onde o líder gaúcho  requisitara os transmissores da rádio Guaíba, de Porto Alegre. As tropas da Brigada Militar protegiam o Palácio em vigília diuturna.

Através das ondas médias e curtas ocupava-se o noticiário 24 horas por  dia.
Brizola  conclamava o povo a ir às ruas em defesa da legalidade democrática, contra o golpe da junta militar que, em Brasília,  recusava  autorização para Jango, em viagem oficial ao exterior,  retornar ao país.

Aos poucos, outras  emissoras de Porto Alegre e do interior do Estado  uniram-se à Rede,  que chegou a cravar 100% de audiência no estado.

O efeito contagiante da resistência iniciada em Porto Alegre romperia a fronteira gaúcha para  formar uma cadeia com  104 emissoras de todo o Brasil e de países vizinhos.

Boletins noticiosos em inglês, espanhol e alemão passaram a ser emitidos.
Foram 10 dias que abalaram o Brasil. 

Finalmente, o III Exército rachou e declarou solidariedade ao movimento.

O conjunto forçou o Congresso complacente  a buscar uma solução negociada.

A escolhida, todavia,  circunscreveria  Jango nas amarras de um parlamentarismo que reduziu sua  posse a um simulacro de transferência de poder.

Em 7 de setembro de 1961, Goulart  receberia a faixa presidencial, mas não o mando de governo.

Descarnado dos instrumentos constitucionais, o Presidente  gastou dois anos de seu mandato na agonia parlamentar.

Se não conseguiu evitar a posse, o conservadorismo  logrou  engessar  o país  agravando seus impasses para corroer, ainda mais,  as bases frágeis do investimento, acelerar a fuga de capitais e adicionar pressão à caldeira inflacionária.

Criou-se assim  o lastro para legitimar o discurso udenista  do desgoverno, de um Brasil aos cacos, prestes a se estilhaçar –‘se não for hoje, de amanhã não passa’.

A sensação de familiaridade  não é gratuita.

Com a insatisfação crescente, em janeiro de 1963, Jango convoca um plebiscito para decidir sobre a manutenção ou não do sistema parlamentarista.

O clima confuso criado  pelo artifício conservador era respirado em cada esquina.

Mas o discernimento popular não se deixou levar pelos falsos  diagnósticos.

Cerca de 80% dos brasileiros votaram pelo restabelecimento dos poderes constitucionais ao Presidente (ouça aqui a  campanha popular  contra a camisa de força parlamentarista feita  por artistas do radio https://www.youtube.com/watch?v=MSD-RW2Kxak).

Um ano e três meses depois viria o golpe.

Possivelmente contra um terceiro revés contratado no calendário eleitoral, se a democracia perdurasse até a sucessão de  Jango.

Pesquisas do maleável  Ibope , mantidas em sigilo até recentemente, e levadas à rua entre 20 e 30 de março –entre o comício da Central do Brasil e o golpe de Estado--   desmentiam  o consenso anti-governo  alardeado por uma mídia que  exortou, apoiou e justificou a derrubada violenta do Presidente da República, em 31 de março de 1964.

Ontem como hoje, a emissão conservadora foi decisiva para levar a classe média brasileira a adotar  um discernimento moralista e  golpista  em relação aos desafios  enfrentados pelo processo de desenvolvimento.

 E mesmo assim, apenas uma parte dela.

Os dados  colhidos cirurgicamente em meio a esse bombardeio certamente influenciaram  a disposição golpista.

Pelas urnas é que não haveria de ser.

O que eles mostravam  repita-se, dias antes do golpe,  é que  69% dos entrevistados avaliavam o governo Jango  entre ótimo, bom e regular (15%, 30% e 24%, respectivamente). Apenas 15% o consideravam ruim ou péssimo. E o mais importante: 49,8% cogitavam reeleger o Presidente, caso ele se candidatasse em 1965 e nada menos que  59% apoiavam as medidas anunciadas  no comício da Central do Brasil, considerado a ‘ruptura’  legitimadora do funeral democrático.

É oportuno lembrar que antes de se valer do recurso dos decretos  –assinados no palanque da Central do Brasil--  Jango propôs ao Congresso a convocação de um outro plebiscito.

 Em 16 de março de 1964, a notícia era dada assim na Folha:

‘O presidente João Goulart encaminhou ontem ao Congresso, em Brasília, a mensagem de abertura dos trabalhos da nova sessão legislativa e sugeriu uma reforma constitucional ampla que vise a democratização da sociedade. O presidente Jango também sugeriu a concessão do direito de voto aos analfabetos e praças e a elegibilidade dos sargentos, além de querer incorporar ao processo democrático todas as correntes do pensamento político. Outra sugestão do presidente é uma consulta popular (plebiscito) para a apuração da vontade nacional sobre as reformas de base’

 O Congresso rejeitou a proposta de consultar a sociedade sobre a ampliação da democracia e da ação pública nos gargalos do desenvolvimento.

 Se havia extremismo em bolsões à esquerda, como se alegava , o fato é que a radicalização golpista fechava  todas as portas  às tentativas de formação democrática das grandes maiorias indispensáveis a um ciclo sustentável de desenvolvimento.

A corneta da crispação midiática entoava justamente o funeral dessa possibilidade.

A rejeição doentia ao governo,  às suas propostas e aos seu métodos, distorcia, boicotava e interditava o debate para desmoralizar  e criminalizar as bandeiras progressistas.

Décadas de censura e monopólio das comunicações fariam  o resto depois, a estender a qualquer agenda de mudança do país a mesma demonização dispensada às reformas de base em  64.

Ou não terá sido essa a reação quando, no calor dos protestos de junho de 2013, a Presidenta Dilma propôs uma consulta popular para destravar  a reforma do sistema político brasileiro -- raiz da hegemonia do dinheiro grosso na democracia?

Um pedaço do  que se abortou e se reprimiu em 1964 seria restituído vinte e quatro anos depois pela Constituição de 1988.

Bancadas conservadoras, todavia, impuseram importantes revezes ao resgate do tempo perdido.

 A anistia recíproca,  seria a mais ostensiva delas; mas também o  interdito, na prática, à reforma agrária massiva, ademais da adoção de um labiríntico  sistema político que condicionaria o trânsito da redemocratização.

As dores do parto persistem, 16 anos depois.

Um Presidente consagrado nas urnas pela sociedade nem por isso escapa do balcão de negócios parlamentar  –e através dele, do dinheiro grosso, para obter a maioria no Congresso (leia a coluna de Marias Inês Nassif; nesta pág).

Ainda assim, a Constituinte  legislou avanços indiscutíveis.

O voto ao analfabeto; a aposentadoria rural;  o salário mínimo único, bem com o sistema único de saúde são alguns exemplos.

O conjunto fixou  parâmetros  de um Estado social que ainda hoje os interesses plutocráticos tentam reverter ou não permitem regulamentar .

Mas o que é  sobretudo  importante  na compreensão dos conflitos que interligam o presente ao passado é que  o calendário da ditadura e da redemocratização inscreveram o desenvolvimento brasileiro em um paradoxo histórico.

 A contrapelo da supremacia  neoliberal que florescia  em praticamente  todo o mundo capitalista nos anos 80, navegava-se aqui nas águas de uma democracia social infante.

Não mais decretada no palanque da Central do Brasil, mas consagrada nas páginas de uma Constituição que  prometia mais do que o mercado  global estava disposto a ceder então.

O ciclo tucano no poder (95/2002) foi uma tentativa de sincronizar a história do país pulando as folhas do calendário reservadas ao acerto de contas com a ditadura para engatar o mercado brasileiro às reformas neoliberais, sopradas com força cada vez maior no mundo.

Não é preciso reiterar estatísticas. O impacto qualitativo dessa elipse fala por si.

A supremacia mercadista instituída nos oito anos de poder do PSDB influenciaria de forma marcante  toda a estrutura do desenvolvimento do país.

As privatizações são o exemplo matricial.

Ademais do seu recorte expropriador, elas subtraíram o poder de planejar a economia através da ação indutora dos  grandes orçamentos centralizados.

Por pouco não se perdeu também o BNDES. Ou o Banco do Brasil. E a Petrobrás, que os coveiros de ontem defendem agora com brios patrióticos.

A construção interrompida de um Brasil sucessivamente   barrado em 1964 e pelas  reformas liberalizantes   promovidas entre 1989 e 2002 encontrou uma segunda chance na eleição de Lula, em 2002.

