domingo, 31 de agosto de 2014

Porque os banqueiros querem derrotar Dilma?

Por Antônio Augusto de Queiroz, no site do DIAP:

"Numa única palavra: ganância. Nunca os banqueiros deste país lucraram tanto como nos governos do PT, mas esse pessoal não tem limite. Neste texto elenco quatro motivos que embasam tamanha hostilidade ao governo Dilma. Esse comportamento do mercado financeiro vale para qualquer governo que não aceite o jogo da banca.

O primeiro motivo, e não necessariamente o principal, é porque o governo Dilma ousou desafiá-los, ao interferir na margem de lucro deles, ao pressionar o Banco Central que reduzisse a taxa Selic, de um lado, e, de outro, que os bancos oficiais (BB e CEF) reduzissem o spread bancário, a partir da concorrência com a banca privada.

Os banqueiros, que antes elogiavam o governo, passaram a hostilizá-lo e a promover campanha com o objetivo de desqualificar a presidente e seu governo quanto à capacidade de manter a inflação e o gasto público sob controle, inclusive alugando alguns articulistas de economia da grande imprensa.

Insistiram nessa tática, aparentemente sem resultados, durante dois anos, até que, por sazonalidade nos produtos hortifrutigranjeiros, houve aumento de alimentos, inicialmente da batata e logo em seguida do tomate, criando as condições para a vitória da guerrilha inflacionária, que assustou os consumidores e forçou o governo a autorizar o retorno do aumento da taxa de juros.

O segundo motivo é porque nos governos do PT o dinheiro de origem trabalhista (FAT, FGTS e alguns Fundos de Pensão de estatais), com baixa intermediação do sistema financeiro privado, foi utilizado para fornecer crédito barato, gerar emprego e renda. Ou seja, em lugar de ir para a especulação, com ganhos astronômicos dos rentistas, esse dinheiro foi para o investimento produtivo.

Em um governo de perfil liberal, que afrouxa ou desregulamentar a economia e abre mão de dar a direção aos investimentos, esses recursos certamente seriam administrados por banco privados e não por bancos oficiais (BB e CEF) nem tampouco pelo BNDES e certamente iriam para a especulação e não para o investimento.

O terceiro motivo foi a criação do Fundo Soberano, com as finalidades de promover investimentos em ativos no Brasil e no exterior, formar poupança pública, mitigar os efeitos dos ciclos econômicos e fomentar projetos de interesse estratégico do país localizados no exterior. Isso reduz as perspectivas de captação e administração de recursos públicos pela banca privada.

O quarto foi a criação do Banco do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), que terá um capital inicial de U$ 50 bilhões e que poderá ser utilizado, com custo mais baixo, por seus sócios, o que, igualmente, não agradou aos banqueiros brasileiros.

As motivações, como se vê, são todas decorrentes do desconforto com a presença do governo na gestão ou intermediação de parcela dos recursos destinados aos investimentos (capital estatal, capital privado nacional e capital estrangeiro), sendo o maior montante os de origem trabalhista."


FONTE: escrito por Antônio Augusto de Queiroz, no site do DIAP. O autor é jornalista, analista político e diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP). Artigo publicado no "Pátria Latina"  (http://www.patrialatina.com.br/editorias.php?idprog=c379a1046f90b893557efbd459480ae5&cod=14258).

Um em dois

Janio de Freitas transcrito do Blog Tijolaço

O catatau dado como programa de governo de Marina Silva e do PSB, mas que contraria tudo o que PSB defendeu até hoje, leva a uma originalidade mais do que eleitoral: na disputa pela Presidência, ou há duas Marinas Silvas ou há dois Aécios Neves. As propostas definidoras dos respectivos governos não têm diferença, dando aos dois uma só identidade. O que exigiu dos dois candidatos iguais movimentos: contra as posições refletidas nas críticas anteriores de Marina e contra a representação do avô Tancredo Neves invocada por Aécio.
Ao justificar sua proposta para a Petrobras, assunto da moda, diz Marina: “Temos que sair da Idade do Petróleo. Não é por faltar petróleo, é porque já estamos encontrando outras fontes de energia”. Por isso, o programa de Marina informa que, se eleita, ela fará reduzir a exploração de petróleo do pré-sal.
Reduzir o pré-sal e atingir a Petrobras no coração são a mesma coisa. Sustar o retorno do investimento astronômico feito no pré-sal já seria destrutivo. Há mais, porém. Concessões e contratos impedem a interferência na produção das empresas estrangeiras no pré-sal. Logo, a tal redução recairia toda na Petrobras, com efeito devastador sobre ela e em benefício para as estrangeiras.
Marina Silva demonstra ignorar o que é a Idade do Petróleo, que lhe parece restringir-se à energia. Hoje o petróleo está, e estará cada vez mais, por muito tempo, na liderança das matérias-primas mais usadas no mundo. Os seus derivados estão na indústria dos plásticos que nos inundam a vida, na produção química que vai das tintas aos alimentos (pelos fertilizantes), na indústria farmacêutica e na de cosméticos, na pavimentação, nos tecidos, enfim, parte do homem atual é de petróleo. Apesar de Marina da Silva. Cuja proposta para o petróleo significaria, em última instância, a carência e importação do que o Brasil possui.
A Petrobras é o tema predileto de Aécio Neves nos últimos meses. Não em ataque a possíveis atos e autores de corrupção na empresa, mas à empresa, sem diferenciação. Que seja por distraída simplificação, vá lá. Mas, além do que está implícito na candidatura pelo PSDB, Aécio Neves tem como ideólogo, já anunciado para principal figura do eventual ministerial, Armínio Fraga — consagrado como especialista em aplicações financeiras, privatista absoluto e presidente do Banco Central no governo Fernando Henrique, ou seja, quando da pretensão de privatizar a Petrobras.
A propósito, no debate pela TV Bandeirantes, Dilma Rousseff citou a tentativa de mudança do nome Petrobras para Petrobrax, no governo Fernando Henrique, e atribuiu-a à conveniência de pronúncia no exterior. Assim foi, de fato, a ridícula explicação dada por Philipe Reichstuhl, então presidente da empresa. Mas quem pronuncia o S até no nome do país, com States, não teme o S de Petrobras. A mudança era uma providência preparatória. Destinava-se a retirar antes de tudo, por seu potencial gerador de reações à desnacionalização, a carga sentimental ou cívica assinalada no sufixo “bras”.
Ainda a propósito de Petrobras, e oportuno também pelo agosto de Getúlio, no vol. “Agosto – 1954″ da trilogia “A Era Vargas”, em edição agora enriquecida pelo jornalista José Augusto Ribeiro, está um episódio tão singelo quanto sugestivo. Incomodado com o uso feroz da TV Tupi por Carlos Lacerda, o general Mozart Dornelles, da Casa Civil da Presidência, foi conversar a respeito com Assis Chateaubriand, dono da emissora. Resposta ouvida pelo general (pai do hoje senador e candidato a vice no Rio, Francisco Dornelles): se Getúlio desistisse da Petrobras, em criação na época, o uso das tevês passaria de Lacerda para quem o presidente indicasse. De lá para cá, os diálogos em torno da Petrobras mudaram; sua finalidade, nem tanto.
De volta aos projetos de governo, Marina e Aécio desejam uma posição brasileira que, por si só, expressa toda uma política exterior. Pretendem o esvaziamento do empenho na consolidação do Mercosul, passando à prática de acordos bilaterais. Como os Estados Unidos há anos pressionam para que seja a política geral da América do Sul e, em especial, a do Brasil.
Em política interna, tudo se define, igualmente para ambos, em dois segmentos que condicionam toda a administração federal e seus efeitos na sociedade. Um, é o Banco Central dito independente; outro, é a prioridade absoluta à inflação mínima (com essa intenção, mas sem o êxito desejado, Armínio Fraga chegou a elevar os juros a 45% em 1999) e contenção de gastos para obter o chamado superavit primário elevado. É prioridade já conhecida no Brasil.
Pelo visto, Marina e Aécio disputam para ver quem dos dois, se eleito, fará o que o derrotado deseja.

A IMPRENSA OCIDENTAL E O GUETO DE GAZA

Mauro Santayama, em seu blog
 
  Nas últimas semanas tem chamado a atenção, mais uma vez, a diferença de tratamento entre dois temas e dois países: a Rússia, no âmbito da crise ucraniana, e ­Israel, no contexto de seu confronto com o Hamas e a destruição física e humana da Faixa de Gaza. Moscou – cujo governo pode ter, naturalmente, seus defeitos – tem sido acusada de agir como potência agressora no país vizinho, quando, na verdade, está defendendo o último espaço teoricamente neutro que lhe restou após a queda do muro de Berlim. Quando do fim da União Soviética, e do próprio desarme nuclear da Ucrânia, os Estados Unidos comprometeram-se a não atrair os países do antigo Pacto de Varsóvia para a órbita da Otan, e, assim, não cercar, com tropas hostis, o território russo.

De lá para cá, em menos de 20 anos, várias nações, entre elas a República Tcheca, a Hungria e a Polônia, abdicaram de qualquer neutralidade e se agregaram à aliança ocidental, envolvendo a Rússia com um anel de aço. Nele, não existem apenas soldados inimigos, mas também podem ser colocados mísseis com capacidade de atingir as principais cidades do país em poucos minutos, e em menos da metade do tempo do que levariam suas armas nucleares para chegar ao território dos Estados Unidos.

Quando da “independência” da Ucrânia, em 1989, ficaram dentro de seu território milhões de russos étnicos que haviam compartilhado durante anos, com os ucranianos, a cidadania soviética. Esses cidadãos não aceitam se aliar ao “ocidente” para combater sua própria gente, sua própria história, sua própria cultura, que estão também nos territórios russos que existem do outro lado da fronteira.

Antes da queda do governo que estava no poder até fevereiro, os russos subsidiavam o gás vendido à Ucrânia, e procuravam estabelecer com ela maiores laços econômicos, para que o país não caísse totalmente sob a influência dos Estados Unidos e da União Europeia. Manobras ocidentais romperam o precário equilíbrio existente dentro da sociedade ucraniana, levaram à queda de Yanukovich e à ascensão, pela primeira vez depois da Segunda Guerra Mundial, de membros de partidos neonazistas a um governo de um país europeu. A isso, se seguiu a ocupação, por Putin, da mais russa das regiões ucranianas, a Crimeia. Por mais que a imprensa dos Estados Unidos diga o contrário, no mundo real nem o governo ucraniano nem o atual governo israelense podem ser “vitimizados”.

