Por Eduardo Guimarães, no Blog da Cidadania. Transcrito do blog Democracia & Política.
"A
escolha da presidente Dilma Rousseff para o principal cargo da equipe
econômica, o de ministro da Fazenda, gerou aflição em muita gente. O
Blog tem recebido mensagens via e-mail e comentários privados nesta
página e nas redes sociais. Leitores perguntam se devem temer por seus
empregos diante do que vem sendo pintado como a adoção pela presidente
do programa econômico que ela dizia, durante a campanha eleitoral, que
provocaria desemprego no país: o programa econômico de Aécio Neves.
Para começar a explicar, vale propor uma reflexão: por
que a presidente faria tal maldade com o povo brasileiro? Estaria
finalmente revelando uma perversidade latente que ocultou ao longo dos
quase quatro anos de seu primeiro mandato ou é apenas covardia
imotivada?
A revolta com a escolha do engenheiro naval
Joaquim Levy para comandar a principal pasta econômica do governo
federal levou muitos dos que votaram em Dilma há um mês a, agora,
dizerem-se arrependidos da escolha. Um dos mais decepcionados chegou a
sugerir que, diante da escolha deste ou daquele nome para o novo
ministério da presidente, nada haveria a estranhar se ela colocasse o
assustador deputado fluminense Jair Bolsonaro na Secretaria de Direitos
Humanos da Presidência da República, o que dá uma ideia do climão que se
instalou entre os setores progressistas da opinião pública ante a
escolha de Levy.
A materialização da escolha maldita no penúltimo
dia útil da semana torna inoportunas maiores considerações sobre o que
esta página vem julgando um exagero e um equívoco. Passemos, assim, às
questões práticas.
A nova equipe econômica não fará algo que a
anterior não faria, apesar de o agora ex-ministro da Fazenda Guido
Mantega dificilmente poder ser considerado um bicho-papão como Levy.
Diante disso, este Blog dará sua opinião sobre o que aconteceu na
economia brasileira durante o primeiro mandato de Dilma e o que acha que
deverá acontecer daqui para frente. E, ainda, irá explicar a razão da
escolha de Levy e de outros ministros polêmicos do segundo mandato.
Entre
2008 e 2013, o mundo passou pela maior crise econômica da história
recente da humanidade. Foi considerada mais grave do que a que quebrou a
bolsa de valores americana em 1929. Sessenta milhões de empregos foram
extintos em todo o planeta. Países como os Estados Unidos, o mais rico
do mundo e o terceiro em qualidade de vida (segundo o IDH 2013), viram
surgir favelas em seus territórios.
No Brasil, poderia ter sido
feita uma política econômica que contivesse a inflação no centro da meta
de 2014 (4,5%). Essa política, apesar de recessiva, segundo os
economistas de linha liberal teria resultado em maior crescimento. Os
investimentos do Estado em programas gigantescos de obras, a renúncia
fiscal para incontáveis setores da economia, os aportes em bancos
públicos para conter os juros ao consumidor e propiciar financiamento
farto e crescente a esse consumidor, porém, geraram inflação mais alta.
As políticas anticíclicas (ou antirrecessivas)
do governo Dilma fizeram a inflação bater no teto da meta, mas, em
contrapartida, impediram o desemprego e o arrocho salarial. Com isso, o
brasileiro, apesar de pagar mais caro a compra do mês no supermercado,
teve dinheiro para fazê-la – e quanto mais baixa a classe social,
menos os hábitos de consumo ora gastadores foram afetados pela crise
devido aos salários virem subindo acima da inflação.
Houve, porém, um preço a pagar por essa proteção que Dilma deu ao emprego e ao salário: além da inflação um pouco mais alta (2 pontos percentuais a mais do que o centro da meta), houve certo desarranjo nas contas públicas. Por exemplo, o país reduziu drasticamente o superávit primário, economia que o governo faz para pagar suas dívidas.
O
superávit primário, porém, é uma tara neoliberal. Sobretudo em um país
que tem quase 400 bilhões de dólares de reservas cambiais e, portanto,
mesmo sem economizar um centavo via superávit primário por certo tem
como pagar suas dívidas. Porém, esse superávit demonstra a disposição do
governo de não confrontar o investidor.
Por isso, apesar de tudo
o que se falou de Levy ele deu uma declaração na edição do Jornal
Nacional da data em que foi anunciado como novo ministro da Fazenda que
contraria tudo o que disse a oposição durante a recente campanha
eleitoral e que indica que o bicho-papão neoliberal, visto como uma
espécie de genérico de Armínio Fraga, talvez venha a se mostrar muito
menos malvado do que parece – ao menos por ter que se reportar a uma
Dilma Rousseff.