Os resultados não tardaram a aparecer.

 Bastou uma fresta de avanços nas políticas sociais, no emprego, no crédito e ,  sobretudo, na recomposição de poder aquisitivo do salário mínimo e  o mercado interno emergiu como um leão faminto.

Em menos de uma década consolidou-se uma faixa de consumo de massa que já reúne 53% da população e 46% da renda nacional.

A crise mundial de 2008 eclodiu no meio desse percurso.

Quando a blindagem financeira e ideológica do sistema fraquejou, porém, revelou-se com maior nitidez ainda um país que já não cabia em estruturas desenhadas para 1/3 de sua população.

As desproporções inscritas nesse conflito ocupam o centro do debate político e macroeconômico atual, em que duelam dois diagnósticos.

Um quer submeter a sociedade a um freio de arrumação classista.

‘Os aeroportos estão insuportáveis’ .

O bordão síntese do arrocho ceva  a ignorância da classe média em relação aos desafios do desenvolvimento (leia o artigo de Antonio  Lassance: ‘Somos educados para o analfabetismo econômico’; nesta pág).

Não se  nega a existência de gargalos seculares fartamente diagnosticados e  assumidos como prioridade dos PACs: transportes,  energia, portos, habitação etc.

O que se argui é o xamanismo segundo o qual, a  restituição de plenos poderes aos deuses dos mercados  é a única penitência capaz de dar a esses vazios o lastro de recursos que pode preenche-los com obras e prazos compatíveis com as urgências da economia e da sociedade.

O conflito entre o reformismo reprimido nos anos 60 e seu resgate social na Carta de 1988, e os interesses assim contrariados, explica um bom pedaço da  hiperinflação  vivida nos anos 80.

O Plano Real domou-a.

Em troca de conceder ao dinheiro graúdo outra  salvaguarda, que não apenas a remarcação desenfreada dos preços:   juros siderais passaram a defender a liquidez da dissonância histórica que caracteriza o capitalismo brasileiro hoje.

A saber: uma tentativa  tardia de construção de um Estado de Bem Estar Social, em um mundo de supremacia das finanças desreguladas, de fronteiras liquefeitas  e de direitos sociais dissolventes.

A cada passo do pé esquerdo social do Brasil, o direito rentista tenta passar-lhe  a rasteira para obriga-lo a recuar.

A chantagem é amplamente veiculada pelo jornalismo obsequioso  como virtuosa.

Para crescer o país precisa baixar os juros e alongar o financiamento requisitado ao investimento de longo prazo.

Mas nada disso ocorrerá sem escalpelar  o ‘custo Brasil’.

Ou seja, renunciar  a uma das mais vantajosas  singularidades do sistema econômico brasileiro:  políticas sociais e salariais que  ativam o seu gigantesco mercado de massa.

Nada feito, replicam os mercados.

Na prática esse repto impõe ao Brasil o terceiro juro real mais alto do mundo na categoria das economias emergentes.

A informação é do ranking do banco Morgan, citado pelo Wall Street Journal (27/03).

 A Selic, taxa básica brasileira, está em 10,75% ao ano.

Compare-se: a mexicana é de 3,5%  e a nigeriana , de 12%.

Objetivamente falando, o que o Brasil  tem para estar mais perto da frágil Nigéria do que do convulsivo  México?

O Brasil tem a anacrônica teimosia de pretender que o desenvolvimento sirva para construir um Estado do Bem Estar social em pleno século XXI.

É isso que explica a ‘precificação financeira’ do país, uma espécie de ditadura monetária às reformas de base do nosso tempo -- incompreensível até para banqueiros mais sensatos, mas justificada vivamente pela mídia isenta.

Da excrescência cultivada como virtude derivam outras: o câmbio afogado em dólares especulativos, por exemplo,  que valoriza o Real incentivando a importação de manufaturas  e a  necrose da planta industrial brasileira, por exemplo.

A dimensão política do desenvolvimento  é tão explícita  que só uma escandalosa ocultação de suas premissas permite reduzir os impasses atuais a um problema de gestão da Dilma –ou de corrupção do ‘lulopetismo’, a exemplo da caricatura do Presidente bonachão dos anos 60.

A maior lição desses 50 anos de derrotas e resistências, porém, é que  não basta recusar a interpretação  do adversário.

É preciso acreditar na própria. E dar a essa convicção uma consequência  organizativa.

A pergunta inicial insiste no pano de fundo:  ‘Como uma correlação de forças favorável se transforma  em uma derrota política de consequências históricas demolidoras?’

A exumação dos 50 anos sugere que a  resposta estaria relacionada mais à ausência de liderança disposta a organizar  o protagonismo do interesse coletivo, do que à aquiescência ou a prostração da sociedade  diante da ação conservadora.

Nesse malfadado ponto de encontro reside talvez o mais perigoso e atual  alerta de 1964 a 2014.




Somos educados para o analfabetismo econômico

Antonio Lassance, no sítio Carta Maior

  
Os barões ladrões que rebaixam o Brasil

A agência Standard & Poors, uma das que fazem classificação de risco de países e empresas, alterou a nota do Brasil para pior: de BBB para BBB-.

E se alguém acha que esse é um debate econômico, está redondamente enganado. A economia continua sendo um assunto importante demais para ficar restrito aos economistas.

A elevação ou o rebaixamento da nota de um país são entendidas, mundo afora, como um sinal do quanto um país é rentável e confiável.

Confiável segundo agências de classificação especializadas em dizer aos grandes financistas internacionais onde investir seu dinheiro para obter maiores lucros, com a garantia de que não tomarão um calote.

 A Standard & Poors foi criada no século XIX, nos Estados Unidos, por Henry Varnum Poor, em plena época dos chamados barões ladrões.

Os grandes investidores que Henry Poor avaliava e recomendava ganhavam dinheiro com ferrovias,  siderúrgicas e empresas de petróleo.

Uma parte significativa dos lucros desses magnatas vinha da apropriação de terras e outros ativos públicos e da arte de usar e roubar o dinheiro de pequenos investidores desavisados, que depositavam suas economias no nascente mercado de ações.

Esses barões ladrões do século XIX não eram tão diferentes dos mais recentes, que causaram a grande crise financeira de 2008 e 2009. Todos bem recomendados pela Standard & Poors.

A avaliação de risco do Brasil basicamente expressa o quanto o país continua sendo um dos paraísos mundiais do rentismo, a mágica de ganhar dinheiro com o trabalho dos outros. Quanto mais a política econômica de um país é ditada pelos interesses dos rentistas, melhor a nota.

Para não ser rebaixado pelas agências, um país precisa rebaixar sua política econômica. Tem que seguir uma receita orientada pelo objetivo de fazer crescer o volume de dinheiro movimentado pelas finanças, e não o de fazer crescer o país.

E ainda tem gente que acha que nosso grande problema é a Copa

Se o Brasil sofreu o rebaixamento de um único pontinho, “o que eu tenho a ver com isso?”, pode e deve perguntar o cidadão. Como diria o velho Brecht, tem a ver com o custo de vida, o preço do feijão, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio. Não deveria ter, mas tem.

Para dizer a verdade, esse rebaixamento tem a ver até com a Copa do Mundo de futebol, pois, enquanto tem gente preocupada, com razão, com o custo dos estádios, esqueceram-se do principal.

Para se ter uma ideia: o País vai gastar cerca de 8 bilhões em estádios. É, de fato, muito dinheiro. Mas o analfabetismo econômico ajuda todo mundo a se esquecer de fazer a conta que importa.

O Brasil gastou, em 2013, R$ 248 bilhões com o pagamento de juros, segundo o Banco Central. Pois bem, dividindo esse valor pelos 365 dias do ano, pagamos mais de R$ 679 milhões por dia.

Vamos comparar com a copa? Dá quase para construir um estádio do Mineirão por dia. Aliás, registre-se que o Mineirão só tem R$11 milhões de dinheiro público envolvido em seu financiamento. O restante será pago pela iniciativa privada. Dois dias de juros da dívida pagam mais de um Maracanã.

E ainda tem gente que acha que a copa é o absurdo dos absurdos do gasto em dinheiro público. É a prova cabal do quanto perdemos a noção das coisas.

Perdemos a noção de grandeza e a de proporção. Com isso, perdemos também o senso crítico em relação a esse buraco negro de nossas finanças públicas. Depois, perdemos o foco das prioridades.