O magnata Petro Poroshenko chegou ao poder no rescaldo da derrubada de um governo eleito, sob um pretexto que até hoje é colocado em dúvida: a morte de civis na etapa final das manifestações da Praça­ Maidan, por policiais ligados ao regime anterior, quando, na verdade, há fortes indícios de que os tiros foram disparados por franco-atiradores neonazistas, interessados em criar um fato que servisse de “ponto de virada” na situação ucraniana.

No caso da derrubada, não do governo Yanukovich, mas do avião malaio que caiu no leste da Ucrânia, é preciso perguntar: a quem interessava o crime?

Com vários aviões de guerra abatidos nas últimas semanas, e impossibilitado de retomar, pelas armas, grandes cidades como Donetsk e Karkhov, o governo ucraniano encontra na queda de um avião civil, com grande número de passageiros ocidentais a bordo, um excelente “ponto de virada” para tentar impedir que os independentistas de etnia russa continuassem a derrubar suas aeronaves, e colocar Putin contra a parede, obrigando-o, por sua vez, a pressioná-los.

Afinal, o presidente russo acabara de marcar importantes pontos em seu jogo de xadrez contra os Estados Unidos, retornando de vitoriosa viagem à América Latina, na qual participara da criação do Banco e do Fundo de Reservas do Brics, e mostrara que tem suficiente jogo de cintura para se furtar às tentativas “ocidentais” de isolá-lo internacionalmente.

E o que teria ocorrido, caso – como disseram fontes russas – tivesse sido atingido o avião de Vladimir Putin, que cruzou a mesma rota do voo da Malaysia Airlines? Os ucranianos não teriam da mesma forma – com a ajuda da imprensa “ocidental” e como fizeram com o avião malaio – acusado os rebeldes de ter derrubado o avião presidencial russo, por engano? Em todo caso, os últimos interessados e os que tinham mais a perder com a explosão do avião da Malaysia Airlines teriam sido exatamente os russos e os rebeldes ucranianos.

Enquanto a imprensa ocidental acusa os rebeldes e, eventualmente, o próprio Kremlin,­ de ter derrubado o avião de passageiros, Obama afirma que Israel – que acusa sem confirmação o Hamas de sequestro e assassinato de três adolescentes – “está apenas se defendendo”, na Faixa de Gaza, e é acompanhado, nisso, pelos mesmos “analistas” e editorialistas que atacam o comportamento da Rússia na Ucrânia.

Há pouca diferença dessas campanhas com outras, como a que afirmou, durante anos, sem nenhuma prova, que havia armas de destruição no Iraque. A imprensa nazista passou anos recorrendo ao mesmo tipo de gente, de “analistas” raciais a “entendidos” em geopolítica, para explicar e contextualizar os perigos do judaísmo para o mundo, e a sua vinculação com os bolcheviques comunistas.

Quando a Alemanha de Hitler dominava a Europa, os nazistas costumavam matar dez reféns para cada soldado alemão que sofria um atentado. Na ofensiva de Tel-Aviv em Gaza, a mídia “ocidental” parece achar normal que a proporção de civis mortos e feridos, seja de mais de 20 palestinos para cada israelense atingido em combate ou pelos foguetes artesanais do Hamas, e que boa parte do território – com mais de 4 mil habitantes por quilômetro quadrado – já tenha sido destruída, deixando mais de 100 mil desabrigados.

Ao bombardear mulheres e velhos, meninos e meninas, apartamentos e ruas de Gaza, Israel implantou, regou e alimentou, com ossos e sangue – como faziam os nazistas com suas experiências com repolhos no campo de extermínio de Maidanek – um ódio profundo e incomensurável em nova geração de palestinos, da mesma forma que, ao destruir o Iraque, os Estados Unidos abriram caminho para Bagdá e Mossul para os terroristas da Al Qaeda.

Quando se tornar impossível a sobrevivência e a permanência, dentro das estreitas fronteiras de sua gaiola de escombros, cercada por muros e arame farpado, dos quase 2 milhões de palestinos que vivem em Gaza, será que os israelenses se inspirarão em seus algozes de um outro gueto, o de Varsóvia? Lá, judeus de toda a Europa foram amontoados, sem água, luz, comida ou aquecimento, durante meses a fio, para morrer de tifo e outras doenças contagiosas. Finalmente, foram levados para campos – como Israel pode fazer com os palestinos – se quiser, teoricamente, assisti-los “humanitariamente”.

A outra opção é entrar – como fizeram os SS do Brigadeführer Jürgen Stroop há exatamente 71 anos – com tanques e lança-chamas no meio das ruínas, no Gueto de Varsóvia, e caçar, um por um, os sobreviventes, até o último homem, mulher ou criança, como se fossem ratos.
As ações do governo israelense são muito contestadas por parte da oposição israelense e também por integrantes da comunidade judaica espalhados pelo mundo. Mas a julgar pelo noticiário da imprensa “ocidental”, essas vozes dissonantes tampouco existem.

sábado, 30 de agosto de 2014

O BRASIL E OS PRÓXIMOS ANOS

Mauro Santayama, em seu blog



 
  À medida que estamos mais perto da eleição, se evidencia também a necessidade de avaliar as opções estratégicas que aguardam o Brasil nos próximos anos.   
Hoje, muita gente acha que se nos aproximarmos muito do mundo em desenvolvimento, como a América do Sul, África e as potências emergentes às quais estamos unidos no BRICS - Rússia, Índia, China, África do Sul - estaremos nos afastando cada vez mais da Europa e dos EUA.
Há, entre certos tipos de brasileiros, os que continuam cultuando apenas o que existe em Nova Iorque, Miami ou Paris, como se não existisse mais nada neste mundo, e os arranha-céus mais altos do planeta não estivessem sendo construídos – para ficar apenas no símbolo de modernidade e pujança das “skylines” que fizeram a fama dos EUA – em cidades como Moscou, Dubai, ou Xangai.
Ataca-se a China por censurar o Google, mas não se atacam os EUA por usarem a internet para espionarem e chantagearem milhões de pessoas em todo o mundo, incluindo nações de quem se dizem “aliados” como é o caso do Brasil e da Alemanha.
Atacam-se os países do MERCOSUL por nos impor barreiras comerciais, mas não a Europa e os Estados Unidos por terem feito conosco exatamente o mesmo, nos últimos 200 anos, bloqueando – sempre que puderam - o desenvolvimento de tecnologia em nosso continente e absorvendo, antes e depois de  nossa independência, basicamente matérias-primas.
Muitos esquecem que o MERCOSUL, com todas suas barreiras, continua o maior, e, às vezes, o único destino para nossas manufaturas. Que só para países como a Venezuela temos aumentado nossas exportações nos últimos anos.
Isso, enquanto têm diminuído nossas vendas e nossos ganhos – e os do resto do mundo - com a Europa e os EUA, no esteio das  consequências de uma crise que já dura vários anos e que teve sua origem na desorganização e irresponsabilidade de do sistema financeiro que está sediado ao norte da linha do Equador.     
A pergunta que cabe que nos façamos nos próximos anos é a seguinte: a que mundo pertencemos?
Ao da Europa e dos EUA, que sempre nos trataram como colônia e cidadãos de segunda classe a ponto de termos tido milhares de brasileiros expulsos de seus aeroportos há pouquíssimo tempo?           
Ou ao mundo em desenvolvimento, onde a cooperação e a necessidade de agregar centenas de milhões de pessoas a uma vida mais digna abre a porta para a oportunidade da realização de acordos e negócios que podem influenciar e melhorar também nosso futuro?
Assim como ocorre na área comercial e diplomática, o Brasil precisa melhorar sua condição de negociação com os EUA e a Europa na área de defesa, usando, para isso, a perspectiva e a ameaça, sempre presentes, de  nos aproximarmos, também nessa área, cada vez mais dos BRICS.
Os Estados Unidos e a Europa sempre se mostraram refratários a transferir tecnologia sensível ao Brasil e a outras nações latino-americanas.
Os avanços conseguidos nesse campo pelos governos militares foram feitos a fórceps,  como ocorreu nas áreas bélica e aeroespacial, depois do rompimento, pelo Governo Geisel, dos acordos de cooperação com os EUA na área militar, e a aproximação com a Alemanha no campo da utilização pacífica da energia atômica.
Os países “ocidentais” só aceitam transferir um mínimo de tecnologia bélica para países como o Brasil, quando a isso se veem obrigados pelas circunstâncias.
Isso ocorre no caso em que estejamos prestes a alcançar certos avanços sozinhos – e aí eles se aproximam para “monitorar” e “medir” nossos avanços- ou se tivermos outros parceiros, como China ou Rússia – dispostos a transferir para nossas empresas, técnicos ou cientistas, esse conhecimento.
Depois do tímido esforço de rearmamento iniciado na última década, virou moda, nos portais mais conservadores, se perguntar contra quem estamos nos armando, se vamos invadir nossos vizinhos, ou, ridiculamente combater os Estados Unidos.
Muitos se esquecem, no campo da transferência de tecnologia na área de defesa, que sempre fomos tratados pelos Estados Unidos como um inimigo ao qual não se deve ajudar, em hipótese alguma, a não ser vendendo armas obsoletas ou de segunda mão.
No programa FX, de compra de caças para a Força Aérea, a BOEING norte-americana só concordou em transferir tecnologia para a Embraer – acordo que teria, antes de concretizado, de ser aprovado pelo congresso norte-americano – depois que os franceses, com o RAFALE, e os suecos, com o GRIPPEN NG BR, já tinham concordado em fazer o mesmo. E isso quando vários oficiais da Força Aérea brasileira se manifestavam nos fóruns, torcendo abertamente pelo SUKHOI S-35 russo.
O melhor exemplo do que pode ocorrer, em caso de conflito, principalmente com algum país ocidental, se dependermos da Europa ou dos EUA para nos defendermos, é o argentino.
Na Guerra das Malvinas, as mesmas empresas que, antes, forneciam armas e munição para que o Regime Militar massacrasse a população civil, em nome da “guerra interna”, das “fronteiras ideológicas” e do “anticomunismo”, deixaram de fornecer armas e peças de reposição às forças armadas daquele país, para que não fossem usadas contra a Inglaterra.
Os Estados Unidos só concordariam em fornecer armamento avançado ao Brasil, mas nunca no nível do deles, caso aceitássemos nos transformar em seus cães de guarda na América do Sul, como o faz Israel no Oriente Médio; ajudássemos a criar uma OTAN no hemisfério sul; ou concordássemos, como é o caso da Itália ou a Espanha, em participar em “intervenções” como as feitas por Washington em países como a Líbia, o Iraque e o Afeganistão, correndo o risco de  indispor-nos com milhões de brasileiros de origem árabe e de virar, de um dia para o outro, alvo de ataques, em nosso próprio território, de organizações radicais islâmicas.
Nos últimos anos, conseguimos desenvolver uma nova família de armas individuais 100% nacional, as carabinas e fuzis IA-2, da IMBEL; uma nova família de blindados leves, a Guarani, dos quais 2.050 estão sendo construídos também em Minas Gerais; desenvolvemos o novo jato militar cargueiro KC-390, da Embraer, capaz de carregar dezenas de soldados, tanques ligeiros ou peças de artilharia; voltamos a fortalecer a AVIBRAS, com a compra do novo sistema ASTROS 2020, e o desenvolvimento de mísseis de cruzeiro com o alcance de 300 quilômetros; estamos construindo no Brasil cinco novos submarinos, um deles a propulsão nuclear e reator nacional, com a França, um estaleiro e uma nova base para eles; desenvolvemos a família de radares SABER; foi fechada, com transferência de tecnologia e desenvolvimento conjunto com a Suécia, a construção em território brasileiro de 36 caças GRIPPEN NG-BR (foto); conseguimos fazer, no Brasil, a “remotorização” de mísseis marítimos EXOCET; foi fechada a transferência de tecnologia e está sendo desenvolvido, com a África do Sul, o novo míssil ar-ar A-DARTER; foram comprados novos navios de patrulha oceânica ingleses; helicópteros e baterias antiaéreas russas; e aumentou-se a aquisição e a fabricação de helicópteros militares montados na fábrica da HELIBRAS.
Esses projetos, que envolvem bilhões de  dólares, não podem, como já ocorreu no passado, ser interrompidos, descontinuados ou abandonados, nos próximos anos, pelo governo que assumir o poder a partir de janeiro de 2015.
Vivemos em um planeta cada vez mais multipolar, no qual os Estados Unidos e a Europa continuarão existindo e seguirão tentando lutando para se manter à tona contra uma lógica – e inexorável – tendência à decadência econômica, militar e geopolítica.
Nesse contexto, os EUA e a Europa têm que ser olhados por nós como potências que estão no mesmo plano, militar ou político, que a China, a Rússia, a Índia ou o próprio Brasil.
Como quinto maior país em população e extensão territorial, o Brasil tem a obrigação de negociar, e entrar no jogo, com todas essas potências, de igual para igual, e, nunca mais de forma subalterna. Sob a pena de perder o lugar que nos cabe neste novo mundo e neste novo século.

