Paul Krugman
Como eu queria ter dito a mesma coisa! No começo da semana, Jesse
Eisinger, da ProPublica, em post no blog DealBook, do “New York Times”,
comparou as pessoas que preveem uma disparada da inflação aos
“verdadeiros crentes cuja fé em um apocalipse profetizado persiste mesmo
depois que este não se concretiza”. Verdade.
Aqueles que fazem previsões econômicas erram muitas vezes. Eu
também! Se um economista jamais faz uma previsão incorreta, isso
significa que não está assumindo os riscos que deveria. Mas é menos
comum que supostos especialistas continuem a fazer a mesma previsão
errada ano após ano, jamais admitindo ou tentando explicar seus passados
erros. E o mais notável é que esses sabichões, sempre errados mas
jamais em dúvida, continuam a exercer grande influência pública e
política.
Há alguma coisa acontecendo aqui. E não está claro exatamente o
quê. Mas como sabem meus leitores regulares, tenho tentado descobrir,
porque considero importante compreender a persistência e o poder do
culto à inflação.
De quem estamos falando? Não só dos apresentadores gritalhões da
CNBC, ainda que eles certamente sejam parte do problema. Rick Santelli,
famoso por sua diatribe em defesa do Tea Party em 2009, passou boa parte
daquele ano gritando que a inflação descontrolada estava por chegar.
Não estava, mas sua linha jamais mudou. Dois meses atrás, ele
disse aos seus telespectadores que o Federal Reserve (Fed, o banco
central dos Estados Unidos) estava se “preparando para a hiperinflação”.
É fácil descartar figuras como Santelli, alegando que elas
basicamente são parte do mundo do entretenimento. Mas muitos
investidores não parecem concordar com isso. Ouvi de administradores de
fundos – ou seja, de investidores profissionais – que a calmaria da
inflação os surpreendia, porque “todos os especialistas” haviam previsto
uma alta.
E não é fácil descartar o fenômeno do apego obsessivo a uma
doutrina econômica fracassada quando você o vê em importantes figuras
políticas. Em 2009, o deputado federal Paul Ryan alertou sobre a “sombra
da inflação que pende sobre nós”. Ele reconsiderou sua posição quando a
inflação continuou baixa? Não, continuou alertando, ano após ano, sobre
a iminente “degradação” do dólar.
E há mais: você encontra a mesma história ao estilo “dia da
marmota” ao estudar os pronunciamentos de economistas aparentemente
respeitáveis. Em maio de 2009, Allan Meltzer, economista monetário
conhecido e historiador do Federal Reserve, escreveu um artigo de
opinião para o “New York Times” no qual advertia que uma alta acentuada
na inflação estava iminente a não ser que o Fed mudasse de rumo.
Ao longo dos cinco anos que se seguiram, o indicador de preços
preferencial de Meltzer subiu em ritmo anualizado de apenas 1,6%, e sua
resposta surgiu na forma de um novo artigo de opinião, este publicado
pelo “Wall Street Journal” e intitulado “como o Fed alimenta a
inflação”.
Assim, o que está acontecendo quanto a isso?
Já escrevi antes sobre como os ricos tendem a se opor à política
monetária frouxa, percebendo-a como inimiga de seus interesses. Mas isso
não explica os atrativos continuados de profetas cujas profecias sempre
fracassam.
Parte do apelo é claramente político: existe um motivo para a
gritaria de Santelli sobre a inflação e sobre o dinheiro que o
presidente Obama dá aos “perdedores”, e para que Ryan alerte sobre uma
moeda degradada e um governo que redistribui “dos que fazem para os que
aproveitam”.
Os adeptos do culto à inflação quase sempre vinculam as políticas
do Fed a queixas sobre os gastos do governo. Estão completamente
errados quanto aos detalhes – não, o Fed não está imprimindo dinheiro
para cobrir o deficit orçamentário -, mas é verdade que governos cujas
dívidas são denominadas em uma moeda que eles podem emitir têm mais
flexibilidade, e portanto mais capacidade de manter a assistência às
pessoas que dela necessitem, do que governos que não contam com essa
capacidade.
E a raiva contra os “aproveitadores” – uma raiva fortemente
vinculada a divisões culturais e étnicas – é profunda. Muita gente,
portanto, sente afinidade para com os homens que gritam sobre a
disparada iminente da inflação; Santelli é o tipo de cara de que essas
pessoas gostam.
Em um sentido importante, eu argumentaria, o culto à inflação é
um exemplo da “fraude de afinidade” crucial para muitas trapaças, nas
quais os investidores confiam no trapaceiro porque sentem que ele é
parte de sua tribo. Nesse caso, os trapaceiros podem estar se
trapaceando tanto quanto trapaceiam aos seus seguidores, mas isso pouco
importa.
Mas e quando aos economistas que aderiram ao culto? Eles são
todos conservadores, mas não são também profissionais que deveriam
colocar as provas concretas acima da conveniência política?
Aparentemente não.
A persistência do culto à inflação, portanto, é um indicador de
até que ponto nossa sociedade se polarizou, de como tudo se tornou
político, mesmo entre as pessoas que supostamente deveriam se colocar
acima dessas coisas. E essa realidade, ao contrário do suposto risco de
uma inflação descontrolada, é algo que deveria nos assustar.
(tradução de Paulo Migliaccio, na Folha)
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