Finalmente, erramos o alvo das manifestações. Tem gente malhando o Judas (a Copa, a Fifa) fingindo que está enfrentando o Império Romano. Se não for piada, é teatro.

Quem sabe, um dia, alguém se lembre de escrever a frase em um cartaz: “Cada 1% de aumento na taxa de juros custa R$20 bilhões aos brasileiros”. É uma mensagem mais consistente e valiosa do que “Não é só pelos 20 centavos”.

Vinte bilhões são duas vezes e meia, por ano, o que iremos investir em estádios, que serão pagos em 15 anos em empréstimos ao BNDES – ou seja, dinheiro que voltará aos cofres públicos.

O rebaixamento do debate econômico nos fez perder a noção das coisas

O verdadeiro rebaixamento que o país sofre não é de hoje e não é só o da Standard & Poors. O mais prejudicial de todos é o rebaixamento do debate sobre os rumos da economia do país.

O Brasil continua sendo um carro em que os mecânicos  do mercado puxam o freio de mão e culpam o motorista pela dificuldade de acelerar o crescimento, melhorar a infraestrutura e a qualidade do serviço público.

A primeira mudança para uma tomada de consciência é superar a visão de que os juros são um problema só da macroeconomia e que sua conta é paga pelo governo. Não é.

O governo é apenas quem assina o cheque. Quando falamos “o Brasil”, muita gente ainda acha que estamos falando do governo. Perdemos, talvez na ditadura, e ainda não recuperamos a noção de que o Brasil são os brasileiros.

Quem confunde isso com nacionalismo barato e governismo acaba por reproduzir, às avessas, a velha maneira de pensar ensinada pela própria ditadura. Puro analfabetismo cívico.

Quem paga a conta cara dos juros altos são todos os que pagam impostos, principalmente os mais pobres, que, proporcionalmente, pagam mais impostos.

A luta para inverter prioridades precisa convencer milhões de brasileiros de que é preciso virar as finanças públicas de cabeça para baixo.

Hoje, a principal função do Estado brasileiro é pagar juros, os maiores do planeta. O Brasil é um dos três países que mais comprometem recursos públicos com o pagamento de juros, em proporção do PIB, conforme diz até o Fundo Monetário Internacional.

A educação, a saúde, a segurança pública e os investimentos em infraestrutura são pagos com o troco do que sobra do pagamento de juros.

Somos educados para o analfabetismo econômico

O problema que temos em mãos lembra o alerta feito por um professor de Matemática, com cara de cientista maluco, chamado John Allen Paulos, em seu livro “O analfabetismo em Matemática e suas consequências" (publicado originalmente em 1988).

O divertido livro de Paulos relembra casos famosos que denunciam a falta nem tanto de habilidade, mas de uso prático e corriqueiro até das operações matemáticas mais simples.

A principal denúncia de Paulos é ao quanto nos desacostumamos da operação mais essencial de todas, não exclusiva da Matémática: pensar sobre os problemas e raciocinar logicamente sobre eles.

Paulos nos avisa que isso é um perigo. Corremos riscos diários com essa nossa preguiça de pensar logicamente sobre os problemas e com a nossa incapacidade de extrair resultados práticos e numéricos dessas operações.

O que acho mais curioso nesse livro, e muito similar ao que acontece em nosso debate econômico, é que esse tipo de analfabetismo é ensinado diariamente.

É como se fôssemos educados para o analfabetismo. Somos treinados a esquecer a lógica dos argumentos e a concordar com coisas que não fazem o menor sentido.

Paulos usa, dentre tantos exemplos, o livro “Viagens de Gulliver”, de Jonathan Swift (1667-1745). O matemático nos mostra como o autor de Gulliver, ao descrever um gigante em uma terra de pequeninos (Lilliput), lascou o livro de grandezas absurdas, que não fazem o menor sentido.

As histórias de Gulliver são de 1726. Para não parecer tão distante, Paulos escreveu, em 1995, “Como um Matemático lê os Jornais”, publicado no Brasil como “As Notícias e a Matemática” ou “Como um Matemático lê jornal”.

Acertou na mosca. A imprensa é useira e vezeira em nos deseducar a usar não só os números, mas a lógica. É assim também com as notícias cujo título é contraditado pelas próprias matérias, armadilha comum aos que leem jornal com o espírito crítico repimpado e babando no sofá.

Terrorismo fiscal, um atentado ao raciocínio lógico

A notícia sobre o rebaixamento da nota do Brasil foi uma farra nesse sentido de propagar o analfabetismo econômico.

A conclusão enfiada goela abaixo é a de que o País precisa aumentar seu rigor fiscal e seu controle sobre a inflação.

Ou seja, o Brasil precisaria urgentemente cortar gastos e continuar elevando sua taxa de juros. Como assim, se o nosso principal gasto extraordinário é com juros? Não faz sentido, faz? Depende pra quem.

A ideia brilhante para atender às agências de risco é cortar o que o governo faz para pagar mais juros. Faz todo o sentido – para o financismo, não para a maioria dos brasileiros.

Mal começou o ano, os problemas sazonais dos preços dos alimentos, que impactam também os alugueis, são traduzidos na conclusão disparatada e tão absurda quanto os números das “Viagens de Gulliver”.

A lógica é a seguinte: se choveu muito, ou se choveu pouco, a inflação de alimentos elevou-se. Solução: aumentem os juros. Elevando-se os juros, as pessoas vão comer menos alimentos e os agricultores assim plantarão mais alimentos. Com juros mais altos, choverá a quantidade certa, no lugar certo. Entendeu? Nem eu.

O preço do tomate disparou, então o remédio é aumentar os juros. A pessoa irá desistir de levar tomates quando pensar que a taxa Selic está mais alta. Quando a taxa Selic alcança dois dígitos, as pessoas trocam a macarronada a bolonhesa por lasanha ao molho  branco.

Os alugueis subiram, então os juros precisam aumentar, pois, em Lilliput, a terra de quem pensa pequeno, quando os juros sobem, ao contrário do que ocorre em qualquer lugar do mundo, mais imóveis são construídos e os alugueis baixam.

Engraçado, pensávamos que seria o contrário; que, com juros mais baixos, mais pessoas poderiam comprar seus próprios imóveis e se livrar dos alugueis. Aumentaria a própria oferta de imóveis e os aluguéis cairiam. Difícil entender os lilliputianos.

Essa falta de parâmetros e de noção do debate econômico causa uma deficiência grave em nossas políticas públicas.

Figuras exemplares que alertam sobre isso, como fazem Paulo Kliass, Ladislaw Dowbor e Amir Khair aqui na Carta Maior, há muito tempo, falam de coisas sobre as quais deveríamos não só prestar mais atenção, mas usar em nosso dia a dia.

Os movimentos sociais precisam se lembrar de explicar essa lógica dos argumentos aos seus militantes.

Precisam fazer as contas de quantos trabalhadores do setor público poderiam ser contratados e pagos com esses valores estratosféricos e escatológicos pagos com juros.

Precisam mostrar para a opinião pública quanto custa o reajuste de salários de suas categorias e compará-los com o que se paga em juros aos banqueiros.

Quem sabe, uma boa ideia seria acampar no gramado em frente ao Banco Central toda vez que ocorre uma reunião do Copom. E por que não fazer pelo menos um dia de luto quando se decreta aumento na taxa de juros.

Imagine todo mundo com a fitinha preta no braço explicando quanto vai nos custar pagar 0,25 ou meio ponto percentual a mais na taxa Selic, e quanto deixará de ser aplicado em prioridades para o país.

Pode até não ajudar a pressionar a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, mas, pelo menos, seria um sinal de quantas pessoas terão se livrado do analfabetismo econômico atroz que nos acomete.

(*) Antonio Lassance é cientista político.

sexta-feira, 28 de março de 2014

Há 50 anos dos regimes de terror na América Latina


Emir Sader, em seu blog
 
O golpe civil-militar de 1964 no Brasil deu inicio à implantação de ditaduras que constituiriam um círculo de terror como nunca a América Latina conhecera. Desde o final da Segunda Guerra Mundial, com o inicio da Guerra Fria, os Estados Unidos promoveram no continente a Doutrina de Segurança Nacional, sua ideologia da luta "contra a subversão" que desembocaria na instauração dessas regimes.