Até quando vai durar a Marinamania?

Por Paulo Nogueira, no blog Diário do Centro do Mundo: Transcrito do Blogo do Miro
O dia começou ruim para Dilma e terminou pior.

O primeiro golpe veio com a publicação, na Folha, de um texto de acordo com o qual Dirceu já estaria considerando “iminente” a derrota de Dilma para Marina, a “Lula de saias”.

O artigo, de Fernando Rodrigues, viralizou. Poucas horas depois de publicado, Dirceu desmentiu tudo, pelo blog de Paulo Moreira Leite.

Dirceu está mesmo tão pessimista assim? O jornalista da Folha forçou a mão?

Bem, questões como estas acabaram obscurecidas pelo segundo golpe: os números do último Datafolha.

Por eles, Marina já alcançou Dilma no primeiro turno. Estão empatadas em 34%, com Aécio semimorto com 15%.

Ruim no primeiro, pior no segundo. Pelo Datafolha, confirmando o Ibope de poucos dias atrás, Marina bate Dilma por 50% a 40%.

É indiscutível que o Brasil vive, nestes dias, uma Marinamania.

Numa eleição que não provocava grande entusiasmo, ela surgiu como um fato novo. Colocou fogo numa disputa morna. Trouxe imprevisibilidade a uma competição tediosamente previsível.

Virou uma sensação, por tudo isso.

Curioso notar que toda esta espuma provavelmente não teria ocorrido caso Marina estivesse concorrendo desde o princípio com sua Rede.

Ela seria um nome a mais. Forte, é verdade, mas sem o impacto trazido pela chegada espetacular, no rastro da tragédia de Campos.

Para quem gosta de parábolas, ou metáforas, da morte brotou a vida, e com a vida a esperança de renovação.

Marina não faz “nova política”, como demonstram suas alianças, mas quem entre seus principais rivais pode bater nela por isso?

A “novidade” de Aécio é um receituário que, na moda nos anos 1980 com Thatcher, o tempo mostrou ser uma calamidade, sobretudo para os mais pobres.

Armínio Fraga, o homem da economia de Aécio, tem a cabeça na década de 80.

Quanto a Dilma, o máximo que ela pode dizer a Marina, no quesito das alianças estranhas, é: “Eu sou você amanhã”.

Há um cansaço, na sociedade, com a política tal como é feita no Brasil.

Quando o PT subiu ao poder, a expectativa era que o modo de fazer política mudaria.

Não mudou, ou mudou pouco.

A decepção de muitos com o PT decorre – ao contrário do que dizem os conservadores – não com a corrupção, que na verdade foi combatida como nunca antes nestes últimos anos.

A decepção veio pelo que não foi feito no terreno dos avanços sociais. O PT fez mais neste campo que os governos anteriores, desde Getúlio Vargas, mas menos do que gostariam os que sonham com uma sociedade mais justa.

É uma insatisfação de esquerda, por assim dizer, e não de direita.

Os votos que faltam hoje ao PT estão na esquerda, na garotada inconformada que tomou as ruas em junho de 2013, e não na direita. Basta ver o desempenho de Aécio.

Marina representa, para essa gente, não uma certeza de transformações – mas ao menos uma esperança.

Para reverter a Marinamania, Dilma terá que mostrar que é ela, e não Marina, quem poderá fazer, na verdade, a modernização política pela qual anseia a sociedade.

Para obter sucesso nisso, ela terá que encontrar uma resposta para a seguinte questão: por que vocês não fizeram isso nestes doze anos?

Queda do PIB é “prévia” do que o mercado quer: Aécio. Mas como não deu, vai Marina

Por Fernando Brito no blog Democracia & Política

"O presidente do BC, Alexandre Tombini, estava errado quando disse, outro dia, que faltava “espírito animal” aos empresários do (ou devo dizer no) Brasil.

Existe, sim, ao menos na maioria dos grandes.

O de animal réptil, que não consegue elevar os olhos mais que alguns centímetros do chão, jamais o de águia, que mira ao longe suas oportunidades.

Claro que não me refiro aos milhões de micro, pequenos e até a grande maioria dos médios, que vivem lutando para fechar o mês.

Falo dos grandes, que ganham mais nas finanças do que nos produtos e que, nada discretamente, “comemoram” a desaceleração da economia registrada hoje nos números do PIB porque isso não lhes fez perder dinheiro e, politicamente, abre-lhes espaços para que se instale um governo que acabe com essa “mania” de tornar o Brasil um país de 203 milhões de cidadãos – e não apenas 203 milhões de habitantes, apenas – que seja desenvolvido e autônomo.

Eles, ao contrário da dona de casa e do trabalhador modesto, sabem que há uma crise no mundo e que só escaparemos a ela, como fizemos em 2008, se apelarmos para nosso próprio mercado, para o nosso próprio povo e não para a “confiança do investidor estrangeiro”, vagamente.

Aliás, esse não foge do Brasil, porque enxerga as oportunidades, e o investimento estrangeiro direto no país não dá mostras de ter enfraquecido significativamente.

E esse sabe que a desaceleração econômica não é aqui. Apenas.

O Japão teve uma queda do PIB anualizado de 6,8%. A Europa patina. Os EUA cresceram, mas porque a comparação com o primeiro trimestre ajudou, já que houve uma queda fortíssima naquele período, superior a 2%.

Em qualquer dessas nações, a esta altura, o Governo está sendo instado a gastar mais, a estimular o crédito, a reduzir os juros para facilitar o consumo e o investimento.

Aqui, ao contrário, pedem cortes nos gastos e juros mais altos.

São loucos?

Não, são répteis, porque pretendem viver assim, do que lhes traz a atividade financeira, não a produtiva.

Será que todos esqueceram-se de que, em 2008/2009, foi preciso que Lula fosse à televisão pedir que as pessoas comprassem e questionar, nas barbas do Banco Central de Henrique Meirelles, porque os 'spreads' dos bancos brasileiros eram estratosféricos. Eram e voltaram a ser.

É para isso que querem a autonomia completa (porque ela já é imensa) do Banco Central, para que ele diga, diante da orientação macroeconômica de um presidente eleito pelo povo um solene f…-se

E, sobretudo, que o povo e o país, idem.

Por isso, estavam com um candidato que soltará todas as poucas amarras que ainda tem o capital financeiro. Por isso, agora, estão com uma candidata que, além disso, vai arruinar todo o programa de investimentos em energia, estradas de ferro, rodovias, portos, em nome de uma falsa defesa do meio-ambiente.

Porque o país com mais área verde no mundo, a maior fonte de água doce do planeta e, agora, uma das maiores reservas de petróleo no mundo tem de ser estagnado, para continuar a seu uma espécie de “reserva técnica” do mundo desenvolvido.

Administrado por uma elite que aceita, de bom grado, as migalhas gordas que lhe rendem a administração da colônia."


