Mino Carta na Carta Capital
Ódio de classe nas marchas e as contribuições de Fernando Henrique ao besteirol nacional
Que
sobra das manifestações de domingo 16 de agosto? Ódio de classe.
Inextinguível, inesgotável, inexorável ódio de classe. Insuportável para
qualquer democrata autêntico. Não figuram na categoria, obviamente, os
barões midiáticos e os seus sabujos. Tampouco, Aécio Neves e o tucanato
em geral, encabeçado por Fernando Henrique Cardoso. Diriam dele as vovós
de antanho: está gagá.
Ao contrário do que divulgaram os
jornalões de segunda 17, as manifestações não foram o sucesso esperado
pelos organizadores. Reunir 800 mil brasileiros em 169 municípios de um
país de 200 milhões de habitantes não impressiona, apesar das reações
entre eufóricas e triunfantes da mídia e da oposição. A última versão
dessas novas marchas da Família, com Deus e pela Liberdade levou às
ruas, meses atrás, o dobro de participantes. Nem esta comoveu.
Uma
pesquisa do Datafolha nos diz quem compareceu: mais homens que
mulheres, bem mais brancos que pretos ou pardos, a maioria passou dos 51
anos de idade e mais de 70% votaram em Aécio Neves. Como as marchas do
golpe de 64, manifestações burguesas e burguesotas, como de resto prova o
grau elevado de escolaridade dos marchadores, a denunciar ao mesmo
tempo o baixo nível das nossas escolas.
Sim, o pessoal está
movido a ódio de classe, com particularidades tropicais. A vocação
festeira e o impulso ficcional da fantasia estimulado pela estiagem. Não
ganham a praça para clamar contra Dilma, Lula e o PT, e sim contra o
que supõem ser a presidenta, o ex-presidente e seu partido. Figuras
romanescas que em outros tempos chamariam de comunistas, representantes
de uma esquerda metida a redentora do povão enquanto chafurda na
corrupção. Algo assim como um Robinson Crusoe que caiu na gandaia.
CartaCapital
há mais de uma década lamenta que o PT tenha se portado no poder como
todos os demais partidos. No caso de Dilma Rousseff, enxerga uma
presidenta que descumpriu as promessas da campanha, inapetente no jogo
político, proba, porém, acima de qualquer suspeita. Quanto a Lula, é o
presidente mais amado do Brasil pós-ditadura a despeito do chamado
“mensalão”, seu governo foi o primeiro a implementar uma política
social, modesta, e uma política internacional independente, primorosa.
Vale
acentuar também que, no hediondo capítulo dos escândalos, o PT no
governo é bem menos vistoso do que o PSDB. À sombra de dois mandatos de
FHC, o tucanato esbaldou-se diante do olhar conivente e protetor da
mídia nativa. Nuvens imaculadas singraram os céus e o PSDB, capaz de
escândalos monumentais, se assumia como partido da reação e seu
presidente mergulhava nos braços de Clinton.
Nestes dias FHC se
apressa a uma contribuição póstuma, digamos assim, ao saudoso Febeapá de
Stanislaw Ponte Preta, uma das figuras do passado que faz tanta falta
ao Brasil de hoje, parvo quando não vulgar, incapaz de graça, menos
ainda de relâmpagos de humor como já se deu nos tempos idos e
sepultados. Se bem entendi, do alto da sua comprovada vocação de
contorcionista do retoque constitucional. FHC propõe agora mais uma
reforma, pela qual o presidente, embora eleito conforme a lei, teria de
renunciar tão logo as pesquisas indicassem desfavor popular.
Conclusão:
Dilma Rousseff teria de entregar-se passivamente a um “gesto de
grandeza” e renunciar à vista das pesquisas negativas, a tornarem seu
governo “ilegítimo”. Deixo a Marcos Coimbra a tarefa de confrontar FHC
presidente com a atual presidenta (páginas 28 e 29). Registro apenas que
o PSDB adere de pronto ao pensamento do seu príncipe para justificar o
abandono da ideia do impeachment impossível.
Realista, pelo
contrário, a análise do ex-ministro das Comunicações de FHC, Luiz Carlos
Mendonça de Barros, grande personagem da maior bandalheira/roubalheira
da história do Brasil, as privatizações tucanas, quando chamava o então
presidente de “bomba atômica” ao lhe atribuir poderes nucleares. Diz
ele, talvez inspirado por sua condição recente de empresário, além de
investidor, que a solução conveniente está hoje no “acordão”, que
prefiro chamar, mais propriamente, de conciliação das elites. A qual
está em gestação, nas barbas de tucanagens, marchas e panelaços.
Os
jornalões divulgam o besteirol tucano em uníssono e em manchetes,
enquanto o governo acuado exibe sua incapacidade de reação à altura, que
se recomendaria enérgica, com o exato tempero da ironia. Como se vê, a
crise não é somente econômica, política e social, é também cultural.
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