A Doutrina, elaborada pelo Departamento de Estado dos EUA e propagada pela Escola das Américas e por cursos ministrados diretamente por oficiais norte-americanos, propugnava a militarização dos Estados, que se tornariam Estados-maiores, conduzidos pela oficialidade das forças armadas latino-americanas, no combate a todas as forças que a Doutrina considerasse que colocavam em risco a "democracia" no continente.

A concepção totalitária da Doutrina se materializou, na época da ditadura civil-militar brasileira, no slogan: "Ame-o ou deixe-o", isto é, ou te identificas com o regime ou deves ir embora do país. É coerente com a concepção ideológica segundo a qual toda forma de conflito era um vírus externo, inoculado de fora para dentro no corpo nacional, para sabotar, subverter seu bom funcionamento.

Bem ao estilo das concepções positivistas importadas da biologia, segundo as quais o bom funcionamento da sociedade se assemelharia ao funcionamento de um corpo saudável fisicamente, em que cada célula funciona em função da totalidade. Qualquer parte do corpo que deixa de funcionar assim, representa uma doença, a introdução de um vírus externo, que tem que ser extirpado.

Os regimes militares do Cone Sul agiram dessa forma em relação a qualquer forma de expressão que lhes parecesse sabotar o bom funcionamento do corpo social. Era uma concepção totalmente intolerante em relação às diversidades, às divergências, aos conflitos sociais. A eliminação física dos opositores ou dos considerados opositores tinha essa origem, de "depuração democrática" de elementos considerados subversivos.

Quando se instaurou a primeira ditadura civil-militar, a brasileira, há 50 anos, se desenvolvia uma luta por modelos para um continente que via esgotar o impulso econômico das décadas anteriores. A Revolução Cubana radicalizou o horizonte de alternativas, ao colocar a possibilidade de ruptura da dominação norte-americana e do próprio capitalismo.

Os EUA tentaram forjar uma alternativa a Cuba com a chamada Aliança para o Progresso, que teve no governo do chileno democrata cristão Eduardo Frei seu exemplo mais importante, com a proposta de uma "revolução em liberdade". Sua reforma agrária fortaleceu os pequenos proprietários no campo, com objetivo de evitar vitórias dos novos movimentos guerrilheiros que se expandiam para a Venezuela, o Peru, a Guatemala, a Colômbia.

O golpe brasileiro seria modelar no sentido de que conseguiria derrotar de forma mais ou menos rápida a resistência armada. Inclusive porque foi um golpe prematuro, que pegou a um movimento popular brasileiro ainda em processo de constituição. Essa precocidade ajuda também a entender o motivo de seu sucesso econômico: pôde desfrutar ainda do final do longo ciclo expansivo do capitalismo no segundo pós-guerra, para canalizar grande quantidade de investimentos que permitiram a diversificação da dependência brasileira.

Mas o santo do chamado "milagre econômico" brasileiro foi a intervenção militar em todos os sindicatos e o arrocho salarial, os quais promoveram uma lua de mel entre o governo e as grandes empresas nacionais e estrangeiras, baseada na superexploração dos trabalhadores.

O sucesso da ditadura civil-militar no Brasil, com sua capacidade de impôr – baseada numa feroz repressão – a ordem e retomar a expansão econômica, fez dela referência para os outros regimes de terror que se implantariam em seguida na região. Foi o período mais terrível da historia desses países e de toda a história latino-americana. Tudo começou há 50 anos, com o golpe de primeiro de abril de 1964.


Rússia diz enfrentar ameaças crescentes dos EUA e seus aliados


sexta-feira, 28 de março de 2014 12:11 BRT
MOSCOU, 28 Mar (Reuters) - Moscou enfrenta ameaças crescentes dos Estados Unidos e de seus aliados, que estão tentando enfraquecer a influência russa na Ucrânia, disse uma importante autoridade de segurança da Rússia ao presidente russo, Vladimir Putin, segundo relatos nesta sexta-feira.
"Houve um grande aumento nas ameaças externas ao Estado. O desejo legítimo dos povos da Crimeia e de regiões do leste da Ucrânia está causando histeria nos Estados Unidos e em seus aliados", disse Alexander Malevany, vice-chefe do Serviço de Segurança Federal da Rússia, segundo a agência de notícias Interfax.
Ele disse que a Rússia está tomando "medidas ofensivas de contra-inteligência" para fazer frente aos esforços ocidentais de "enfraquecer a influência russa na região, que é de vital importância (para Moscou)", disse a Interfax.