FONTE: escrito por Fernando Brito em seu blog "Tijolaço"   (http://tijolaco.com.br/blog/?p=20575). 

Marina e o mito do cavaleiro solitário

Por Luis Nassif, no No Jornal GGN
Todo fim de ciclo político abre espaço para os outsiders da política.

São períodos em que ocorre um aumento da inclusão, da participação popular e os mecanismos políticos tradicionais não mais dão conta da nova demanda. Há o descrédito em relação à política e, no seu rastro, o cavaleiro solitário, cavalgando o discurso moralista e trazendo a esperança da grande freada de arrumação.

Fazem parte dessa mitologia políticos como Jânio Quadros, Fernando Collor e, agora, Marina Silva.

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Tornam-se fenômenos populares, o canal por onde desaguará a insatisfação popular com o velho modelo.

No poder, isolam-se por falta de estrutura partidária ou mesmo de quadros em qualidade e quantidade suficiente para dar conta do recado de administrar um país complexo como o Brasil.

Com poucos meses de mandato, a população percebe que não ocorrerá o milagre da transformação política brasileira e se desencantará com o salvador. Sem base política, sem o canal direto com o povo, perdem o comando e trazem a crise política.

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Desde a redemocratização de 1945 o Brasil tornou-se um país difícil de administrar, dada a complexidade de forças e setores envolvidos. Só é administrável através das composições políticas.

Na última década, a complicação ficou maior porque floresceram uma nova sociedade civil, novas classes de incluídos e o fantasma da hiperinflação (e dos pacotes econômicos) não mais funcionava como agente organizador das expectativas e de desarme das resistências.

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O maior momento de Marina foi quando, na OMC (Organização Mundial de Comércio) defendeu a o direito do Brasil proibir a importação de pneus. No episódio Cessna descobre-se um sócio oculto do ex-governador Eduardo Campos, que enriqueceu com incentivos fiscais (do estado de Pernambuco) justamente para a importação de pneus.

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Não apenas isso.

Sua vida profissional indica uma personalidade teimosa e desagregadora.

Começou a vida política com Chico Mendes. Depois, rompeu com ele e aderiu ao PT. Foi parceira de Jorge Vianna, governador do Acre. Rompeu com Jorge, tornou-se ministra de Lula.

Teve embates com a então Ministra-Chefe da Casa Civil Dilma Rousseff acerca da exploração da energia na Amazonia. Perdia os embates nas reuniões Ministeriais, mas criava enormes empecilhos no licenciamento ambiental.

Nas reuniões ministeriais, jamais abria mão de posições. Quando derrotada, se auto-vitimizava e, nos bastidores, jogava contra as decisões com as quais não concordava.

Saiu do governo Lula no dia em que anunciou seus planos para a Amazonia e Lula entregou a gestão para Roberto Mangabeira Unger.

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Saiu do governo, entrou no PV e promoveu um racha no partido. Tentou montar a Rede, juntou-se com o PSB e criou conflitos de monta com os principais auxiliares de Campos.

A teimosia em geral estava a serviço de ideias e conceitos totalmente anticientíficos.

Combateu as pesquisas em células tronco. Em 2010, em uma famosa entrevista no Colégio Marista, em Brasilia, anunciou que proibiria ensinar Darwin nas escolas, por ser a favor do criacionismo.

Se o país resolver insistir na aposta no personagem salvador, só há uma coisa a dizer: bem feito!

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Relativizando a posição de Marina sobre o criacionismo e a célula tronco

FOLHA - Antes de mudar de partido, a sra. mudou de religião, de católica para evangélica. No ano passado, equiparou a teoria da evolução de Charles Darwin ao criacionismo, que atribui a origem da vida a Deus. Entre fé e ciência, a sra. fica com a fé?

MARINA SILVA - Houve um completo mal-entendido. Fui dar palestra em uma universidade adventista, que é uma faculdade confessional. A legislação brasileira permite as escolas e as faculdades confessionais, que têm o direito de fazer a abordagem do ensino a partir da perspectiva religiosa.

Um jovem me perguntou o que eu achava de as escolas adventistas ensinarem o criacionismo. Respondi que, desde que ensine também a teoria da evolução, não vejo problema. A partir daí, as pessoas começaram a dizer que eu estava defendendo o criacionismo. Sou professora, nunca defendi essa tese e nem me considero criacionista. Porque o criacionismo é uma tentativa de explicação como se fosse científica para responder a questão da criação em oposição ao evolucionismo. Apenas acredito em Deus, é uma questão de fé. Nunca tive dificuldade em respeitar e me relacionar com os ateus, com pessoas que professam outras crenças ou outra forma de pensar diferente da minha.

Band: Mais reaças que o rei

Por Cynara Menezes, no blog Socialista Morena:

 transcrito do Blog do Miro
 
Entre todos os candidatos presentes ao primeiro debate entre os presidenciáveis na rede Bandeirantes, nem mesmo o pastor evangélico assumidamente de direita foi capaz de dizer que existe uma ameaça à democracia no Brasil sob o governo do PT. Nenhum deles falou que o PT defende censura à imprensa. Nem que os índios estão tomando a terra dos “brasileiros”. Quem fez isso foram dois jornalistas, Boris Casoy e José Paulo de Andrade, escolhidos pela emissora para fazer perguntas (ou editoriais disfarçados de perguntas) aos candidatos.

Casoy e Zé Paulo conseguiram ser mais reaças do que todos ali. Nunca vi, num debate, jornalistas se comportarem como opositores dos candidatos –no caso, Dilma Rousseff, do PT, e Marina Silva, do PSB, porque com o tucano Aécio Neves foram só levantadas de bola para ele cortar. Nunca vi, num debate, um jornalista fazer pergunta para um candidato criticando outro concorrente. Sobriedade mandou lembranças.

Mas o que mais me espantou é que nem Dilma nem Marina e nem mesmo Luciana Genro, do PSOL, candidatas mais à esquerda no espectro político, foram capazes de denunciar, de retrucar com veemência, posturas tão arcaicas quanto às demonstradas pelos dois jornalistas, certamente com o aval dos patrões.

Colhi algumas das pérolas da noite, confiram.

De José Paulo para Luciana com comentário de Dilma:

– A questão indígena, que até no Rio Grande do Sul se agrava, com índios essa semana fazendo policiais de reféns. Na Bahia, como ocorreu em Roraima com a Raposa Serra do Sol, brasileiros trabalhadores estão sendo expulsos da terra onde estavam há gerações. A crítica à Funai é que só antropólogos determinam a política indigenista. Recentemente, em audiência na Câmara, o ministro da Justiça falou em fortalecimento da Funai, mas até agora nada se fez. A pretexto de incluir os excluídos, exclui-se os incluídos. Candidata, somos ou não iguais em direito? Qual seria sua política indigenista?

De José Paulo para Aécio com comentário de Dilma:

– O governo federal criou por decreto o Conselho de Participação Social. É uma instância direta vista com apreensão por muitos setores: seria uma ameaça ao Congresso Nacional e consequentemente ao equilíbrio institucional. Seria uma bolivarização do Brasil nos moldes chavistas e agora a própria candidata acaba de lançar a ideia de um plebiscito para fazer a reforma política, o que, me parece, deixa de lado o Congresso Nacional. Como o candidato vê a movimentação dessas peças no tabuleiro político?

(Aécio, é claro, surfa na onda da “preocupação” em “garantir a democracia”, mas Dilma dá uma boa resposta: “É estarrecedor que se considere plebiscito algo bolivariano. Então a Califórnia pratica o bolivarianismo.”)

De Boris para Marina com comentário de Aécio:

– Setores da economia criticam o que classificam, candidata, de seu “radicalismo ambientalista”. Segundo eles, esse tipo de posição tem criado obstáculos para o desenvolvimento da economia do país. Citam o exemplo da usina de Belo Monte, que poderia produzir 11 mil megawatts e, por exigências ambientais consideradas exageradas, só vão produzir 4 mil. Como a senhora responde a essas críticas?

De José Paulo para Everaldo com comentário de Aécio:

– Os candidatos de oposição temem perder votos com posições que não sejam favoráveis à manutenção dos programas sociais do governo, que acabam sendo cabos eleitorais importantes, e nisso exageram, prometendo aumentar os benefícios que no fim vão pesar na carga tributária já elevada, como é o caso da Poupança Jovem do candidato Aécio. Se há uma justificativa a curto prazo para incluir os brasileiros menos favorecidos, quando é que vamos ensiná-los a pescar?

(Até o Aécio acha Zé Paulo reaça demais neste momento.)

De Boris para Eduardo Jorge com comentário de Dilma:

– Por considerar um assunto importante e grave, que envolve a liberdade no país, vou voltar à questão do controle social da mídia. O partido da presidente, o PT, insiste num plano de censura à imprensa, que eufemisticamente chama de democratização da mídia. A bem da verdade, a presidente Dilma, a candidata Dilma, não adotou, criou uma barreira, não tem colocado em prática, apesar da insistência do partido, essa ideia. Eu queria perguntar: se eleito, o candidato Eduardo Jorge vai levar esse plano adiante?

(Eduardo Jorge, para riso geral, diz concordar com Dilma.)

Quando vejo os planos dos coronéis da mídia para o Brasil, transmitidos por seus funcionários em um debate supostamente jornalístico e “imparcial”, percebo o quão diferentes são minhas críticas ao governo Dilma das deles. Percebo o quanto minha ideia, meus sonhos de País, se diferenciam dos proprietários dos meios de comunicação como a Rede Bandeirantes.

Critico a Dilma porque ela precisava ser mais atenta à questão indígena e à ambiental –a mídia acha que Dilma precisava ser ainda mais permissiva com os fazendeiros e o grande poder econômico (e o mesmo desejam de Marina).

Critico a Dilma por não ter concretizado a democratização da mídia, pondo fim à propriedade cruzada dos meios de comunicação, por exemplo, proibida em vários países. Isso nada tem a ver com censura –eufemismo quem usa são eles, ao dizer que democratizar a mídia é censurar. Os donos da mídia não querem a democratização porque temem perder seu poder, derivado do fato de que menos de uma dúzia de famílias (como os Saad, da Band) detém a maioria dos meios de comunicação no País.