Para ver um Levy menos carrasco do que o previsto, leia, abaixo, trecho de matéria do JN de quinta-feira 27 sobre a nova equipe econômica:
“(…)Os
ministros indicados para a Fazenda e para o Planejamento anunciaram o
compromisso de fazer um ajuste nas contas do governo nos próximos três
anos. Descartaram a adoção de um pacote econômico e medidas drásticas
para acertar as contas do país. Segundo Joaquim Levy, os ajustes serão
graduais, porque o Brasil não vive uma crise (…)”
Epa! Como
assim? Se Levy implementará o modelo de gestão que o ministro da Fazenda
que Aécio Neves disse que nomearia, caso fosse eleito, prometeu adotar,
então deveria ter, como Armínio Fraga, dito que o Brasil vive uma grave
crise que requer justamente ao contrário, ou seja, “medidas drásticas para acertar as contas do país”.
Não
foi o que ele disse. Ele e os outros membros da equipe econômica. Ah,
ele está fazendo média com Dilma? Bem, se está fazendo média ou não,
tanto faz. Sua declaração não é a que daria Fraga ou o possível ministro
da Fazenda de Marina Silva, Eduardo Gianetti. Sem uma declaração
catastrofista não se pode dizer que a nova política econômica será
draconiana como a que prometiam o PSDB e o PSB durante a última campanha
eleitoral.
Além disso – agora no campo dos fatos efetivos e não do que eles parecem ser –,
a proposta da nova equipe econômica para o maldito superávit primário
está longe de ser “draconiana”. Outro trecho do Jornal Nacional revela
que o ajuste será mesmo gradual, de forma a não gerar desemprego e
arrocho salarial:
“Ele [Levy] anunciou que o governo pretende fazer, em 2015, um superávit primário (economia para pagar os juros da dívida pública) de
1,2% do PIB – que é a soma de todos os bens e serviços produzidos no
país num determinado período. Esse número é menor do que a previsão
feita pelo governo em agosto, de 2%, mas é maior que a economia esperada
para 2014. Para 2016 e 2017, a meta é de um superávit primário 2% do
PIB”
Para quem não sabe, no tempo de FHC/Armínio Fraga (2002) o Brasil chegou a fazer superávit primário de 4,06% do PIB, o que fez o desemprego explodir para cerca de 12% no país. E, em 2003, primeiro ano do primeiro governo Lula, o superávit primário teve a maior meta da história, de 4,25%.
Detalhe: quem fez aquele superávit primário do primeiro ano de Lula foi Antonio Palocci, do PT.
Porém, como o mundo vai saindo da crise – sobretudo porque os EUA estão saindo, após mais de 5 anos de uma quase depressão econômica –, agora é hora de se preocupar com a higidez das contas públicas.
Tivemos
recursos para bancar a preservação do povo brasileiro dos horrores da
crise internacional. Foi como se tivéssemos uma gorda poupança da qual
retiramos uma pequena parcela para atravessar um período difícil e,
agora que a situação começa a melhorar, trataremos de repor o que usamos
daquela reserva.
Por conta da boa situação de caixa do país,
pode-se adotar, paulatinamente, uma fórmula que, mais do que as contas
públicas, terá o condão de melhorar um componente da economia que,
devido à política, contribuiu para manter o país estagnado durante o
período em que o governo Dilma foi mais “heterodoxo”, por assim dizer: a
taxa de investimento privado, que foi brecada por aquelas injunções
políticas e pelo temor dos investidores que se estabeleceu.
Aliás,
convenhamos, muito empresário segurou investimentos visando criar uma
situação-limite para a política econômica, em uma espécie de chantagem
política do capital contra o Estado.
Não adiantaria Mantega tocar
a mesma política econômica dura que tocou Palocci durante o primeiro
governo Lula porque antecessor de Levy perdeu a confiança do mercado ao
cumprir a determinação de Dilma Rousseff de afrouxar o garrote das
finanças públicas de modo a que o país não mergulhasse no desemprego e
no arrocho salarial. Assim, Levy e outros ministros conservadores
pretendem, agora que a direita midiática perdeu a eleição, fazer com que
os empresários parem de pirraça e voltem a investir, o que é vital para
o país.
É simples assim, leitor. Por conta disso, a opinião
deste Blog é a de que você não precisa se preocupar com seu emprego. Mas
é claro que aqui tampouco se recomenda que continue comprando o último
modelo de carro ou de celular, viajando toda hora de férias com a
família etc. É hora de poupar para ajudar o país a atravessar um par de
anos menos duros do que foram os primeiros anos do primeiro governo
Lula, mas, ainda assim, mais duros, do ponto de vista fiscal e
monetário, do que entre 2006 e 2014.
PS: a nova equipe
econômica também irá produzir um outro efeito benfazejo. Qual seja, o de
reduzir o custo-benefício do golpe “paraguaio” que vem sendo articulado
pela direita midiática praticamente à luz do dia."
FONTE: escrito por Eduardo Guimarães , no seu "Blog da Cidadania" (http://www.blogdacidadania.com.br/2014/11/escolha-da-nova-equipe-economica-visou-destravar-investimentos/).
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