Polícia no campus da UFSC e a reação conservadora


Elaine Tavares
Adital
Desde os anos 80 a cidade de Florianópolis vive ondas de crescimento e migração, sem ser acompanhada por um bom Plano Diretor que organize o processo. Uma boa porcentagem de migração é de gente rica, cansada da vida nas megalópolis, com degradação e violência. Assim, essas pessoas endinheiradas buscam recantos bucólicos na linda "ilha da Magia", antes Desterro, para fugir das situações criadas justamente pela acumulação de capital por parte de uns poucos. Mas, uma outra parte das migrações é composta por gente que busca um lugar onde melhorar a vida. São famílias que saem do interior do Estado de Santa Catarina, ou de outras regiões do país, nas quais o emprego não se apresenta como alternativa para garantir a existência. Com as propagandas em rede nacional de que aqui é o melhor dos mundos, a Europa brasileira, as pessoas são atraídas e vêm em busca da vida digna. Todo esse movimento fez com que a cidade crescesse para todos os lados. Aos ricos, estão reservados os melhores lugares, próximo às praias ou nas regiões centrais. Os empobrecidos ocupam áreas de risco, os morros, ou vão se espalhando pela periferia.
A região da Trindade, onde hoje está a Universidade Federal de Santa Catarina, nos anos 60, quando a instituição foi criada, nada mais era do que uma grande fazenda. Vazio urbano, espaço pronto para ser ocupado em nome do progresso. A construção da sede da UFSC fez com os terrenos se valorizassem e, logo, o entorno foi sendo tomado por prédios que viriam a abrigar os estudantes que começavam a chegar. Mas, não foi só a classe média e alta que fincou suas bases ao redor da UFSC. Também os empobrecidos vieram, ocupando os morros que cercam a universidade, afinal, ali, a vida e o comércio começaram a vicejar. Nada diferente do processo de crescimento de todas as grandes cidades. Centros ricos e bem cuidados, periferia degradada. Um existindo por conta do outro, conectados na lógica da dependência e da superexploração.
E, como sempre acontece, a classe que cria a pobreza, ao mesmo tempo a repudia e sente medo. Já nos anos 80, o entorno da universidade causava temor. As "favelas" eram foco de marginalidade e o tema "segurança do campus" começava a se impor. Pequenos furtos, alguns assaltos e a presença dos empobrecidos nos caminhos da UFSC levaram algumas vozes a clamar pelo fechamento do campus, com cercas e portões. Como sempre acontece, outras vozes ecoaram entendendo que se a periferia existe é porque o centro a cria, portanto, há um papel de responsabilidade aí que precisa ser visto e discutido. A universidade como "casa do saber" precisa ter ousadia para criar o novo e não apenas reproduzir a lógica que vem de fora, dos mecanismos de repressão, por exemplo.
Assim que durante os anos 90, o tema segurança foi ponto nevrálgico no debate entre professores, técnicos administrativos em educação e estudantes. Derrotada a proposta de uma ação institucional combinada de trabalho no entorno periférico da UFSC, de lazer, educação, esporte, arte e cultura para as comunidades, o campus foi cercado, mas ainda sem portões que impedissem o livre circular das gentes que não faziam parte do seleto grupo universitário. Ainda assim, aqueles que temem os pobres e os preferem bem longe seguiram atuando, no sentido de garantir o fechamento e a ação da polícia dentro da universidade.
Com o crescimento da cidade e o consequente aumento da criminalidade, a região da UFSC não poderia virar uma ilha de paz em meio ao caos. Ela reproduz todas as relações que existem na sociedade. Assim, o campus passou a ser também alvo de ladrões de carro, assaltantes, traficantes de drogas e toda a sorte de ilícitos que existem em qualquer lugar, mesmo na linda Beira-Mar ou no Jurerê internacional. Mas, como a universidade deveria ter por princípio encontrar caminhos alternativos para o enfrentamento dos problemas causados pelo desenvolvimento capitalista, seguiram também atuando os grupos que acreditavam ser possível uma relação mais harmônica com as comunidades do entorno - preconceituosamente vistas como "foco de marginais" - e no enfrentamento da violência e do crime que, de fato, existem e crescem exponencialmente. Foram realizados encontros, fóruns, debates e discussões envolvendo pesquisadores, estudantes, trabalhadores, comunidade. Muitas foram as propostas, mas praticamente nada era encaminhado.
Uma coisa sempre foi muito clara. A ação da polícia militar encerra toda uma lógica que não serve ao mundo democrático. No mais das vezes, em um espaço como a universidade, sempre permeado por lutas, protestos e discussões acaloradas, seria ingenuidade acreditar que, estando no campus organicamente, a polícia não atuaria como aparelho repressor destas atividades. É bastante comum no Brasil observar a polícia agindo sempre considerando o povo que luta como "inimigo da nação". Essa é a visão de uma polícia militar. Sempre temendo um inimigo interno. Assim, o debate sempre pontuou esses elementos. A segurança do campus e das pessoas que aqui circulam precisava então ser pensada de outra forma. Soluções criativas sempre existiram. Mas, nunca foram implementadas, seja por incompetência ou por decisão política mesmo. O tema segurança seguia em suspenso e aos administradores aparecia como mais fácil chamar a polícia, eventualmente, sempre que julgassem necessário. E isso se deu recorrentemente, no geral para reprimir estudantes ou trabalhadores. Em casos de crimes comuns, como assaltos ou roubos, a polícia sempre atuou, conforme sua competência e isso nunca foi colocado em questão.
Assim, os que dizem que quem é contra a polícia no campus defende bandido, precisam conhecer bem a história do tema segurança na UFSC, antes de saíram "atirando" contra os que - entendendo o papel crítico da universidade - preferem discutir e criar novas alternativas. Ninguém que faça esse debate é a favor de quem comete crimes. Apenas observam o problema desde outro ponto de vista: coletivo e social. A segurança não pode ser pensada só desde uma perspectiva pessoal: o meu carro, a minha bolsa, o meu problema. É certo que uma pessoa assaltada é também um ser mergulhado no social e é por isso mesmo que deveria pensar de maneira mais generosa no todo do qual faz parte.
Mas, o que se vê é a violência extrema contra os que buscam saídas coletivas. Ontem, um colega de trabalho, por exemplo, desejou que eu fosse assaltada para ver "o que é bom" e parar de defender bandido. Falava isso porque me colocava contra a ação desastrada - da polícia federal, militar e da segurança do campus - que acabou gerando um levante estudantil. E o mais grave é que essa não é uma fala isolada. Ela se reproduz nas redes sociais como um vírus.
Dentro desse contexto voltamos ao começo: quem é o bandido, cara pálida? Quantas vezes na história da UFSC a entrada da polícia se deu para combater o crime real? Quantas vezes a polícia veio para reprimir estudantes ou trabalhador em luta? Ainda não tenho a conta certa, mas nesses 25 anos que trabalho na UFSC a presença repressora da polícia se deu - em maioria absoluta - contra trabalhadores e estudantes que lutavam por salário, bolsa estudantil, comida decente, moradia estudantil, condições de trabalho dignas e por aí afora. Agora, é certo também que quando tem um roubo, assalto ou tráfico, a polícia vem, sem alarde, sem choque, fazer o seu trabalho. Nunca foi impedida, nem poderia.
Os episódios que gestaram o ‘Levante do Bosque’ estão dentro desse contexto maior que envolve uma administração vacilante, incapaz de unificar a comunidade num projeto institucional de discussão sobre a violência. Estão ligados também a uma proposta de segurança interna que igualmente vacila entre o desejo de ser polícia e o medo da criminalidade crescente, sem que as condições de enfrentamento sejam dadas. Sofrem o acréscimo de existir uma batalha interna de poder, mais o ódio da mídia hegemônica contra uma administração que diminuiu verbas de publicidade. Tudo isso contribuiu para a ação espetacular e tragicômica que tornou a presença de cinco baseados no bosque no motivo para uma violência desmedida.
Notícias posteriores deram conta de que a reitoria tinha assinado um protocolo com a polícia, permitindo investigações no campus. Ora, ninguém pode assinar um protocolo com a polícia pensando que ela não vai agir como polícia. Então, temos aí também uma decisão ingênua e destituída de habilidade que igualmente tem de ser debatida. A administração da UFSC precisa de mais ousadia.
O fato é que, de novo, estamos mergulhados na discussão sobre a segurança, a violência e o papel da polícia. Isso é bom. Não precisava ter o que o houve, mas pode-se agora avançar para o que sempre esteve em pauta: uma posição institucional sobre o tema, que possa atender todas as demandas. Precisa-se de mais segurança para andar no campus? Sim! Mas, para garantir isso existem outras formas, para além da presença da polícia. E depois, quem disse que os "universitários" precisam de mais segurança que o cidadão comum? Quem arrogou a comunidade universitária o direito de ser mais igual que a cidade?
Então, ainda que os viúvos e viúvas do regime de "mão firme" gritem por polícia para proteger os seus bens, é preciso pensar que estamos todos juntos nesse barco da vida regida pelo capital e que os problemas de segurança que temos precisam ser resolvidos no âmbito do debate geral sobre a forma como organizamos essa vida. A polícia desmilitarizada, parceira do cidadão, pode ser um caminho para a proteção contra os crimes. Mas, a polícia militarizada, que vê o cidadão crítico como inimigo, essa precisa ser questionada. Ainda que doa.
A vida é dura, ainda que só para alguns. Por isso, a luta!

Lembranças de 64

Publicado no Repórter Sindical



Maria Thereza Goulart
O que o golpe militar mudou em minha vida?
É muito difícil ter as respostas certas para essa pergunta.
Até hoje, 50 anos depois, eu me questiono para conseguir entender o porquê daqueles momentos tão assustadores que de repente mudaram o rumo de nossas vidas, de nossa pátria e de nosso povo.
As mudanças foram infinitas.
Perdi pessoas que eu amava sem poder dizer adeus.
Perdi amigos, perdi meu lar e perdi minha pátria.
Fiquei sem meus sonhos, vivendo uma realidade de incertezas e desafetos.
Tive medo sim e pensei que aqueles momentos eram de uma perseguição coletiva que acabaria envolvendo nosso futuro.
Esse medo tornou-se um grande inimigo capaz de me confundir entre o ódio e o perdão.
Eram muitas perguntas sem respostas, que me faziam pensar algumas vezes que nós éramos os responsáveis por todos aqueles acontecimentos.
O tempo foi passando e os desafios foram diários.
Esquecer não foi fácil e eu aprendi muito com o sofrimento
Aconteceram novas mudanças, meus filhos cresceram, voltamos para a nossa pátria, para uma nova vida e novos amigos em um tempo de esperança.
Nossas vidas, no entanto, ficaram com um grande espaço vazio sem a presença de nosso melhor amigo, pai e companheiro.
Hoje sinto meu coração comprometido com o passado e em vários momentos de melancolia olho para o céu azul e me encontro de volta para o Uruguai, mudando os rumos de meus pensamentos neste tempo de espera para outros caminhos.
Sei que minha vida mudou. Continuo meu destino, até quando não sei.
 


Maria Thereza Goulart é viúva do presidente Jango e presidente de Honra do Instituto João Goulart

quinta-feira, 27 de março de 2014

O BRASIL CRESCE ENTUPINDO OS BOLSOS DOS "CHORÕES"





O Brasil cresce, embora entupindo os bolsos dos “chorões”. Mas não basta para eles.

Por Fernando Brito, no Blog Democracia & Política

"O Brasil é um país sui generis.

"Está em crise profunda, com o PIB em queda".

E todos os indicadores de produção avançam, até com mais vigor que antes.

"A Petrobras", dizem os jornais, "está metida num escândalo".

Em qualquer país do mundo, uma empresa metida numa encrenca cai – e muito – na Bolsa de Valores.

Então, como explicar que, desde o início deste “imbroglio”, no início da semana passada, as ações ordinárias da Petrobras tenham subido nada menos que 15,3% (de R$ 12,10, no dia 18, para R$ 13,94, no finalzinho do pregão de 2ª feira)?

E como explicar que um país que "está assolado por “rombos”, déficits, ameaças inflacionárias, recessão à vista e tudo o mais" tenha os dados de crescimento que o "Valor" publicou 2ª feira?