Aplaudo o PT pelos programas sociais que incluíram milhões de brasileiros e acho que deve haver cada vez mais inclusão –a mídia acha os programas sociais, assim como as cotas nas universidades, desnecessários e excessivos.

Critico o PT por não ter batalhado mais pela reforma política e aplaudo a iniciativa de propor um plebiscito para fazê-la –a mídia aponta o plebiscito como “antidemocrático”, sendo que ouvir a população sobre este tema seria justamente o contrário. Curioso é que eles são contrários a ouvir a população sobre a reforma, mas foram a favor de plebiscito para dar direito às pessoas de terem armas… No fundo, não querem a reforma política porque são contra o financiamento público de campanha. A mídia sabe que o financiamento privado favorece os candidatos com maior poder econômico –os seus–, e portanto é melhor que continue assim.

O País dos reaças da mídia não me interessa. Ele é pior do que o que temos hoje. Mais injusto, mais desigual, mais concentrado nas mãos de poucos. Exatamente como a própria mídia.

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Ousar e vencer ou entregar o Brasil aos mercados passivamente?


Saul Leblon no Carta Maior

postado em: 29/08/2014

Silas Malafaia, pastor e radialista evangélico, de larga audiência no Rio de Janeiro, é um símbolo exclamativo daquilo que se convenciona chamar um estereótipo.

Certas características nele são tão acentuadas que mais se assemelha a um personagem de desenho animado.

Mas Malafaia é de verdade.

E personifica um dos mais buliçosos marcadores do extremismo conservador nos ciclos eleitorais brasileiros.

Malafaia é velho conhecido no ramo do palanque de rebanho.

Com a retórica adestrada na radiofonia da fé, o pastor evangélico se notabiliza como uma ferramenta implacável no exorcismo de gays e lésbicas; na condenação do aborto e da educação sexual; na demonização de petistas, esquerdistas e libertários em geral.

Não necessariamente nessa ordem, mas com essa vivacidade. Sempre em nome da pureza da sociedade, dos costumes e do que mais se engata a esse comboio.

Em 2012, já descendo a ladeira do seu moderado escrúpulo, na largada do 2º turno em São Paulo quando foi derrotado por Fernando Haddad, Serra importou o animador cirúrgico para reforçar a musculatura na hora do vale tudo na disputa.

Silas Malafaia desembarcou na cidade festejado então em manchete graúda do caderno de política da 'Folha de SP', em 10/10/2012.

Assim:

"Líder evangélico diz que vai 'arrebentar' candidato petista -- Silas Malafaia afirma que Haddad apoia ativistas gay".

Em entrevista ao diário dos Frias, de imoderados pendores tucanos, o bispo disse que Serra agradeceu o apoio recebido no primeiro turno, quando fez um vídeo em que pedia votos ao candidato do PSDB e ligava Haddad ao ‘kit anti-homofobia’.

Carimbado de "kit gay" pelos evangélicos, o material consistia de uma cartilha contra a homofobia encomendada pelo Ministério da Educação em 2011, para ser distribuída nas escolas na gestão Haddad.

A pressão da mídia e evangélicos obrigou o governo a recuar. "O Haddad já está marcado pelos evangélicos como o candidato do 'kit gay'. Não vamos dar moleza a ele", fuzilou Malafaia, após o encontro com Serra.

Arrebentar a tolerância, de um lado, para resgatar o voto da ‘pureza’ de outro; esse, o fundamento regressivo representado pela restauração do filtro religioso na política.

A especialidade de Silas Malafaia está prestes a ser direcionado agora no apoio à candidata do PSB.

O bispo anunciou que apoiará Marina Silva no provável 2º turno das eleições presidenciais deste ano, embora a tenha trocado por Serra, em 2010, quando Marina sugeriu um plebiscito sobre o aborto.

Malafaia é um estereótipo.

Como qualquer marcador, cola onde encontra aderência.

A adesão a Marina foi revelada em blog de uma revista semanal, ela também um marcador sanguíneo dos pecados incluídos na lista de Malafaia.

No 1º escrutínio, ’para marcar posição’, informa a revista, o voto do influente bispo terá outro dono: o pastor e presidenciável Everaldo, do PSC, -como ele e Marina, também da Assembleia de Deus, e cujo bordão eleitoral é ‘vou privatizar tudo’.

Na decisão para valer, Malafaia vai de Marina.

Outro conhecido político e pastor evangélico, o deputado federal Marco Feliciano (PSC), envolvido recentemente em acusações de homofobia e rompido com o governo pela falta de solidariedade dos petistas, anuncia a mesma dobradinha.

Porém, com uma ênfase mais representativa dos dias que correm: ‘no segundo turno, qualquer um, menos o PT’, proclama Feliciano.

O bordão é o mesmo empunhado pelos operadores de outra confissão de fé arrebatada: a do mercado financeiro, que aspira à multiplicação bíblica do pão e do peixe na forma dinheiro.

O vertedouro desse sortido aluvião de intolerância e cobiça é a proposta de higienizar ‘a velha política’, apresentada ora como uma instância devassa de uma sociedade pia; ora como uma interferência suja na pureza lógica do maquinismo rentista.

A purgação desses pecados uiva na fogueira programática mais festejada da praça nesse momento. Das labaredas emana o espírito santo de um Banco Central autônomo ; de um mercado financeiro independente e de um moralismo a salvo dos incréus.

Todos abrigados da ingerência do Estado belzebu e das liberdades democráticas e individuais.

O tucano Aécio Neves, no debate da Bandeirantes, ao criticar Marina Silva, que se autonomeia a semente dessa ‘nova política’ (a limpa), acabou na verdade reiterando a falsa disjuntiva.

Aécio trocou a dualidade higiênica de Malafaia e assemelhados pelo maniqueísmo da 'boa e a má política'.

Boa política para o candidato do PSDB era a política de Tancredo ...Naturalmente não a de Vargas, não a de Morales, não a de Chávez, não a de Lula.

A ideia de uma salubridade externa à história que deve ser tomada como referência limpa e boa na construção da sociedade é um daqueles mantras aos quais se agarram os interesses dominantes de todos os tempos.

Pode assumir a forma de uma religião (leia o indispensável artigo de Katarina Peixoto; nesta pág). Ou a da judicialização da ‘velha e má’ política. Ou ainda encarnar no monopólio de um dispositivo midiático que se avoca a prerrogativa de um Bonaparte, a emitir interditos e sanções em defesa dos interesses que nomeia como ‘a ordem’.

O mercadismo rentista, o fanatismo religioso, assim como o barbosismo togado ou o bonnerismo midiático sempre tiveram dificuldade em se expressar através de um palanque unitário que emprestasse carisma a um credo excludente em seus próprios termos.

Agora parece que não mais, graças à ascensão desse super-bonder chamado 'nova política'.

Trata-se de um retrofit da desgastada terceira via.

Retro, do latim “movimentar-se para trás” e fit do inglês, adaptação, ajuste.

O termo emprestado da arquitetura adequa-se à descrição da candidatura sensação nesse momento que os mais entusiasmados, a partir de dados do Datafolha, enxergam em escalada irreversível rumo a Brasília.

O retrofit é recomendável quando um edifício chega ao fim de sua vida útil, oferecendo-se como opção para corrigir o desgaste e a decadência do longo tempo de uso, todavia sem alterar seus alicerces e estruturas de sustentação.

É mais barato e funcional.

No caso da política, o retrofit consiste em vender como novo a velho ardil conservador que evoca uma ordem natural naquilo que cabe ao conflito democrático resolver: ou seja, as escolhas inerentes à luta pelo desenvolvimento da economia e da sociedade.

Objetivamente, a candidatura Marina Silva é um retrofit do neoliberalismo e da terceira via.

Não qualquer retrofit , mas o estuário do higienismo político diuturnamente inoculado no imaginário brasileiro pelo intercurso de mídia, togas e elites nos últimos anos.

O desafio de vida ou morte do campo progressista nesse momento é restaurar a transparência dos dois campos em confronto na sociedade brasileira, dissimulados sob o xale da ‘nova política’.

O calcanhar de aquiles do retrofit conservador é o antagonismo entre a maquiagem da fachada e de alguns equipamentos e a rigidez dos pilares e colunas estruturais.

Num edifício isso é contornável com algum jogo de decoração.

Numa sociedade pode ser insuportável.

A participação soberana e democrática da população nas decisões sobre o desenvolvimento frequentemente evoca mudanças que colidem com as velhas estruturas que a ‘nova política’ visa preservar.

Marina Silva afirma apoiar o decreto de Dilma, demonizado pela elite que a festeja, da Política Nacional de Participação Social.

Como, porém, se a mesma Marina defende, por exemplo, a independência sagrada do Banco Central em relação à democracia e ao governo?

Como, se terceiriza aos operadores do mercado a hegemonia plena sobre a fixação de um dos principais preços da economia: a taxa de juros? (Leia esclarecedor artigo de Paulo Kliass sobre esse tema; nesta pág).

Marina e seus formuladores defendem a mesma autonomia em relação a outro preço estratégico: o câmbio, que segundo eles, deve flutuar livremente. E abjuram, em relação ao salários (o terceiro preço decisivo no capitalismo) , a política de valorização do salário mínimo adotada pelos governos petistas –da qual Dilma avisa que não abdicará.

É justo perguntar: assim encapsulada a economia nas mãos do mercado, o que sobra então à participação social endossada por Marina Silva?

O Brasil, desde 2003 –com todas as limitações e contradições intrínsecas a um governo de base heterogênea-- tem figurado aos olhos do mundo como uma da estacas de resistência à retroescavadeira ortodoxa que demole e tritura direitos sociais e soberania econômica urbi et orbi.

Essa resistência criou um dos maiores mercados de massa do mundo numa demografia de 202 milhões de habitantes.

Não há dúvida de que isso se fez às custas de afrontar a lógica de uma globalização financeira cujo colapso apenas acentuou sua natureza intrinsicamente excludente.

O assoalho macroeconômico brasileiro range e ruge sob o peso da inadequação entre a emergência desse protagonista de massa, que constitui a nova força motriz da economia, e estruturas pensadas para atender a 1/3 da população mais rica.

