Janio de Freitas, transcrito do GGN
Na campanha, ninguém se manifesta sobre política externa, especialmente importante para o Brasil
Por falarem em ONU, é notável como, na campanha para presidente,
ninguém se manifesta sobre uma das responsabilidades mais complexas da
função, que é a política externa, especialmente importante para o Brasil
no mundo conturbado da atualidade.
Lá no começo da campanha, Marina Silva até deu um peteleco no
assunto, para indicar que um governo seu recuperaria o dístico, de longa
existência, segundo o qual "o Brasil vive de costas para os seus
vizinhos". Nas palavras de Marina: "O Mercosul não será prioridade".
Como os Estados Unidos gostariam, para restabelecer o rebanho na América
do Sul. Aécio Neves nem passou perto do tema.
A rigor, para deixar clara a sua concepção de política externa,
nenhum dos dois precisa expô-la. Basta que se observe quem são os seus
economistas: todos identificados com o governo dos Estados Unidos, seja
qual for, como centro da ciranda mundial das Bolsas e dos juros.
Da mesma maneira, se vê o que é verdade entre a afirmação de Aécio de
que extinguiria o "fator previdenciário", criado no governo Fernando
Henrique com prejuízo para os aposentados, e o desmentido do próprio
declarante à declaração. É evidente que o grupo de criadores do "fator"
não o eliminaria, se voltasse ao poder.
Aécio disse e se desdisse menos de 24 horas depois de encantar-se com
este achado: "Uma candidata mente e a outra desmente". Para louvá-lo
com o mesmo verbo, pode-se dizer que Aécio consegue fazer sozinho o que
precisa das duas: mentiu duas vezes, quando anunciou o fim do "fator" e
quando desmentiu o anúncio.
O que não expôs sobre política externa, talvez por considerar que a
continuidade é óbvia, Dilma reafirmou em três ocasiões nos últimos dois
dias: uma entrevista; a recusa à adesão do Brasil a um acordo
extravagante sobre desmatamento (só 32, de 123 presidentes reunidos, o
assinaram) e, ainda, o discurso na ONU. Os comentários imediatos, aqui,
só viram o lado de projeção da candidata, no caso dos aecistas; e a
oportunidade de relembrar a ecológica Marina, no caso da própria.
O principal sentido das falas de Dilma foi o de consolidar para o
mundo, no solo mais apropriado, a política externa de afirmação da
soberania brasileira. E, portanto, de recusa ao sistema de necessário
alinhamento aos Estados Unidos. Foi relevante, nesse significado das
falas, que suas críticas à diplomacia dos caças americanos se fizesse
quando Obama mal acabara de mandá-los bombardear território da Síria. E
ainda aguardava as reações mundo afora, insistindo no discurso
indulgente de que os Estados Unidos não estavam sozinhos na decisão de
atacar os extremistas do movimento Estado Islâmico.
No capítulo das relações brasileiras com o governo Obama, as posições
expressas por Dilma soaram como sinal de dificuldades maiores. As meias
palavras de meia solidariedade ditas a Dilma por Obama, depois das
revelações de Snowden, são coisas passadas e incompletas. E há um
problema subjacente e de difícil dissimulação: o desprezo ostensivo de
Obama pela bem-sucedida intermediação que, a seu pedido, Lula e o turco
Erdogan fizeram com o Irã.
Na ocasião, foi um espanto internacional. Até porque o entendimento
aceito pelo Irã era muito maior do que o acordo enfim concretizado com
os Estados Unidos. Mas ninguém abordou ainda esse assunto a partir das
revelações de Snowden. Se o governo americano violava todas as
comunicações da Presidência brasileira, não há por que duvidar de que
entre Lula e Erdogan alguém disse algo demais. E os dois, se não
disseram, ouviram do iraniano Ahmadinejad e concordaram.
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