A explicação para esse “fenômeno” é que o Brasil tem dois governos.

Um é o que você elege.

O outro é o do poder econômico, que ninguém elege, mas manda muito.

E que bate impiedosamente em governantes que não são seus serviçais, mesmo quando eles não têm força ou decisão para se rebelarem contra esse domínio.

E o chicote desses senhores chama-se mídia.

Toda ela, ou quase toda, já mentalmente deformada pelos anos e anos de domínio do que o Brizola chamava de “Comando Marrom”, uma espécie de matriz de uma orientação quase monolítica.



O governo eleito quer baixar os juros?

Pau nele, para que ele tenha de recuar e fazer o Brasil continuar a pagar “resgate” ao rentismo que nos sequestrou.

(Quem quiser saber o quanto, olhe o gráfico aí acima, mostrando quanto cada país paga de juros ao capital aplicado em seus títulos públicos)

O governo eleito quer baixar as tarifas de energia, uma das mais altas do mundo?

Pau nele e silêncio completo sobre o boicote que a CESP, a CEMIG e a COPEL, empresas elétricas de governos tucanos, fazem, só vendendo energia aos preços escorchantes do varejo, aproveitando- se criminosamente da estiagem.

O governo eleito segura o preço da gasolina, que eles diziam ser a mais cara do mundo, para evitar a inflação? Pau nele, em “defesa” da Petrobras que eles odeiam de morte.

E o governo que você elegeu, “tolinho”, confiando no “controle remoto” e no “espírito republicano”, mudo…"

FONTE: escrito por Fernando Brito em seu blog "Tijolaço" (http://tijolaco.com.br/blog/?p=15835).

COMPLEMENTAÇÃO

A “nota” da "Standard & Poor’s": a economia “é a política, estúpido”…

Por Fernando Brito



O noticiário econômico dos últimos dias, afora o que é simples alarmismo, foi positivo.

O PIB surpreendeu os analistas, subindo mais que o esperado.

Os serviços cresceram, a indústria cresceu, a inflação manteve-se sob controle.

O governo dançou direitinho a música do capital, aumentou juros mês após mês, até o nível absurdo a que chegamos.

Mas a fome dos lobos é insaciável e o cordeiro ganhou a mordida merecida.

A tal “agência de risco” Standard & Poor’s baixou a “nota” do país.

Nem é o caso de discutir a seriedade dessas agências, que não perceberam a crise de 2008 debaixo do nariz delas.

Ou de lembrar que essa nota foi dada já em pleno Governo Dilma, em novembro de 2011, sem que tenha contribuído em nada para a economia brasileira avançar.

Ou ainda que a nota, agora, é a mesma que tínhamos em pleno “boom” econômico de 2010.

A economia, agora, é a política, dir-se-ia aos estúpidos.

A mídia já comemora e canta a ópera do caos.

Eu não disse?”

E o povo brasileiro procurará a voz de seus líderes e não a encontrará, como já não encontra há alguns meses.

Ouve-se um uníssono.

E não se ouve a polêmica.

E a política, este blog ["Tijolaço"] escreve lá em cima, todas as horas e dias, sem polêmica, é a arma poderosa das elites."


FONTE: escrito por Fernando Brito em seu blog "Tijolaço"  (http://tijolaco.com.br/blog/?p=15840).

A PETROBRÁS INCOMODA


Erro cometido na compra de Pasadena não pode encobrir vitórias recentes na mais bem sucedida empresa da história do país


 