A solução da ‘nova política’ é reconduzir a agenda do desenvolvimento aos fundamentos estritos de sua autorregulação pelas forças dos mercados globais.

Higienizar ‘a sujeira’ do intervencionismo em todas as frentes.

Com as consequências sociais sabidas. E a dose de repressão necessária que faz do endosso de Marina à participação social pouco mais que um retrofit na palavra simulacro.

Não é uma acusação eleitoreira; é uma operação em marcha promovido por massas de forças ferozes.

Curto e grosso: está em jogo colocar o Estado esfericamente na mira dos jagunços de gravata de seda italiana e Rolex, dos quais Neca do Itaú é só a face elegante, para que façam o serviço sangrento.

Sobrepor o interesse privado aos da sociedade implica capturar o sistema democrático integralmente para o mesmo fim.

É uma operação de potencial lucrativo tão elevado que ao mercado compensa tolerar o xale dissipador de Marina Silva –desde que o bangue-bangue da faxina econômica esteja liberado às mãos e bicos que dão conta do serviço.

Não é só uma sucessão presidencial, portanto.

Estamos diante de um divisor histórico do desenvolvimento brasileiro.

Ao aluvião de malafaias, rentistas e bem intencionados --seduzidos estes pelo glamour da ‘nova política’, não basta contrapor o exaustivo balancete publicitário do que se conquistou nestes últimos 12 anos.

É importante, mas não é suficiente.

É forçoso contrapor à ‘nova política’ aquilo que a desnuda e afronta.

É urgente dizer pelo que se luta e contra quem se trava a batalha dos próximos dias e noites.

Essa é uma batalha entre a democracia social e as forças regressivas do galeão malafaico-rentista.

É preciso escancarar a contradição entre o retrofit messiânico e as estruturas calcificadas que ele maquia.

Contrapor , enfim, ao galope conservador um salto efetivo da democracia participativa em um novo governo Dilma.

Tornar esse salto palpável aos olhos da população requer um símbolo de magnetismo equivalente às tarefas que essa agenda encerra em termos de negociação de pactos, metas, concessões, salvaguardas e organização.

Um novo governo estruturado em torno dessa renegociação do desenvolvimento requer um chefe de Casa Civil dotado ao mesmo tempo de inexcedível sintonia com a Presidenta Dilma , e de incontrastável representatividade popular.

Essa referência existe; já funciona de fato como líder político do campo progressista; deveria ser oficializado desde já na nova estrutura de um segundo governo Dilma.

Seu nome é Lula.




Celso Furtado, o brasileiro do século

http://www.cartacapital.com.br/revista/814/o-brasileiro-do-seculo-274.html

Fiori: a subida da ladeira

http://wp.me/p15fon-7Yp

A agenda conservadora

no Brasil de Fato


O conservadorismo fecha o cerco por meio dos acenos aos interesses do agronegócio, que vê seus representantes em quase todas as campanhas com mais recursos
29/08/2014
Por Paulo Kliass
O avanço do calendário eleitoral tem obrigado as candidaturas a se posicionarem acerca de temas variados da realidade nacional. Apesar do pouco espaço e interesse da grande imprensa em realizar um verdadeiro debate sobre assuntos importantes, os setores mais conservadores de nossa sociedade têm conseguido êxito na estratégia de pautar as campanhas com enfoques que podem significar grave retrocesso.
Em sua tentativa incessante de martelar o governo por uma suposta irresponsabilidade na condução da economia, os meios de comunicação acabam oferecendo bastante espaço para o discurso que recomenda um reforço na inflexibilidade do chamado “tripé da política econômica”. Assim, por exemplo, os assessores de Marina e de Aécio acusam o governo de ter relaxado esforços na obtenção de superávit primário e de estar promovendo uma equivocada intervenção no mercado cambial.
Assim, de acordo com tal visão, o que falta é maior rigor na política fiscal, onde o governo deveria reduzir ainda mais seus gastos na área social e nos investimentos, assegurando recursos para as despesas com juros e serviços da dívida pública. Por outro lado, em razão de alertas catastrofistas sobre um retorno da inflação elevada, os representantes do financismo clamam por uma nova onda de elevação da taxa oficial de juros – a Selic. Para fechar o quadro da receita recessiva, recomendam que a taxa de câmbio fique subordinada às flutuações das forças de oferta e demanda no mercado de divisas. Assim, a sociedade deveria aceitar o quadro atual de sobrevalorização do real frente ao dólar e demais moedas estrangeiras.
Outro aspecto que ganha destaque é a tentativa de mudar as regras do salário mínimo. A lei atual tem validade até 2015 e prevê que seu valor seja reajustado pelo índice da inflação do ano anterior e mais o crescimento do PIB de um ano antes. Nada mais correto para manter o poder de compra dos trabalhadores e oferecer um ganho real correspondente ao crescimento da economia. No entanto, o argumento dos que propõem a redução de direitos se refere aos impactos desse reajuste sobre as contas públicas, uma vez que mais de 2/3 dos benefícios da previdência social são de um salário mínimo.
Raciocínio de todo equivocado. Ao invés de questionar os elevados gastos parasitas que o governo realiza com pagamento de juros e serviços da dívida, os representantes do financismo pretendem diminuir a remuneração daqueles que estão na base da pirâmide e que foram os maiores beneficiados pela política de melhoria da distribuição de renda, que tem na lei do salário mínimo um de seus pilares mais importantes.
Outro tema que ameaça avançar é o estabelecimento da independência do Banco Central em lei, com mandatos definidos para os seus diretores. Esse é um dos pontos de maior importância para os interesses do sistema financeiro privado. O argumento mais utilizado é o da interferência política do governo sobre a definição dos rumos da política monetária. Assim, em nome de uma suposta independência de seus dirigentes, o Banco Central teria uma ação mais eficiente na definição da taxa oficial de juros e nas suas tarefas de regulação e fiscalização do sistema financeiro.
Ocorre que não existe a tal “independência”. A direção do BC sempre vai obedecer a pressões de grupos de interesse, uma vez que não existe neutralidade na definição das opções de política econômica. O mais legítimo é que o governo eleito escolha os dirigentes e a estratégia a ser seguida por uma área tão sensível como essa. O absurdo seria oferecer a uma tecnocracia, que não foi eleita para tal, uma liberdade total para operar um segmento de tal relevância para o país.
Finalmente, o conservadorismo fecha o cerco por meio dos acenos aos interesses do agronegócio, que vê seus representantes em quase todas as campanhas com mais recursos. O sistema espoliador e de reforço ao modelo neocolonial primário exportador se mantém intacto. Isso significa a manutenção da lógica de estimular a exportação de bens de baixo valor e a importação de produtos manufaturados, de maior valor agregado. Em suma, a perpetuação da injustiça e da desigualdade.

Paulo Kliass é doutor em economia pela Universidade de Paris 10 (Nanterre) e integrante da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental, do governo federal.

Um mito e algumas verdades sobre os tributos no Brasil

"O contador e sua mulher", de Marinus van Reymerswaele, 1539
“O contador e sua mulher”, de Marinus van Reymerswaele, 1539
Debate questionará, esta manhã, crença segundo a qual carga tributária brasileira é “altíssima”. Problema real é outro: ricos e poderosos pagam pouquíssimo; somos o país dos impostos injustos
Por Antonio Martins
Ao longo do processo eleitoral deste ano, um mito voltará a bloquear o debate sobre a construção de uma sociedade mais justa. Todas as vezes em que se lançar à mesa uma proposta de políticas públicas avançadas, demandando redistribuição de riquezas, algum “especialista” objetará: “não há recursos para isso no Orçamento; seria preciso elevar ainda mais a carga tributária”. A ideia será, então, esquecida, porque a sociedade brasileira está subjugada por um tabu: afirma-se que somos “o país como impostos mais altos do mundo”. Sustenta-se que criar novos tributos é oprimir a sociedade. Impede-se, deste modo, que avancemos para uma Reforma Tributária.
A partir das 10h desta sexta-feira (29/8), três conhecedores profundos do sistema de impostos no Brasil enfrentarão este mito, num debate transmitido por webTV (acesse aqui). O auditor da Receita Federal Paulo Gil Introini, ex-presidente do sindicato nacional da categoria e os economista Jorge Mattoso e Evilásio Salvador argumentarão, com base em muitos dados, que o problema da carga tributária brasileira não está em ser “a mais alta do mundo” (uma grossa mentira), mas em estar, seguramente, entre as mais injustas do planeta. Os grandes grupos econômicos e os mais ricos usam seu poder político para criar leis que os isentam de impostos — despejados sobre as costas dos assalariados e da classe média. A mídia comercial esconde esta realidade, para que nada mude. No debate, organizado em conjunto pela Campanha TTF Brasil e Fundação Perseu Abramo, emergirão alguns fatos muito relevantes, porém pouquíssimo conhecidos.

