*José Álvaro de Lima Cardoso
O livro Geografia
da Fome, de autoria do grande brasileiro Josué de Castro, publicado em
1946, dentre outras contribuições, enfrentou arraigados mitos presentes na
nossa sociedade, acerca desse assunto. Havia, por exemplo, a crença de que a
fome resultava basicamente de problemas climáticos e/ou da baixa produtividade
dos trabalhadores, que prefeririam o ócio ao invés do trabalho duro.
Infelizmente algumas destas crenças permeiam, com muita força ainda, o
imaginário de boa parte dos brasileiros.
Pois o médico, geógrafo
e professor, que dedicou quase toda a sua vida ao combate à fome, ficaria
orgulhoso com os resultados do relatório, apresentado no dia 16 de setembro,
pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, na
sigla em inglês), que trata do estado da insegurança alimentar no mundo.
Segundo o referido, o Brasil reduziu em 75% a pobreza extrema, definida como o
número de pessoas com renda inferior a US$ 1 ao dia, entre 2001 e 2012. Segundo
a FAO, desde 1990, o percentual dos brasileiros que passam fome caiu de 14,8%
para 1,7% da população, equivalente a 3,4 milhões de pessoas. Não é pouca
coisa, considerando que cerca de 805 milhões de pessoas em todo o mundo
enfrentam uma luta diária para obter comida, a maioria delas concentrada em
regiões em situações de conflitos ou com situações climáticas adversas. Para o
referido organismo da ONU, percentual abaixo dos 5% indica que o país não tem
mais fome estrutural, mas somente bolsões isolados de famintos. O sucesso das
políticas de combate à fome estrutural ocorreu também em outros países
americanos, como Venezuela, Chile, Cuba e México.
Os resultados no Brasil decorrem de um
conjunto de políticas e ações integradas, conforme lista o relatório: Expansão da oferta de alimentos. Inclusive com forte ampliação do crédito;
Aumento da renda dos mais pobres com o crescimento real de 71,5% do salário mínimo e geração de 21 milhões de empregos;
Programa Bolsa Família, que atende atualmente 14 milhões de famílias;
Merenda escolar, que alimenta 43 milhões de estudantes de escolas públicas todos os dias.
A elevação da
segurança alimentar da população é efeito da combinação de políticas
macroeconômicas, sociais e agrícolas, como geração de empregos, aumentos reais
do salário mínimo e políticas de expansão do crédito. Entre as que mais
contribuíram para a redução está o fortalecimento da alimentação escolar e
programas que beneficiam os agricultores familiares (responsáveis por 70% do
consumo de alimentos no país), um dos mais atingidos pela falta de garantia de
renda. O Programa Fome Zero foi fundamental porque colocou a questão da
segurança alimentar no centro da agenda política do país. Foram essenciais
também os programas de erradicação da extrema pobreza, o fortalecimento da
agricultura familiar e as redes de proteção social como medidas de inclusão
social. Como destacou a consultora da FAO, Anne Kepple, o mais importante no
Brasil foi a elevação das políticas de combate à fome à condição de políticas
de Estado, inclusive através de regulamentação legal.
Neste conjunto de ações encaminhadas, o Programa
Bolsa Família, que é criticado por muitos, é uma das mais importantes, pois retira
55 milhões de brasileiros da fome. O gasto com o Programa, R$ 25 bilhões em
2013, é insignificante no contexto do orçamento federal e representa 0,45% do
PIB. Para termos ideia de quão modesto é esse custo no contexto dos gastos
públicos, o governo federal desembolsa em média por ano, com os juros da dívida
pública, cerca de R$ 200 bilhões, equivalente a 10 vezes o gasto com o Bolsa
Família. São alguns milhares de super ricos, também conhecidos como
“rentistas”, que levam anualmente, sem maiores esforços e sem colocar o pé na
fábrica, 5% do sétimo PIB do planeta. Esta é uma questão que pode ser um pouco
difícil de ser compreendida, mas que está por detrás de todo o debate atual
sobre Banco Central independente, nível da taxa Selic, e temas relacionados. É
vital entendermos que, por detrás das escolhas destas políticas
macroeconômicas, estão interesses financeiros muito poderosos.
O acesso da
população a uma alimentação adequada, saudável e regular, além de ser
pressuposto de uma sociedade desenvolvida social e economicamente, é imperativo
moral. É inadmissível que a sétima economia do mundo, continuasse convivendo
com número crescente de pessoas passando fome ou em situação de
insegurança alimentar, como sempre foi o caso do Brasil ao longo da história. A
retirada do Brasil do Mapa da Fome é uma conquista de encher o peito dos
brasileiros de orgulho, que deve ser divulgada aos quatro ventos.
*Economista e supervisor técnico do
DIEESE em Santa Catarina.
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