por Marcelo Zero  (*) no Blog de Paulo Moreira Leite

A Petrobras incomoda. Na realidade, a Petrobras sempre incomodou os conservadores do país.
Pudera. Nascida da histórica campanha nacionalista “o Petróleo é nosso”, a Petrobras se converteu naquilo que os paleoliberais consideram praticamente uma impossibilidade: uma empresa estatal bem-sucedida e eficiente. Ela é um acabado contraexemplo das teses antiestatais e antidesenvolvimentistas que sustentavam o fracassado paradigma privatizante e liberalizante que ruiu no início deste século.
Assim, a Petrobras é anátema, nos cânones do (paleo)neoliberalismo tupiniquim. Não deveria existir, mas existe. Não deveria fazer sucesso, mas faz. A Petrobras é a maior e mais bem-sucedida empresa do Brasil.
No início, há 60 anos, diziam que o Brasil não tinha petróleo. Convenientes estudos de geólogos estrangeiros asseguravam que não havia jazidas de óleo em território nacional. A Petrobras, portanto, não fazia muito sentido.
Mas ela perseverou e acabou descobrindo, graças a um enorme esforço de pesquisa, jazidas significativas de petróleo e gás em nosso leito marítimo. Primeiro no Nordeste; depois na Bacia de Campos. Tais jazidas, situadas no que hoje se conhece como pós-sal, contribuíram para diminuir bastante a nossa dependência de importações de hidrocarbonetos.
Mesmo assim, as ofensivas contra a grande estatal brasileira continuaram. No governo Collor, o Credit Suisse chegou a apresentar um plano para privatizar a Petrobras. O plano privatizava a companhia por partes.  Primeiro, se venderiam as suas subsidiárias, o que, de fato, ocorreu posteriormente. Depois, a holding seria fatiada em unidades de negócio, as quais seriam privatizadas, em seguida.
No entanto, foi no governo FHC, que essas ofensivas se intensificaram e se concretizaram parcialmente.
Com efeito, foi naquele governo que se promulgou a famosa Lei nº 9478/97. Essa norma produziu duas grandes consequências.
Em primeiro lugar, a Petrobrás abriu seu capital social para investidores estrangeiros. Assim, a estatal teve 36% de suas ações vendidas na Bolsa de Nova Iorque. Com isso, a União reduziu a sua participação acionária de cerca de 60% para 32,53% do capital social total. Ressalte-se que essa operação não representou o ingresso de recursos para a Petrobras, mas proporcionou na época o aumento na sua base acionária, principalmente no estrangeiro.
Com tal venda, a Petrobrás teve ainda de cumprir, a partir de 2002, com a lei americana “Sarbanes–Oxley” (SOX), uma norma bastante rigorosa, que obriga as empresas que têm ações em bolsas norte-americanas a submeterem as suas decisões de negócios e informações às autoridades supervisoras do mercado bursátil dos EUA.
Dessa maneira, os presidentes de Petrobrás são obrigados a ir a Nova Iorque para prestar contas das ações da empresa e submeter-se aos duros questionamentos dos acionistas norte-americanos. Lembre-se que muitos desses acionistas são associados às companhias competidoras da Petrobrás.
Em segundo lugar, a Lei nº 9.478/97 introduziu, no Brasil, o modelo de exploração por concessão. Conforme tal modelo, o petróleo e o gás são de propriedade da empresa privada que os explora.  O petróleo, nesse caso, só pertence à União enquanto não estiver sendo explorado. Assim que uma empresa começa a explorar uma jazida, pelo modelo de concessão, o petróleo o gás passam a ser de sua propriedade. Com isso, o país perdeu o controle estratégico da produção e comercialização de hidrocarbonetos, pois a empresa concessionária podia fazer o que quiser com a sua jazida. Com isso, o petróleo deixou de ser nosso.
Na realidade, a citada lei já estava preparando o terreno para uma futura privatização da Petrobras. Chegou-se mesmo a se anunciar a mudança de nome da Petrobras para Petrobax, de modo a facilitar a sua internacionalização.
A gestão tucana da empresa também se esmerou, como de hábito, no sucateamento da estatal, de forma a justificar a sua ulterior venda. Em seus oito anos, nenhum concurso público para contratação foi realizado. Ao final da gestão, a empresa tinha reduzido o seu quadro de funcionários à metade. Além disso, os funcionários da empresa passaram os oito anos de FHC sem ter qualquer reajuste salarial, sequer para repor a inflação.
Não bastasse o sucateamento da Petrobras, toda a cadeia do petróleo, que sustentava milhares de empresas nacionais, foi consideravelmente desestruturada, ao longo das gestões neoliberais. No governo Collor houve redução de redução de 30% das tarifas de importação para o setor. No Fernando Henrique, foi criado o Repetro, que implantou um regime aduaneiro especial para os insumos e bens destinados ao setor petrolífero, pelo qual se isentava as empresas estrangeiras de imposto de importação. Assim, muitos fornecedores nacionais tiveram de fechar as portas.
Havia, portanto, um nítido processo de desregulamentação e de desnacionalização que conduzia à privatização da Petrobras. A clara intenção de privatizar só não se concretizou porque, na época, (2001), o governo FHC já estava com sua popularidade no chão e a resistência dos que defendiam a estatal foi muito grande.
Pois bem, os que enfraqueceram e tentaram privatizar a Petrobras são os mesmos que agora usam do caso da compra da refinaria em Pasadena para atacar a empresa e o governo.
Faz sentido, pois foram os governos do PT que reergueram a Petrobras. Com concursos públicos, seu quadro de funcionários foi reconstituído. Foi também reconstituído seu programa de investimentos. Hoje, a Petrobras é a empresa que mais investe em prospecção de petróleo no mundo. Ela também é a empresa do setor petrolífero que mais expertise tem na prospecção em águas profundas e ultraprofundas.  Devido a esse esforço em prospecção e pesquisa, a Petrobras é a empresa brasileira que mais gera patentes.
Graças a essa monumental iniciativa, a Petrobras encontrou os megacampos do Pré-Sal, a maior descoberta de petróleo das últimas décadas, que mudou inteiramente o cenário do nosso setor petrolífero.
Na realidade, a situação da Petrobras mudou da água para o vinho, ou da água para óleo. Em 2002, ela valia apenas cerca de R$ 15 bilhões. Hoje, ela vale R$ 184 bilhões, mesmo após a crise mundial ter reduzido fortemente o valor de mercado das empresas petroleiras. Também foi feito um grande esforço para recuperar as indústrias da cadeia do petróleo. Plataformas e embarcações voltaram a ser produzidas no Brasil, o que reergueu a nossa indústria naval, que fora destruída graças à proverbial competência tucana.
Com a recuperação da empresa e com a nova realidade criada pelo Pré-Sal, os governos do PT resolveram criar um novo marco regulatório para o setor, que enterrou o modelo de concessão criado por FHC. Para os campos do Pré-Sal, o que vale agora é o modelo de partilha. Nesse novo modelo, o petróleo continua de propriedade da União, mesmo após a jazida ser eventualmente explorada por uma empresa privada. A empresa apenas recebe uma participação por seus serviços. Por conseguinte, o novo marco regulatório assegurou que o petróleo do Pré-Sal seja realmente nosso. Ademais, a nova norma também determinou que a Petrobras seja a operadora privilegiada dos megacampos. O petróleo, agora abundante, voltou a ser nosso.
É isso que incomoda. E muito. Se antes a Petrobras incomodava, hoje ela incomoda muito mais. As empresas estrangeiras não podem mais se apossar das megajazidas, como podiam na época de FHC.  E, para explorá-las, elas têm de se associar à Petrobras.  
É por isso que ela é tão atacada. Instaurou-se um verdadeiro vale-tudo para desacreditá-la. Diminuições conjunturais dos valores da empresa, em função da queda dos preços do petróleo e derivados no mercado mundial, são apresentadas como provas irrefutáveis de “má gestão”. Dívidas contraídas para viabilizar a exploração do Pré-Sal são também encaradas como sinais da “ruína financeira” da empresa. O irônico é que a Petrobras não tem quaisquer dificuldades para captar recursos no exterior. Os investidores e bancos estrangeiros têm plena confiança na Petrobras.
Nesse vale-tudo, vale até apresentar uma simples compra malsucedida, a da refinaria de Pasadena, como um grande escândalo nacional, com conotação de negócio escuso.
O único “erro” da Petrobras, nesse caso, foi ter comprado, como várias outras empresas fizeram, uma refinaria numa época em que havia um boom do refino nos EUA, com os preços dos derivados aumentando fortemente e com as margens de lucro disparando, especialmente para o refino de óleo pesado, que era o único tipo de óleo que o Brasil produzia na época.  Saliente-se que o preço pago pela Petrobras foi inferior aos preços de mercado, pois a nossa estatal adquiriu a refinaria de Pasadena pagando um preço de U$ 7.200 por barril de refino, sendo que o preço médio das aquisições, no período, foi de US$ 9.234 por barril de refino.
Ante tal quadro, até mesmo a tão criticada cláusula “Marlim”, que assegurava aos sócios belgas uma rentabilidade de 6,9%, não parece tão despropositada, pois a rentabilidade média das refinarias americanas, no período, para o refino de óleo pesado, era de cerca de 14%. Assim, a cláusula Marlim assegurava aos belgas da Astra cerca da metade da rentabilidade média que havia, no período, para o refino de óleo pesado.
Outro “erro” da Petrobras foi não ter previsto a grande crise mundial, a qual seria desencadeada dois anos depois, e a descoberta do Pré-Sal, que mudou totalmente a estratégia de negócios da empresa. Porém, se a Petrobras é culpada desse erro, então todas as empresas do mundo o são, até mesmo as agências de risco, que foram criadas justamente para isso, mas que, às vésperas da crise, davam nota AAA para os papéis podres do mercado de derivativos.
Um deslize real foi, sem dúvida, não ter alertado os membros do Conselho da empresa para os riscos contratuais do negócio, o que levou à aprovação unânime da aquisição, sem todos os questionamentos possíveis. Disso se aproveitou a nossa imprensa marota para tentar jogar o prejuízo do negócio no colo da presidenta.
Também de forma marota, para não dizer outra coisa, a imprensa inflou muito os números de prejuízo. Computou compra de estoques como compra da refinaria, entre outros truques maliciosos. Na realidade, os primeiros 50% da refinaria foram comprados por US$ 196 milhões e os 50% restantes por US$ 296 milhões, o que dá um total de US$ 492 milhões. Se a esse total somarmos os US$ 173 milhões dos custos jurídicos, administrativos e bancários da aquisição chegaremos a um dispêndio de US$ 665 milhões.
Mas a grande “marotice” é falar apenas do “ralo” e não falar da “torneira”. Sim, porque a refinaria não parou de funcionar, a não ser por curto período devido a um incêndio. O ex-presidente da Petrobras, Sérgio Gabrielli, estima que a refinaria, supondo uma operação de apenas 75% de sua capacidade, e supondo ainda uma rentabilidade nula, em relação ao barril Brent, tenha faturado cerca de US$ 16 bilhões, entre 2006 e 2012.
Não temos dados sobre a contabilidade específica da refinaria, mas, mesmo supondo uma rentabilidade negativa em 2008 e 2009, auge da crise, é muito provável que o prejuízo com a compra de Pasadena já tenha sido inteiramente amortizado, ou esteja em vias de sê-lo.
Foi por isso, aliás, que a Petrobras montou, em 2010, uma estratégia para aumentar a capacidade de refino da sua unidade em Pasadena, estrategicamente localizada no “canal de Houston”, de 100 mil barris/dia para 200 mil barris/dia.
Esses são os dados verdadeiros sobre o assunto. Mas, como a Petrobras incomoda os conservadores, e o governo do PT mais ainda, não incomoda à oposição e à mídia conservadora atacar a imagem da maior empresa brasileira e, como se diz popularmente, “procurar chifre em cavalo”.
Essa falta de compromisso com o Brasil é o que mais incomoda.

(*) Marcelo Zero é cientista social formado pela UNB e assessor legislativo do Partido dos Trabalhadores

