Por Marcelo Zero, Transcrito do blog Democracia & Política:
"A
primeira grande medida que Tony Blair adotou quando chegou ao poder foi
dar independência ao Bank of England, o banco central inglês.
A
medida não estava no programa de governo, mas Blair a adotou assim
mesmo. Era uma forma de demonstrar que o New Labour, por ele
representado, estava rompendo definitivamente com o “velho trabalhismo” e
com a “antiga socialdemocracia”.
Essa
ruptura não era apresentada, contudo, como uma adesão ao “thatcherismo”
e à direita. Na realidade, Blair se apresentava como uma espécie de
personificação da "Terceira Via", teorizada principalmente por Anthony
Giddens, sociólogo britânico.
A Terceira Via, segundo Giddens e
Blair, não era nem de esquerda e nem de direita. Estava, na visão deles,
“além da esquerda e da direita”. Rompia com a socialdemocracia
tradicional e com o velho trabalhismo, mas também representava uma
ruptura com o neoliberalismo. Era algo profundamente novo, um
“centralismo radical” que prometia, num grande esforço modernizador,
adaptar a economia e a sociedade britânicas aos “novos desafios impostos
pela globalização”, mantendo, no entanto, os valores permanentes da
justiça social.
Em economia, Blair dizia que a abordagem da
Terceira Via não era “nem o laissez faire, nem a interferência estatal”.
Ao “Estado necessário”, nem mínimo, nem máximo, caberia o simples papel
de sustentar o equilíbrio macroeconômico e promover a atividade
empresarial, particularmente as “indústrias do futuro baseadas no
conhecimento”. No que tange à esfera social, a Terceira Via faria
revolução do "Welfare State", adaptando-o às novas necessidades da
economia globalizada. Em vez de investir em redes de proteção
“excessivas”, era preciso dar “empregabilidade” às pessoas, investindo
em Educação e no empreendedorismo.
Com isso, asseguravam Blair e
Giddens, a economia britânica aumentaria muito a sua produtividade,
beneficiando igualmente empresários e trabalhadores.
No "Brave
New World" proposto pela "Terceira Via" não havia mais conflitos de
classes e nem a vinculação orgânica da socialdemocracia e do trabalhismo
aos sindicatos e aos movimentos sociais. Não havia também alternativas à
“economia de mercado globalizada”; e a desigualdade passou a ser algo
aceitável, desde que baseada na “meritocracia”.
Completava esse
novo mundo sem conflitos, livre das “velhas ideologias”, uma preocupação
com as questões ambientais, que haviam sido relegadas a um segundo
plano, segundo Giddens, tanto pela antiga socialdemocracia quanto pelo
neoliberalismo thatcherista.
Entretanto, o que se viu, na
prática, foi a adesão de Blair a todas as principais diretrizes
políticas do thatcherismo. Seu governo persistiu no desmonte do
sindicalismo britânico, na “flexibilização” do mercado de trabalho, na
revisão [extinção] de alguns direitos previdenciários, nas privatizações
e, sobretudo, na crescente desregulamentação do sistema financeiro, já
sob a gerência “independente” do Bank of England.
Assim, o "New Labour" saiu do colo trabalhista dos sindicatos britânicos para o colo financeiro da City londrina.
Os
resultados não foram bons. O índice de GINI do Reino Unido que, no
início do thatcherismo, era de 0,240, aumentou para 0, 340, um dos
maiores crescimentos da desigualdade nos países desenvolvidos. Embora a
maior parte desse aumento tenha se dado na era Thatcher, a Terceira Via
de Blair não conseguiu revertê-lo, e até propiciou um novo incremento.
Na realidade, foi durante o período Blair que aumentou mais a renda do
1% mais rico e, particularmente, do 0,1 % mais afluente, renda essa
muito vinculada à desregulamentação financeira.
Ao longo do
período do New Labour, os que fazem parte do 0,1 % mais rico do Reino
Unido aumentaram seus rendimentos 4 vezes mais que 90% da população
britânica. Hoje, apenas as cinco famílias mais ricas do Reino Unido têm
renda superior aos 20% mais pobres da população.
Além disso,
houve “precarização” do mercado de trabalho, ao invés da prometida
“empregabilidade”. Afinal, a estrela do crescimento econômico durante o
New Labour foi o setor de serviços, particularmente os serviços
financeiros, com decréscimo das indústrias.
