quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Levy vai ao Senado defender proposta de Serra

Najla Passos, na Carta Maior

A presença inesperada do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, na audiência pública promovida pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, na manhã desta quarta (18), desequilibrou o debate sobre Projeto de Resolução do Senado (PRS) 84/2007, àquela proposta fiscal do senador José Serra (PSDB-SP) que visa fixar limites rígidos para a dívida pública da União.

Contrariando a posição que até então vinha sendo expressa por representantes do governo, Levy defendeu o projeto do tucano. "É uma proposta que pode nos servir muito bem se acompanhada de outras medidas que possam enfrentar o aumento do gasto corrente. Com isso, podemos tomar medidas para garantir o nosso grau de investimento e garantir que a dívida não venha a nos estrangular", afirmou.

Na composição da mesa, inclusive, constavam representantes do Tesouro Nacional e do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), ambos críticos ao projeto. Entretanto, o presidente da CAE e líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT-MS), concedeu à Levy não só o privilégio de falar antes dos demais debatedores, como também o de responder às perguntas dos senadores.

Com isso, quando a palavra foi enfim passada aos demais participantes, a reunião já estava esvaziada. A maioria dos senadores, portanto, saiu com a impressão de que a posição de Levy é consensual. Só os poucos que ficaram até o final – como o próprio Serra e o senador Lindberg Farias (PT-RJ) – atestaram as enormes discordâncias entre órgãos do próprios governo em relação à efetividade da medida.

Austeridade fiscal permanente

A proposta de Serra prevê que, no prazo de 15 anos, a dívida líquida da União não possa ultrapassar 2,2 vezes a receita corrente líquida, enquanto a dívida bruta seja fixada em, no máximo, 4,4 vezes a mesma receita. Até lá, vale uma regra de transição tão severa quanto, que obriga o país a fazer superávits primários muito acima do que a média histórica tem mostrado razoável. “Nós temos que ter um horizonte para quem investe na economia brasileira. Nós temos que ter metas de longo prazo”, justificou Serra.

Crítico do projeto, Lindberg Farias argumentou que o objetivo é implantar um plano de austeridade permanente, que jogará o país ainda mais na recessão. “O que vocês estão propondo aqui é uma radicalização de metas que mexe sim com a vida do povo, pois implicará, por exemplo, em cortes de programas sociais”, criticou.

Sub-secretário do Tesouro Nacional, Otávio Ladeira de Medeiros explicou que o órgão fez várias projeções de cenários para o país, dos mais pessimistas aos mais otimistas, e foi categórico em relação aos resultados negativos. “Mesmo no cenário mais otimista, não conseguiremos atingir os limites de endividamento que a proposta prevê”, diagnosticou.

Para ele, a proposta irá fazer uma sinalização negativa para o mercado. “Um limite não alcançável pode passar uma mensagem errada para a sociedade e para os investidores. E os investidores deixarão de comprar títulos públicos”, acrescentou.

Medeiros também enfrentou o argumento utilizado pelos defensores do projeto de que é preciso fixar limites para o endividamento da União porque estados e municípios, desde a sanção da Lei de Responsabilidade Fiscal, em 2000, já são obrigados a cumpri-los. “Não é possível comparar os limites da União com os de estados e municípios, porque só a União é responsável por fazer política macroeconômica, definir a politica fiscal do país, gerar títulos públicos. É outra atribuição”, justificou.

Já o economista e pesquisador da FGV, José Roberto Afonso, apelou para a velha estratégia de criar uma contraposição falaciosa entre técnico e político. Em defesa do projeto de Serra, ele tratou os limites de endividamento como uma premissa que não admite outra solução. Na concepção dele, fixar limites para a dívida pública significa discutir as regras do jogo, e não o jogo em si. Em outras palavras, ele acredita que, mesmo com metas rígidas, os governos ainda poderão definir políticas mais ou menos anticíclicas. “Nós estamos tratando de regras. Não de política”, justificou.

Professor da Unicamp, Pedro Paulo Zahluth Bastos reforçou o diagnosticou feito pelo representante do Tesouro Nacional. Segundo ele, as metas impostas pelo projeto de Serra são inviáveis e, para agravar o problema, foram construídas sobre graves equívocos técnicos: como hoje a dívida bruto está em 7,1 vezes a receita corrente líquida, trazê-la para os 4,4 propostos significará fazer um superávit de R$ 1,75 trilhões, ou 31% do PIB.

Chefe da Assessoria Econômica do MPOG, Manoel Pires, também rechaçou a proposta. Segundo ele, ao contrário do que disse José Roberto Afonso, os limites para o endividamento da União interferem sim no jogo e limitam o campo de decisão dos governos. Pires disse que até o FMI, uma instituição conservadora, já admitiu que a limitação da dívida da União não fortalece o controle fiscal, conforme aponta em estudo de 2012.

Ele também contestou a informação apresentada pelo colega de que todos os países fixam limites de endividamento. E mais, demonstrou que os limites, quando impostos aos países, são muito menos draconianos do que os estabelecidos por Serra. “Para os países da União Europeia, são de 60% do PIB. Na Nova Zelândia, fica entre 20% e 30% do PIB”, exemplificou.

Professor de Economia da UFRJ, José Luís Oreiro, se manifestou favorável à proposta e apresentou projeções em que a União alcançaria com facilidade as metas impostas. Mas Pedro Paulo contestou os cenários propostos por ele. “Trabalhar com uma projeção de Taxa Selic de 3,5% é ser extremamente otimista, é escolher o parâmetro que satisfaz o argumento”, criticou. Em tempo: a Selic hoje está fixada em 14,15%.



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