A ESCOLHA DE KIEV

Mauro Santayama, em seu blog


  O Presidente Obama afirmou, em entrevista, para a imprensa holandesa, que Kiev “não precisa escolher entre leste e oeste”, e que é importante que o povo ucraniano tenha boas relações com a Rússia, os EUA, e a Europa.
Os ucranianos deveriam agradecer penhoradamente esse conselho, e lembrar que era exatamente isso que estavam fazendo antes que o Ocidente se metesse no país.
Kiev poderia ter sobrevivido, por muito tempo, com seu território intacto, se tivesse continuado seu movimento pendular tradicional, inclinando-se ora para o Ocidente, ora para a Rússia, buscando obter vantagens dos dois lados.
Ao dar ouvidos à OTAN, esticando a corda ao máximo, a ponto derrubar o governo, os neonazistas que assumiram o poder obrigaram a Ucrânia a queimar seus navios, sem olhar para trás.
Com isso, Kiev perdeu a Criméia, o mercado russo para seus produtos, o dinheiro prometido por Putin, e muito mais.
Depois de botar fogo na fogueira, o Ocidente - como se pode ver pelas declarações de Mr. Obama, está, apesar da retórica agressiva somada a “sanções” praticamente inócuas, tentando salvar a cara enquanto pensa em um jeito de se afastar do atoleiro  ucraniano.
Kiev deve 170 bilhões de euros, e precisa de 50 milhões de metros cúbicos de gás, todos os dias, para tocar a economia e não congelar.
Mesmo que fosse possível convencer a população europeia a pagar a conta, quando ainda sofre com as graves consequências da crise econômica, ainda haveria a questão do gás.
O engenheiro enviado pelos EUA para estudar a situação, disse que seria possível assegurar sete milhões de metros cúbicos de gás, até o fim do ano, desviando parte do gás russo fornecido à Europa, o que representaria apenas 14% da demanda ucraniana, para enfrentar um inexorável inverno, que, neste ano, como em todos os outros, vai chegar.
E isso, se a UE pudesse prescindir desse gás, que teria de ser pago pelos ucranianos, ao mesmo preço de mercado cobrado por Moscou dos próprios europeus.  
Ao dizer que Kiev não precisa escolher, necessariamente, entre Leste e Oeste, depois de tê-la empurrado contra Putin, os EUA estão lavando, olimpicamente, as suas mãos, como se nada tivessem a ver com a situação.
O seu recado, e o da OTAN, para os ucranianos, é o mesmo que o Coronel Pedro Tamarindo deu aos seus soldados, ao abandonar a Coluna de Moreira César, na Guerra de Canudos: em tempo de Murici, cada um cuide de si.
O que pode servir de advertência, para aqueles que, a exemplo de parte do exército de famintos, órfãos e refugiados da Primavera Árabe, se deixam seduzir pelas sinuosas sereias do Ocidente.
Elas não trazem Liberdade ou Prosperidade. Seu objetivo é destruir e fragmentar, com o seu canto – como fizeram nos Balcãs, no Iraque, no Afeganistão, no Egito e na Líbia, a unidade e a estabilidade – desde que não tenha armas atômicas - de qualquer nação que possa vir a ameaçar seus interesses no futuro.

Veja com Santayana por que o México é BBB+ no rating da S&P


Transcrito por Fernando Brito, retirado do blog Democracia & Política

"Em dezembro do ano passado, em sua última mudança significativa das suas notas de crédito antes da de terça-feira (25), que rebaixou o Brasil (de BBB para BBB-), a agência classificadora de risco "Standard & Poor’s" elevou o “rating” do México de BBB para BBB+.

Um artigo publicado quarta-feira por Mauro Santayana no "Jornal do Brasil" ajuda a entender porque o país [México] se tornou o “queridinho” dos mercados sem exibir um sucesso econômico que se reflita nos padrões de vida de seu povo.

O “prêmio de bom-comportamento” do México é, essencialmente, ter feito o que Fernando Henrique fez no Brasil em 1997: abrir a exploração de petróleo aos grupos estrangeiros.

Santayanna é o melhor remédio contra o discurso que a direita brasileira se prepara para fazer: o da “mexicanização” do Brasil.

Isso inclui, além do petróleo, acordos comerciais lesivos, com o abandono das parcerias no Mercosul e a “fllexibilização” dos direitos trabalhistas para que se possa usar o Brasil como plataforma de montagem de produtos [de empresas estrangeiras] para a exportação, o que definirão com o nome de “reindustrialização” do país.

O mundo está mudando, mas não mudou e nem mudaram os interesses que fazem “money makes the world go around”.

O Gato e a Lebre

O México é um país pobre e desigual

Por Mauro Santayana

"A OCDE – Organização para o Comércio e o Desenvolvimento Econômico, divulgou um relatório, na última terça-feira, classificando o México e o Chile, ambos formalmente sócios da “Aliança do Pacífico”, como os dois países com maior desigualdade do grupo.

Até aí, nada a estranhar, a OCDE reúne países teoricamente desenvolvidos, que exibem dados sociais – remanescentes do período anterior à crise economia – melhores do que a da maioria dos países latino-americanos, mas eles têm se deteriorado rapidamente nos últimos anos.

A dívida explodiu entre os 34 membros da OCDE, principalmente os PIIGS (Portugal, Itália, Irlanda e Espanha). E o desemprego aumentou para um total de 48 milhões de pessoas, 15 milhões a mais do que em 2007, alcançando, em alguns lugares como a própria Espanha, taxas próximas a 30%.

O Chile – costumeiramente apresentado como um “milagre” latino-americano, que muitos atribuem a Pinochet – consegue ser ainda mais desigual que o México.

Mas o México perde para o Chile em renda. A sua é a menor da OCDE, e uma das mais baixas entre os países latino-americanos.

O país de Zapata, também cantado pela mídia como “exemplo” para o continente, tem, segundo estatística do FMI de 2012, renda menor que a do Chile, Uruguai, Brasil, Argentina e Venezuela.

E o pior, no lugar de crescer, ela tem diminuído nos últimos três anos. Isso, considerando-se que o México não conta com uma legislação trabalhista ou uma rede de proteção social, ou programas de renda mínima, que possam garantir um mínimo de dignidade para a população.

Na nação dos tacos e da tequila – o que explica parte de seu “sucesso” manufatureiro na montagem e maquiagem, com peças de terceiros, de produtos destinados aos Estados Unidos – sequer existe seguro-desemprego.

Segundo a Organização Internacional do Trabalho, quase 60% dos empregos no México são informais, contra 28% na Argentina, 34% no Brasil, 45% na Colômbia, e 45% no Peru. E quatro em cada dez cidadãos mexicanos não conseguem dinheiro para pagar uma cesta básica a cada 30 dias.

Como faziam os meios de comunicação espanhóis, que achavam que a Espanha estava uma maravilha, quando na verdade, já estava sendo engolida pela crise, os jornais mexicanos se gabam do país ter entrado para o NAFTA, o acordo que os uniu, economicamente, ao Canadá e aos Estados Unidos, e de terem assinado, com outros países, dezenas de acordos bilaterais de livre comércio.

Mas não falam dos déficits históricos em sua balança comercial, que sua renda per capita está praticamente estagnada há mais de duas décadas, e que seu poder de compra tem caído, no lugar de aumentar, nos últimos anos.

O problema da fome, do abastecimento e da inflação de alimentos também é muito grave no membro mais pobre do NAFTA.

Muita gente acha que o Brasil tem que parar de mandar alimentos para a Venezuela, mas não sabe que o governo mexicano está ultimando a compra, em nosso país, em caráter emergencial, de 300.000 toneladas de frango, para impedir que o preço das proteínas exploda, e que falte comida nos supermercados.

Muitos mexicanos também acreditam na balela de que o México é grande exportador de manufaturas, enquanto o Brasil só exporta commodities – esquecendo-se que somos o terceiro maior fabricante e vendedor global de aviões.

O fato de que sejamos o maior exportador mundial de suco de laranja, café, açúcar, carnes, – além de primeiro em minério de ferro e o segundo em etanol – e de que tenhamos triplicado nossa safra de grãos nos últimos 12 anos e estejamos a ponto de ultrapassar os EUA como o maior exportador de soja do mundo, só quer dizer uma coisa: soubemos dar mais valor à segurança alimentar do que outros países latino-americanos, e hoje temos comida para abastecer nossa mesa, e para vender para o resto do mundo.

Na hora de ler os jornais, ouvir o rádio, ou ver os noticiários de televisão, ao ouvir falar das ”reformas” e de supostos avanços mexicanos com relação ao Brasil – quando eles cresceram a metade do nosso PIB no último ano – é bom ficar com o pé atrás e colocar as barbas de molho.

Não podemos comer gato por lebre, e seguir os passos dos mexicanos, que venderam a alma ao diabo, ao se agregar – como pouco mais que escravos e camareiros – ao sistema econômico norte-americano.

Ao nos oferecer acordos semelhantes, como a UE está fazendo agora – e os EUA tentarão fazer logo em seguida – os países “ocidentais” não vão abrir seus mercados para nossas manufaturas – pelo contrário, eles têm reduzido suas compras e aumentado as vendas para cá nos últimos anos. Irão apenas tomar, implacavelmente, das nossas indústrias, o mercado sul-americano."


FONTE: artigo de Mauro Santayana publicado no "Jornal do Brasil" e transcrito e comentado por Fernando Brito em seu blog "Tijolaço"  (http://tijolaco.com.br/blog/?p=15882).