A recessão, que
varreu do mapa político o New Labour em 2010, com a derrota de Gordon
Brown, sucessor de Blair, só fez piorar esse quadro social. Hoje, 1 em
cada 5 britânicos são pobres e, pela primeira vez na história, a maior
parte dos lares em condição de pobreza é habitada por indivíduos
economicamente ativos, e não por pessoas que dependem da Seguridade
Social. O problema maior está justamente no mercado de trabalho, que não
gera empregos na quantidade e, principalmente, na qualidade necessárias
para promover a ascensão social dos menos favorecidos. E isso ocorria
antes mesmo da crise.
Tal descalabro econômico e social do New
Labour e da Terceira Via foi complementado por um submisso alinhamento
da política externa britânica aos interesses dos EUA, que levou a o
Reino Unido a participar da farsa da invasão Iraque, fato que suscitou a
abertura de um inquérito oficial sobre o assunto.
Enfim, a
Terceira Via não passou de uma “carapaça ideológica para o
neoliberalismo”, como disse o historiador britânico Perry Anderson. Foi
assim no Reino Unido; e foi assim também nos EUA de Clinton e na França
de Jospin.
Mas essa carapaça ideológica rompeu-se em todos os
lugares, revelando a mesmice do pensamento único e a monotonia trágica
das políticas conservadoras, associadas à crescente desregulamentação do
capital financeiro. As mesmas políticas que provocaram a crise mundial
de 2008 e que contribuem, hoje, para manter a recessão na maior parte do
mundo industrializado.
Assim, nos países desenvolvidos a
carapaça ideológica da Terceira Via atualmente não passa de uma
malquista e malcheirosa carcaça política.
No Brasil, no entanto, há gente que quer ressuscitar essa carcaça político-ideológica, apresentando-a como uma grande novidade.
Como
no Reino Unido de Blair, a candidatura Marina pretende conciliar
políticas econômicas muito ortodoxas e pró-cíclicas com grandes avanços
sociais. Pretende também conciliar desregulamentação financeira e
econômica e a extinção de mecanismos estatais de estímulo ao
crescimento, como o crédito público em áreas estratégicas, com o
desenvolvimento.
Como no Reino Unido de Blair, a candidatura
Marina pretende alinhar nossa política externa aos interesses dos EUA e
aliados. Como lá, doura-se a pílula com um difuso e, por vezes,
neomalthusiano ambientalismo. Como lá, afirma-se que a “nova” proposta
está além da esquerda e da direita.
Ao contrário de lá, onde o
New Labor promoveu grandes avanços no que tange aos direitos
individuais, particularmente dos gays e outras minorias, aqui tais
avanços teriam de passar pelo crivo de sumidades teológicas, como a do
Pastor Malafaia.
Bastar ler o plano da candidatura Marina para
ver o quanto ele se baseia numa leitura anacrônica das teses da finada
Terceira Via. Mistura-se essa leitura anacrônica com uma leitura
superficial de Manuel Castells e voilá!, temos a “nova política”. A
milagrosa política que não é política, o partido que não é partido e as
alianças de ocasião que não são “velha política”. A milagrosa política
que vai mudar o sistema de representação apenas com a força dos “homens
de bem” reunidos em redes, sem a necessidade de um reforma política com
participação popular, como propõe a presidenta. Uma milagrosa reforma
sem povo, garantida pelos “homens de bem” e pelos “homens de bens” que
controlarão o Banco Central.
No plano, não há nenhuma pista sobre
o porquê que a finada Terceira Via, que fracassou miseravelmente nos
países desenvolvidos, num período de bonança econômica, teria sucesso
aqui, um país em desenvolvimento, num período de forte e renitente crise
mundial.
Afinal, lá era uma aposta nova numa Terceira Via. Aqui é somente a carcaça política de uma fracassada Paleovia.
A
resposta talvez esteja em devaneios fora de lugar, e não na razão
alicerçada no real conhecimento de um país chamado Brasil. Isso talvez
explique porque a candidatura mude de posição constantemente sobre tudo.
Quem é muito “sonhático” acaba ficando muito errático. E sonho anacrônico acaba virando pesadelo."
FONTE: escrito por Marcelo Zero, formado em Ciências Sociais pela UnB e assessor parlamentar do Partido dos Trabalhadores. Transcrito no blog de Paulo Moreira Leite e
no "Blog do Miro"
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