> A carga tributária brasileira não é a “mais alta do mundo”, mas a 32ª (entre 178 países). O cálculo é de um estudo comparativo da Fundação Heritage, um thinktank norte-americano conservador — mas com algum compromisso com a realidade.
> A carga tributária subiu consideravelmente, de fato, entre 1991 e 2011. Passou de 27% do PIB para 35,1%. Porém, a parte deste aumento de arrecadação foi consumido no pagamento de juros pelo Estado — quase sempre, para grandes grupos econômicos. A taxa Selic subiu para até 40% ao ano nas duas crises cambiais que o país viveu sob o governo FHC. O aumento do gasto social (de 11,24% do PIB para 15,24%, no período), que ocorreu de fato, a partir de 2002, consumiu apenas parte do aumento da receita.
> O poder econômico usa uma série de expedientes para livrar-se de impostos. O principal é a estrutura tributária brasileira. Ela foi cuidadosamente construída para basear-se em impostos indiretos (os que incidem sobre preços de produtos e serviços) e reduzir ao máximo os impostos diretos. Há duas vantagens, para as elites, nesta escolha. a) Impostos indiretos são, por natureza, regressivos. A alíquota de ICMS que um bilionário paga sobre um tubo de pasta de dentes, uma geladeira ou a conta de luz é idêntica à de um favelado; b) Além disso, assalariados e classe média consomem quase tudo o que ganham — por isso, pagam impostos indiretos sobre toda sua renda. Já os endinheirados entesouram a maior parte de seus rendimentos, fugindo dos tributos pagos pelo conjunto da sociedade.
> Esta primeira distorção cria um cenário quase surreal de injustiça tributária. Um estudo do IPEA (veja principalmente o gráfico 2, à página 6) revela que quanto mais alto está o contribuinte, na pirâmide de concentração de renda, menos ele compromete, de sua renda, com impostos. Por exemplo: os 10% mais pobres contribuem para o Tesouro com 32% de seus rendimentos; enquanto isso, os 10% mais ricos, contribuem com apenas 21%…
> Basear a estrutura tributária em tributos indiretos é uma particularidade brasileira, que atende aos interesses dos mais ricos. Aqui os Impostos sobre a Renda respondem por apenas 13,26% da carga tributária. Nos países capitalistas mais desenvolvidos, membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), os impostos indiretos correspondem a 2/3 do total dos tributos.
> Além disso, e sempre em favor dos mais poderosos, o Brasil praticamente renuncia a arrecadas impostos sobre o patrimônio. Aqui, os tributos que incidem diretamente sobre a propriedade equivalem apenas a 1,31% do PIB. Este percentual chega a 10% no Canadá, 10,3% no Japão, 11,8% na Coreia do Sul e 12,5% nos Estados Unidos…
> Ainda mais privilegiados são setores específicos das elites. O Imposto Territorial Rural (ITR), que incide sobre a propriedade de terra, arrecada o equivalente a apenas 0,01% do PIB. A renúncia do Estado a receber tributos sobre os latifundiários provoca, todos os anos, perda de bilhões de reais — que poderiam assegurar, por exemplo, Saúde e Educação públicas de qualidade.
Nos últimos treze anos o Brasil viveu um processo real — embora ainda muito tímido — de redistribuição de renda. Entre 1991 e 2002, o Coeficiente de Gini caiu de 0,593 para 0,526, depois de décadas de elevação (segundo este cálculo, quanto mais alto o índice, que vai de 0 a 1, maior a desigualdade). Ainda é muito pouco: segundo cálculos do Banco Mundial, em 2013 o país era o 13º mais desigual do mundo. Para continuar reduzindo a desigualdade, uma Reforma Tributária é instrumento essencial. Não é por outro motivo que as elites insistem em manter este conservar este tema como tabu.

Recessão atinge em cheio o centro e o eixo da Zona do Euro

Vicenç Navarro (*)           No Carta Maior
postado em: 29/08/2014

Não há dúvidas de que, quando for escrita a história da União Europeia e da Zona do Euro dentro dela, será mostrado até que ponto uma religião laica – o neoliberalismo – pode ser reproduzida apesar de toda a evidência empírica acumulada mostrando não apenas que tal religião estava equivocada, mas também o enorme prejuízo que ela está causando nas classes populares dos países da União. A religião laica se promove com um espírito apostólico, baseado em uma fé impermeável à evidência científica, revelando claramente sua grande falsidade. Atualmente, esta fé, reproduzida pela maioria da mídia, está anunciando que a Espanha e a Zona do Euro estão se recuperando, quando, na realidade, estamos entrando em outra recessão. Vejamos os dados.

Desde que, no ano de 2007, teve início a Grande Recessão, que para muitos países foi pior do que a Grande Depressão, houve, na Zona do Euro, nada menos que duas recessões, consequência da aplicação das políticas neoliberais. A primeira ocorreu no período 2008-2009. Foi seguida de uma rapidíssima recuperação (com um crescimento econômico da Zona do Euro de somente 0,5% do PIB) no período 2009-2010, para cair novamente em outra recessão, que durou 18 meses e que anulou o escassíssimo crescimento que tinha acontecido na etapa de crescimento anterior. No ano de 2012, iniciou-se outra excessivamente tímida recuperação com um crescimento de somente 0,2% do PIB, recuperação que está sendo novamente revertida, iniciando agora uma terceira recessão (o PIB da Zona do Euro caiu 0,2%), alcançando três recessões em cinco anos. Um recorde! Na realidade, a economia da Zona do Euro nunca se recuperou desde a queda de 2007, quando teve início a Grande Recessão. As pequeníssimas recuperações eram, mais do que tudo, pequenos saltos do fundo do abismo.

Estamos agora no início da terceira recessão

O que é importante sublinhar é que esta terceira recessão que se inicia, diferentemente das outras duas anteriores, está voltada para países centrais da Zona do Euro, Alemanha, França e Itália. As outras duas anteriores tinham se centrado nos países periféricos, Grécia, Portugal, Espanha e Irlanda. De certa maneira, esta recessão é consequência da Grande Recessão que, finalmente, atingiu em cheio o centro e o eixo da Zona do Euro. O PIB dos três países centrais soma 8,8 trilhões de euros, que é o tamanho da economia da China. E dado que a economia da Alemanha (que equivale um terço do PIB da Zona do Euro) se baseia muito nas exportações, que representam 56% de sua economia, esta queda da economia do centro da Zona do Euro prevê uma desaceleração da economia mundial.

Os fatos políticos que estão acontecendo no continente europeu, dos quais o conflito da Ucrânia é de grande importância, contribuíram (apesar de não terem causado) para esta terceira recessão. O golpe de Estado na Ucrânia, com o apoio dos governos da União Europeia e dos Estados Unidos, iniciou uma situação de conflito, reavivando a Guerra Fria, que já está tendo um custo econômico considerável. Mas a principal causa da terceira recessão são as políticas neoliberais baseadas na austeridade (os infames cortes e o desmantelamento do Estado de bem-estar social, a diminuição dos salários e o crescimento do desemprego), que estão destruindo o bem-estar das classes populares.

E estas políticas estão sendo feitas para benefício e glória do que antes era chamado o capital, hegemonizado pelo capital financeiro, e que agora se chama o 1%. Atualmente, o establishment (ou seja, a estrutura do poder econômico, financeiro, midiático e político) europeu, centrado na Comissão Europeia, no Banco Central Europeu, o Conselho Europeu e o governo alemão e seus aliados, como o governo Rajoy, está realizando tais políticas com toda crueldade, respondendo a cada crise com a resposta previsível de que o fato de não sair da crise é porque precisam aplicá-las inclusive com mais força e contundência, levando as classes populares à ruína. Três recessões em cinco anos é o resultado.

E o grande drama é que as esquerdas governantes aceitaram e continuam aceitando o dogma neoliberal. Sua versão é a versão light das mesmas políticas. Não têm mais a ver com as propostas econômicas dos principais partidos social-democratas de oposição, incluindo o PSOE (cujo novo secretário-geral enfatizou, em sua entrevista ao El País, como ponto central de seu programa econômico melhorar a competitividade europeia e espanhola), para perceber que não há uma mudança substancial destas políticas, sob o argumento de que estas são as únicas possíveis. Acusam as únicas alternativas que permitem romper com esta série de recessões de utópicas, demagógicas e uma série de epítetos desqualificativos. A experiência histórica mostra que, para sair desta recessão crônica (que, repito, alcança dimensões de depressão em muitos países), é necessária uma mudança quase de 180º da política aplicada.

Há alternativas

Sim, por exemplo, nos centramos em um dos maiores problemas – o endividamento das famílias e de grandes e pequenas empresas – a solução é fácil de ver. Os Estados têm que garantir o crédito, tomando uma série de medidas, desde mudar a governança do euro e do BCE, estabelecendo o crescimento econômico como objetivo deste Banco, até aumentar a capacidade aquisitiva das classes populares com um aumento muito notável e massivo do gasto público, incluindo o gasto em infraestruturas, não somente físicas, mas sociais do país, facilitando o alcance da felicidade (sim, leu certo, felicidade) como objetivo do novo modelo econômico-social, e não a acumulação de benefícios do capital. E tudo isso não acontecerá sem uma profunda democratização das instituições que refletem a vontade e a soberania popular. Atualmente, a demanda mais revolucionaria existente na Europa não é a nacionalização dos meios de produção, mas a exigência de que cada cidadão tenha a mesma capacidade de decisão em um país, enfatizando as formas de participação direta (o direito a decidir todos os níveis), além de democratizar as escassamente democráticas instituições representativas.

Exigir democracia com toda contundência e agitação (que deve excluir qualquer forma de violência) é revolucionário, pois entra em conflito direito com as estruturas que controlam as instituições que se autodefinem como democráticas.

Também não é afirmar que a propriedade dos meios de produção, distribuição, persuasão e legitimação é chave para definir o grau de liberdade, democracia e justiça existente em um país. Mas, a não ser que os sistemas escassamente democráticos mudem, não haverá maneira de que o resto do mudo.

O grande erro de muitas esquerdas radicais tem sido se limitar à agitação, sem intervir na luta dentro do Estado. Estas esquerdas devem estar na rua e nas instituições, exigindo mudanças radicais (ou seja, que vão às raízes do problema de concentração de poder) contra as quais as estruturas e castas de poder vão se opor de todas as maneiras. As classes populares poderão alcançar o que desejam se se mobilizarem. O problema principal existente na Espanha não é que a população não seja consciente das enormes limitações da democracia espanhola, mas sim não acreditar que isto possa mudar. Mas a história mostra que sim, é possível. Ao contrário do que as estruturas de poder informaram, a mudança de ditadura para democracia aconteceu como consequência da enorme mobilização popular, liderada pelo movimento trabalhador. Foi esta mobilização que colocou fim na ditadura. E esta mobilização podem também forçar mudanças agora, democratizando autenticamente o país.

(*) Vicenç Navarro foi Catedrático de Economia Aplicada da Universidade de Barcelona. Atualmente é Catedrático de Ciências Políticas e Sociais da Universidade Pompeu Fabra de Barcelona. É também professor de Políticas Públicas na Johns Hopkins University (Baltimore, EUA) onde lecionou por 35 anos. Dirige o Programa em Políticas Públicas e Sociais patrocinado.

Tradução: Daniella Cambaúva



quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Marina será aprisionada pelos banqueiros

Por Paulo Copacabana, no blog Viomundo

Não tem como fazer omeletes sem quebrar os ovos.

