Palmério Doria.
Muito antes das expressões "bullyng" ou "assédio moral" se tornarem
corriqueiras, pude comprová-las na pele. Inicialmente na forma de sutis
consultas, telefonemas despretensiosos, convites para almoços ou cafés.
Eu, o saudoso Sérgio de Souza, o grande editor de Caros Amigos, e
todos os colegas envolvidos na apuração da histórica matéria que
revelaria ao Brasil a proteção da imprensa a Fernando Henrique Cardoso
no caso de seu filho de 8 anos com Miriam Dutra, jornalista da Rede
Globo.
Era o verão de 2000. Entre a definição da pauta, em fevereiro, e a
publicação da reportagem que entrou para a história do jornalismo
independente em nosso país, em abril, meu caráter foi submetido a
leilão. Reportagem, aliás, classificada pelo jornalista Ricardo Setti
ainda outro dia no Roda Viva como "irresponsável", sem qualquer
contestação dos colegas ali reunidos.
Instalado, durante todo o mês de março, num hotel de luxo dos
Jardins, o lobista Fernando Lemos ofereceu dinheiro, empregos, sinecuras
e distribuiu ameaças. Tudo para que a tal reportagem não fosse
publicada. Eu (ou meus companheiros de Caros Amigos) poderia ter ficado
rico, me tornado alto funcionário da Petrobras (como propuseram, e hoje
"defendem" a Petrobras), resolvido os crônicos problemas de caixa de
Caros Amigos ou o que pedisse. Tudo me foi oferecido, sem rodeios.
Contei tudo isso em detalhes no livro "O Príncipe da Privataria" com
Mylton Severiano, outro mestre soberano (Geração Editorial, várias
edições), responsabilizei o lobista Fernando Lemos, cunhado de Miriam
Dutra e "operador" de FHC, em inúmeras matérias aqui e acolá. Uma delas,
em 27 de junho de 2011, no Brasil247, sob o título A Última Exilada,
com o qual Miriam Dutra hoje se apresenta. De nada.
Nem Lemos (morto em 2012), nem FHC, nem Miriam me processaram.
Fernando Lemos morreu biliardário e não se deu ao trabalho de gastar um
mísero centavo para tentar provar que seu comportamento, por mim
relatado, não havia sido nefasto e corruptor. Enfim, faz 16 anos e estou
sentado, na cadeira de balanço, debaixo da jaqueira, na curva do rio e
sequer uma interpelação judicial.
Com um atraso de exatos 15 anos e 10 meses, Miriam Dutra resolve
contar o que revelamos no outono de 2000. Antes tarde do que nunca.
Hoje, nas páginas da Folha – que à época, em discreta nota na coluna
Painel justificou seu tumular silêncio, apelando para a surrada tese de
que seria uma questão relativa à vida pessoal de FHC e de sua ex-amante -
explode a entrevista bombástica de Miriam. Está tudo lá. Um repeteco
ampliado e pormenorizado do que há 16 verões publicamos diante do
silêncio indecente da grande imprensa.
E há acréscimos importantes: aparece uma das tais empresas nas Ilhas
Cayman que arrepiam as penas do tucanato; o nome da Brasif, empresa
detentora do negócio bilionário dos Free-shop nos aeroportos fazendo
favor financeiro ao presidente da República (imaginem se fosse o Lula);
as contas recheadas de FHC em bancos no exterior; a bolsa família paga
com dinheiro arrecadado pelo lobista entre empresários que tinham
relação promíscua com o governo de FHC; a relação lodosa com o filho que
ele teria reconhecido e não teria reconhecido; um apartamento de
milhares de euros na cara Barcelona presenteado ao filho que é filho e
não é filho; a grave declaração de Miriam de que houve fraude no exame
de DNA (quem comprou um Congresso Nacional para se reeleger não
compraria um funcionário de laboratório? Entra na dança Mario Sergio
Conti, aquele que entrevistou o sósia do Felipão como se fosse o próprio
treinador em plena Copa do Mundo, que em 2000 me brindou com
impropérios pelo telefone. Agora como o jornalista que usou sua condição
de diretor de redação de Veja para lançar um cortina de fumaça sobre a
gravidez da jornalista, em conluio com Fernando Henrique, além
engavetador-geral de matérias.
Resta uma pergunta à própria imprensa, aos justiceiros do Ministério
Público, aos irrequietos delegados da Polícia Federal, aos plutocratas
de São Paulo que viajam em seus jatinhos até Nova York e vestem seus
smokings cheirando naftalina em regabofes cafonas organizados pelo João
Dória (pausa para sonora e gostosa gargalhada) para louvar o presidente
que quebrou o Brasil três vezes; às "senhoras" de Higienópolis; aos
Marinho, aos Frias, aos Saad e aos falidos Civita e Mesquita, além dos
patéticos paneleiros de todo o Brasil:
Vocês não se envergonham de dizer que não sabiam de tudo isso?
Lembra aquela foto do FHC pedante, imperioso, deslumbrado. "Umbigo
delirante" (licença, Millôr). Retrato em branco e preto de alguém que
não amadureceu. Apodreceu. Muito longe do cicerone de Sartre no Brasil
dos anos 50, ou do exilado no Chile, ou do aplicado professor auxiliar
do mestre Florestan Fernandes.
Não se pode negar que FHC enfim caiu na boca do povo. Não enganou só
Dona Ruth. Nem só a amante, por ele abandonada. Ele enganou todo um
país.
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