Esta frase, para mim, resume os desafios políticos que temos pela frente para melhorarmos nosso país nos próximos anos.

A Nova Política só começará com uma ampla discussão e mobilização popular sobre uma reforma política que permita três coisas: ampliar os canais de participação da sociedade na definição do seu próprio destino, reduzir o poder do dinheiro sobre a política e ampliar a representação das classes populares nos parlamentos brasileiros.

Para isso, precisamos de partidos fortes, democracia interna e idéias claras sobre suas posições.

Para Marina Silva representar efetivamente este ideal, não basta dizer que representa a Nova Política. Os aliados que ela carrega e o jatinho que usou financiado por caixa 2 e empresas laranjas desmentem a todo momento esta sua profissão de fé.

Ela precisa rapidamente dizer quando, como, em que direção e com quem fará uma reforma política no Brasil, já no início do seu governo.

A princípio, Marina não parece se preocupar com partidos fortes ou idéias claras. Parece carregar apenas o “espírito do tempo”, marcada por vontades de mudanças abstratas, sem saber exatamente para onde e como. Uma certa continuidade e vertente eleitoral das jornadas de junho de 2013.

Os apolíticos e os antipolíticos parecem finalmente se juntar aos reacionários e àqueles que representam a infantilização da política (quero tudo agora e de qualquer jeito).

As dificuldades de Marina em construir a Nova Política residem exatamente nesta sua frágil base politica de sustentação.

Precisará dos movimentos sociais e trabalhadores organizados para aprofundar a democracia no Brasil. Quando e se quiser fazer este aceno, será rapidamente abandonada pela sua base eleitoral. Crise política à vista.

Por outro lado, na economia política, Marina já encarna o papel de melhor guardiã da financeirização da riqueza. As poucas famílias, empresas não financeiras e bancos, que aplicam suas riquezas em diversos produtos financeiros, estão indo ao delírio com as propostas dos gurus econômicos de Marina.

Banco Central independente, altíssimas taxas de juros que procurem levar a inflação a níveis suíços, câmbio livre, cortes nos gastos públicos, redução dos salários e “outras maldades” já reveladas soam como música aos senhores da riqueza financeira.

Deve começar seu governo já refém destes interesses poderosos. Uma verdadeira crise econômica se avizinha.

Paralisia política e crise econômica pode ser o resultado mais esperado do seu governo. Marina já acenou que planeja ficar apenas quatro anos.

Não terá outra saída. De qualquer modo, já terá cumprido o papel para os senhores do dinheiro.

Para o país, uma lição a mais: a infantilização da política não produz avanços.

Boa notícia!


Clemente Ganz Lúcio
O movimento sindical conquistou aumento real de salário em cerca de 93% das negociações coletivas celebradas em convenção ou acordo coletivo no primeiro semestre de 2014. Cerca de 85% dos aumentos salariais foram de até 3%. Trata-se do segundo melhor resultado desde 2008 para o mesmo período, superado somente em 2012, quando 96% das negociações conseguiram aumento salarial.
O resultado foi bem equilibrado por setor. Na indústria e nos serviços, 93% das negociações tiveram aumento real. No comércio, o resultado foi ainda melhor, pois 96% das negociações foram fechadas com ganhos.
Os dados são produzidos e analisados pelo Dieese a partir de um painel fixo de mais de 670 unidades de negociação por ano. No primeiro semestre de 2014, foram avaliadas 340 negociações. O método de acompanhamento usado permite comparar os resultados em diferentes períodos. A íntegra desta pesquisa e de outros estudos encontram-se no site da entidade (www.dieese.org.br).
Conforme mostra o levantamento, um ambiente de baixo desemprego e com demanda por parte das empresas para contratar ou reter trabalhadores favorece a dinâmica da luta sindical. O ânimo para conquistar direitos cresce. Quando a taxa de inflação está em queda no acumulado anual, aumenta a possibilidade de ganhos salariais, o que é favorecido enormemente pelas greves e outros tipos de movimentos dos trabalhadores.
Estamos neste segundo semestre com campanhas salariais em pleno curso, como as dos metalúrgicos, bancários, químicos, petroleiros, entre outros. As eleições trazem novos elementos para o cenário atual, em que empresários e trabalhadores tentam construir compromissos com os candidatos para o próximo período.
Trata-se de um momento bem delicado para se conduzir as campanhas salariais, o que exige avaliação bem cuidadosa de cada passo. Os resultados obtidos pelo movimento sindical no primeiro semestre são um contraponto importante no pesado jogo de disputa para sustentar o crescimento econômico do País. Recomenda-se muita atenção!

Clemente Ganz Lúcio
é sociólogo, diretor técnico do Dieese e membro do CDES (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social)

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Marina e seu encontro com os lobos

Por Renato Rovai, em seu blog: transcrito do blog do Miro
Muita água ainda vai passar por debaixo da ponte das eleições presidenciais deste ano, mas o fato é que Marina Silva já não é mais uma surpresa eleitoral. Ela pode vir a ser eleita presidenta da República. E não seria exagero dizer que se as pesquisas que estão sendo analisadas em comitês de campanha e entre empresários vierem a ser confirmadas daqui a pouco pelo Ibope, Marina passa a ser a favorita a comandar o país a partir de janeiro próximo. O resultado do Ibope no Paraná é uma amostra do que pode vir por aí.

Evidente que a disputa entra a partir de agora numa nova fase. Como favorita, Marina passa a ser alvo. Seus adversários não a tratarão mais como café com leite, buscando agradá-la para contar com o seu apoio no segundo turno. Vão buscar contradições no seu programa de governo, irão revirar sua gestão no ministério do Meio Ambiente, vão olhar com lupa sua vida pessoal, levantar declarações sobre assuntos polêmicos e questionar posições que vêm sendo apresentadas pelos seus principais assessores.

Hoje, por exemplo, João Paulo Capobianco, que é do núcleo duro histórico de Marina, disse ao jornal Valor que não tem essa de rever o Código Florestal e que a candidata não é a “favor e nem contra os transgênicos”. Ou seja, vejam só como é a vida, quando não tinha chance de vitória o discurso era outro.

Ao mesmo tempo que Capobianco diz isso, Giannetti da Fonseca, economista neoliberal e seu principal assessor na área, é questionado por defender que a universidade pública deve ser paga por alunos que têm recursos. Sem explicar o que isso significa e dando um sinal maravilhoso para os donos do ensino privado.

Ou seja, Marina terá um encontro com os lobos a partir de agora. E vai ter de dizer coisas mais claras sobre o que pensa. As generalizações não enchem barriga de banqueiros e nem de mega-empresários. E eles não têm com ela a relação de confiança que têm com o PSDB. Marina vai ter dizer de que lado está de forma clara e pública. Não adiantarão os bate-papos de assessores em salas fechadas.

O PT já viveu esse momento quando decidiu se abrir ao deus mercado e fez a Carta ao Povo Brasileiro. Deu sinais, mas não foi tão longe prometendo a independência do Banco Central, coisa que Marina fez já na primeira curva. Pra quem não entende do riscado, independência do Banco Central é entregar toda a política de controle de juros e da economia na mão dos banqueiros.

As primeiras reações do comando da campanha de Marina após seu crescimento nas pesquisas têm sido à direita. Eles estão muito mais preocupados em dar sinais ao mercado do que ao campo popular.

Mas para quem acha que por conta de ter de sair do casulo, Marina Silva começará a perder o brilho nos próximos dias, sinto informar que pode estar equivocado. Isso já aconteceu recentemente com Ciro Gomes, Roseana Sarney ou mesmo Celso Russomanno, mas ao que parece Marina é mais resistente e hábil que eles.

Ela tem uma história de vida e uma biografia limpa a apresentar. E goza da confiança de muita gente exatamente por conta desse seu jeito pouco afirmativo de ser. Ou seja, fazendo de conta que não é nem de um lado e nem do outro. Que é alguém que olha para frente.

A imagem de Marina é de alguém em quem se pode confiar porque vai tomar a melhor decisão na hora certa. E que por isso não precisa dizer agora o que vai fazer no futuro. Sua fragilidade física e seu toque brejeiro ajudam na construção dessa narrativa.

Mas mesmo assim, Marina terá de ser mais direta do que tem sido até hoje em relação a várias questões. Vai ter que ir além das generalizações e das frases que não deixam claro qual caminho será seguido. Porque esse jogo meio embaçado tem um limite. E o limite é dado pelos que têm mais interesse nos resultados práticos e pragmáticos. Eles são os lobos.

Marina terá que dizer sem tergiversar aos grandes grupos econômicos qual o seu projeto.

Em 1994, FHC ganhou a eleição mostrando um livro em branco no seu programa de TV e dizendo que seu plano de governo iria mudar o Brasil para melhor. Marina pode tentar fazer o mesmo agora. Mas não é uma operação simples. Ela não é candidata unânime nem da mídia e nem do empresariado. E esse pessoal vai querer que ela assuma compromissos públicos.

Se piscar e eles sentirem que ela governará menos para eles quase como Dilma, a tendência é que façam de tudo nos próximos dias para recolocar Aécio no jogo. Se fizer um movimento muito generoso para esse grupo, ela pode perder votos daqueles que a viam como uma esperança de implantação de um programa sonhático. De um Brasil com poder mais descentralizado. De um país mais comprometido com a pauta da sustentabilidade e da qualidade de vida.

Começa uma nova fase para o projeto Marina Silva presidenta. Uma fase onde vai ser necessário dizer mais claramente o que se é e o que se quer. E num país com as sutilezas do Brasil, as coisas não são tão simples como parecem. Há muitos interesses em jogo. E muita contradição. Uma frase torta pode afastar grupos enormes de sua candidatura.

Na eleição de 2010, Marina fez uma campanha onde caminhou num bosque tranquilo. Cercada de ovelhas e num clima bucólico. Agora ela terá que acertar seus ponteiros com os lobos. Se fizer de conta que não existem, eles podem devorá-la. Se tentar enganá-los, eles podem devorá-la mais para frente. Se deixar claro que eles são os inimigos, eles vão fazer de tudo para devorá-la agora. O jogo é bruto. E os lobos não perdoam.